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1 2 Complementação Pedagógica Coordenação Pedagógica – IBRA 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DO CURSO UNIDADE I DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM Que é aprendizagem Problema de avaliação Distúrbios de aprendizagem – uma definição Fases da aprendizagem Atenção e aprendizagem Aspectos diferentes da atenção Atenção seletiva Dificuldades de atenção e aprendizagem Medidas de atenção Distúrbios de aprendizagem considerados como atraso no desenvolvimento da Atenção seletiva UNIDADE II PRINCIPAIS CAUSAS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E DE AJUSTAMENTO ESCOLAR Distúrbios neurológicos e outras causas responsáveis por problemas de leitura e escrita e aprendizagem geral O processo de aquisição de linguagem Distúrbios essencialmente neurológicos de aprendizagem Retardamento mental 4 Lesão cerebral Ausências ou disritmias Disfunção cerebral mínima, genética ou congênita Características da criança com disfunção cerebral mínima Outras dificuldades associadas à DCM Deficiências de aprendizagem apresentadas por crianças com DCM Dislexia Distúrbios da motricidade Transtornos na psicomotricidade Atraso de maturação Hiperatividade Esquema corporal . percepção Coordenação visomotora Percepção figura-fundo Percepção da constância Percepção da posição no espaço Percepção das relações espaciais Orientação e estruturação do espaço e tempo Organização temporal Outras causas das dificuldades de linguagem UNIDADE III – Página 83 a120 TRANSTORNOS DE LINGUAGEM 5 Transtornos da Linguagem oral e escrita Diagnósticos Estratégias de Intervenção UNIDADE IV DISTÚRBIOS EMOCIONAIS COMO PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM Comportamentos perturbados Autismo infantil precoce Fracasso escolar Dificuldades de aprendizagem Distúrbios de aprendizagem Subnormalidade mental Distúrbios psicofisiológicos ou psicossomáticos Os transtornos do aparelho digestivo A obesidade A recusa do alimento Enurese e encoprese Os tiques Masturbação em público Os comportamentos excessivos (para mais ou para menos) Os comportamentos agressivos Os comportamentos retraídos Ansiedade 6 Comportamentos perturbados (medos e fobias) Comportamentos psicóticos Causas intelectuais dos principais problemas de aprendizagem e Ajustamento escolar A inteligência Origens dos problemas mentais dos subdotados. - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7 APRESENTAÇÃO O Curso “Distúrbios de aprendizagem” foi elaborado com a intenção de alertar professores para os múltiplos fatores que interferem no processo de ensino-aprendizagem, prejudicando-o gravemente. Geralmente apenas os problemas de leitura, escrita e matemática são considerados distúrbios de aprendizagem. Entretanto, como veremos, há muitos outros a considerar. Os educadores têm consciência de que às vezes há crianças em quase todas as salas de aula que, embora consideradas normais sob outros aspectos, apresentam desempenho em nível inferior ao seu potencial presumível. Para algumas dessas crianças a dificuldade limita-se a uma determinada matéria, como seja a leitura e/ou matemática; para outras, é mais extensa, impedindo-lhes o desempenho em muitas áreas. Os distúrbios de aprendizagem constituem um sério problema para as crianças, educadores e para seus pais que esperam resultados positivos no desempenho de seus alunos/filhos na escola. UNIDADE I 8 DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM “Distúrbios de aprendizagem” é um termo que desperta a atenção para a existência de crianças que frequentam escolas e apresentam dificuldades de aprendizagem, embora não aparentem defeito físico, sensorial, intelectual ou emocional. Por longos anos, tais crianças têm sido ignoradas, mal diagnosticadas ou maltratadas e a dificuldade que demonstram tem recebido várias designações, como “hiperatividade”, “síndrome hipercinética”, “síndrome de criança hiperativa”, “lesão cerebral mínima”, “disfunção cerebral mínima”, “dificuldade na aprendizagem”. Com a introdução do termo “distúrbios de aprendizagem” (Kirk & Bateman, 1962) e sua ampla aceitação tanto no meio profissional como no meio leigo, introduziu-se uma certa ordem nesse campo. Isto somente pode beneficiar as crianças objeto do presente estudo. Ao mesmo tempo, não devemos deixar de considerar que este termo abrange uma variedade de crianças com problemas de diferentes espécies e que apenas têm em comum a dificuldade de aprendizagem nas condições normais de sala de aula, sem que se evidencie a razão identificável dessa dificuldade. Deve ser lembrado, também, que os Distúrbios de Aprendizagem podem ser genéricos, e, assim, abranger muitas áreas teóricas da matéria, ou específica, quando uma criança possa não apresentar dificuldades de aprendizagem, exceto em determinada matéria, como leitura, dicção ou matemática. Distúrbios de Aprendizagem compreendem, pois, uma variedade de crianças, e 9 nenhum método de ensino ou de tratamento pode ensejar solução ao problema que apresentam. Entre as crianças sob essa denominação, muitas em meio à massa de estímulos sensoriais que as influenciam, parecem ter dificuldade de selecionar o estímulo que é relevante para a tarefa proposta. Outras podem aperceber-se de estímulos de uma forma atípica, e outras ainda parecem codificar informações de uma forma inaproveitável ou ineficiente. Algumas dessas crianças parecem impulsivas, outras hiperativas, outras sujeitas à distração, e outras pouco motivadas. Existem as que são portadoras de anormalidades que podem ser detectadas nas funções cerebrais e outras que, subsequentemente, adquiriram baixo grau de auto-estima, perspectivas de insucesso, alto grau de ansiedade ao se defrontarem com tarefas de aprendizagem, ou problemas de comportamento, como agressividade, ou de retraimento. São necessárias muitas pesquisas para se determinar como a categoria dos Distúrbios de Aprendizagem deve subdividir-se a fim de se atingir maior homogeneidade. Ante uma categoria que abrange tão grande variedade de crianças, alguns são levados a concluir que o termo “Distúrbio de Aprendizagem” é inexpressivo e deve ser posto de lado, pois não há duas crianças iguais, de forma que a única abordagem possível é a de tratar cada criança como um caso único. Essa radicalização afigurar-se-ia contraproducente do ponto de vista de ajuda à criança em particular, assim como se constituiria na abordagem oposta, segundo a qual todas as crianças com distúrbio de 10 aprendizagem devem ser tratadas de forma semelhante. A fim de se decidir se distúrbios de aprendizagem é um conceito válido, é interessante estabelecer-se a diferença entre Distúrbios de Aprendizagem, como uma categoria para crianças com problemas similares, e “Distúrbios de Aprendizagem” como indicação para uma criança específica. Para se designar uma categoria, “distúrbios de aprendizagem” é termo válido. Alerta para a existência de um problema e, ao facilitar a comunicação entre os que se preocupam com esse problema e se interessam em sua solução, pode contribuir para uma eventual solução. Ao contrário dos termos anteriores como “disfunção cerebral mínima” “distúrbios de aprendizagem” é puramente descritivo e não traz implicação de causa que, a esta altura, não foi definida. Além disso, ao enfatizar que essas crianças têm dificuldade de aprendizagem, o termo atribui a responsabilidade de auxílio a tais crianças diretamente ao âmbito da educação, e não ao da medicina, como o fazem as referências às funções cerebrais. Como designação de uma criança, individualmente, o termo“distúrbios de aprendizagem” é mais vago. Como todos os outros em uso no campo das desordens psicológicas, é apenas descrição e não explicação do problema que se observou. Se uma criança apresenta dificuldade de aprendizagem e alguém a designa (ele ou ela) como portadora de distúrbio de aprendizagem, há sempre o perigo de, havendo-se encontrado uma designação imprecisa para a criança, cessarem os esforços no sentido de ajudá-la, porque a designação é considerada como uma explicação do problema. A afirmação: “Ele é portador de distúrbios de aprendizagem, razão por que, certamente, 11 não se pode esperar que aprenda” sempre serve como desculpa a fim de se desistir dos esforços para ensinar tal criança. Quando empregado dessa maneira, o termo “distúrbios de aprendizagem” é evidentemente contestável. Por outro lado, se a criança está num sistema educacional em que os esforços de ensino especializado são empreendidos objetivando crianças que se classificam na categoria de “portadoras de distúrbios de aprendizado”, a designação, quando aplicada corretamente, pode oferecer oportunidades de aprendizagem, o que, na hipótese contrária, resultaria ineficaz. Entretanto, a designação por si mesma não levará à experiência de aprendizagem especializada que se requer para cada criança em particular. Isto em razão de a categoria ainda ter uma abrangência muito ampla. Cada criança precisa ser avaliada em separado, de forma que o plano educacional possa ser pertinente às forças e às fraquezas que ele ou ela apresentarem. Eventualmente, como salienta Senf (1972), devemos estar aptos a identificar subcategorias na área dos Distúrbios de Aprendizagem. A essa altura capacitar-nos-íamos a fazer um levantamento geral das abordagens educacionais que melhor se apliquem a crianças de um determinado grupo. Até então, a designação “distúrbios de aprendizagem”, em se tratando de uma criança em particular, pode ser considerada válida apenas se serve como chave administrativa que enseja à criança acesso a recursos disponíveis. No entanto, como veremos, mesmo a adoção de um termo genérico como “distúrbios de aprendizagem” é contaminada de problemas conceituais, semânticos e metodológicos, que tornam seu uso nada fácil. 12 O QUE É APRENDIZAGEM? Antes que se possa definir “distúrbios de aprendizagem”, isto é, antes que se possa falar da condição em que não se realize aprendizagem, é preciso decidir como se pode falar da ocorrência de aprendizagem. Em outras palavras, para definir “distúrbios de aprendizagem”, é necessário definir “aprendizagem”. Até agora, “aprendizagem” é um conceito singular. A palavra é um termo familiar da linguagem do dia-a-dia e todos, presumivelmente, sabem o que significa, mas, se nos detivermos por um momento em seu sentido, veremos que escapa a uma pronta definição. O fato de dizermos que aprendizagem é a aquisição de conhecimento ou de especialização, não nos ajuda muito para chegarmos ao significado de “aprendizagem”. A base para este dilema reside em que aprendizagem é uma abstração, um conceito, uma síntese mental. Não é um objeto que se possa apontar, nem uma atividade que possa ser definida em termos de comportamento observável, como por exemplo, comer. Podemos dizer que comer é o processo de se colocar comida na própria boca e degluti-la. Pode-se apontar uma pessoa que esteja engajada nessa atividade e todos os que a estiveram observando concordarão em que essa pessoa está comendo. Aplique-se à aprendizagem o exemplo acima. Constituirá aprendizagem o fato de uma criança olhar a página impressa de um livro? 13 A que recorreríamos para demonstrar a alguém o que entendemos por aprendizagem? A aprendizagem é presumivelmente alguma coisa que se introduz na mente de uma pessoa, não sendo, pois, nada que se possa apontar. É um processo oculto, e não uma ação ostensiva. É preciso que se observe determinado comportamento que requeira especialização ou conhecimento e, em seguida, registrar uma alteração positiva nesse comportamento. Sob certas circunstâncias, pode-se dizer, depois, que a alteração decorreu da aprendizagem. Em outras palavras, a aprendizagem não pode ser observada enquanto se processa, mas somente depois que se realiza. A aprendizagem não é um comportamento, mas uma alteração de comportamento. Também não é um evento singular, mas um sistema de fases inter-relacionadas. Estas, impõem por sua vez um processo complexo. Quando o sistema inteiro se classifica sob a designação de “aprendizagem”, estamos lidando com uma abstração conhecida em ciência como síntese mental hipotética. As sínteses mentais hipotéticas são invenções válidas, porque auxiliam na ordenação de muitas observações e facilitam o debate. As pesquisas que visam à descoberta da relação das muitas variáveis envolvidas na síntese mental, servem frequentemente para promover o conhecimento. Ainda que válidas, as sínteses mentais hipotéticas apresentam também desvantagens. Entre estas destaca-se o uso descuidado que pode levar à visão da síntese mental como sendo uma explicação. Tomemos por exemplo a observação que se faça de um menino que, 14 ontem, incapaz de multiplicar 7 por 7, dá hoje resposta certa à mesma questão. Poder-se-ia perguntar por que hoje pode ele fazer aquilo de que ontem não foi capaz, e se chegar à resposta de que “assim procedeu em razão de ter aprendido a resolver a questão”. Evidentemente, nada foi explicado, uma vez que “aprendizagem” nada mais é que a designação que adotamos quando observamos aumento de especialização ou de conhecimento. PROBLEMA DE AVALIAÇÃO Como foi dito, a aprendizagem somente pode ser demonstrada observando-se uma alteração no comportamento em consequência de progresso em especialização ou conhecimento “sob certas circunstâncias”. Quais são essas circunstâncias? Uma é a em que, realmente, ocorreu um aumento da capacidade para solução de um determinado problema ou para lidar com uma determinada tarefa. A pessoa precisa ter passado do desconhecimento ao conhecimento, da incapacidade à capacidade. Para demonstrar tal transformação, é preciso que se conheçam os padrões de comportamento da pessoa em dois momentos: um primeiro registro do estado de incapacidade e, depois, o do estado de capacidade. Um teste prévio e um teste posterior. Como todos os padrões, este precisa ser seguro e válido. A segunda circunstância, que precisa ser considerada caso se tenha de atribuir à aprendizagem a alteração em comportamentos, 15 consiste em que certos eventos aos quais se possa atribuir o aumento de conhecimento precisariam ter ocorrido entre os dois momentos de observação. Esses eventos são oportunidades para que a criança adquira o conhecimento em questão. Comumente, isto se manifesta sob a forma da preocupação que alguém tem com comportamento, a qual definimos como ensino, embora, particularmente no campo da habilidade motora, as oportunidades de engajamento em métodos de ensaios e erros possam também preencher esse requisito. Não é preciso que aqui nos preocupemos com o resultado muitas vezes falso de pesquisa que investigasse se a alteração na habilidade é devida à maturação ou à experiência. Um certo nível de maturação precisaria ter sido atingido se a experiência devesse resultar em aprendizado e, para nada além do que as respostas motoras mais simples, a maturação e a experiência influiriam na realização de desenvolvimentos do conjunto de atitudes e reações de uma criança. Esta precisa atingir não somente um certo nível de maturação se quiser beneficiar-se do esforço que se empreendesse para lhe ensinar-lhe alguma coisa, como também o ensino deve ser compatível com seu nível atual de habilitação a que chegou por aprendizagem anterior e com suas condições físicas. A fim de nos capacitarmos a dizer se a aprendizagemrealizou- se, ou não, é necessário, portanto, que tenhamos uma medida válida da ignorância, uma oportunidade de adquirir conhecimento específico e, novamente, uma medida válida do conhecimento adquirido. Uma vez que as alterações na realização podem deixar de ser genuínas, como as alterações aparentes devidas a medidas falíveis, e desde que possam resultar de eventos outros que não a aprendizagem, tais como 16 as alterações na motivação, qualquer afirmação de que uma pessoa tenha aprendido alguma coisa é uma conclusão imprecisa. E o mais importante é que a realização que observamos para apurar se ocorreu aprendizagem, precisa ser relevante para a habilitação e conhecimento em que estamos interessados. No caso de habilitação motora, isto não representa muito de um problema. Se quisermos que uma criança aprenda a fazer o laço de seus sapatos, o critério de seu aprendizado resume-se em que ela possa realizar o ato de amarrar o cordão dos sapatos. Mas se quisermos que uma criança aprenda a ler, qual será o critério? É bastante que a criança possa olhar uma sentença e pronunciar as palavras corretamente? Isto é leitura? Evidentemente, é possível proceder dessa forma até um certo limite, mediante a simples memorização dos sons apropriados enquanto se ouvissem as palavras lidas por alguém. Ler, afinal, envolve a capacidade de extrair o significado da palavra escrita; dizer palavras em voz alta não é ler. Mas como se pode saber se uma pessoa é capaz de deduzir significado daquilo que lê? Agora, torna-se necessário introduzir a compreensão da síntese mental e descobrir meios de tornar perceptível a compreensão através de algum processo. Nós o fazemos formulando questões que somente podem ser respondidas por uma pessoa que tenha entendido o 17 significado dos símbolos escritos que ela tiver decifrado. Assim, tentamos chegar a um teste válido de compreensão, com todos os problemas de semântica, significado duplo, ambiguidade e irrelevâncias que o procedimento envolve. DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM – UMA DEFINIÇÃO Um Distúrbio de Aprendizagem apresenta-se quando a criança não manifesta subnormalidade mental geral, não é portadora de deficiência das funções visuais ou auditivas, não está impedida de desempenhar tarefas educativas em razão de distúrbios psicológicos desconexos e é dotada das vantagens proporcionadas por educação e cultura adequadas, mas que, não obstante, manifesta deficiente desempenho teórico. À parte aquelas condições que especificam o que não seja um distúrbio de aprendizagem, esta definição configura um círculo vicioso, pois estabelece, em essência, que um distúrbio de aprendizagem é uma incapacidade de aprender. Do conhecimento rudimentar que se tem desse campo, é de se ponderar que cada definição em uso focaliza o que não seja condição de incapacidade, não considerando o que é indeterminado e, portanto, ambíguo. Quando definido dessa maneira, o “distúrbio de aprendizagem” classifica-se numa categoria heterogênea. Pesquisas sugerem que muitas crianças portadoras de distúrbios de aprendizagem têm em comum um desenvolvimento retardado da aptidão de manter atenção seletiva. Podemos afirmar que o ritmo relativamente lento em que 18 essas crianças desenvolvem tal aptidão cria-lhes obstáculos no início de sua aprendizagem na escola, de forma que uma base educacional fraca dá origem a dificuldades teóricas futuras. Além do mais, outras características muitas vezes atribuídas a crianças com dificuldades de aprendizagem, tais como hiperatividade, perseveração, distração e impulsividade, derivam do problema de manutenção de atenção seletiva. O problema de manter atenção seletiva representa desenvolvimento retardado e é possível que seja a causa de um grande número de dificuldades de aprendizagem. FASES DA APRENDIZAGEM O fenômeno a que damos o nome de aprendizagem, e ao qual atribuímos as alterações perceptíveis de comportamento, não é um evento singular, mas uma série de eventos, cada qual devendo ocorrer antes que se possa inferir a realização de aprendizagem. Se uma criança tem dificuldade em qualquer ponto nessa série de eventos, essa dificuldade manifestar-se-á como um problema de aprendizado. Portanto se quisermos ajudar uma criança nessas condições, precisamos não somente apurar o ponto na série de eventos em que a dificuldade ocorre, como também nos certificar de que a ajuda que oferecemos é relevante para a dificuldade apresentada pela criança. Gagné (1970), sugere que cada ato de aprendizagem deve ser decomposto em fases distintas. 19 As fases e os processos concomitantes são: Motivação. Os behavioristas sustentam que a aprendizagem se realiza quando a uma resposta se segue uma recompensa. Mas, afirmam ainda, desde que um indivíduo (homem ou mulher) tenha passado por uma contingência dessa ordem, esperará, provavelmente, que à resposta que emitir, seguir-se-á algum evento desejável. Essa expectativa servirá então como incentivo que motivará o aprendiz a tomar conhecimento da tarefa de aprendizagem e a se deter nela. Para a maioria das crianças em idade escolar, essa motivação é um tanto sutil e difícil de se identificar. Provavelmente, trabalham porque descobriram que a aprendizagem resulta em maior competência, o que, por sua vez, permite o domínio de novas tarefas. Na leitura, por exemplo, o incentivo pode muito emergir do reconhecimento de que saber ler permite a descoberta de coisas interessantes a respeito do mundo. Dessa maneira, a criança engajar- se-á eventualmente na leitura “para seu próprio bem”, com a alegria da recompensa que a leitura lhe proporcionará. Outras motivações podem influenciar outras crianças. O elogio feito por um adulto que exerça ascendência sobre a criança, a alegria pelo êxito obtido, a vitória em competição ou o contentamento que advém da realização contam-se entre as muitas e complexas motivações humanas. Algumas crianças, e especialmente as que registram reiterados insucessos em tarefas relacionadas com a escola, não mais esperam 20 que seus esforços as conduzam à recompensa. É para essas crianças que alguém empenhado em ajudá-las precisa primeiro estabelecer a motivação, insinuando-lhes uma expectativa de recompensa. Isto pode tomar a forma da oferta de reforços muito concretos, até que se tenha realizado uma aprendizagem mínima, após a qual se possa acenar, com reforços mais abstratos (tais como a satisfação de um trabalho bem feito). Apreensão. Desde que a criança (menino ou menina) tenha sido motivada a fazer o trabalho envolvido em aprendizagem, a fase seguinte e a mais crucial é aquela em que a criança atende ao estímulo relevante de aprendizagem. Tendo aberto o livro, a criança precisa prestar atenção, seletivamente, à letra ou à palavra que desejamos ensinar-lhe. Há razões ponderáveis para acreditar-se que as crianças com distúrbios de aprendizagem têm dificuldades em manter a necessária atenção seletiva para aprendizagem adequada. O professor pode ajudar essa criança, variando a nitidez dos estímulos, mediante informações cuidadosas sobre aquilo a que a criança deve prestar atenção; desenvolvendo a atenção seletiva como uma estratégia de reação; e mediante a extensão gradual do período durante o qual se exija de uma criança que mantenha atenção seletiva. O que é contraproducente são as exortações de ordem geral como “Prestem atenção”, ou “Observem o que vocês estão fazendo”. 21 Aquisição. Aqui chegamos ao âmago do processo de aprendizagem, em que a matéria apresentada ao aprendiz (menino ou menina) precisa penetrar em seu sistema cognitivo para “armazenamento” como memória, de forma que possa mais tarde ser evocada e posta em uso. Nesta fase, os eventos são internos e somente podemos tirar inferências a respeito quando os eventos subsequentesperceptíveis ocorrerem. O professor pode auxiliar uma criança nessa fase, sugerindo-lhe estratégias para codificação, mas é difícil apurar se a criança está tendo ou não dificuldade nessa fase. Em parte, isto ocorre porque é quase impossível distinguir os problemas no nível de aquisição dos que se verificam nas duas fases seguintes. Retenção e evocação. Desde que o aprendiz tenha adquirido uma parcela de informação, precisa ser capaz de retê-la e de evocá-la na ocasião apropriada. Esta é a área da memória, tema que durante muitos anos vem sendo objeto de vastos estudos, mas a respeito do qual sabemos relativamente pouco. Embora a criança que apresente um problema de aprendizagem sempre demonstre não ser capaz de evocar alguma coisa que tenha presumivelmente aprendido, é provável que seu problema resida mais nas primeiras fases, como seja motivação, atenção seletiva ou codificação, do que em defeitos reais de armazenamento ou de recuperação de memória. Esta informação fundamenta-se na observação de que as crianças portadoras de distúrbios de aprendizagem não demonstram deficiência de memória para outras matérias que não as relacionadas com a escola, e que, 22 mediante ajuda nas primeiras fases, não têm dificuldade para a evocação posterior. Há certos recursos para retenção e evocação. A insistência na aprendizagem, muitas repetições da tarefa aprendida além do ponto em que se deseja a evocação imediata, podem ser indicados para facilitar a evocação posterior. Generalização. Uma vez adquirida determinada parcela de informação, o aprendiz precisa ser capaz de usá-la em várias circunstâncias e situações diferentes. Tendo aprendido a ler uma palavra no contexto de uma sentença, a criança precisa ser capaz de ler essa palavra quando for encontrada numa sentença diferente ou em lugares diferentes. Este processo de transferência deve ser o objetivo principal de todo o ensino, pois não é suficiente que uma criança aprenda a evocar certos fatos na sala de aula; ela precisa ser capaz, também, de evocá- los fora da escola ou em classes diferentes e em contextos diferentes. A transferência é decisiva não somente em termos da matéria a ser aprendida, mas também em termos do próprio processo de aprendizagem. Vale dizer que processos como expectativa, atenção seletiva e codificação, que por si mesmos são comportamentos aprendidos, precisam ser acessíveis à criança não somente na situação de aprendizagem estruturada, mas também sob outras condições em que alguma coisa tiver de ser aprendida. A transferência pode ser enfatizada fazendo-se com que a criança use determinada parcela de informação ou habilidade sob uma 23 variedade de condições diferentes durante o processo inicial de ensino. Assim, uma palavra deve ser mostrada em contextos diferentes e escrita em dimensões diferentes e em diferentes superfícies, mas o professor deve ter sempre presente o fato de que o objetivo precípuo do esforço empreendido é ensejar à criança a leitura daquela palavra com o máximo de transferência. Vellutino, Steger,Moyer, Harding e Niles (1974) reportam-se a esse resultado quando salientam que a ajuda terapêutica à criança com distúrbios de aprendizagem deve visar ao máximo de transferência, sugerindo que o treinamento em habilidades não relacionadas com o objetivo precípuo do que está sendo ensinado, como dar treinamento com moldes geométricos distintos a uma criança que tem dificuldade de reconhecer letras ou palavras, pouco ou nada contribui para um programa terapêutico. Do mesmo modo, se uma criança tem de aprender a manter atenção seletiva, é melhor ensinar-lhe isto no contexto da leitura do que engajá-la em exercícios que envolvem atenção a partes de imagens ou a peças de quebra-cabeças. As estratégias educacionais devem relacionar-se diretamente com a habilidade a ser aprendida, e não com alguma suposta deficiência subjacente. Desempenho. O desempenho é, sem dúvida, a única prova de que se realizou aprendizagem, porque, então, o processo ressurge das operações internas do aprendiz e se torna perceptível. Conforme indicado no início do debate, a realização, ou não, de um determinado ato não nos revelará, necessariamente, se se efetuou aprendizagem. 24 Os resultados da motivação, a relevância da questão e a compreensão do que se requeira, tudo exige ponderação. Algumas crianças podem ter aprendido e ainda estarem incapazes de executar, mas isto comumente se relaciona com problemas de medo ou insucesso, ansiedade ante a perspectiva de avaliação ou o desejo de magoar um professor, o pai ou a mãe. Este não é um aspecto de distúrbio de aprendizagem no sentido em que este termo é aqui empregado. Retroação. Esta é a outra fase importante, frequentemente negligenciada pelos que pretendem ensinar. Depois que a resposta for dada, o aprendiz precisa receber não somente informações sobre a adequação (exatidão) da resposta, de forma a orientar as respostas futuras, mas também, confirmação da expectativa que fora estabelecida no início do ciclo de aprendizagem. Se essa expectativa não for confirmada, o aprendiz não somente desconhecerá se a resposta era aceitável, mas também falhará no desenvolvimento de expectativa de recompensa em futuros julgamentos de aprendizagem, com prejuízo para a aprendizagem subsequente. É muito provável que o reforço que segue uma resposta não se constitua somente em função motivadora, mas supra também importante retroação informativa. De fato, a retroação informativa pode bem ser a mais importante das duas funções de um reforçador. Conjecturas a respeito dos processos de aprendizagem de crianças com distúrbios de aprendizagem nunca de devem basear em observações de abordagens usadas por pessoa que se tornou perita 25 em determinada tarefa. Por exemplo, um leitor consumado decifra rapidamente todas as palavras e séries de palavras, sem o recurso a incentivos extrínsecos ou à retroação, para ser exato. A leitura para essa pessoa é um reforço em benefício próprio, mas este não é o caso da criança que está começando a adquirir essa habilidade, nem do jovem que não conseguiu aprender o uso adequado da habilidade. O próprio fato de que a criança (menino ou menina) requer auxílio terapêutico indica-nos que para ela a abordagem usual de ensino e as hipóteses de praxe não foram válidas e que devemos recorrer a métodos de ensino bem diferentes daqueles adotados para crianças que não têm problemas de leitura. Somente uma análise cuidadosa, individualizada, do processo de aprendizagem de uma criança com dificuldade de aprendizagem permitirá a seleção de um programa terapêutico apropriado. A generalização de conclusões de processos de aquisição normal, ou de processos do executor consumado, induz comumente a erro. Nas páginas seguintes, devemos rever algumas pesquisas recentes sobre a aprendizagem humana e procurar relacioná-las com a questão da dificuldade de aprendizagem. Atenção e Aprendizagem O que é atenção? Palavras que são empregadas na linguagem comum tendem a causar confusão quando são também usadas num sentido técnico por psicólogos. “Atenção” é uma dessas palavras. Atenção é um evento 26 oculto que não pode ser controlado diretamente. Dessa maneira, é muito parecido com o processo oculto de aprendizagem, que também não apresenta referência direta e só pode ser mensurado pela observação das alterações no desempenho. Se ambos são mensurados por uma alteração no desempenho, é possível apurar se a falta de alteração no desempenho é devida à atenção imperfeita, à aprendizagem imperfeita ou a ambas O que chamamos de atenção tem uma variedade de aspectos e, assim, pode significar coisas diferentes para diferentes pessoas. Berlyne apresentou importante contribuição para esse campo, auxiliando na diferenciação dosmúltiplos significados de “atenção” e sugerindo que o uso técnico da palavra seja limitado a apenas um aspecto, o da atenção seletiva. Aspectos diferentes de Atenção O ambiente de uma pessoa está repleto de estímulos potenciais, e da profusão de outros que surgem do interior de seu corpo. São estímulos potenciais, porque esses eventos não se transformam em estímulos funcionais até que constituam motivo para resposta. Se um determinado evento se constitui em motivo para resposta, depende do estado da pessoa, acordada ou adormecida, alerta ou indiferente, vigilante ou absorta. Em outras palavras, depende de seu estado de atenção. Qual a intensidade de atenção que uma pessoa está dando ao campo de estímulo como um todo é o que Berlyne (1970) identificou como os aspectos intensivos da atenção. Desses 27 pode-se diferenciar entre animação, atenção e grau de concentração. A animação geralmente associa-se a uma dimensão psicológica, que pode ser interpretada como além da continuidade do sono até o despertar. Foi demonstrada uma variedade de alterações psicológicas correlacionadas com animação e coincidentes com respostas a estímulos. Entre essas alterações fisiológicas, contam-se as do ritmo cardíaco e as da atividade elétrica do cérebro. Embora intimamente relacionada com a animação, a atenção identifica a disposição momentânea da pessoa para receber e processar estímulos. Berlyne sustenta que atenção e animação não são a mesma coisa, uma vez que nos estados extremos de animação (como no auge do excitamento) a atenção de uma pessoa a variações mínimas nos estímulos exteriores é frequentemente muito baixa. O grau de concentração, o terceiro dos aspectos intensivos da atenção, determina se a pessoa atende a uma série ampla ou restrita de estímulos sobrevindos. Por aspectos intensivos, Berlyne quer significar a identificação do quanto de atenção uma pessoa está dando ao campo de estímulos em geral. Como é distribuída entre os vários elementos do campo de estímulo, a intensidade de atenção seria determinada pelo estudo dos aspectos seletivos da atenção. Berlyne distingue, então, três processos: comportamento exploratório, abstração e atenção seletiva. “Comportamento exploratório” é o termo que Berlyne atribui aos atos físicos que induzem um órgão dos sentidos a entrar em contato com uma fonte de estimulação. Mover os olhos na direção de 28 um evento visual, de forma que esse evento possa ser percebido como estímulo, é um exemplo de comportamento exploratório. Que esse ato não é o mesmo que atenção, é o que se verifica apreciando a diferença entre olhar e ver ou entre ouvir e escutar. O professor que supõe que a criança, por se achar olhando para o quadro-giz, está prestando atenção na lição, pode estar errado! A abstração é outra forma de seleção do campo de estímulos, e é conveniente que se identifique separadamente. Este é o processo pelo qual a pessoa percebe (atende a) uma dimensão do objeto de estímulo, ao mesmo tempo que ignora outras dimensões do mesmo objeto. Ao diferenciar entre uma ficha azul e uma branca, estamos ignorando a forma, o volume, o peso e a textura, características que nesses objetos são as mesmas, e respondendo apenas à propriedade de cor. Separamos a cor de outras tantas propriedades igualmente disponíveis dos estímulos, mas irrelevantes. Atenção Seletiva Todos os processos até aqui mencionados têm sido debatidos uma vez ou outra sob o título de “atenção”, termo que Berlyne insiste em que seja reservado para o processo que ele intitula atenção seletiva. A qualquer momento, uma pessoa recebe estímulos de grande número de fontes e através de cada receptor dos sentidos. As fibras nervosas visuais, auditivas, táteis, cinestésicas e proprioceptivas estão levando constantemente impulsos que muitas vezes requerem respostas conflitantes, mutuamente incompatíveis. Ocorreria o caos de comportamento, caso a pessoa não apresentasse capacidade para selecionar entre esses impulsos e atender, em consequência, a 29 responder, a um impulso ou a um limitado número deles a um só tempo. A atenção seletiva é, assim, a capacidade altamente adaptável, e um defeito na utilização dessa capacidade pode ser prontamente considerado como uma séria desvantagem. Mesmo dentro do conceito de atenção seletiva, Berlyne sugere que se considerem três outros processos. Dentro do conhecimento das dificuldades de aprendizagem, esses processos assumem considerável importância. São eles: Atenção na aprendizagem; Atenção na rememoração; Atenção no desempenho; Esses três aspectos da atenção seletiva operam em pontos separados temporariamente. A atenção na aprendizagem reporta-se ao problema de seleção de estímulo no ponto em que se estabelece uma associação resposta- estímulo. Mesmo na mais simples situação de aprendizagem, uma pessoa está recebendo vários estímulos simultaneamente, mas a resposta é aprendida para um só estímulo ou para um número limitado de estímulos. Tomemos por exemplo uma criança a quem se pretenda ensinar a dizer o som “bê” ante a apresentação visual da letra “b” escrita num quadro-giz. Entre os estímulos recebidos por essa criança no momento, incluem-se não só a forma da letra, mas, também, o dedo indicador do professor, a voz do professor modulando o som, barulhos estranhos na sala, outras coisas escritas no quadro-giz, a cor deste, a cor e o tamanho da letra, um sapato apertado, um “estômago 30 roncando”, as pressões do local, e assim por diante. Entre tudo isso, a criança precisa selecionar a forma da letra e a voz do professor, a fim de aprender a resposta apropriada. Esta façanha requer atenção seletiva. Se a atenção seletiva não estiver funcionando adequadamente, a criança terá dificuldade de aprender a lição. Com certeza essa dificuldade pode assumir muitas formas. Se a criança de forma extremamente seletiva atentar somente para a voz do professor, excluindo de sua atenção a letra escrita, o professor ouviria a criança dizer “bê” e suporia que a criança aprendera. O erro dessa suposição surgirá apenas mais tarde quando, na ausência do estímulo auditivo, o estímulo visual falhar no comando da resposta adequada. É também concebível que uma criança atente para o dedo indicador do professor e para o som de sua voz, prendendo então a vocalizar “b” ante o estímulo do dedo indicador do professor. Novamente, então, se a criança (menino ou menina) tiver de atentar de forma extremamente seletiva para a porção circular da letra “b”, ela emitiria, num teste posterior, a resposta “bê” quando lhe fosse apresentada a letra “d”, manifestando, assim, a inversão em que frequentemente incidem os leitores principiantes ou os retardados. Berlyne sintetiza a noção do que seja atenção na aprendizagem colocando a questão: Quando uma criança está recebendo um número de estímulos sob condições conducentes à aprendizagem, que estímulos se tornarão mais fortemente associados à resposta? A atenção na rememoração está intimamente relacionada a essa questão, motivo pelo qual Berlyne expressa este problema na questão: 31 “Quando um ser humano está recebendo uma quantidade de estímulos, quais estímulos ele estará apto a rememorar em ocasiões futuras? Exceto pelo fato de o que chamamos de aprendizagem usualmente ocorrer sob condições estruturadas explicitamente (ao passo que as coisas de que podemos lembrar-nos mais tarde são às vezes encontradas incidentalmente e não necessariamente sob condições conducentes à aprendizagem), parece haver muito pouca diferença entre atenção na aprendizagem e atenção na rememoração, para justificar mais do que uma menção rápida desta última. O terceiro processo, que envolve a atenção seletiva, representa, contudo, uma questão nitidamente diferente, com implicações para o estudo dos distúrbios de aprendizagem.Somente se pode verificar que uma criança aprendeu alguma coisa que lhe tentamos ensinar, se observarmos o desempenho ulterior desta criança. Se o desempenho ulterior for aquém de nossas expectativas, isto não significará necessariamente que não tenha ocorrido aprendizagem. A definição de Berlyne para atenção no desempenho diz respeito a um aspecto desse problema. Uma menina terá aprendido muitas respostas a muitos estímulos quando a colocamos na situação em que lhe exija desempenho específico. Nessa situação, muitos estímulos estarão presentes e competindo pelo comando de seu comportamento. Berlyne usou o termo “conflito” para indicar a situação em que respostas mutuamente incompatíveis estão sendo induzidas ao mesmo tempo, e a atenção no desempenho é um dos meios pelo qual 32 o indivíduo enfrenta esse conflito. Ela dirige sua atenção direta seletivamente a um estímulo ou a um limitado número de estímulos e emite a resposta que aprendeu. A criança que aprendeu a associar o som correto à letra “b”, supõe-se que a aprendizagem se realizou e que a criança “conhece” o som que esta letra simboliza. A letra é então apresentada com a questão: “Que som isto tem?” Esses são os estímulos aos quais se espera que a criança atenda. Mas, e se ela, ao contrário, atender a qualquer dos doze outros estímulos, que também estão presentes no momento, e disser: “É a sirene de um carro de bombeiros”, ou “Meu estômago está roncando”, ou “Meu tio tem um novo filhote de cachorro”, ou “Meu sapato está apertado”, ou “Amanhã é sexta-feira”? Cada uma dessas respostas é apropriada aos estímulos presentes, alguns externos, outros internos, mas a criança não atendeu ao estímulo que o professor considerou apropriado. Essa falha de atenção no desempenho bem pode levar alguém a dizer que essa criança é distraída. Os estímulos irrelevantes, do ponto de vista do professor, distraíram-na do estímulo que ele esperava fosse o enfoque de sua atenção. Se a criança deve também responder a vários estímulos emanados do interior de seu corpo, o sapato apertado, o estômago roncando, a pressão na base de suas costas, as respostas motoras observadas bem poderiam levar alguém a dizer que essa criança é hiperativa. A distração e a hiperatividade de crianças, quando registradas frequentemente, aliadas às dificuldades de aprendizagem, podem, 33 portanto, não ser mais que outro aspecto de seu problema com a atenção seletiva, problema esse que, do ponto de vista presente, pode bem ser a fonte da dificuldade de aprendizagem. Para Berlyne, há certas condições sob as quais a apresentação de um estímulo resultará em aumento de atenção. Essas condições, Berlyne as designa “variáveis colativas”, são novidade, complexidade, incerteza, surpresa, conflito e alteração. Pode ser demonstrado, por exemplo, que a dimensão de complexidade relaciona-se com atenção de maneira previsível. Com base na duração do tempo em que um paciente mantém seu olhar na direção de um estímulo visual como sua medida de atenção, Day demonstrou que um estímulo de baixa complexidade, definido pelo número de ângulos de uma forma geométrica feita ao acaso, manterá a atenção por menos tempo do que o faria um estímulo similar de alta complexidade, contanto que a complexidade não aumentasse além de um nível delimitável. Em outras palavras, o paciente mostrará preferência por um moderado nível de complexidade. Os estímulos que são muito complexos e os que são muito simples parece que atraem atenção reduzida. Professores experientes de crianças pequenas sabem há muito que seus alunos podem manter-se interessados (atentos) por tempo maior se a tarefa lhes é apresentada com aspectos incomuns, acenando-lhes com surpresas, e em formas variadas. Os responsáveis pelo ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem podem bem adotar uma abordagem semelhante. 34 As palavras a serem lidas ou os problemas de matemática a serem resolvidos podem ser apresentados sob a forma de jogos, a título de novidade. O que lhes poderia causar surpresa seria esconder as palavras em diferentes partes da sala de aula, ou cobri-las com papel pardo de embrulho, e mandar as crianças numa caça às feras. Só a imaginação do professor limita as alterações que podem ser introduzidas na apresentação de tarefas e matérias. Dificuldades de Atenção e Aprendizagem A atenção é condição necessária, mas não suficiente para a aprendizagem. Vale dizer que a aprendizagem não ocorre senão quando o indivíduo esteja prestando atenção à matéria a ser aprendida, mas, quando a aprendizagem se realiza, outros processos que não a atenção, precisam estar bem envolvidos. Assim, se a criança é exposta a uma situação que se presume possa conduzi-la à aprendizagem e se, em seguida, ela realiza algumas coisas de que não era capaz antes, podemos dizer com bastante certeza que essa criança não consegue adquirir uma nova aptidão sob essas circunstâncias, é impossível dizer se essa falha no aprendizado foi devida à falta de atenção. Esse dilema torna impossível estudar a atenção no contexto de um experimento de aprendizagem, visto que em tal experimento a atenção é confundida com outras variáveis como aptidão, memória e evocação. 35 Medidas da Atenção Uma forma de resolver o problema é aplicar uma tarefa que não requeira a aquisição de uma nova habilidade, porque já se encontra no repertório de respostas da pessoa. Essa tarefa pode ser uma simples resposta motora, como seja pressionar um botão assim que aparecer um estímulo prontamente perceptível. Desde que uma pessoa tenha sido esclarecida de como realizar a tarefa, a falha na emissão da resposta quando da aparição do estímulo pode ser considerada com bastante segurança como devida a uma falta de atenção. A associação estímulo-resposta permite uma variedade de modificações destinadas ao estudo da atenção sob condições diferentes. Assim, pode-se solicitar resposta a um estímulo (“pressione o botão à esquerda quando se ascender a luz vermelha”) e resposta diferente a outro estímulo (“pressione o botão à direita quando a sineta tocar”). Mediante a apresentação simultânea de muitos estímulos, cada qual comandando uma resposta diferente e mutuamente exclusiva, é possível verificar a que estímulo uma pessoa está atendendo seletivamente. O uso de simples respostas motoras, para cuja emissão não se requer nenhuma habilidade, ou a apresentação de estímulos em formas com as quais a criança não tenha tido nenhuma experiência prévia, permitem que se estudem os processos de atenção relativamente inconfundíveis com a aprendizagem. 36 Distúrbios de Aprendizagem considerados como atraso no desenvolvimento da Atenção Seletiva Se a capacidade de atenção seletiva se desenvolve com a idade, como nos sugerem os estudos, não se justifica a suposição de que todas as crianças desenvolvam essa capacidade ao mesmo tempo. De fato, há plena razão para se supor que existem diferenças individuais no desenvolvimento dessa capacidade e que algumas crianças a desenvolverão mais lentamente que outras. Quando essas crianças forem então colocadas numa situação de aquisição de leitura na sala de aula, onde a capacidade de usar e manter a atenção seletiva é requisito para o êxito, é de se esperar que essas crianças não sejam bem-sucedidas. Os princípios a que se subordina o desenvolvimento, sugerem que as crianças que adquirem uma determinada habilidade mais lentamente que as outras acabarão por recuperar-se do atraso, desde que se dê tempo a que os processos de desenvolvimento tenham curso. Conforme sugere a obra de Rourke e Czudner (1972), as crianças que falharam inicialmente numa determinada tarefa, assim que se tornam mais crescidas, desenvolvem também a capacidade de atenção. Se forem então examinadas, seu desempenho não diverge do de outrascrianças de sua idade. Entretanto, isto é válido apenas nas tarefas reação-tempo de laboratório, e não no caso de desempenho na escola, onde as crianças com distúrbios de aprendizagem continuam a desempenhar em nível abaixo do da classe. 37 Por que ocorreria isso, se o atraso anterior na atenção seletiva não constitui mais um problema? A resposta, por certo, está na frase “que se dê tempo para que os processos de desenvolvimento tenham seu curso”. À medida que o tempo passa, toda a sorte de eventos ocorre. Não somente tem curso o amadurecimento de uma criança, como a criança é exposta a múltiplas experiências, algumas das quais aumentarão seu desenvolvimento, outras o impedirão. O tempo de reação em simples tarefas de percepção em laboratório pode ser relativamente natural segundo essas experiências, de forma que possa refletir haver-se a criança recuperada do atraso no desenvolvimento da atenção seletiva. O desempenho teórico é outra questão. Neste ponto, persiste o problema da criança, não porque continuassem as dificuldades com atenção seletiva, mas porque o desempenho com êxito, pressupõe aprendizagem nos graus anteriores, o que uma criança nessas condições não adquiriu. Muitos insucessos nos primeiros anos marcarão a criança em termos de percepção que ela tem de si mesma, de sua resposta à situação escolar, de sua autoconfiança e das expectativas dos outros com vistas a seu potencial. O fato de que a aprendizagem continuará a ser um problema para uma criança nessas condições não surpreende, e este raciocínio indica que ela precisará de muito auxílio para superar os efeitos acumulados do atraso de desenvolvimento. 38 Exercícios sobre o texto: 1) Como você define uma criança portadora de “distúrbio de aprendizagem”? 2) Como podemos mensurar a atenção, e como você define atenção seletiva? 3) De que forma se desenvolve a capacidade de atenção seletiva? UNIDADE II Principais causas das dificuldades de Aprendizagem e de Ajustamento Escolar Inúmeros estudos estão sendo feitos no campo da Psicologia e da Psiquiatria, buscando a melhor forma de classificar os distúrbios que prejudicam a aprendizagem, bem como determinar suas causas. Trata-se de um assunto complexo, que envolve muitos conhecimentos que o pedagogo não aprofunda em seu curso de formação profissional, como por exemplo: defeitos genéticos, distúrbios de personalidade, da conduta, defeitos congênitos, disfunções cerebrais e outros. A seguir agruparemos de acordo os distúrbios e com as suas causas principais; muitos deles têm mais de uma causa e em todos há interferência de mais de um fator, seja ele somático ou psíquico. Isso porque o ser humano é constituído por um todo organizado de sistemas com profunda vinculação entre si. 39 Causas físicas - São aquelas representadas pelas perturbações somáticas transitórias ou permanentes. São provenientes de qualquer perturbação do estado físico geral da criança, como por exemplo: febre, dor de cabeça, dor de ouvido, cólicas intestinais, anemia, asma, verminoses e todos os males que atinjam o físico de uma pessoa, levando-a a um estado anormal de saúde. Causas sensoriais - São todos os distúrbios que atingem os órgãos dos sentidos, que são os responsáveis pela percepção que o indivíduo tem do meio exterior. Qualquer problema que afete os órgãos responsáveis pela visão, audição, gustação, olfato, tato, equilíbrio, reflexo postural, ou os respectivos sistemas de condução entre esses órgãos e o sistema nervoso, causará problemas no modo de a pessoa captar as mensagens do mundo exterior e, portanto, dificuldade para ela compreender o que se passa ao seu redor. Causas neurológicas - São as perturbações do sistema nervoso, tanto do cérebro, como do cerebelo, da medula e dos nervos. O sistema nervoso comanda todas as ações físicas e mentais do ser humano. Qualquer distúrbio em uma dessas partes se constituirá em um problema de maior ou menor grau, de acordo com a área lesada. Causas emocionais - são distúrbios psicológicos, ligados às emoções e aos sentimentos dos indivíduos e à sua personalidade. Esses problemas geralmente não aparecem sozinhos, eles estão associados a problemas de outras áreas, como por exemplo da área motora, sensorial etc. Causas intelectuais ou cognitivas - São aquelas que dizem respeito à inteligência do indivíduo, isto é, à sua capacidade de 40 conhecer e compreender o mundo em que vive, de raciocinar sobre os seres animados ou inanimados que o cercam e de estabelecer relações entre eles. O sistema nervoso tem também um papel importante nesses distúrbios. O modo pelo qual o indivíduo conhece o mundo, sua maior ou menor capacidade de estabelecer relações, de criar coisas novas, de inventar, de construir e de buscar soluções diferentes para um mesmo problema vão depender muito de suas estruturas mentais e de sua capacidade intelectual. Causas educacionais - o tipo de educação que a pessoa recebe na infância irá condicionar distúrbios de origem educacional, que a prejudicarão na adolescência e na idade adulta, tanto no estudo, quanto no trabalho. Portanto, as falhas de seu processo educativo terão repercussões futuras. Causas sócio-econômicas - Não são distúrbios que se revelam no aluno. São problemas que se originam no meio social e econômico do indivíduo. Assim como para os animais, o habitat natural pode ser propício ou hostil a eles, condicionando seu desenvolvimento, sua maior ou menor capacidade de adaptação e sua melhor ou pior condição de saúde; também o habitat dos seres humanos, o meio físico e social em que vivem, exerce sobre eles a mesma influência, podendo ser favorável à sua subsistência e também às suas aprendizagens. Todas essas causas originam distúrbios, que irão se constituir nos diferentes problemas de aprendizagem. 41 Distúrbios neurológicos e outras causas responsáveis por problemas de leitura e escrita e de aprendizagem geral Muitos distúrbios neurológicos podem atingir tanto crianças quanto adultos, causando problemas de fala, de locomoção, de memória, do próprio funcionamento do cérebro (raciocínio) etc. Esses distúrbios prejudicam qualquer tipo de aprendizagem. Trataremos apenas dos distúrbios que afetam diretamente a aprendizagem escolar, ou seja, aqueles que mais frequentemente se transformam em problemas de aprendizagem de leitura, escrita e cálculo, de conhecimentos gerais, de fala e de motricidade. Segundo estudos realizados por Lester e Muriel Tarnopol, existem crianças inteligentes que, no entanto, têm grande dificuldade para aprender a ler ou a escrever, em situação de escolarização normal. Em pesquisa mundial, psicólogos, educadores e médicos concordam que as principais causas desses distúrbios podem ser classificadas como neurológicas, algumas vezes genéticas, possivelmente intensificadas por distúrbios emocionais secundários. Alguns especialistas referiram-se ainda à privação cultural, devido ao status sócio-econômico inferior, como causa desses problemas de aprendizagem. Em geral as dificuldades de leitura e de escrita conduzem a outras dificuldades de aprendizagem. As crianças que não conseguem aprender a ler e a escrever acabam por fracassar nas outras disciplinas escolares que implicam no conhecimento da linguagem. Na 42 vida prática não conseguem se orientar sozinhas, pois não lêem sinais, avisos e advertências. Não se mantêm atualizadas, pois não são capazes de ler jornais, revistas, livros. Portanto não se desenvolvem intelectualmente, como poderiam, se lessem e escrevessem, além de não terem uma realização social e emocional plena. O processo de aquisição de Linguagem A leitura faz parte de um complexo processo linguístico de desenvolvimento da linguagem. Este processo tem etapas bem definidas, que vão avançando gradativamente.A leitura e a escrita representam as etapas superiores. Os primeiros estímulos da linguagem que a criança recebe são auditivos, visuais, táteis, olfativos e gustativos, portanto, estímulos sensoriais. Estes estímulos se associam e formam a linguagem interna do indivíduo. Pela audição a criança recebe símbolos sonoros, emitidos pelos objetos de seu ambiente. Assim ela percebe o que acontece ao seu redor, que passa a significar alguma coisa para ela (linguagem receptiva ou auditiva). Assimilando essas mensagens do ambiente e utilizando sua capacidade de imitação, a criança passa a usar os símbolos verbais que ouve dos adultos e agora já compreende, entrando então no período da linguagem expressiva (verbal). É por esse motivo que a criança precisa de pessoas falando corretamente ao seu redor, para que ela tenha modelos para imitar e assim consiga aprender a falar (aprendizagem por imitação). 43 Quando a criança chega à idade escolar, entre 6 e 7 anos, ela aprende a ler através de símbolos verbais visuais, que vão se juntar à sua linguagem auditiva. A palavra escrita é a representação gráfica dos símbolos auditivos, que por sua vez representam experiências vivenciadas. Por último, a criança é capaz de se expressar através dos símbolos gráficos (escrita). No processo de alfabetização, tanto a leitura como a escrita vão acontecendo simultaneamente. Algumas crianças aprendem primeiramente a escrever e depois a ler, enquanto com outras dá-se o contrário. A aquisição da leitura tem a seguinte sequência: 1) Aquisição do significado; 2) Compreensão da palavra falada; 3) Expressão da palavra falada; 4) Compreensão da palavra impressa (leitura); 5) Expressão da palavra impressa (escrita). As dificuldades de leitura e escrita podem resultar de dificuldades nos Processos Cognitivos Básicos. São dificuldades de desenvolvimento do indivíduo. Quando a criança tem um retardamento mental e por isso é atrasada na leitura, considera-se um caso de atraso geral da leitura. Quando ela é inteligente, boa aluna em outras disciplinas, porém atrasada na leitura, seu caso é considerado um atraso específico de leitura, que muitos preferem chamar de dislexia e outros de distúrbios específicos de aprendizagem. 44 Por esse motivo é que podemos dizer que as aprendizagens da leitura e da escrita não são atividades isoladas, fazem parte de um processo de desenvolvimento da linguagem, e suas dificuldades se devem a uma deficiência qualquer na estruturação e na organização da linguagem como um todo. Distúrbios essencialmente neurológicos de Aprendizagem Retardamento Mental É um problema de maturação cerebral, de desenvolvimento cerebral retardado, o que prejudica ou mesmo impede a aprendizagem da linguagem. Lesão cerebral Dependendo da lesão ou do dano sofrido pelo cérebro, será maior ou menor a gravidade do problema. Essa lesão poderá ser por acidente e atingir um dos centros nervosos vitais da aprendizagem: centros nervosos da fala, dos movimentos, da memória e da própria aprendizagem, além dos centros sensoriais (audição, visão, olfato, gustação, tato e equilíbrio). Ausências ou disritmias (focos) São distúrbios neurológicos de várias origens, tanto hereditárias como adquiridas. Trata-se geralmente de uma modalidade de epilepsia, que se apresenta sob múltiplas formas e vários graus de intensidade: desde os mais leves até as crises de convulsão e ataques. 45 As ausências são bastante comuns na primeira infância e em escolares do e Ensino Fundamental. Consistem em alterações da consciência em grau variado e de duração muito breve (2 a 15 segundos), que começam e terminam de modo brusco. Além da perda da consciência, cessam todas as atividades motoras e cognitivas. São geralmente conhecidas como focos, porque o exame eletoencefalográfico acusa a presença de uma ou mais regiões inativas do cérebro. Podem aparecer também no exame regiões de grande excitabilidade. Muitos autores, entre eles H.Wallen, consideram a irritabilidade como a principal característica dos indivíduos epiléticos. Eles também apresentam uma variabilidade de humor que oscila entre a cólera e a amabilidade. Muitas vezes são hiperativos. Costumam também ter distúrbios de atenção, instabilidade psicomotora e certa impulsividade. Além disso, têm falta de iniciativa, lentidão intelectual e motora, incapacidade de afastar-se das situações concretas (ver, pegar, contar etc.) para compreender as explicações do professor. Quanto à afetividade, os epiléticos são do tipo pegajoso, que se agarram às pessoas e aos objetos que os rodeiam, por outro lado são explosivos e costumam ser socialmente agressivos e violentos. Disfunção cerebral mínima, genética ou congênita Isto significa dizer um mau funcionamento do cérebro, devido a fatores hereditários ou a malformações do embrião durante a vida intra-uterina (problemas pré-natais), a traumas sofridos pelo feto na hora do parto (problemas perinatais) ou ainda a problemas adquiridos pelo indivíduo logo ao nascer (problemas pós-parto). 46 Segundo pesquisadores, os problemas de aprendizagem de leitura e escrita poderão ser causados por um ou vários desses fatores. Se partirmos da premissa como Alan O. Ross, de que para toda aprendizagem há envolvimento do cérebro, poderemos dizer que a aprendizagem é uma função cerebral, de modo que, quando encontramos algo errado nessa aprendizagem, o erro deverá ser atribuído a algum tipo de mal funcionamento do cérebro, isto é, a uma disfunção cerebral. Função significa a ação normal, especializada, de um órgão ou de um membro de uma pessoa viva. O termo disfunção foi utilizado em lugar de lesão, porque a maioria dos distúrbios de aprendizagem não se deve a uma causa traumática, irreversível, ou seja, a uma lesão cerebral. São devidos a pequenos prejuízos da estrutura cerebral. Por esse motivo, os defensores dessa hipótese, para explicar as deficiências de aprendizagem, completam o termo com a palavra mínima, para significar pequena, leve, diminuta. Daí a expressão Disfunção Cerebral Mínima (DCM) para designar a causa desses distúrbios. “A Disfunção Cerebral Mínima é uma síndrome que aparece em crianças com inteligência média ou superior à média, com problemas de aprendizagem e/ou certos distúrbios de comportamento de grau leve a severo, associados a discreto desvio do funcionamento do sistema nervoso central Os sintomas são combinações variáveis de déficits (deficiências) de percepção, conceituação, linguagem, memória, controle da 47 atenção, dos impulsos ou da função motora. A DCM pode ou não ser acompanhada de outros problemas neurológicos como: cegueira ou surdez, paralisia cerebral, epilepsia ou retardo mental. Suas causas são: variações genéticas, irregularidades bioquímicas, sofrimento do feto na hora do parto, moléstias sofridas durante os anos de maturação e desenvolvimento, ou causas desconhecidas”. O que nos importa como educadores é que esta disfunção pode se manifestar durante os anos escolares, principalmente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, com uma variedade de dificuldades especiais de aprendizagem. Características da criança com Disfunção Cerebral Mínima A criança com disfunção cerebral mínima pode apresentar o seguinte quadro: Distúrbios Neurológicos – A criança não possui coordenação motora voluntária, isto é, não domina bem os movimentos. Tem dificuldade de discriminação direita e esquerda (lateralidade). É geralmente uma criança desajeitada, desastrada, cai muito, tem gestos bruscos e mal medidos. Costuma quebrar lápis, arrancar botões, quebrar os brinquedos, as aparelhos de TV, porque usa muita força ao manipulá- los. A hiperatividade ou hipercinesia é uma outra característica marcante. A criança com DCM “não tem parada”. Quando sentada, faz movimentosdesnecessários com os membros superiores e inferiores ou com os dedos: move o tronco, a cabeça, pisca os olhos, faz caretas, tamborila na mesa etc. Esta hiperatividade é acompanhada 48 de murmuração constante ou canto monótono. Não consegue fixar as idéias, não concentra a atenção e sua produção intelectual, por esse motivo, é muito baixa. Em exercícios de ginástica ou jogos, que exigem intensa atividade motora, não se distingue bem o hiperativo. Sua movimentação excessiva, entretanto, não é produtiva, pois significa incapacidade de fixar a atenção na execução de um determinado objetivo. Essa hiperatividade é também chamada síndrome hipercinética. A criança com DCM apresenta também distúrbios da fala e retardo na sua aprendizagem. Distúrbios da Inteligência – Essas crianças fogem um pouco da faixa normal de inteligência. Algumas podem apresentar problemas de inteligência maiores do que realmente têm. Isso devido à dificuldade de fixar sua atenção a distúrbios cognitivos e a um conjunto de dificuldades escolares decorrentes deles. Problemas de Comportamento – O convívio com essas crianças é difícil. Seus familiares, professores e sobretudo as mães acabam por apresentar comportamento emocionalmente alterado. Alguns pais são muito tolerantes; outros muito rigorosos; outros ainda são displicentes. A maioria dos pais tem para com a criança um comportamento que varia de acordo com o comportamento que a criança revela naquele momento. Apresentam, portanto, um comportamento flutuante, que causa insegurança na criança e agrava seriamente seu estado. 49 Os irmãos “normais” também colaboram para esse clima. A criança é considerada o irmão desastrado, inábil nos esportes, quebrador e destruidor de brinquedos, além de mau aluno. Como reação, pode tornar-se submissa. Nesse caso ela se torna dependente, triste e distraída. Ou então pode apresentar um comportamento oposto, tornando-se indisciplinada, agressiva, exibicionista, barulhenta, procurando enfim chamar a atenção. A criança com DCM em geral recusa submeter-se às regras de boa educação. Ela pode também tornar-se negativista e ausente para livrar-se do controle dos adultos. As manifestações da DCM costumam desaparecer com a idade. Porém, muitas vezes não desaparecem, apenas atenuam. Quando adultas, essas crianças tornam-se indivíduos irrequietos, brincalhões, barulhentos e animados em demasia. Alguns conseguem superar esses problemas; chegam até a universidade. Outros, entretanto, interrompem os estudos e se isolam, chegando mesmo a ter um comportamento anti-social. Problemas escolares – A criança com DCM tem dificuldade de concentração. Ela não consegue prestar atenção nas aulas e, embora seja inteligente, não aprende. Outras dificuldades associadas à DCM Associadas à DCM, é comum encontrarmos a disgrafia, a disortografia e a discalculia. Disgrafia – É a dificuldade na utilização dos símbolos gráficos para exprimir idéias. Caracteriza-se pelo traçado irregular das letras e pela 50 má distribuição das palavras no papel. A criança consegue copiar um texto, porém quando esse mesmo texto é ditado, ou então quando esse texto é uma dissertação, surgem sérios problemas de escrita. Disgrafia é uma deficiência na qualidade do traçado gráfico. Fala-se portanto, de crianças de inteligência média ou acima da média, que por vários motivos apresentam uma escrita ilegível ou demasiadamente lenta, o que impede um desenvolvimento normal da escolaridade (Ajuriaguerra, 1977). A disgrafia, também chamada de “letra feia”, não está necessariamente associada a disortografia. No entanto, a criança que tem dificuldades para escrever corretamente a linguagem falada, apresenta geralmente uma disgrafia. Na maioria destes casos, a “letra feia” é consequência das dificuldades para recordar a grafia correta para representar um determinado som ouvido ou elaborado mentalmente. Neste sentido, a criança escreve devagar, retocando cada letra, realizando de forma inadequada as uniões entre as letras ou, amontoando-as com o objetivo de esconder os erros ortográficos. É possível, porém, encontrar crianças disgráficas que não apresentam qualquer tipo de disortografia. Principais características encontradas em crianças disgráficas: a) Má organização da página: este aspecto está intimamente ligado à orientação espacial. As crianças com dificuldade em organizar adequadamente sua escrita numa folha de papel, apresenta um distúrbio de orientação espacial. Sua escrita caracteriza-se pela apresentação desordenada do texto com 51 margens mal feitas ou inexistentes, espaços entre palavras e entre linhas irregulares e, escrita ascendente ou descendente. b) Má organização das letras: a característica principal deste aspecto é a incapacidade da criança em submeter-se às regras caligrafas. O traçado apresenta-se de má qualidade, as hastes das letras são deformadas, os anéis empelotados, letras são retocadas, irregulares em sua dimensão (demasiado pequena ou demasiado grande), desorganização das formas e, escrita alongada ou comprida. Disotorgrafia – É a incapacidade de apresentar uma escrita correta, com o uso adequado dos símbolos gráficos. A criança não respeita a individualidade das palavras. Junta palavras, troca sílabas e omite sílabas ou palavras. A disortografia é a dificuldade do aprendizado e do desenvolvimento da escrita expressiva. Esta dificuldade pode ocorrer associada ou não a dificuldade de leitura, isto é, a dislexia. Consideramos que 90% das disortografias têm como causa um atraso de linguagem. Os 10% têm causa neuro-fisiológica. Características das disortografias: a) Troca de grafemas: geralmente as trocas de grafemas representam fonemas homorgânicos, acontecem por problemas de discriminação auditiva. Quando a criança troca fonemas na fala, a tendência é que ela escreva apresentando as mesmas trocas, mesmo que os fonemas não sejam auditivamente semelhantes; 52 b) Falta de vontade para escrever; c) Dificuldade em perceber as sinalizações gráficas (parágrafos, travessão, pontuação e acentuação); d) Dificuldade no uso de coordenação/subordinação das orações; e) Textos muito reduzidos; f) Aglutinação ou separação indevida das palavras. Discalculia – É o termo usado para indicar dificuldade em Matemática. O aluno pode automatizar os aspectos operatórios (as quatro operações, contas, tabuada), mas encontra dificuldade em aplicá-los em problemas. Às vezes não consegue entender o enunciado do problema, porque tem dificuldade de fazer a leitura do mesmo. Para os disléxicos graves e para as crianças com DCM, até as operações tornam-se difíceis, porque eles invertem os números ou então sua sequência. O portador de discalculia comete erros diversos na solução de problemas verbais, nas habilidades de contagem, nas habilidades computacionais, na compreensão dos números. A matemática para algumas crianças ainda é um bicho de sete cabeças. Muitos não compreendem os problemas que o professor passa no quadro e ficam muito tempo tentando entender se é para somar, diminuir ou multiplicar, não sabem nem o que o problema está pedindo. Alguns, em particular, não entendem os sinais, muito menos as expressões. Contas? Só nos dedos e olhe lá. Em muitos casos o 53 problema não está na criança, mas no professor que elabora problemas com enunciados inadequados para a idade cognitiva da criança. Em outros casos a dificuldade pode ser da criança e trata-se de um distúrbio e não de preguiça como pensam muitos pais e professores desinformados. Subtipos de discalculia A discalculia impede a criança de compreender os processos matemáticos. Kocs (1998), classificou a discalculia em seis subtipos, podendo ocorrer em combinações diferentes e com outros transtornos: 1) Discalculia Verbal – dificuldade para nomear as quantidadesmatemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações. 2) Discalculia Practognóstica – dificuldade de enumerar, comparar e manipular objetos reais ou em imagens matematicamente. 3) Discalculia Léxica – Dificuldade na leitura de símbolos matemáticos. 4) Discalculia Gráfica – Dificuldade na escrita de símbolos matemáticos. 5) Discalculia Ideognóstica – Dificuldade em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos. 6) Discalculia Operacional – dificuldade na execução de operações e cálculos numéricos. O psicopedagogo pode ajudar a criança com discalculia a elevar sua auto-estima valorizando suas atividades, e descobrirá qual o 54 seu processo de aprendizagem, utilizando instrumentos que ajudarão em seu entendimento. Os jogos irão ajudar na seriação, classificação, habilidades psicomotoras, habilidades espaciais contagem. A criança com DCM luta na escola contra a intolerância dos colegas e professores e em casa contra a impaciência dos familiares. Quando seu nível mental é bom, ela consegue superar essas perturbações, mas poderão persistir alguns sintomas como: hiperatividade, desajeitamento, desorientação espacial, dislexia, disgrafia e discalcalculia. O professor deve ter muito cuidado ao fazer um “diagnóstico” com base nestes sintomas, pois corre o risco de rotular a criança injustamente. Às vezes a falha está na escola e não na criança. Pode ser uma falha no método de ensino, na falta de motivação das aulas, na falta de motivação/animação do professor ou no seu despreparo para alfabetizar. Quando uma criança apresentar os sintomas descritos, convém encaminhá-la a uma equipe psicopedagógica para avaliação. Deficiências de aprendizagem apresentadas por crianças com DCM Segundo Lefèvre e colaboradores, os problemas escolares devidos à Disfunção Cerebral Mínima são problemas de evolução e não podem ser confundidos com problemas de aprendizagem devidos a retardo mental, distúrbios emocionais ou desajustamento ambiental. Por esse motivo muitos autores, ao se referirem aos 55 distúrbios causados por DCM, utilizam a expressão “Deficiências Específicas de Aprendizagem”. As crianças com DCM têm os seguintes comportamentos de verbalização: Geralmente falam muito alto; Conversam ininterruptamente; Reclamam dos colegas; Respondem ao professor sem serem chamadas; Dão palpite em tudo, mesmo não sendo solicitadas; Choram, gritam, cantam, assobiam e riem muito sem motivo; Xingam os colegas sem serem provocadas; Dizem palavrões; Ameaçam bater nos colegas e mesmo no professor; Segundo relato de professores, essas crianças apresentam os seguintes comportamentos motores: - Levantam da cadeira sem motivo; - Ficam de pé durante a aula; - Correm na sala ou saltitam no mesmo lugar; - Perambulam pela classe; 56 - Algumas crianças destroem o seu material escolar, o dos colegas e o da escola; - Dão pontapés, empurrão, beliscam, puxam os cabelos dos colegas, mordem os colegas e até mesmo o professor. Deficiências em linguagem Falhas encontradas quanto ao reconhecimento das palavras: Troca de letras: d/b, m/n etc.; Omissão de sílabas: arvi por árvore; Repetição de letras ou sílabas: mesmimo por mesmo; Fragmentação das palavras: sa pa to por sapato; Contaminação: bonina menita em vez de bonita menina; Inversão de letras ou sílabas: cerébro por cérebro, camaco por macaco. Falhas na fluência da leitura: Omissões e repetições de palavras; Leitura repetida de linhas; Não utilização da pontuação correta e consequentemente entonação inadequada. Falhas na leitura silenciosa, em que a criança deve ler um texto sentada, quieta, usando apenas os olhos, sem mover os lábios ou apontar as linhas com o dedo: 57 Leitura cochichada; Movimentação dos lábios; Leitura apontando as linhas com os dedos, lápis ou régua; Olhar dirigido para todos os lados durante a leitura; Brincadeiras com os colegas e muita distração durante a leitura; Interrupção da leitura, porque a criança levanta-se muitas vezes do lugar. Falhas na leitura compreensiva, em que a criança deve efetuar tarefas demonstrando entendimento do que leu em silêncio: Em alguns casos, a criança demonstra total inabilidade para reproduzir o que leu, tanto oralmente como por escrito; Em outros, demonstra inabilidade parcial para reprodução, necessitando de apoio do professor para lembrar a sequência; Todas as crianças demonstram inabilidade para reproduzir detalhes. Na interpretação de texto lido, constata-se dificuldade para determinar a idéia principal. Não conseguem estabelecer relações de espaço e de tempo, nem a sequência cronológica da história ou as relações de causalidade da mesma. 58 Falhas nos movimentos e na forma das letras escritas em cópia e ditado: Postura corporal: inclinação excessiva da cabeça e do tronco para a frente e deslocamento dessas partes do corpo para o lado. Modo de segurar o lápis; com pouca força; com muita força; muito perto da ponta do lápis ou muito longe desta, com os dedos crispados; Colocação do papel na mesa: muito inclinado em relação ao corpo; Ritmo de trabalho; muito rápido e por isso malfeito; ou excessivamente lento pela dificuldade de traçar letras; Traçado das letras; falhas quanto ao tamanho das letras, à pressão do lápis e à precisão do traçado; letras muito irregulares; Forma das letras: distorções, substituição da forma por outras semelhantes, omissão de detalhes (cedilha, pingo ou i etc); Colocação das letras: muito separadas ou muito juntas, sem ligações dentro da palavra; Colocação da escrita na folha: não respeitam margem nem parágrafos. O espaçamento entre as palavras é irregular, umas unidas, outras bem distantes. 59 Essas falhas são atribuídas à falta de controle postural, de coordenação motora fina, de integração visomotora, de representação mental do movimento, de percepção e organização visual do espaço. No nível da aprendizagem, elas são decorrentes da realização imperfeita dos movimentos necessários para a escrita. Dislexia “Entende-se por dislexia específica ou dislexia de evolução um conjunto de sintomas reveladores de uma disfunção parietal (o lobo do cérebro onde fica o centro nervoso da escrita), geralmente hereditária, ou às vezes adquirida, que afeta a aprendizagem da leitura num contínuo que se estende do leve sintoma ao sintoma grave. A dislexia é frequentemente acompanhada de transtornos na aprendizagem escrita. As crianças são incapazes de ler com a mesma facilidade que seus colegas da mesma idade, embora possuam inteligência normal, saúde e órgãos sensoriais perfeitos, estejam em estado emocional considerado normal, tenham motivação normal e instrução adequada. Ao que parece, por trás desses problemas específicos de aprendizagem, existe sempre um fator biológico, hereditário, isto é, há uma tendência de a mesma dificuldade ocorrer em outros membros da família. Nos experimentos feitos em 1976, por Finucci e colaboradores, com 16 crianças de um grupo de 20 disléxicos, chegou-se ao seguinte resultado: 3 crianças tinham ambos os pais com retardo na leitura; 10 tinham um dos pais com retardo de leitura e 3 não tinham nenhum dos pais retardado em leitura. 60 O termo dislexia, que não está isento de ambiguidade, de utilização exagerada e, às vezes, de uma carga adicional nas famílias que têm membros com esse transtorno, agrupa o que de maneira mais ampla, mas talvez mais precisa, entendemos por problemas lectoescritores ou problemas na aprendizagem e desenvolvimento da habilidade lectoescritora. Os sintomas ou condutas mais frequuentes que caracterizam a dislexia são estes: omissões (de letras, sílabas ou palavras), uniões
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