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Comumente dizemos que a vida no campo é regida pela luz do sol, pelo “dia solar”, pelo menos no que diz respeito ao trabalho em ambientes exteriores. E que, nas condições de visibilidade por esta provida, trabalha-se, faça chuva ou não. Isto é, a céu aberto. E é justamente a presença da iluminação artificial que diferencia as jornadas de trabalho das atividades realizadas em ambientes interiores ou fechados daquelas realizadas ao ar livre, em exposição aos efeitos do clima e de suas condicionantes. Entre as ocupações cujas condições de trabalho comumente sujeitam os seus executantes à exposição solar, podemos citar: agricultores em suas distintas variantes (tratoristas, por ex.), agentes de trânsito e assemelhados, entregadores de mercadorias, carteiros, trabalhadores da construção civil e de plataformas marítimas, marinheiros, pescadores e jardineiros. Figura 11.1Espectro das radiações solares. É preciso, entretanto, ter em mente que nem toda exposição à radiação solar ou aos raios ultravioletas (UV) é indesejada. Pequenas doses são benéficas para os seres humanos porque favorecem a produção da vitamina D, essencial à saúde, e encontram aplicação terapêutica para algumas enfermidades (raquitismo, psoríase etc.). São as radiações compreendidas entre 250 e 400 nm, notadamente a faixa UV-A, que têm potencial danoso em função do seu poder de penetração nas camadas da pele. Cabe, então, compreender que é a exposição por períodos prolongados, de modo não controlado ou sem os devidos cuidados, que implicará perigos à saúde dos indivíduos expostos. Figura 11.2Comprimentos de onda para as radiações UV (A, B e C). Uma maneira prática de apresentar ao grande público a necessidade de proteção quanto à exposição solar, em face dos níveis de radiação e sua contribuição efetiva para resultar queimadura na pele humana, é o Índice de Ultravioleta. Este é uma medida da energia incidente por unidade de área. Cada valor nessa escala corresponde a 25 mW/m2. Assim, quanto maior o Índice UV (IUV), maior será o risco de queimaduras em decorrência dessa exposição durante determinado período. Índice UV Nível TME* (minutos) 0, 1, 2 Baixo - 3, 4, 5 Moderado 45 6, 7 Alto 30 8, 9, 10 Muito alto 15 11 ou + Extremo 10 * TME: tempo máximo de exposição. Quanto às medidas protetivas requeridas em função do IUV, são sugeridas (WHO, 2002): ■o nível baixo (IUV 1 e 2) não requer proteção específica durante a exposição; ■os níveis moderados e alto de exposição (IUV 3 a 7) requerem proteção, ao que se recomenda: manter-se à sombra durante as horas centrais do dia, utilizar camisa, creme protetor e chapéu; e ■os níveis muito alto e extremo (IUV 8 ou superior) demandam proteção extra no tocante a: evitar sair ao sol durante as horas centrais, sendo imprescindíveis o uso de camisa, creme protetor, chapéu e óculos escuros. A intensidade da radiação UV incidente em determinada localidade não é uniforme em relação às demais, posto que é resultante do seguinte conjunto de fatores: ■altura do sol: quanto mais alto o sol no céu, maior será o nível de radiação. Logo, esse nível depende do horário e da época do ano em que se der a exposição. Os maiores níveis ocorrem por volta do meio-dia e no verão; ■latitude: quanto mais próximo da linha do Equador, mais intensa será a radiação; ■nebulosidade: na ausência de nuvens recebemos maior quantidade de radiação UV, que pode ser alta mesmo em dias nublados por efeito do espalhamento, similar à refletância, elevando os níveis totais a que somos expostos; ■camada de ozônio: ocorrem variações da camada de ozônio e de sua capacidade de absorção da radiação UV ao longo do ano e mesmo durante um único dia; ■altitude: à medida que nos deslocamos para o alto, nos deparamos com uma camada de atmosfera cada vez mais fina a nos proteger por absorver menos os raios UV. Uma subida de 1.000 metros de altitude pode resultar um incremento de 10% a 12% dos níveis de radiação; e ■reflexo das superfícies adjacentes: como a do próprio chão e superfície de águas, que provocam reflexão e espalhamento da radiação incidente sobre elas. Nesse sentido, a NR 21, que trata dos trabalhos a céu aberto, estabelece: 21.1. Nos trabalhos realizados a céu aberto, é obrigatória a existência de abrigos, ainda que rústicos, capazes de proteger os trabalhadores contra intempéries. 21.2. Serão exigidas medidas especiais que protejam os trabalhadores contra insolação excessiva, o calor, o frio, a umidade e os ventos inconvenientes. 21.4. Para os trabalhos realizados em regiões pantanosas ou alagadiças, serão imperativas as medidas de profilaxia de endemias, de acordo com as normas de saúde pública. Juchem et al. (1998) apontam que “para um indivíduo de pele normal há cinco perigos da exposição solar”, a saber: 1.os efeitos agudos (queimadura solar, fototoxicidade induzida por medicamentos); 2.os riscos a longo prazo da exposição descontrolada e repetida resultando no desenvolvimento de modificações actínicas ou dermatohelioses (rugas, envelhecimento precoce da pele, adelgaçamento irregular da epiderme, telangiectasias, máculas hiperpigmentadas); 3.o desenvolvimento de lesões pré-malignas (ceratoses celulares) e malignas (carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular e melanomas); 4.a consequência do dano fotoquímico cumulativo aos olhos desprotegidos resultando no escurecimento das lentes (envelhecimento da lente) e formação de catarata nuclear; 5.a alteração da resposta imune e da função e distribuição dos componentes do sistema imunológico causando uma incompetência imune seletiva. A percepção quanto aos efeitos danosos da exposição prolongada e reiterada à luz solar sobre a pele deve encontrar em cada indivíduo um agente ativo para a identificação de sinais de alerta, em se tratando, em especial, da ocorrência de melanoma, considerada a principal doença fatal originada na pele (JUCHEM et al., 1998). Nesse sentido, convém destacar a importância do autoexame, quando do banho ou em outras ocasiões, como o vestir-se, verificando-se a integridade da pele e as características “ABCD” de manchas ou pintas que eventualmente possam surgir ou se modificar. Ao exame cuidadoso, devemos observar se estas têm: ■A – Assimetria dos bordos; ■B – Bordos irregulares ou mal definidos; ■C – Cor ou pigmentação não uniforme; ■D – são de Diâmetro superior a 6 milímetros. Manchas com essas descrições, assim como feridas na pele que coçam, descamam, sangram ou não cicatrizam em até cerca de um mês, bem como aumentam de tamanho ou ganham proeminência, são indicativo de alerta e da necessidade imediata de atenção médica especializada. Ali (1997) explicita que “o câncer cutâneo ocupacional é doença pouco conhecida em virtude de dificuldades em se estabelecer o nexo causal, devido ao período de latência longo (5 a 50 anos) que decorre desde as primeiras exposições ao agente até o aparecimento das manifestações cutâneas”. E que, para esse processo, vários fatores podem concorrer, dentre os quais se destacam os: ■genéticos (cor da pele e dermatose preexistente); ■imunológicos: para indivíduos imunodeprimidos; ■ambientais: o tipo da radiação e as características da exposição. A melanina é um pigmento natural que tem função fotoprotetora; ou seja, que exerce ação protetora contra a ação da luz e da radiação. Ocorrem três tipos: a eumelanina, que vai do castanho ao preto; a feomelanina, que varia do amarelo ao vermelho; e a alomelanina, que tem coloração negra e ocorre apenas em vegetais. Pessoas negras e morenas possuem maiores quantidades eumelanina, enquanto as loiras e ruivas possuem maiores quantidades de feomelanina. As eumelaninas têm alto peso molecular, sendo insolúveis em quase todos os solventes. Já as feomelaninas são solúveis em álcalis diluídos. Logo, aquelas são mais eficientes que estas na proteção contra os raios UV. Não podemos deixarde citar que o uso de diuréticos, antibióticos e outras drogas pode aumentar a sensibilidade da pele em relação a essa radiação, assim como a ingestão de alimentos fotossensibilizantes. Para a definição da potencial insalubridade quanto à exposição solar, nos deparamos com dois problemas de complexa resolução prática: ■a dificuldade para o estabelecimento concreto da contribuição da tríade – tipo de pele, tempo de exposição e presença ou ausência de proteção, para a determinação do limiar de causalidade entre uma condição laboral específica – que pode se dar de forma descontínua e não uniforme, logo não estável – e a configuração da insalubridade em seus efeitos, que se resolve mediante a ausência da previsão legal, portanto não aplicável aos casos em exame, embora não se possa prescindir da precípua necessidade de prevenção visando à preservação da integridade dos trabalhadores sujeitos aos comprovados efeitos deletérios dessa exposição; e ■a não uniformidade da condição termoambiental no transcurso do ano, que termina por conferir cenários precários para a perfeita caracterização da insalubridade por exposição ao calor, uma vez que variáveis climáticas – ventilação, umidade e mesmo as temperaturas – sofrem oscilações ao longo do dia e do calendário, por vezes com significativas mudanças diárias desses parâmetros de região para região em uma mesma localidade de nosso país. Assim sendo, se requer a avaliação de cada caso em específico, assumindo-se, para tanto – não sem possível incerteza quanto às conclusões alcançadas –, para fins de suporte à decisão ou julgamento post facto, o que geralmente sucede em demandas judiciais dessa natureza, estimativas quanto ao período de dias anuais em que a condição a ser pretensamente determinada está ou esteve presente nas condições de trabalho. Resta-nos, então, atuar no sentido de evitar o exercício laboral que sujeite os trabalhadores aos potenciais infortúnios da tarefa. Enquanto na primeira situação nos valemos, em particular, de medidas de proteção individual (uso de protetor solar, chapéus com abas largas, capuz ou touca árabe, óculos de proteção contra luminosidade intensa e radiações, além de vestimentas apropriadas, inclusive com mangas para a proteção do braço e do antebraço), ao que se soma a limitação quanto ao horário de não exposição preferencial (entre as 10 h e 16 h, nem sempre viável), no tocante à segunda situação – ou seus efeitos – devem ser tomadas adicionalmente à limitação do horário de exposição medidas similares àquelas requeridas para ambientes internos. Ou seja, a rigorosa manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico (entre água e sais minerais, imprescindível para a fisiologia humana), por meio da pronta, adequada e permanente reidratação, assim como a realização de pausas visando ao descanso térmico e o favorecimento da termorregulação. Nesse sentido, e em consonância com o que explicitamos, determina o Tribunal Superior do Trabalho (TST) na OJ n. 173 da SDI-1/TST, de 14 de setembro de 2012: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR. I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar. (Art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 – Portaria n. 321.4/1978 do MTE). II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria n. 321.14/78 do MTE. Enfim, podemos resumir dizendo que o que acarreta a insalubridade não será a incidência das radiações provenientes dos raios solares, mas as condições térmicas às quais o trabalhador estará submetido. Todavia, sendo inegável o potencial danoso da incidência da radiação solar sobre a pele e os olhos e, sobretudo, em razão da susceptibilidade individual, não se pode abrir mão dos cuidados relativos à redução dessa exposição. Sugestões de leitura ALI, Salim Amed. Dermatoses ocupacionais. São Paulo: Fundacentro, 1994. BRASIL/MTE. Norma Regulamentadora n. 21. Trabalhos a céu aberto. CONSEJO INTERAMERICANO DE SEGURIDAD. Manual de fundamentos de Higiene Industrial. Englewood: 1981. COUTO, António et al. Fluidos e electrólitos do corpo humano – da Fisiologia à Clínica. Lisboa: Lidel, 1996. HAYASHIDE, Juliana Midori et al. Doenças de pele entre trabalhadores rurais expostos à radiação solar. Estudo integrado entre as áreas de Medicina do Trabalho e Dermatologia. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho. v. 8, n. 2, 2010. JUCHEM, Patrícia Pretto et al. Riscos à Saúde da Radiação Ultravioleta. Revista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. v. 13, n. 2, abr./maio/jun. 1998. LADOU, Joseph. Medicina ambiental y laboral. Cidade do México: Manual Moderno, 1999. REY, Luís. Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global Solar UV Index – a pratical guide. Genebra, 2002.
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