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Atribui-se à tentativa de preservação de grãos ou sementes, para uso futuro, o surgimento da agricultura. Desde há muito, a humanidade se preocupa com a relação entre a produção e a oferta (ou escassez) de comida. Com o avanço do conhecimento e a consolidação de tecnologias, pouco a pouco, foi-se desbravando os mecanismos para a ampliação da produção. O desafio, então, voltou-se à guarda e conservação do produzido. Silos e armazéns surgiram e evoluíram em resposta a estas necessidades, assumindo fundamental papel neste contexto. De outro lado, introduziram oportunidades de danos à integridade dos trabalhadores envolvidos em sua operação, que, infeliz e costumeiramente, se concretizam de modo bastante grave. Após a colheita dos produtos agrícolas, em especial dos grãos, antes que eles possam ser embalados para a comercialização em fardos (sacas), em unidades para consumo (sacos) ou, ainda, para a posterior industrialização, como no caso das oleaginosas, eles precisam ser pré- processados para o devido armazenamento, seja nos portos, em entrepostos ou nas próprias indústrias, como as cervejarias e moinhos de grãos, dentre outras. Oriundos do campo, não raro, esses grãos trazem consigo uma série de impurezas – partículas de solo, restos de plantas, de insetos e animais (roedores e aves, por ex.), resíduos químicos, ademais de agentes biológicos (dentre estes fungos e bactérias diversos) – que, em razão das diversas etapas do processamento, terminam por formar uma massa de poeira que, além de poder causar diretamente danos à saúde, pode resultar em uma atmosfera explosiva, cuja concretização de ocorrência, em geral, culmina com graves perdas humanas e materiais. O pré-processamento dos grãos pode ser resumido em cinco etapas, a saber: 1.Recepção e pré-limpeza. 2.Secagem. 3.Limpeza. 4.Armazenamento. 5.Expedição (com prévio ensacamento ou outra forma de unitização para o transporte). Para – ou quando do – seu recebimento, os grãos precisam ser classificados quanto à umidade presente nestes: se de 12 a 14%, são considerados “secos”, acima deste percentual, são considerados “úmidos” e necessitam passar por uma etapa de secagem para assegurar a preservação de sua qualidade durante a armazenagem. Convém lembrar que os grãos são matéria viva e que a presença da umidade acelera o processo bioquímico de sua degradação, o que desencadeia, em reação exotérmica (causando o aumento da temperatura destes), a liberação de gases (CO – CO2: monóxido e dióxido de carbono; CH4: metano; NO2: dióxido de nitrogênio; H2S: sulfeto de hidrogênio; e outros), que podem ser nocivos ao ser humano em distintos graus, sendo necessária a prevenção de intoxicações,1 com a devida proteção respiratória e medidas operacionais pertinentes. Cumprida a etapa inicial de retirada de impurezas por meio mecânico (entre elas fragmentos de pedras, que podem gerar faíscas por atrito) e após a secagem, recomenda-se a utilização de óleo mineral branco, que, misturado aos grãos e atuando como aglomerante, fornecerá condições para a retirada da poeira ainda presente, posto que insuficiente para a sua completa eliminação a primeira etapa de limpeza mecânica, reduzindo a presença e a deposição do pó nas demais etapas do processo. Cabe destacar que o deslocamento e a distribuição dos grãos para as fases seguintes se darão por transportadores de correias, por redlers ou transportadores de correntes, por elevadores de canecas e por dutos, que se configuram como pontos de geração, concentração e, por fim, do confinamento de poeiras, que se constituem como condições de alerta adicionais para fins de segurança industrial, além dos habituais riscos inerentes à maquinaria, seus mecanismos de transmissão e movimentos. Perigos estão presentes desde o descarregamento dos grãos (nas moegas ou tombadores), nas inspeções internas – configurando-se estes ambientes como espaços confinados, pela geração de particulados a partir do trigo, arroz, milho, aveia, soja ou de sementes de girassol, dentre outros produtos agrícolas que podem ocasionar incêndios ou explosões em presença de uma fonte de ignição, bem como doenças ocupacionais. Há ainda o risco de desmoronamento (ponte de grãos) ou de desprendimento das camadas de grãos (parede de grãos) sobre trabalhadores que atuem em seu interior, causando-lhes soterramento e consequente sufocamento, razão pela qual requisitos de trabalho em altura e em ambientes confinados devem ter lugar de modo combinado, como o trabalho sob vigilância (isto é, proibição do acesso isolado), assim como cuidados para pronto resgate e içamento devem ser observados quando da realização de tarefas nestas condições. 31.12.12 As aberturas para alimentação de máquinas que estiverem situadas ao nível do solo ou abaixo deste devem ter proteção que impeça a queda de pessoas no interior das mesmas. Sendo os silos locais de trabalho de risco (ou seja, cujos acidentes podem gerar graves sequelas e, inclusive, morte), regras de segurança específicas devem ter lugar nas atividades realizadas em seu interior, tal como preconizam os itens NR 31.14.5 a 31.14.9, com a devida e respectiva emissão de Permissões para Trabalho de Risco (PTR) para cada uma das situações relacionadas. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597010183/epub/OEBPS/Text/chapter04.html?create=true#fn1 Figura 4.1Representação esquemática do “Ciclo da umidade no interior de um silo”. A presença da umidade, além de favorecer a proliferação de fungos (que, em seu desenvolvimento, por sua vez, retroalimentam o aumento da temperatura dos grãos), pode provocar a germinação ou deterioração das sementes, tornando-as impróprias para o consumo ou uso futuro, razão pela qual deve ser estritamente controlada, com a utilização de aeradores ou exaustores e secadores. A ausência destes dispositivos gera uma movimentação da água presente no ambiente: durante o dia, com aquecimento, provoca-se a evaporação e, em sentido contrário, com o resfriamento (durante a noite ou pela condensação do vapor d’água), provoca-se o respingo sobre a massa de grãos, que com alta umidade aumenta sua coesão a ponto de formar uma crosta aparentemente estável (ponte de grãos), posicionada sobre um vazio a partir do escoamento de grãos pela porção inferior do silo, a qual ruirá com qualquer sobrepeso (quando um trabalhador estiver sobre ela) ou pela ação dessa própria casca. Figura 4.2Representação esquemática da “Ponte de grãos e soterramento no interior de um silo”. Recomenda-se que trabalhadores somente tenham acesso ao interior das moegas e dos silos carregados, assim como aos demais equipamentos ou meios de transporte de grãos, quando estritamente necessário, sendo requerido para tanto desligar e bloqueá-los, para evitar a religação acidental dos mesmos, bem como lacrar os registros de descarga, para evitar a movimentação dos grãos contidos nestes. O fenômeno da explosão da poeira em suspensão na atmosfera confinada de um silo (em seus componentes ou em áreas adjacentes) depende de dois conjuntos de fatores: a.O primeiro está relacionado à explosividade do pó em si: resultado do tipo ou da natureza do grão (e de seus contaminantes), das dimensões da partícula (< 100 μm), do teor de umidade da atmosfera e de sua concentração (g/m3), em especial a mínima concentração explosiva (MCE) ou limite inferior de explosividade (LIE), que, ao lado da energia de ignição requerida, determinam a facilidade da reação do material. b.O segundo diz respeito às condições de ignição dessa massa combustível (as partículas de poeira), numa tríade que se constitui ao adicionarmos a concentração de oxigênio (8% ou mais) e da disponibilidade de uma fonte de ignição, com a quantidade de energia (suficiente) que esta pode prover à mistura. O que traz agravantes quanto às consequências de uma deflagração primária é a capacidade de gerar ocorrênciassucessivas – com a agitação de partículas até então depositadas em recantos (ou mesmo, paredes, pisos e nos demais elementos das instalações) – desencadeando reações de intensidade cada vez maior, que poderão, em conjunto ou isoladamente, resultar perdas catastróficas. Este evento primário pode se dar em pontos parcialmente contidos, ainda que de pequenas proporções, e terá como efeito gerar as condições necessárias para provocar explosões subsequentes em outras áreas ou edificações do complexo produtivo. Então, do acima exposto, podemos concluir que as medidas para minimizar as chances da ocorrência da explosão dos pós nas instalações de armazenagem devem ser de duas ordens: construtivas e operacionais, tal como o estabelecido no item NR 31.14 e em outras normas aplicáveis, a exemplo daquelas estabelecidas pelos corpos de bombeiros militares. Ambas são voltadas à prevenção da geração de nuvens de poeira e da geração de fagulhas ou ignição, reduzindo-se a presença de pós e evitando-se – tanto quanto possível – as condições capazes de originar o evento indesejado. Do ponto de vista construtivo, dentre outros requisitos (vide, por exemplo, o contido na NPT 027/CBMPR), podemos elencar que: a poeira deve ser coletada em todos os pontos de sua produção dentro da unidade armazenadora e suas instalações. Esta poeira deve ser filtrada, após o que será transportada por dutos dotados de sistema de detecção e extinção de faísca e armazenada em local fora da área de risco; todas as edificações e estruturas onde exista o risco de explosão e pó devem contar com dispositivos de alívio; todo o sistema elétrico – seus componentes e equipamentos, inclusive aqueles de emergência – deve ser à prova de explosão e de pó, dispondo de proteção contra descargas atmosféricas, sendo aterrados para esse fim e para fazer face à energia estática da própria edificação, instalações e maquinaria. Ademais das medidas de engenharia (dimensionamento, seleção de materiais, bem como no tocante à construção propriamente dita, como a existência de pontos ou elementos de ruptura orientada visando minimizar danos à estrutura como resultado da expansão de gases provocada pelas explosões),2 a segurança de silos exigirá igualmente medidas de gerenciamento quanto à sua operação e manutenção. Assim, cabe intenso programa de conscientização e treinamento dos operadores e demais trabalhadores quanto aos potenciais riscos de explosões e fatores contribuintes. A inadequada condução da rotina do silo, associada a falhas em seu projeto e construção, pode dar causa a eventos indesejados de grande porte, com graves danos materiais e muitas perdas humanas, como os ocorridos no Porto de Paranaguá (em 1992 e 2001), na unidade Bunge Alimentos (no Porto de Rio Grande, RS, em 2003), no Terminal n. 5 do Porto de Bahia Blanca (23 mortos), no Porto de San Martin (3 mortos), no Porto de Rosário (10 mortos), todos em território argentino, e no terminal graneleiro de Semable, em Blaye, França (em 1997, com 11 vítimas fatais). Alguns desses acidentes são descritos e analisados em detalhes por Hajnal (2010),3 cuja leitura atenta recomendamos. Apesar de controlado em sua superfície, o incêndio nos grãos poderá prolongar-se por várias horas, uma vez que ocorre em camadas, sendo necessária redobrada atenção para que o particulado depositado em estruturas, tubulações e em outros locais de difícil acesso, limpeza e visualização não seja colocado em suspensão, formando nova nuvem de poeira, por reunir as condições para originar uma nova explosão e todas as suas consequências cíclicas. Dentre as ações relativas à operação e à manutenção dessa edificação, podemos elencar: ■providenciar a cuidadosa limpeza dos grãos quanto aos pós, em sua recepção e em todos os equipamentos, tubulações e vias de sua circulação nas instalações, sejam túneis, galerias e pontos de carga e descarga, elevadores, caçambas ou outros, removendo-os por sistemas de captação especialmente projetados para tal fim; ■proceder à limpeza periódica dessas instalações, bem como dos sistemas de captação de pó, renovando e substituindo os elementos filtrantes, evitando, dessa feita, o acúmulo de pós e sua posterior dispersão para outras áreas das instalações; ■se tal ocorrer, proceder à remoção por aspiração e não por varrição; ■verificar periodicamente o estado do aterramento de todos os potenciais geradores de cargas estáticas, assim como do sistema contra descargas atmosféricas, observando cabos e demais componentes; ■preferir (e mesmo substituir) todos os componentes metálicos por plásticos (caçambas dos elevadores, pás dos transportadores e correntes); ■executar rigoroso programa de manutenção de todos os dispositivos e equipamentos eletromecânicos, para a pronta disponibilidade destes em seu mais perfeito estado de operação; ■eliminar todas as possíveis fontes de ignição: aquecimento de mancais, canecas metálicas em contato com o corpo do elevador, desalinhamento de correias, escorregamento de correias sobre polias, presença de corpos metálicos nas tubulações, operações de trabalho a quente mal planejadas. Utilizar somente https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597010183/epub/OEBPS/Text/chapter04.html?create=true#fn2 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597010183/epub/OEBPS/Text/chapter04.html?create=true#fn3 sistemas de iluminação específicos para ambientes com risco de explosão e proibir e evitar a presença de fumantes nas proximidades; ■instalar conjunto de sensores de subvelocidade em transportadores, de transbordo de produto, de desalinhamento de correias, de monitoramento da atmosfera interior ao silo, de presença de fumaça, de alarme contra incêndio etc.; e ■por fim, convém ressaltar da sempre apropriada estreita cooperação com os bombeiros, que além de vistoriar com regularidade as instalações devem ser informados acerca dos produtos armazenados e das medidas preventivas em curso e protetivas disponíveis, assim como o livre acesso de veículos de resgate e de combate a incêndio cuja circulação e parada deve tomar parte no planejamento do ambiente construído. Recomendamos, adicionalmente, a leitura e a adoção de medidas pertinentes às NR 33 – Segurança e Saúde nos trabalhos em ambientes confinados – e NR 35 – Segurança e Saúde no Trabalho em Altura. Sugestões de leitura ANDRADE, Ednilton Tavares; BORÉM, Flávio Meira. A safra pelos ares. Revista Cultivar Máquinas, v. 28, março 2004. ARAGÃO, Ranvier Feitosa et al. Incêndios e explosivos – uma introdução à Engenharia Forense. Campinas: Millennium, 2010. (Tratado de perícias criminalísticas.) GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Norma de procedimento técnico n. 27 (NPT 027) – armazenamento em silos. Curitiba: Corpo de Bombeiros Militar, 2012. HAJNAL, R. D. Dust explosions: a report on recent major explosions in Argentina and Brazil. In: Proceedings 10th International Working Conference on Stored Product Protection, 2010. MACINTYRE, A. J. Ventilação industrial e controle da poluição. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1990. MESQUITA, A. L. S. et al. Engenharia de ventilação industrial. São Paulo: Cetesb, 1998. NFPA®. Manual de protección contra incendios. 17. ed. España (s/l): Mapfre, 1993. NFPA® 61 – Standard for the Prevention of Fires and Dust Explosions in Agricultural and Food Processing Facilities. Massachusetts, 2008. 31.14 Silos 31.14.1 Os silos devem ser adequadamente dimensionados e construídos em solo com resistência compatível às cargas de trabalho. 31.14.2 As escadas e as plataformas dos silos devem ser construídas de modo a garantir aos trabalhadores o desenvolvimento de suas atividades em condições seguras. 31.14.3 O revestimento interno dos silos deve ter características que impeçam o acúmulo de grãos, poeiras e a formação de barreiras. 31.14.4 É obrigatória a prevenção dos riscos de explosões, incêndios, acidentes mecânicos, asfixia e dosdecorrentes da exposição a agentes químicos, físicos e biológicos em todas as fases da operação do silo. 31.14.5 Não deve ser permitida a entrada de trabalhadores no silo durante a sua operação, se não houver meios seguros de saída ou resgate. 31.14.6 Nos silos hermeticamente fechados, só será permitida a entrada de trabalhadores após renovação do ar ou com proteção respiratória adequada. 31.14.7 Antes da entrada de trabalhadores na fase de abertura dos silos deve ser medida a concentração de oxigênio e o limite de explosividade relacionado ao tipo de material estocado. 31.14.8 Os trabalhos no interior dos silos devem obedecer aos seguintes critérios: a) realizados com no mínimo dois trabalhadores, devendo um deles permanecer no exterior; b) com a utilização de cinto de segurança e cabo vida. 31.14.9 Devem ser previstos e controlados os riscos de combustão espontânea e explosões no projeto construtivo, na operação e manutenção. 31.14.10 O empregador rural ou equiparado deve manter à disposição da fiscalização do trabalho a comprovação dos monitoramentos e controles relativos à operação dos silos. 31.14.11 Os elevadores e sistemas de alimentação dos silos devem ser projetados e operados de forma a evitar o acúmulo de poeiras, em especial nos pontos onde seja possível a geração de centelhas por eletricidade estática. 31.14.12 Todas as instalações elétricas e de iluminação no interior dos silos devem ser apropriados à área classificada. 31.14.13 Serviços de manutenção por processos de soldagem, operações de corte ou que gerem eletricidade estática devem ser precedidos de uma permissão especial onde serão analisados os riscos e os controles necessários. 31.14.14 Nos intervalos de operação dos silos o empregador rural ou equiparado deve providenciar a sua adequada limpeza para remoção de poeiras. 31.14.15 As pilhas de materiais armazenados deverão ser dispostas de forma que não ofereçam riscos de acidentes. ______________ 1 A estes gases acrescente-se o PH3 (fosfeto de hidrogênio ou fosfina) resultante da aplicação de inseticidas (fosfeto de alumínio – AlP e fosfeto de magnésio – Mg3P2) utilizados para a prevenção de pragas nos grãos estocados. 2 Dispositivos de alívio de pressão e de isolamento (janela de explosão ou painel vent, Q-box e Q Roth etc.) são citados na literatura técnica como apropriados para tal fim. 3 Disponível em: <http://pub.jki.bund.de/index.php/JKA/article/viewFile/376/1208>. Acesso em: 10 mar. 2015. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597010183/epub/OEBPS/Text/chapter04.html?create=true#ifn1 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597010183/epub/OEBPS/Text/chapter04.html?create=true#ifn2 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597010183/epub/OEBPS/Text/chapter04.html?create=true#ifn3 http://pub.jki.bund.de/index.php/JKA/article/viewFile/376/1208
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