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A QUALIFICAÇÃO INERENTE À JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA O CASO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

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62
Universidade Estácio – PPDG-UNESA
Marcelo Paar Santiago
A qualificação inerente à Jurisdição Administrativa: o caso dos Tribunais De Contas
Rio de Janeiro – RJ
2020
Marcelo Paar Santiago
A qualificação inerente à Jurisdição Administrativa: o caso dos Tribunais De Contas
Artigo apresentado em julho de 2019, no “II Seminário PPGD-UNESA Justiça Administrativa”, como trabalho final da disciplina “Justiça Administrativa no Estado Contemporâneo”, ministrado pelo Professor Dr. Ricardo Perlingeiro, do PPDG-UNESA.
Orientador: ________________________________
Rio de Janeiro – RJ
2020
Marcelo Paar Santiago
A qualificação inerente à Jurisdição Administrativa: o caso dos Tribunais De Contas
Artigo apresentado em julho de 2019, no “II Seminário PPGD-UNESA Justiça Administrativa”, como trabalho final da disciplina “Justiça Administrativa no Estado Contemporâneo”, ministrado pelo Professor Dr. Ricardo Perlingeiro, do PPDG-UNESA.
Aprovado em: ___________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof (a)
____________________________________
Prof (a)
____________________________________
Prof (a)
Rio de Janeiro – RJ
2020
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a........
AGRADECIMENTOS
Epígrafe….
RESUMO
SANTIAGO, Marcelo Paar. A qualificação inerente à Jurisdição Administrativa: o caso dos Tribunais De Contas. 62fls. Dissertação (Mestrado – Curso) Universidade Estácio – PPDG-UNESA. Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro, 2020.
Entre 150 e 200 palavras. Conter objetivos, metodologia, resultados e conclusões do trabalho. 
Palavras Chave: Jurisdição Administrativa; Qualificação do Julgador; Colegiados dos Tribunais de Contas; Requisito Técnico para Nomeação; Conceito Aberto; Indeterminado e Subjetivo; Politização e Familiarização do Sistema de Nomeação.
ABSTRACT
SANTIAGO, Marcelo Paar. The qualification inherent to the Administrative Jurisdiction: the case of the Courts of Auditors. 62fls. Dissertação (Mestrado – Curso) Universidade Estácio – PPDG-UNESA. Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro, 2020.
Keywords: Administrative Jurisdiction; Qualification of the Judge; Collegiate of the Courts of Accounts; Technical Requirement for Appointment; Open Concept; Indeterminate and Subjective; Politicization and Familiarization of the Nomination System.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Cargos ocupados por conselheiros	56
Tabela 2: Quantidade de conselheiros com relações de parentesco político	57
Tabela 3: Indicações de família	57
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	12
1.	A QUALIFICAÇÃO TÉCNICA DO JULGADOR DE CONTAS COMO DIREITO SUJEITO AO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE	16
1.1.	Qualificação Técnica: a Experiência Alemã	19
1.2.	A Classificação Internacional dos Modelos Básicos de Auditoria das Instituições Superiores de Controle	22
1.3.	A Qualificação Técnica como requisito de Acesso (Nomeação) nas Instituições Superiores de Controle (Cortes de Contas Estrangeiras)	22
1.4.	Jurisdição Administrativa e Tribunais de Contas	26
2.	A QUALIFICAÇÃO TÉCNICA COMO REQUISITO DE ACESSO (NOMEAÇÃO) AOS CARGOS DE MINISTROS E CONSELHOS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS: ORIGEM E EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL	30
2.1.	A natureza jurídica dos Tribunais de Contas e sua intrínseca relação com a qualificação técnica de seus membros de cúpula	39
2.2.	Propostas legislativas de alteração no sistema de acesso (nomeação) dos membros das cúpulas dos Tribunais de Contas relativas à qualificação técnica	42
2.3.	Outras propostas de alteração no sistema de acesso (nomeação) dos membros das cúpulas dos Tribunais de Contas relativas à qualificação técnica	46
3.	O SISTEMA DE ACESSO (NOMEAÇÃO) DAS CÚPULAS DAS CORTES DE CONTAS BRASILEIRAS E SEUS REQUISITOS SUBJETIVOS	48
3.1.	A previsão da qualificação técnica dos conselheiros dos Tribunais de Contas nas Constituições Estaduais, nas Leis Orgânicas Municipais e nas normativas internas dos Tribunais de Contas	51
3.2.	A politização e familiarização nas nomeações das cúpulas dos Tribunais de Contas como empecilho à aplicação do requisito de qualificação técnica: os números	52
3.2.1.	Os números nos Tribunais de Contas estaduais	52
3.2.2.	Quem são os conselheiros dos Tribunais de Contas? O relatório da Transparência Brasil de 2016	53
CONCLUSÃO	58
REFERÊNCIAS	60
INTRODUÇÃO
Em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”[footnoteRef:1], intitulada “Pessoal da política não gosta de dizer não”, em janeiro de 2019, o procurador do Ministério Público junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira atribuiu o fracasso da responsabilidade fiscal no Brasil às indicações políticas nos colegiados dos Tribunais de Contas. Quando perguntado se a crise fiscal brasileira tem relação com a politização dos colegiados dos Tribunais de Contas, respondeu afirmativamente, asseverando que “a indicação política aos TCEs está na raiz da quebradeira dos Estados.” Em tom de lamentação explica que “na nossa experiência histórica, a indicação política mostrou que as pessoas que vão para lá são muito lenientes e benevolentes com os governadores, não gostam de fazer enfrentamento. O Pessoal da política não gosta de dizer não, gosta do sim.” O procurador assevera, ainda, que as Cortes de Contas têm tido “interpretações benevolentes com os governantes” e que estão expostas à “captura política”. [1: TOMAZELLI, Idiana. “Pessoal da política não gosta de dizer não”. Entrevista com Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público junto ao TCU. O Estado de São Paulo, 27 de janeiro de 2019. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pessoal-da-politica-nao-gosta-de-dizer-nao,70002695586. Acesso em 05 jul. 2019.
] 
A percepção do Procurador de Contas, vai ao encontro das conclusões obtidas por especialistas que – coordenados pela Transparência Internacional Brasil, que, em 2018, em parceria com o Centro de Justiça e Sociedade da FGV/Direito/Rio e o Grupo de Estudos Anticorrupção da FGV/Direito/SP[footnoteRef:2] – contribuíram com a “agenda anticorrupção”. Foi criado um pacote com 70 medidas, dividido em doze blocos. Um deles foi “investidura e independência de agentes públicos”. [2: FGV. TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Novas Medidas Contra a Corrupção: unidos contra a corrupção. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/23949. Acesso em 05 jul. 2019.] 
Tal bloco, tendo como motivação os escândalos que afetam a credibilidade das cortes de contas, em especial a do TCE-RJ, aliado às conclusões do estudo da Organização Transparência Brasil em 2014 e em 2016 (que abaixo serão abordadas), concluiu que para aprimorar o sistema de nomeação dos membros das cortes de contas também é necessário estabelecer requisitos de acesso mais claros, dentre eles, exigir do indicado formação em nível superior em áreas de competência afetas, como Direito, Economia e Contabilidade.
Destes fatos vislumbra-se com facilidade a importância da “qualificação inerente à jurisdição administrativa”, bem como o exemplo escolhido para o desenvolvimento do presente trabalho, qual seja, a qualificação (técnica) como requisito (essencial) no sistema de nomeação dos Tribunais de Contas.
No Brasil, as Cortes de Contas são órgãos com previsão e competências estabelecidas na Constituição Federal. No passado, o alcance de suas decisões, além do interesse público, atingia de forma direta os interesses individuas (houve época onde os membros do Tribunal de Contas apuravam – e não apreciavam, como é hoje – a legalidade das aposentadorias, ordenavam o sequestro de bens e até ordenavam prisão), fato que nos permite elucubrar sobre a existência de uma jurisdição administrativa no passado brasileiro. Entretanto, hodiernamente, sem dúvidas, os Tribunais de Contas, no Brasil, são órgãos de accountability horizontal, que, em última análise, buscando a consecução do interessepúblico, concorrem para a concretude dos direitos fundamentais.
Entretanto, também é inegável que as Cortes de Contas, ainda que de forma indireta, acabam por atingir interesses individuais, quando adentram no patrimônio imaterial de administradores públicos e demais pessoas físicas que gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos, o que, inclusive, repercute na seara eleitoral.
O desenvolvimento do presente trabalho orbita na necessidade da qualificação técnica das autoridades adjudicativas e na capacidade cognitiva destas autoridades para exercer um efetivo controle sobre provas técnicas, não se tornando “reféns” de expertos. Noutras palavras, no caso escolhido neste trabalho, na capacidade cognitiva dos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas sobre provas técnicas, para que não se tornem “reféns” dos respectivos corpos instrutivos.
O trabalho teve como suporte os estudos sobre: a adjudicação (jurisdição) administrativa, de Michael Asimow[footnoteRef:3]; a discricionariedade administrativa técnica e a intensidade da jurisdição administrativa judicial, de Ricardo Perlingeiro[footnoteRef:4]; os princípios da administração prussiana, de Herman Gerlach James[footnoteRef:5]; e o vocábulo “competência”, utilizado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos[footnoteRef:6], como sinônimo de “qualificação”. [3: ASIMOW, Michael. Cinco modelos de adjudicação administrativa (Justiça Administrativa). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 129-165, jan. /abr. 2017.
] [4: PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. Disponível em: https://papers.ssm.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2250121. Acesso em 05 jul. 2019. 
] [5: JAMES. Herman Gerlach. Principles of Prussian administration. Cornell University Library. Norwood, Mass., U.S.A.: 1913.
] [6: ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em 05 jul. 2019.] 
Nesta toada, o trabalho procura demonstrar que a qualificação dos integrantes das cúpulas das Cortes de Contas é imprescindível para o controle técnico dos seus jurisdicionados. Que a falta desta qualificação justifica um elevado grau de intensidade do controle judicial sobre suas decisões, contribuindo para a diminuição da deferência judicial para com os Tribunais de Contas. 
Busca-se investigar, do ponto de vista jurídico, o que leva o sistema de nomeações de Ministros e Conselheiros de Cortes de Contas à tal fragilidade, que não prioriza a qualificação técnica do indicado. Para tanto, se faz uma análise da evolução constitucional do instituto da qualificação técnica na seara dos Tribunais de Contas, traçando uma intrínseca relação com a natureza jurídica destas Cortes com a qualificação técnica dos membros de suas cúpulas. Também se faz um elenco das propostas legislativas tendentes a alterar o sistema de nomeações de Ministros e Conselheiros de Cortes de Contas relacionadas com a qualificação técnica de seus corpos deliberativos.
O trabalho faz um breve comparativo entre os controles estrangeiros e pátrio, o que possibilitou a conclusão de que o sistema de nomeação nos Tribunais de Contas brasileiros é insuficientemente rígido quanto aos requisitos de acesso.
Os relatórios e pesquisas trazidos neste trabalho constatam que o acesso às cúpulas dos Tribunais de Contas tem mais ligação com a vida política e/ou familiar do indicado do que por sua qualificação técnica, necessária ao efetivo desempenho do cargo. Além disso, constata-se a presença de membros com formação técnica inadequada ao cargo, com relações de parentesco estreitas com políticos que, em alguns casos, são os próprios nomeantes.
Desta feita, a retomada da credibilidade das Cortes de Contas e a necessária confiança da sociedade e do Judiciário em relação aos seus membros de cúpula, insofismavelmente, também perpassa pela definição de critérios objetivos, de conceitos fechados sobre os “notórios conhecimentos” (qualificação técnica) necessários para que alguém possa ascender ao cargo de Ministro ou Conselheiro de um determinado Tribunal de Contas.
Noutro giro, vale ressaltar que a CRFB/88 expressamente versa sobre o Tribunal de Contas da União, entretanto, por força do seu artigo 75, as regras impostas àquela Corte de Contas, no que couber, também devem ser observadas pelos demais Tribunais de Contas. Desta forma, o presente trabalho, por vezes, adotará a expressão “Tribunal de Contas” para tratar quanto à natureza, competência e organização de todas as Cortes de Contas, os referenciando no singular.
Por derradeiro, é importante salientar que o presente trabalho não tem por fim promover qualquer demérito às Cortes de Contas, mas sim uma tentativa de trazer uma contribuição para o aprimoramento do efetivo controle externo.
Cabe nota que a elaboração e formatação do presente texto se baseou no Roteiro para Apresentação das teses e dissertações da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
1. A QUALIFICAÇÃO TÉCNICA DO JULGADOR DE CONTAS COMO DIREITO SUJEITO AO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
O artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) estabelece, dentre outras coisas, que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente. Ao nosso sentir, a expressão “juiz ou tribunal competente” deve ser entendida como um juiz (ou tribunal) tecnicamente qualificado.
O artigo 52.1 da própria convenção corrobora tal assertiva, quando dispõe que aquela Corte Internacional de Direitos Humanos compor-se-á de sete juízes de reconhecida competência (qualificação técnica) em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais (...).
Ora, não seria razoável admitir que aquela CIDH tivesse um entendimento quanto à hermenêutica do artigo 8.1 para julgar a observância do due process of law em países signatários e outro entendimento para aplicação em seu próprio colegiado. Com efeito, o artigo 52.1 complementa o artigo 8.1 no que tange ao vocábulo “competente”, insofismavelmente equiparando-o ao conceito de “qualificação técnica”.
Sobre tal assertiva, Ricardo Perlingeiro[footnoteRef:7] consigna que “o modelo latino-americano é um modelo tendente à transição, em busca da implementação do due process of Law administrativo”, concluindo que “tal organização é, enfim, um modelo que tende a aproximar-se do sistema jurisdicional híbrido norte-americano”. [7: PERLINGEIRO, Ricardo. Uma perspectiva histórica da jurisdição administrativa na América Latina: tradição europeia-continental versus influência norte-americana. ISSN 2359-5639. Disponível em DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v2i1.43103. Acesso em 06 jul. 2019. ] 
Desta feita, podemos asseverar que a qualificação técnica do julgador, seja ele judicial ou administrativo, está no rol dos direitos individuais que se entrelaçam com o devido processo legal e, por tal motivo, sujeito ao controle de convencionalidade. Noutras palavras, privar um indivíduo de uma decisão que seja proferida por um julgador capacitado tecnicamente é negar-lhe o direito a um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem.
Por outro lado, verifica-se que a falta de qualificação técnica por parte do julgador de contas faz com que o Judiciário adote um intenso grau de controle sobre suas decisões, o que funciona de forma inversamente proporcional quanto à deferência judicial para com os Tribunais de Contas. Nesta esteira, no que tange ao controle do conteúdo fático e jurídico das decisões administrativas, cumpre consignar que a Corte I.D.H. se aproxima bastante da Corte Europeia, quando entendem que a proteção judicialdeve ser plena.
A conclusão da proteção judicial plena, adotada pelas Cortes Internacionais, se enquadra nos modelos 4 (que tem China, Argentina e Japão, como maiores exemplos) e 5 (que tem França e Alemanha como expoentes) do trabalho desenvolvido por Asimow, onde a revisão é aberta, ou seja, tanto as partes podem apresentar novas provas em uma Corte (em complemento àquelas apresentadas nas fases anteriores) como a Corte pode determinar-lhes a produção de novas provas. No sistema de revisão aberto os elementos de convicção a serem analisados não se estabilizam até o estágio da revisão judicial. 
Tais entendimentos na seara adjudicativa do controle externo, por óbvio não poderiam ser diferentes. Em consonância com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), a Declaração de Lima Sobre Diretrizes Para Preceitos de Auditoria (1977), aprovada pela International Organization of Supreme Audit Institutions – INTOSAI dispõe que os fiscalizadores devem ter “a qualificação e a integridade moral necessárias para desempenhar as suas tarefas” e serem valorizados quando da escolha por seus “conhecimentos e habilidades acima da média e uma experiência profissional adequada”[footnoteRef:8]. [8: INTOSAI. Declaração de Lima Sobre Diretrizes Para Preceitos de Auditoria. Lima, out. 1977. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/declaracao-de-lima.htm. Seção 14, item 1 e 2. Acesso em 03 jul. 2019.
] 
Em 2007, a International Organization of Supreme Audit Institutions – INTOSAI também aprovou a Declaração do México, estipulando oito princípios para a Independência das Entidades Superiores de Controle[footnoteRef:9], acompanhada de uma normativa com diretrizes e boas práticas para sua implementação[footnoteRef:10]. [9: INTOSAI. Declaração do México sobre Independência. Cidade do México, 2007. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A2561DF3F5015623294032784D. Acesso em 03 jul. 2019.
] [10: INTOSAI. Diretrizes e Boas Práticas da INTOSAI relacionadas com a independência das EFS. Cidade do México, 2007. Disponível em: file:///C:/Users/Convidado/Desktop/idades_Semec_DIRAUD_2016_Issai_Tradu__o%20nivel%201%20e%202_%20Issai_Issais%201_2_Vers_o%20final%20PDF_ISSAI_11_Diretrizes%20e%20Boas%20Pr_ticas%20da%20INTOSAI.PDF. Acesso em 03 jul. 2019.
] 
A Declaração do México, dentre outras coisas, recomenda, como boas práticas de Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) colegiadas[footnoteRef:11], que os membros de uma EFS colegiada (Tribunal de Contas) sejam recrutados por concurso público, com banca examinadora independente e que as condições para os candidatos e os critérios de seleção sejam fixadas pela legislação. [11: Princípio 2, da Declaração do México (INTOSAI. Declaração do México...).] 
Resta cristalino, portanto, que a especialização dos julgadores eleva a qualidade da jurisdição, dando efetividade ao devido processo legal. Nesta toada, Ricardo Perlingeiro[footnoteRef:12] analisando a tutela judicial do direito público à saúde no Brasil, assevera que “a constante especialização dos tribunais é medida inerente à qualidade da jurisdição e, portanto, ao princípio da tutela judicial efetiva.” Explicita que “em sistemas como o brasileiro, no qual os juízes necessariamente possuem formação jurídica, esses conhecimentos técnicos decorrem de perícia judicial, e o papel do juiz corre o risco de ser, nesse ponto, secundário e dependente.” [12: PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. In: Seminário internacional “A judicialização da saúde pública em uma perspectiva comparada franco-brasileira”, organizado pela Universidade Federal Fluminense (Núcleo de Ciências do Poder Judiciário – Nupej) em parceria com a Universidade Paris Descartes (Instituto de Direito e Saúde – IDS), em Niterói/RJ, nos dias 30 e 31 de agosto de 2010. Disponível em: https://papers.ssm.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2250121. p. 193- 194. Acesso em 05 jul. 2019.
] 
Transmutando as conclusões de Perlingeiro para a realidade das Cortes de Contas, podemos inferir, então, que a qualificação técnica dos ministros e conselheiros de Cortes de Contas deve ser condição indispensável para nomeação ao cargo, haja vista a multiplicidade e interdisciplinaridade dos conhecimentos necessários para se efetivar com proficiência decisões de controle externo, conforme se depreende do disposto nos incisos III e IV do § 1º do artigo 73 da CRFB/88. Com efeito, os julgadores de Cortes de Contas não podem ser incipientes, muito menos insipientes, caso contrário serão, indelevelmente, “reféns” dos respectivos corpos instrutivos.
Leonardo Greco[footnoteRef:13] também faz referência à questão em comento asseverando que “Dificilmente o juiz deixa de reconhecer a verdade revelada pela prova pericial, porque ele, magistrado, não é – ou não se presume ser – portador dos conhecimentos próprios do perito. Neste ponto, reside o maior risco da prova pericial, que é justamente o de transformar o perito em juiz.” Continua o raciocínio expendendo que “a dificuldade de compreensão e de avaliação de conhecimentos muito especializados também justifica certa resistência, na Alemanha e nos Estados Unidos, ao controle jurisdicional das políticas públicas, relegadas a órgãos internos de solução de conflitos da própria Administração ou de agências reguladoras, ou consideradas questões políticas a serem decididas pelas instâncias próprias”. [13: GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense Jurídica, 2010. v. 2.] 
1.1. Qualificação Técnica: a Experiência Alemã
Na esteira do que já foi dito sobre a qualificação técnica, cumpre consignar que na Alemanha se verifica alto grau de confiança da sociedade no julgador administrativo. Isso também decorre de uma tradição prussiana que pugna pela extrema capacitação técnica do servidor administrativo, especializando-o ao máximo.
	Não é de hoje a preocupação alemã com a qualificação técnica e especialização de seus agentes públicos. Max Weber[footnoteRef:14] já versava sobre uma nova espécie de “homens políticos profissionais”, entendendo que o desenvolvimento moderno da função pública, passa pela necessidade de profissionalismo, especialização e alta qualificação de seus servidores. [14: WEBER, Max. Ciência e Política – duas vocações. Ed. Cultrix. 2011. p. 69
] 
Isto porque nem sempre a Alemanha – que hodiernamente é exemplo de qualificação técnica de seus agentes públicos e de alta confiança da sociedade e do Judiciário na tomada de decisões destes agentes (alto grau de deferência judicial) – foi austera com as nomeações a cargos públicos. É oportuno destacamos interessante passagem da obra de Weber[footnoteRef:15] que, insofismavelmente, denota a atualidade de seu pensamento, vejamos: “Na Alemanha, todas as lutas entre as tendências particularistas e as tendências centralistas giram, também e principalmente, em torno desse ponto. Que poderes irão controlar a distribuição de empregos — os de Berlim ou, ao contrário, os de Munich, de Karlsruhe ou de Dresde? [15: WEBER, Max. Ciência e Política - duas vocações. Ed. Cultrix. Edição do Kindle.
] 
Os partidos se irritam muito mais com arranhões ao direito de distribuição de empregos do que com desvios de programas.” Continua Weber[footnoteRef:16] “Tendência idêntica se manifestou em todos os demais partidos, com o aumento crescente do número de cargos administrativos que se deu em consequência da generalizada burocratização, mas também se deu por causa da ambição crescente de cidadãos atraídos por uma sinecura administrativa que, hoje em dia, se tornou espécie de seguro específico para o futuro. Dessa forma, aos olhos de seus aderentes, os partidos aparecem, cada vez mais, como uma espécie de trampolim que lhes permitirá atingir este objetivo essencial: garantir o futuro.” Com todas as vênias e escusas, mas, repita-se, na atual conjuntura brasileira, nada mais atual do que o pensamento weberiano. [16: WEBER, Max. Ciência e Política - duas vocações. Ed. Cultrix.Edição do Kindle.
] 
Desta crise administrativa surge a “teoria da moderna função pública”, embrião do que hoje a Carta Política brasileira denomina de “notórios conhecimentos”, tendo como pressuposto a qualificação técnica. Sobre o tema, Weber[footnoteRef:17] assim lecionou “A essa tendência opõe-se, entretanto, o desenvolvimento moderno da função pública que, em nossa época, exige um corpo de trabalhadores intelectuais especializados, altamente qualificados e que se preparam, ao longo de anos, para o desempenho de sua tarefa profissional, estando animados por um sentimento muito desenvolvido de honra corporativa, onde se acentua o capítulo da integridade.” [17: WEBER, Max. Ciência e Política - duas vocações. Ed. Cultrix. Edição do Kindle.
] 
Aqui, vale trazermos os comentários de Felipe Galvão Puccioni[footnoteRef:18], Conselheiro-Substituto do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, quando conclui acerca da existência de um elevado número de indicações políticas na Administração Pública, calçando suas conclusões em estudos que explicam a situação sob o prisma weberiano, cuja nomeação de funcionários públicos deve ocorrer selecionando o mais qualificado tecnicamente, especializado e competente para exercer a função pública. [18: PUCCIONI, Felipe Galvão. O Alto Percentual de Indicações Políticas na Administração Pública Brasileira. 13 nov. 2017. Disponível em: http://www.atricon.org.br/artigos/o-alto-percentual-de-indicacoes-politicas-na-administracao-publica-brasileira/. Acesso em 24. jun. 2019.
] 
É nesta senda onde se desenvolveram os princípios da administração prussiana. Herman Gerlach James[footnoteRef:19] tece robusto comentário aceca da qualificação técnica na legislação prussiana, asseverando o seguinte: “O serviço público está aberto a todos que preencham os requisitos legais, quais sejam: (a) a posse total dos direitos honoríficos dos cidadãos. Entre esses direitos honoríficos está o direito de exercer um cargo público. Tal direito de exercício pode ser perdido, conforme dispõe o código penal imperial, por intermédio de uma sentença penal, conjuntamente a uma pena de prisão (b) certas qualificações, como evidenciado por treinamento. Para os oficiais superiores, é necessário um período de estudo de três anos numa universidade de direito, seguido pelo primeiro exame de ordem. Isso seguido por pelo menos nove meses de serviço ativo num tribunal, com o que, após a conclusão, o título de “Regierungsreferendar” é concedido. Como tal, o candidato serve de três anos a três anos e três meses, com pelo menos três diferentes autoridades administrativas e é então necessário fazer um segundo exame em direito, ciência política e economia. Ao passar neste exame, ele recebe o título de “Regierungsassessor" pelos ministros de finanças e do interior. Ele é então qualificado para o maior serviço administrativo e certas posições ficam abertas apenas a tais servidores qualificados denominados “Regierungs”. Assim, por exemplo, só eles são elegíveis para serem membros dos governos distritais, presidentes de províncias ou assistentes dos presidentes distritais. Além disso, os membros não-judiciais do Supremo Tribunal Administrativo e os membros não-eleitos do Comitê Distrital devem ser escolhidos entre estas pessoas qualificadas. Os requisitos de qualificação para cargos judiciais são regulados por lei imperial, de maneira semelhante. As qualificações para advogados e funcionários administrativos intermediários também são determinadas por lei.” [19: JAMES. Herman Gerlach. Principles of Prussian administration. Cornell University Library. Norwood, Mass., U.S.A.: 1913. p. 207 – 209. ] 
Percebe-se que a legislação prussiana além de privilegiar a qualificação técnica dos servidores públicos, concomitantemente privilegiava a experiência profissional e a multidisciplinaridade do conhecimento, permitindo o acesso aos cargos mais elevados em etapas que levavam em conta requisitos de antiguidade e merecimento.
Aqui, vale trazermos passagem da obra de Anna Gianna Manca[footnoteRef:20] que demonstra na prática e na base como se deu a evolução do instituto da qualificação técnica na Alemanha. Vejamos em livre tradução do italiano: “Assim foi que na Nova Era, sob o comando do ministro liberal-moderado Bethmann-Hollweg, algumas mudanças foram feitas, visando não dificultar a profissionalização perseguida (Verberuflichung) dos professores primários e geralmente a modernização natural do setor. As mudanças empurraram para uma inserção das disciplinas técnico-científicas (Realien) entre os sujeitos de ensino, bem como para uma maior atenção às necessidades de qualificação e formação profissional provenientes do mundo da economia e do comércio; eles também levaram em conta o potencial do treinamento como ferramenta de ascensão social.[footnoteRef:21]” [20: MANCA, Anna Gianna. Costituzione e amministrazione della monarchia prussiana (1848-1870) (Istituto storico italo-germ. Monografie) (Italian Edition). Società editrice il Mulino, Spa. Edição do Kindle.
] [21: Fu così che nella Nuova Era, sotto il ministro liberal-moderato Bethmann-Hollweg, furono apportate loro alcune modifiche, tese a non ostacolare la perseguita professionalizzazione (Verberuflichung) degli insegnanti elementari e in genere la naturale modernizzazione del settore. Le modifiche spingevano per un inserimento delle discipline scientifico-tecniche (Realien) tra le materie di insegnamento, nonché per una maggiore attenzione alle esigenze di qualificazione e di formazione professionale provenienti dal mondo dell’economia e del commercio; esse tenevano anche in conto le potenzialità della formazione come strumento di ascesa sociale. MANCA, Anna Gianna. Costituzione e amministrazione della monarchia prussiana (1848-1870) (Istituto storico italo-germ. Monografie) (Italian Edition). Società editrice il Mulino, Spa. Edição do Kindle.] 
Pelo exposto, podemos entender, sem grandes esforços cognitivos, porque hodiernamente a Alemanha é costumeiramente trazida como exemplo de baixíssima interferência (intensidade) do Judiciário no Executivo e, por óbvio, da alta deferência judicial para com a Administração Pública.
1.2. A Classificação Internacional dos Modelos Básicos de Auditoria das Instituições Superiores de Controle
Tendo em vista que o presente trabalho faz uma breve narrativa acerca das diversas formas de acesso (nomeação) nas Instituições Superiores de Controle (Cortes de Contas) estrangeiras, torna-se relevante trazermos uma das classificações mais aceitas internacionalmente para definir Instituições Superiores de Controle, que é a desenvolvida por Kenneth M. Dye e Rick Stapenhurst[footnoteRef:22], que estabelece três modelos básicos de auditoria, quais sejam: o “napoleônico”, o Westminster e o Board system. [22: DYE, Kenneth M.; STAPENHURST, Rick. Pillars of integrity: the importance of Supreme Audit Institutions in curbing corruption. Washington: The Economic Development Institute of the World Bank, 1998, p. 5-6.] 
O “napoleônico”, por óbvio, trata do modelo francês das Cortes de Contas, onde ocorre uma aproximação destas Cortes ao Judiciário (modelo judicial), assim, os magistrados de contas têm a independência inerente ao Judiciário. Tal modelo é adotado em alguns países da Europa, África e América do Sul.
O sistema Westminster nos remete a ideia de auditoria ou controladoria-geral monocrática. O controle externo é dirigido por um Auditor-Geral que reporta diretamente ao Parlamento as atividades financeiras do Executivo. Para tanto, o auditor-Geral conta com uma equipe especializada em auditoria. É o sistema adotado pela Inglaterra e pelo Canadá.
Já o modelo board system tem como principal característica sua natureza colegiada. As auditorias são realizadas em comitês. Tal modelo tem prevalência em países asiáticos, tais como: Indonésia, Japão e Coreia.
 
1.3. A Qualificação Técnica como requisito de Acesso (Nomeação) nas Instituições Superiores de Controle (Cortes de Contas Estrangeiras)
	Este item expende a qualificação técnicacomo requisito de acesso (nomeação) em algumas Instituições Superiores de Controle (Cortes de Contas) de alguns países proeminentes em matéria de controle externo. Na França, que usa o modelo napoleônico (tal qual Espanha, Portugal e Itália); na Alemanha, que usa o modelo board system; e na Inglaterra (Reino Unido), que usa o modelo Westminster (tal qual o México). 
Em seu estudo de direito comparado, José de Ribamar Barreiros Soares[footnoteRef:23], ensina que na França os auditores são pinçados na gênese de suas formações, entre alunos da Escola Nacional de Administração. Quando a forma de escolha: um quarto dos conselheiros-referendários são escolhidos entre funcionários das finanças com ao menos dez anos de serviço e três quartos são escolhidos entre os auditores. [23: SOARES, José de Ribamar Barreiros. A justiça administrativa no direito comparado. Revista de informação legislativa, v. 38, n. 152, p. 55-62, out./dez. 2001. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/721. Acesso em 27. jun. 2019. p. 57-58.
] 
Quanto aos conselheiros-mestres: dois terços são destinados aos referendários, um sexto é destinado a funcionários das finanças e o outro sexto a funcionários provenientes da administração. Os presidentes de câmara são escolhidos entre os conselheiros-mestres com pelo menos três anos de antiguidade.
Já a legislação espanhola[footnoteRef:24], no que tange à qualificação técnica, estabelece que os membros do Pleno da Corte de Contas devem ter reconhecida competência, mais de quinze anos de exercício profissional e serem escolhidos entre revisores oficiais de contas, magistrados e fiscais, professores universitários e funcionários públicos de carreiras em que se exijam titulação acadêmica superior, advogados, economistas, professores de negócio. [24: ESPAÑA. Ley Orgánica 2/1982, de 12 de mayo, del Tribunal de Cuentas. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1982-11584. Acesso em 27. jun. 2019.
] 
Em terras lusitanas, a lei de organização e processo do Tribunal de Contas de Portugal[footnoteRef:25], estabelece que os juízes são nomeados por “concurso curricular”, cuja avaliação cabe a um júri presidido pelo Presidente do Tribunal de Contas e pelo vice-presidente, pelo juiz mais antigo e por dois professores universitários, um de Direito e outro de Economia, Finanças, Organização e Gestão ou Auditoria, designados pelo Governo[footnoteRef:26]. [25: Art. 20, itens 1, 2 e 3, da Lei de organização e processo do Tribunal de Contas de Portugal (PORTUGAL. Lei nº 98/97, de 26 de agosto. Lei de organização e processo do Tribunal de Contas (LOPTC). Disponível em: https://www.tcontas.pt/pt/apresenta/legislacao/legis7-act.pdf. Acesso em 28. jun. 2019.
] [26: Art. 18, da Lei de organização e processo do Tribunal de Contas de Portugal (PORTUGAL. Lei nº 98/97, de 26 de agosto. Lei de organização e processo do Tribunal de Contas (LOPTC). Disponível em: https://www.tcontas.pt/pt/apresenta/legislacao/legis7-act.pdf. Acesso em 28. jun. 2019.] 
Tal dispositivo, por si só, já denota a busca por uma qualificação multidisciplinar dos julgadores de contas, o que requer um alto grau de especialização em mais de uma área do conhecimento, o que nos remete à literalidade do texto – “outdoor londrino” – do inciso III do § 1º do artigo 73 da CRFB/88.
A lei de organização e processo do Tribunal de Contas de Portugal[footnoteRef:27] também estabelece que apenas podem se candidatar à vaga indivíduos com idade superior a 35 anos que atendam aos requisitos gerais exigidos para a nomeação de funcionários do Estado e sejam: a) Magistrados judiciais, dos tribunais administrativos e fiscais ou do Ministério Público, colocados em tribunais superiores, com pelo menos 10 anos na respetiva magistratura e classificação superior a Bom; b) Doutores em Direito, Economia, Finanças ou Organização e Gestão ou em outras áreas adequadas ao exercício das funções; c) Mestres ou licenciados em Direito, Economia, Finanças ou Organização e Gestão ou em outras áreas adequadas ao exercício das funções com pelo menos 10 anos de serviço na Administração Pública e classificação de Muito bom, sendo 3 daqueles anos no exercício de funções dirigentes ao nível do cargo de diretor-geral ou equiparado ou de funções docentes no ensino superior universitário em disciplinas afins da matéria do Tribunal de Contas; d) Licenciados nas áreas referidas na alínea anterior que tenham exercido funções de subdiretor-geral ou auditor-coordenador ou equiparado no Tribunal de Contas pelo menos durante cinco anos; e) Mestres ou licenciados em Direito, Economia, Finanças ou Organização e Gestão de Empresas de reconhecido mérito com pelo menos 10 anos de serviço em cargos de direção de empresas e 3 como membro de conselhos de administração ou de gestão ou de conselhos fiscais ou de comissões de fiscalização. [27: Art. 19 item 1, da Lei de organização e processo do Tribunal de Contas de Portugal (PORTUGAL. Lei nº 98/97, de 26 de agosto. Lei de organização e processo do Tribunal de Contas (LOPTC). Disponível em: https://www.tcontas.pt/pt/apresenta/legislacao/legis7-act.pdf. Acesso em 28. jun. 2019.] 
A pontuação dos candidatos, de forma global, leva em conta os seguintes fatores: classificações acadêmicas e de serviço, graduações obtidas em concursos, trabalhos científicos ou profissionais, atividade profissional e quaisquer outros elementos que respeitem à idoneidade e à capacidade de adaptação ao cargo. A possibilidade de que a escolha pela banca se dê por critérios alheios aos estipulados é arrefecida pela composição do júri por dois membros externos à estrutura da Corte (os dois professores universitários) bem como pela possibilidade prevista na legislação portuguesa de recurso das deliberações da banca ao plenário geral do Tribunal.
Chama atenção o modelo português. O acesso à Corte de Contas por intermédio de concurso curricular, cuja avaliação é feita por uma banca plural, que leva muito em conta a qualificação técnica dos candidatos nas áreas específicas das atividades cujo controle é exercido, ao nosso sentir, torna a Corte mais refratária a politização e/ou familiarização no sistema de acesso. 
Na Itália, a Corte de Contas[footnoteRef:28] é composta por juízes (os seus membros têm status de magistrados), cujos cargos são providos por concurso público. No concurso apenas se admite a participação de juízes ordinários e administrativos, advogados do Estado e dos “tribunais livres”, advogados militares e funcionários públicos que atendam aos requisitos exigidos por lei. Contudo, o governo nomeia parte dos magistrados de contas, ouvida a posição do Conselho da Presidência. [28: ITALIA. CORTE DEI CONTI. Corte dei conti: la storia l’organizzazione e le funzioni. Disponível em: http://www.corteconti.it/export/sites/portalecdc/_documenti/chi_siamo/brochure_storia_funzioni_cdc.pdf. Acesso em 27. jun. 2019.
] 
Denote-se que a qualificação técnica é indispensável à composição da Corte de Contas italiana. Sobre o assunto, Cláudio Augusto Canha[footnoteRef:29] expende o seguinte: “Da mesma forma adotada para a admissão dos magistrados da Giurisdizione Amministrativa (art. 16 da Lei nº 186, de 27/04/1982), para a nomeação no cargo de Referendário da Corte dei Conti é exigido concurso público (art. 12 da Lei nº 1345, de 20/12/1961), os demais postos da magistratura de contas italiana são reservados aos magistrados de nível imediatamente inferior, exceto no que tange ao posto de Consiglieri, em que metade das vagas é reservada a funcionários públicos da Corte dei Conti e dos demais órgãos da administração que cumpram os requisitos previstos em lei (art. 7º da Lei nº 655, de 06/05/1948, com a redação dada pela Lei nº 385, de 08/07/1977). A outra metade é composta de oriundos do cargo de Primo Referendário.” [29: CANHA, Cláudio Augusto. A evolução (?) do papel dos auditores dos Tribunais de Contas do Brasil. In: LIMA, Luiz Henrique (Coord.). Tribunais de Contas: temas polêmicos na visão de Ministros e Conselheiros Substitutos. Belo Horizonte:Fórum, 2014. p. 23.
] 
Na Alemanha[footnoteRef:30], o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal de Contas são nomeados como servidores públicos temporários por um período de doze anos, quando se aposentam ao final do mandato. Ambos são eleitos pelas duas Casas do Parlamento, sob proposta do Governo Federal e sem debates. Os outros são nomeados pelo Governo Federal, mediante proposição do Presidente do Tribunal de Contas, após consulta à comissão do Senado. Todos os magistrados de contas devem ter ampla experiência profissional e qualificação na carreira pública. O Presidente, o Vice-Presidente e mais um terço, pelo menos, dos demais membros devem ser qualificados para o exercício de função judicial. Outros membros devem ter experiência em engenharia ou economia. [30: Artigos 3 e 5, do Bundesrechnungshof Act (DEUTSCH. BUNDESRECHNUNGSHOF. Bundesrechnungshof Act. English translated version. Disponível em: https://www.bundesrechnungshof.de/en/bundesrechnungshof/rechtsgrundlagen/bundesrechnungshof-act. Acesso em 26. jun. 2019.] 
Na Inglaterra (Reino Unido), o National Audit Office[footnoteRef:31] é dirigido por um Controlador e Auditor Geral (C&AG), oficial da Câmara dos Comuns, além de uma equipe de aproximadamente oitocentas pessoas. Nem ele nem a equipe são funcionários públicos. São independentes do governo. O C&AG é recomendado pela Câmara dos Comuns à rainha, que, após valorar a sua trajetória profissional no setor de auditoria pública, realiza a nomeação formal. [31: UNITED KINGDOM. NATIONAL AUDIT OFFICE. Appointment of the new C&AG. Disponível em: https://www.nao.org.uk/press-release/appointment-of-the-new-cag/ . Acesso em 04 jul. 2019.
] 
No México, a Auditoria Superior de la Federación[footnoteRef:32] é dirigida por um auditor superior, nomeado pelo voto de dois terços dos membros presentes da Câmara dos Deputados. A Comissão específica na Câmara dos Deputados pode buscar candidatos idôneos em organizações da sociedade civil e acadêmicas para preencher o cargo. Recebidas as candidaturas, que devem estar acompanhadas da documentação exigida, os candidatos são isoladamente entrevistados. Após as entrevistas, são selecionados os três candidatos com as melhores avaliações. Com os três nomes selecionados, a Comissão leva à apreciação do Plenário da Câmara, para que esta designe o titular, que permanecerá no cargo por oito anos, podendo ser redesignado uma única vez. No caso de nenhum candidato obter o voto de dois terços do Plenário da Câmara, o processo seletivo deve ser reiniciado sem a participação dos candidatos anteriores.[footnoteRef:33] [32: Art. 79, da Constituição mexicana. MÉXICO [Constituição (1917)]. Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos. Disponível em: https://www.juridicas.unam.mx/legislacion/ordenamiento/constitucion-politica-de-los-estados-unidos-mexicanos. Acesso em 25. jun. 2019.
] [33: Artigos 83 e 84, da Lei de Fiscalização e Contas. MÉXICO. Ley de Fiscalización y Rendición de Cuentas de La Federación, 18 de julio de 2016. Disponível em: http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/LFRCF.pdf. Acesso em 25. jun. 2019.] 
	Desta feita, ainda que não se possa afirmar que os modelos estrangeiros estejam totalmente livres de pressões políticas, é forçoso reconhecer que o modelo brasileiro, quando comparado com aqueles alienígenas, é ineficiente para barrar a politização e/ou familiarização do seu sistema de acesso aos cargos de Ministro e Conselheiro, em especial no que tange aos critérios de conceitos abertos e indeterminados, quais sejam, “idoneidade moral”, “reputação ilibada” e “notórios conhecimentos”, este último, decorrente da qualificação técnica.
1.4. Jurisdição Administrativa e Tribunais de Contas
Podemos conceituar “jurisdição administrativa” como sendo a prestação estatal para solução (coercitiva e definitiva) de um contencioso administrativo. Assim, a “justiça administrativa” se refere aos órgãos do Estado responsáveis por essa atuação jurisdicional. Isto porque o Estado pode exercer funções administrativas secundárias, que se relacionam com atribuições destinadas à solução de contenciosos administrativos, que também são denominadas de funções administrativas jurisdicionais.
Neste contexto, é necessário traçarmos as diferenças entre processo administrativo judicial; processo administrativo extrajudicial e procedimento administrativo. Processo administrativo judicial descreve o processo sobre causas de Direito Administrativo que correm perante órgãos judiciais. Processo administrativo extrajudicial refere-se ao processo sobre causas de Direito Administrativo perante autoridades administrativas. Já o procedimento administrativo designa um processo administrativo extrajudicial sem aptidão para gerar jurisdição, justamente pela ausência de um dos requisitos de validade da jurisdição, dentre eles, também os que se relacionam diretamente com a pessoa do julgador, como é o caso da qualificação técnica.
Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro e a realidade de nossa Administração Pública não nos permitem admitir a existência da adjudicação (jurisdição) administrativa no Brasil.
Especificamente em relação aos Tribunais de Contas, muito embora a CRFB/88, em seu artigo 73, §§ 3º e 4º, assegure, respectivamente, aos Ministros do Tribunal de Contas da União as mesmas garantias e prerrogativas dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e ao auditor, quando em substituição a Ministro, as mesmas garantias do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal, o que lhes asseguram, em tese, a independência e imparcialidade imprescindíveis à judicatura (autoridade para julgar), contudo, faltam-lhes a qualificação técnica e a confiança necessárias ao pleno exercício da jurisdição.
O mesmo ocorre nas demais Cortes de Contas, apesar da simetria que o artigo 75 da CRFB/88 confere ao caso em comento – como exemplo: o artigo 128, §§ 3º e 4º da Constituição Fluminense de 1989, que estabelece que os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado terão as mesmas garantias e prerrogativas dos Desembargadores do Tribunal de Justiça e que o auditor, quando em substituição a Conselheiro, terá as mesmas garantias do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de direito da mais alta entrância.
Ademais disso, os Tribunais de Contas, repita-se, estão intrinsecamente ligados à ideia de accountability, tendo por finalidade precípua a consecução do interesse público, o que os afastam da jurisdição administrativa, posto que inexistem, em tese, direitos individuais a serem protegidos.
Entretanto, conforme já fora expendido, é inegável que as Cortes de Contas acabam, ainda que de forma reflexa, decidindo sobre temas ligados a direitos individuais quando, por exemplo, apreciam aposentadorias de servidores efetivos ou quando, mesmo julgando contas, acabam por adentrar no patrimônio imaterial (honra e reputação) de administradores públicos e demais pessoas físicas que utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais um determinado Ente Público responda, ou que, em nome deste, assumam obrigações de natureza pecuniária, o que, inclusive, repercute no direito de ser votado.
Mesmo assim, tais constatações não autorizam afirmar que exista jurisdição administrativa no Brasil. Com efeito, além da insofismável ausência dos requisitos de qualificação técnica e confiança do julgador administrativo, existem outros dois fortes argumentos que corroboram tal assertiva.
O primeiro tem relação com a previsão insculpida no artigo 71, III da CRFB/88, que atribui ao Tribunal de Contas a competência para apreciar as concessões de aposentadorias, reformas e pensões do pessoal da administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Ora, é inegável que aposentadorias, reformas e pensões estão no rol de coisas que podem vir a ferir direito individual. Então – relevando-se a falta de qualificação técnica e deconfiança do julgador administrativo – por que ainda não se enquadra no âmbito da jurisdição administrativa? A resposta repousa no verbete da Súmula Vinculante 3 do STF, vejamos: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.” Com efeito, em tal hipótese, ainda que inegavelmente tenhamos um direito individual, o processo carecerá de contraditório e ampla defesa, pressuposto inafastáveis de validade da jurisdição.
O segundo relaciona-se com a atual inaplicabilidade da Súmula 347 do STF, de 1963, que tem o seguinte verbete: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.” O STF já decidiu que a subsistência do verbete, obviamente, ficou comprometida com a promulgação da Constituição em 1988.
Na fundamentação dos julgados[footnoteRef:34] o STF consigna textualmente que “É inconcebível, portanto, a hipótese do Tribunal de Contas da União, órgão sem qualquer função jurisdicional, permanecer a exercer controle difuso de constitucionalidade nos julgamentos de seus processos, (...)” [34: STF: MS 35.410, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/12/2017; MS 25.888 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 22/3/2006; MS 29.123 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 2/9/2010; MS 28.745 MC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, julgado em 6/5/2010; MS 27.796 MC, Rel. Min. CARLOS BRITTO, julgado em 27/1/2009; MS 27.337, Rel. Min. EROS GRAU, julgado em 21/5/2008; MS 26.783 MC-ED, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 5/12/2011; MS 27.743 MC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 1º/12/2008. 
] 
O Ministro Alexandre de Moraes, para evitar que a jurisdição fosse alcance pelo TCU, o assemelhou ao CNJ, aproveitando conclusão feita em sua obra, vejamos: “Com efeito, os fundamentos que afastam do Tribunal de Contas da União – TCU a prerrogativa do exercício do controle incidental de constitucionalidade são semelhantes, mutatis mutandis, ao mesmo impedimento, segundo afirmei, em relação ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ (DIREITO CONSTITUCIONAL. 33. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 563 e seguintes). 
O exercício dessa competência jurisdicional pelo CNJ acarretaria triplo desrespeito ao texto maior, atentando tanto contra o Poder Legislativo, quanto contra as próprias competências jurisdicionais do Judiciário e as competências privativas de nossa Corte Suprema. (...) A declaração incidental de inconstitucionalidade ou, conforme denominação do Chief Justice Marshall (1 Chanch 137 – 1803 – Marbury v. Madison), a ampla revisão judicial, somente é permitida de maneira excepcional aos juízes e tribunais para o pleno exercício de suas funções jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar de forma definitiva o caso concreto posto em juízo.[footnoteRef:35]” [35: BRASIL. STF. Medida cautelar em mandado de segurança 35.410. Distrito Federal. Relator Min. Alexandre de Moraes. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/tcu-nao-controle-constitucionalidade.pdf. Acesso em 07 jul. 2019.] 
Destarte, conclui-se que o Pretório Excelso entende que as Cortes de Contes são órgãos desprovidos de qualquer função jurisdicional. Que o eventual exercício da jurisdição pelos Tribunais de Contas acarretaria desobediência à Constituição Federal: atentaria contra as próprias competências jurisdicionais do Judiciário e as competências privativas do STF. As Cortes de Contas teriam (inconstitucionalmente) alargadas as suas competências administrativas originárias, pois estariam usurpando função jurisdicional constitucionalmente atribuída aos juízes e tribunais.
2. A QUALIFICAÇÃO TÉCNICA COMO REQUISITO DE ACESSO (NOMEAÇÃO) AOS CARGOS DE MINISTROS E CONSELHOS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS: ORIGEM E EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL 
Ainda no Brasil-colônia, por volta de 1680, foram concebidos nossos primeiros órgãos de controle. A Junta da Fazenda do Rio de Janeiro e as Juntas das Fazendas das Capitanias, jurisdicionadas a Lisboa. 
Em 1808, na administração do príncipe regente Dom João, se implantou o Erário Régio e foi criado o Conselho da Fazenda, para acompanhar a execução da despesa pública.
Com a Independência do Brasil veio a Constituição de 1824. O Erário Régio foi transformado no Tesouro, se elaborando, desde então, os primeiros orçamentos e balanços gerais. Seguiram-se a essas iniciativas de cunho orçamentário e financeiro várias tentativas de criação de um Tribunal de Contas no Brasil.
Entretanto, demorou 45 anos desde que Manuel Alves Branco[footnoteRef:36], em 1845, apresentou o primeiro projeto para a criação de um Tribunal de Contas, até que, com a queda do império e as reformas político-administrativas da recém-instalada República, tornaram o projeto realidade em 07 de novembro de 1890, quando, por iniciativa de Ruy Barbosa, o marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, assina o Decreto nº 966-A[footnoteRef:37], que cria o Tribunal de Contas, criado com a missão de proceder ao exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa da República. [36: Manuel Alves Branco, 2.º Visconde de Caravelas, foi um juiz de fora, advogado, economista e político brasileiro. Foi deputado geral, ministro da Justiça, ministro da Fazenda, senador e primeiro Presidente do Conselho de Ministros do Império do Brasil.
] [37: Decreto nº 966-A, de 07 de novembro de 1890, que “Crêa um Tribunal de Contas para o exame, revisão e julgamento dos actos concernentes a receita e despeza da Republica.”] 
Ruy Barbosa, em sua exposição de motivos para a criação da Corte de Contas, fez menção a tal demora, asseverando que, “Mas, como não é de estranhar, atente a importância do assumpto, a ideia adormeceu, na Mesa da Câmara, desse bom sono de que raramente acordavam as ideias úteis, especialmente as que podiam criar incômodos à liberdade da politicagem eleitoral. E quarenta e cinco anos deixou a monarquia entregue o grande pensamento ao pó protetor dos arquivos parlamentares.”
O então Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, em sua exposição de motivos, via o Tribunal de Contas como um “corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional (...). Convém levantar, entre o Poder que autoriza periodicamente a despesa e o Poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura e intervindo na administração, seja, não só vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias por veto oportuno aos atos do Executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha rigorosa das leis das finanças”.
Denote-se que Ruy Barbosa, apesar de não versar expressa e diretamente sobre a qualificação técnica do julgador da Corte de Contas, implicitamente – “seja, não só vigia” e “obstando a perpetração das infrações orçamentárias” – deixa transparecer a sua natureza especializada. 
O Decreto nº 966-A (com força de lei), de 07 de novembro de 1890, determinava que o Tribunal seria composto por funcionários com poder de deliberação e voto, que seriam nomeados pelo Presidente da República, sujeitos à aprovação do Senado, que gozariam das mesmas garantias de inamovibilidade dos membros do STF, entretanto não dispunha sobre requisito de qualificação técnica que o candidato ao cargo de magistrado de contas deveria possuir.
A Constituição de 1891, ainda por influência de Ruy Barbosa, institucionalizou definitivamente o Tribunal de Contas, insculpindo-o em seu artigo 89[footnoteRef:38]. Seus membros seriam nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, esomente perderiam seus cargos por sentença. [38: Art. 89. É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despeza e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso.] 
Apesar do Decreto nº 966-A ser de 07 de novembro de 1890, a instalação física do Tribunal de Contas (da União) somente aconteceu em 17 de janeiro de 1893, no Edifício do Tesouro, localizado na antiga rua do Sacramento, atual avenida Passos, na cidade do Rio de Janeiro.
Quem primeiro presidiu o Tribunal de Contas foi Manuel Francisco Correia, que se aposentou no cargo. Apesar de ser economista e advogado – o que, a princípio, preenche o requisito de qualificação técnica – era político extremamente influente na época. Foi deputado geral por três vezes, senador do Império do Brasil, Ministro da Justiça, Ministro da Fazenda, Primeiro Presidente do Conselho de Ministros do Império do Brasil. Nascido de família tradicional, abastada e poderosa, era irmão do Barão do Serro Azul e filho do Comendador Manoel Francisco Correia. Tal fato demonstra que desde o nascedouro as cortes de constas brasileiras sempre sofreram processos de politização e familiarização na seleção de suas respectivas cúpulas.
Novamente com todas as escusas e vênias, mas ao nosso sentir, parece-nos que o sistema de acesso aos cargos de ministro e conselheiro de cortes de contas foi completamente desvirtuado daquele objetivo traçado por Ruy Barbosa em sua exposição de motivos. Tal sistema foi utilizado como uma espécie de “premiação” ao político veterano (daí a necessidade de 10 anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional) que precisa abrir espaço ao novo no “tabuleiro eleitoral”; ou “prêmio de consolação” ao derrotado nas urnas; ou “moeda de troca” ao que eventualmente apoiasse o vencedor do pleito eleitoral; ou, ainda, como uma espécie de “arras” de um futuro prócero e estável a familiares ou amigos próximos dos nomeantes.
O Tribunal de Contas, a partir da Constituição de 1891, figurou nas demais Cartas Políticas, como órgão que auxilia (não como órgão auxiliar, diga-se de plano) o Legislativo, dotado de autonomia.
Em outubro de 1896, adentra no ordenamento jurídico o Decreto nº 392[footnoteRef:39], que reorganizava o Tribunal de Contas. Fixou o número de membros da Corte de Contas em quatro: presidente e três diretores, todos nomeados pelo Presidente da República, com a aprovação do Senado. Este decreto passou a prever a participação do Ministério Público na Corte de Contas, onde era representado por um bacharel ou doutor em direito, nomeado pelo Presidente da República, mas demissível ad nutum. Especificamente quanto à qualificação técnica, o Decreto nº 392 somente previa o ingresso nos quadros do Tribunal de Contas por concurso dos terceiros e quartos escriturários. A esse respeito nada versava sobre a cúpula. A lógica era a da livre nomeação. A única barreira de acesso era o parentesco consanguíneo ou afins entre membros da cúpula da Corte de Contas. [39: BRASIL. Decreto nº 392, de 8 de outubro de 1896. “Reorganisa o Tribunal de Contas.”. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-392-8-outubro-1896-540205-publicacaooriginal-40163-pl.html > Acesso em 30/06/2019.
] 
O Decreto nº 392 (norma que tinha status de lei) trazia interessantes pontos, que merecem atenção. Iniciamos pela determinação de que agindo, como Tribunal da Justiça, as suas decisões definitivas tinham força de sentença judicial.[footnoteRef:40] O Decreto nº 392 atribuía ao Tribunal de Contas duas funções: uma de fiscal da administração financeira e outra de, como Tribunal de Justiça, com jurisdição contenciosa e graciosa. [40: BRASIL. Decreto nº 392, de 8 de outubro de 1896. “Reorganisa o Tribunal de Contas.”. Art. 2º Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-392-8-outubro-1896-540205-publicacaooriginal-40163-pl.html > Acesso em 30/06/2019.] 
Quando o Tribunal de Contas exercia a jurisdição ele, dentre outras coisas: i) apurava (não apreciava) a legalidade das aposentadorias, concessões de meio soldo e montepios militares e civis, e examinava se a fixação dos vencimentos de inatividade e a das pensões estava em consonância com a lei[footnoteRef:41]; ii) ordenava a prisão dos responsáveis com alcance julgado em sentença definitiva do Tribunal, ou intimados para dizerem sobre o alcance verificado em processo corrente de tomada de contas, que procuravam se ausentar furtivamente, ou abandonavam o emprego, a comissão ou o serviço de que se achavam encarregados ou houvessem tomado por empreitada; iii) ordenava o sequestro dos bens dos responsáveis ou seus fiadores, necessários para segurança da Fazenda; e iv) julgava os embargos opostos às sentenças por ele proferidas e admitindo a revisão do processo de tomada das contas em virtude de recurso de parte, ou do representante do Ministério Público. [footnoteRef:42] [41: BRASIL. Art. 2º, § 2º, 2, “e” do Decreto nº 392, de 8 de outubro de1896. “Reorganisa o Tribunal de Contas.”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-392-8-outubro-1896-540205-publicacaooriginal-40163-pl.html > Acesso em 30/06/2019.
] [42: O tempo de duração da prisão administrativa não podia exceder de três meses, findo o qual eram os documentos que houvessem servido de base a decretação da medida coerciva remetidos ao Procurador-Geral da República para instaurar o processo por crime de peculato, nos termos do art. 14 do Decreto Legislativo nº 221, de 20 de novembro de 1894. BRASIL. Art. 3º, 3, 5 e 10 do Decreto nº 392, de 8 de outubro de1896. “Reorganisa o Tribunal de Contas.”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-392-8-outubro-1896-540205-publicacaooriginal-40163-pl.html > Acesso em 30/06/2019.
] 
É interessante observar que aquela norma: a) equiparava o Tribunal de Contas a Tribunal de Justiça; b) equiparava as decisões definitivas do Tribunal de Contas como sentença; c) atribuía à Corte de Contas, além da função administrativa, uma função jurisdicional contenciosa e graciosa; d) possibilitava ao Tribunal de Contas ordenar prisão (administrativa) e sequestrar bens. Ora, é mais do que evidente que, neste momento da história, a Corte de Contas atuava também no âmbito de direitos individuais, o que, do ponto de vista acadêmico, nos permite, ao menos, elucubrar acerca de uma jurisdição administrativa naquela época.
O Decreto nº 2409[footnoteRef:43], de 23 de dezembro de 1896, exarado pelo então Vice-Presidente da “Republica dos Estados Unidos do Brazil”, Manuel Vitorino Pereira, usando da autorização conferida ao Poder Executivo nº 1 do art. 48 da Constituição da República de 1891, aprovou o regulamento do Tribunal de Contas (da União). Tal norma também não tratou da qualificação técnica dos membros da cúpula do Tribunal de Contas. Repetiu o quantitativo do colegiado: quatro membros, presidente e três diretores, todos nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, que, depois de nomeados, não podiam ser demitidos pelo Governo. Previa o julgamento dos membros da cúpula do Tribunal de Contas, nos crimes de responsabilidade, pelo Supremo Tribunal Federal. [43: BRASIL. Decreto nº 2.409, de 23 de dezembro de 1896. “Approva o regulamento do Tribunal de Contas.”. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2409-23-dezembro-1896-514244-publicacaooriginal-1-pe.html > Acesso em 30. jun. 2019.] 
A Constituição de 1934, manteve o Tribunal de Contas em âmbito constitucional, ampliando sua competência. Manteve o sistema de nomeação pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, estabelecendo que seus membros gozariam das mesmas garantias dos ministros da Corte Suprema.[footnoteRef:44] [44: Arts. 99 e 100 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. 
] 
Em 24 de dezembro de 1935, a Lei n° 156 regulou o funcionamento do Tribunal de Contas, aumentando de quatro para sete o número demembros do seu corpo deliberativo, que eram, segundo esta lei, juízes, mas com tratamento de ministros[footnoteRef:45]. O sistema de nomeação continuou o mesmo. Os ministros eram nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal[footnoteRef:46]. Trata-se de norma marcante para o presente trabalho, porque foi a primeira a tratar expressamente, em seu § 1º do artigo 3º, sobre requisito de acesso ao cargo de juiz (ministro) do Tribunal de Contas no que tange à qualificação técnica do indicado, in verbis: [45: Art. 2º, § 1º da Lei nº 156, de 24 de dezembro de 1935. Regula o funcionamento do Tribunal de Contas.
] [46: Art. 3º da Lei nº 156, de 24 de dezembro de 1935. Regula o funcionamento do Tribunal de Contas. 
] 
Lei n
 º 156, 24 de dezembro de 1935
Art. 3º (...)
§ 1º nomeação deverá ter logar dentro em trinta dias após a abertura de qualquer vaga, só podendo recahir em brasileiro nato, doutor ou bacharel em direito, versado em finanças e contabilidade pública, de reputação illibada, alistado eleitor, com mais de trinta e cinco e menos de cincoenta e oito annos de idade. No provimento dos cargos de Ministro do Tribunal serão aproveitados, a razão da metade das vagas que se verificarem, o Procurador Geral, o adjuncto do Procurador Geral, os auditores e directores do próprio Tribunal, das repartições de Fazenda e de outros departamentos da Administração Pública, desde que preencham os requisitos acima indicados, exceptuado o limite máximo de idade, e contem, pelo menos, vinte annos de serviço público federal.” (Negritamos e sublinhamos)
Observa-se com clareza hialina que tal dispositivo privilegiava a qualificação técnica para selecionar o indicado seja no aspecto acadêmico – o indicado deveria ser doutor ou bacharel em direito, versado em finanças e contabilidade pública – quanto no da experiência profissional – o indicado deveria ter, pelo menos, vinte anos de serviço público federal.
Ainda que nos pareçam requisitos muito restritivos que, hodiernamente, não seriam capazes de traduzir proporcionalidade e razoabilidade, é inegável que naquele momento da história do controle externo brasileiro houve uma clara mudança no sistema de acesso (nomeação) até então vigente, que somente se preocupava com o equilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo quando das indicações, que era claramente permeável pela politização e familiarização.
A Lei nº 156/1935, em seu artigo 9º e § 1º, também tratou expressamente da qualificação técnica dos auditores do Tribunal de Contas, estabelecendo a eles o mesmo rigor de acesso previsto para os ministros no que tange à formação acadêmica, privilegiando a ascensão funcional na carreira, vejamos:
Lei n º 156, 24 de dezembro de 1935
“Art. 9º Os auditores serão nomeados pelo Presidente da República dentre os brasileiros natos, doutores ou bacharéis em direito, versados em finanças e contabilidade pública, de reputação illibada, alistados eleitores, com mais de vinto o cinco e menos de cincoenta annos de idade.
§ 1º As vagas de auditor serão providas, na razão da metade, com o aproveitamento de directores do próprio Tribunal, das repartições de Fazenda, e de outros departamentos da administração pública, desde que preencham os requisitos acima indicados, exceptuado o limite máximo de idade e contem, pelo menos, dez annos de serviço público federal. (Negritamos e sublinhamos)
A Constituição de 1937[footnoteRef:47], em seu artigo 55, “a”, atribuiu ao Conselho Federal, não mais ao Senado Federal, a aprovação das nomeações de Ministros do Tribunal de Contas (da União). Já o seu artigo 114 instituía um Tribunal de Contas, cujos membros eram nomeados pelo Presidente da República, com a aprovação do Conselho Federal. Esta Carta também não estabeleceu nenhum critério ou requisito de qualificação. Aos Ministros do Tribunal de Contas eram asseguradas as mesmas garantias que aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A Lei n° 156, de 24 de dezembro de1935, continuo vigendo. Os requisitos elencados em seu § 1º do art. 3º continuaram valendo. Ela foi recepcionada, forte no parágrafo único do artigo 114 da Constituição de 1937. [47: BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 30. jun. 2019.
] 
A Constituição de 1946[footnoteRef:48], além das atribuições fixadas na Carta de 1934, encarregou o Tribunal de Contas de também julgar as contas dos administradores das entidades autárquicas. Previu em seu artigo 22, ainda que implicitamente, a possibilidade da criação de Cortes de Contas estaduais e municipais. Analisando seus artigos 63 e 187, percebesse que a Carta de 1946 novamente traz para o ordenamento uma disjunção entre magistrados (Judiciário) e ministros do Tribunal de Contas. Manteve o sistema de escolha dos ministros do Tribunal de Contas pelo Presidente da República, ante a aprovação pelo Senado Federal, fixando em nove ministros o colegiado. Entretanto, os ministros do Tribunal de Contas passaram a ter os mesmos direitos, garantias, prerrogativas e vencimentos dos Juízes do Tribunal Federal de Recursos. O instituto do “parecer prévio” foi introduzido na Constituição Federal. [48: BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 30. jun. 2019.] 
Foi na vigência da Carta de 1946 que a Lei n° 830[footnoteRef:49], de 23 de setembro de 1949, reorganizou o Tribunal de Contas da União, flexibilizando o rigor dos requisitos de acesso ao cargo de ministro do Tribunal de Contas elencados na Lei n º 156, de 24 de dezembro de 1935. O artigo 4º da Lei nº 830/1949, entretanto, apesar de manter em seu texto a necessidade de qualificação técnica, somente exigiu a comprovação de “saber, especialmente para o desempenho do cargo”, tratando-se, assim, de conceito aberto, indeterminado e subjetivo. Vejamos: [49: BRASIL. Lei nº 830, de 23 de setembro de 1949. “Reorganiza o Tribunal de Contas da União”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1930-1949/L0830.htm. Acesso em 30. jun. 2019.
] 
Lei nº 830/1949
“Art. 4º Os Ministros do Tribunal de Contas serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros natos, de reputação ilibada e de comprovado saber, especialmente para o desempenho do cargo.” (Negritamos e sublinhamos)
A Constituição de 1967[footnoteRef:50] introduziu sensíveis modificações na competência do Tribunal de Contas. De acordo com a nova carta constitucional, a fiscalização financeira e orçamentária da União passou a ser exercida pelo Congresso Nacional e por um sistema de controle interno do Poder Executivo. O Congresso deveria contar com o auxílio do Tribunal de Contas, ao qual caberia “a apreciação das contas do presidente da República, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos”, bem como o julgamento da “legalidade das concessões de aposentadoria, reformas e pensões”. Outras inovações importantes foram a instituição do Sistema de Controle Interno e da fiscalização in loco. [50: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 30. jun. 2019.] 
Em verdade, o sistema de controle anterior à Constituição de 1967 já não mais refletia a realidade da gestão orçamentária e financeira do Estado. A ideia de se adotar o sistema de “Auditoria-Geral” americano não vingou. A escolha, então, foi manter a Corte de Contas, que passou a se chamar Tribunal de Contas da União (TCU) e extinguir a necessidade de registro prévio das despesas. No Brasil, foi a primeira vez que o requisito de qualificação técnica para acesso (nomeação) ao cargo de ministro de Corte de Contas ganhou status constitucional. O artigo 73, § 3º da Cartade 1967, assim previu:
Constituição Federal de 1967
Art. 73. (...) 
§ 3º - Os Ministros do Tribunal de Contas serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros, maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, e terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos. (Negritamos e sublinhamos)
Note-se que a “brecha” da conjunção alternativa “ou” foi introduzida pela Carta de 1967 – e mantida na Carta de 1988 –, que, ao menos, literalmente, permite a substituição conjunta dos notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros, pelo de administração pública.
Nesta toada, trazemos o entendimento de Cláudio Augusto Canha[footnoteRef:51], quando interpreta esta passagem da Carta de 1988, assevera que “ao fazer uso da conjunção “e” e posteriormente “ou”, separou dois conjuntos de notórios conhecimentos: o primeiro formado exclusivamente pelos conhecimentos em administração pública; o outro formado por conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros”. [51: CANHA, Cláudio Augusto. A inadequabilidade da atual sistemática para escolha de membros dos Tribunais de Contas do Brasil. Disponível em: http://www.audicon.org.br/v1/artigos/. Acesso em 04 jul. 2019.
] 
Cretella Júnior[footnoteRef:52] não se alinha a tal entendimento. Entende que o indicado ao cargo de ministro ou conselheiro de Tribunal de Contas está credenciado desde que possua notoriamente um dos conhecimentos elencados na Constituição Federal. Deve comprovar sua qualificação técnica em determinada área do conhecimento por meio de “trabalhos escritos, ou orais, ou por sua atuação efetiva”, ou ter conhecimento profundo sobre “dois, três, quatro ou cinco setores, como o formado em direito, economia e finanças” ou “em economia e em ciências sociais”. [52: CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 5. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 2.826.] 
Cretella Júnior ainda afirma que a graduação é dispensável à comprovação de notórios conhecimentos, uma vez que o texto constitucional não faz referência expressa a qualquer tipo de diplomação. Afirma, ainda, que é possível um indivíduo ter notórios conhecimentos sem ser diplomado. Para ele, o diploma apenas confere uma “presunção do saber”.
O Decreto-Lei nº 199[footnoteRef:53], de 25 de fevereiro de 1967, que dispôs sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, expressamente revogou a Lei nº 830/1949. Manteve o número de nove ministros, nomeados pelo Presidente da República, ante aprovação do Senado Federal. O seu artigo 4º tratou de repetir o texto constitucional, estabelecendo, quanto ao requisito de qualificação técnica, a necessidade do indicado ao cargo de ministro do TCU possuir notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública. [53: BRASIL. Decreto-Lei Nº 199, de 25 de fevereiro de 1967, “Dispõe sôbre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0199.htm. Acesso em 30. jun. 2019.
] 
Tal Decreto-Lei, logo em seu artigo 1º, começa uma linha de equívocos ao afirmar que o Tribunal de Contas seria “órgão auxiliar do Congresso Nacional”. Não se pode confundir “órgão auxiliar” com “órgão que auxilia”. Com efeito, a primeira expressão nos remete a uma clara ideia de subordinação. Já a segunda expressão não. Trata de uma ideia de órgão autônomo e independente, que auxilia (ajuda) outro em pé de igualdade.
Neste diapasão, vale citar Odete Medauar[footnoteRef:54], quando analisa a natureza jurídica da Corte de Contas, ao excluir as teses dela pertencer aos Poderes Executivo e Judiciário, conclui quanto ao Legislativo: “Resta verificar se a Corte de Contas insere-se no âmbito do Poder Legislativo. Parece-nos que a expressão ‘com o auxílio do Tribunal de Contas’, contida no art. 71 da Constituição Federal tem gerado certa confusão no tocante aos vínculos entre esse órgão e o Legislativo, para considerá-lo subordinado hierarquicamente a tal poder, dada sua condição de auxiliar. Muito comum é a menção do Tribunal de Contas como órgão auxiliar do Poder Legislativo, o que acarreta a ideia de subordinação. Confunde-se, desse modo, a função com a natureza do órgão. A Constituição Federal, em artigo algum, utiliza a expressão ‘órgão auxiliar’. (...)” [54: MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. P 140 – 141.
] 
A Lei nº 6.223[footnoteRef:55], de 14 de julho de 1975, que dispôs sobre a fiscalização financeira e orçamentária da União, pelo Congresso Nacional, ampliou o campo de atuação do TCU, atribuindo-lhe a fiscalização orçamentária das entidades de administração indireta, como as sociedades de economia, as empresas públicas e as fundações, cujas contas eram até então examinadas por funcionários do Poder Executivo. O equívoco foi mantido, no que tange à natureza do tribunal, pois ele foi mantido como “órgão auxiliar” do Congresso no controle da administração financeira e orçamentária da União. Tal lei não versou sobre a qualificação técnica dos membros do Tribunal de Contas. [55: BRASIL. Lei n° 6.223, de 14 de julho de 1975. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6223.htm. Acesso em 30. jun. 2019.] 
A Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, que também dispôs sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, em seu artigo 71, III, versou sobre os requisitos técnicos de acesso (nomeação) ao cargo de ministro do TCU, repetindo dispositivo constitucional que estabelecia a necessidade de notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública. Introduziu uma novidade quando, em seu artigo 72, I e II, estabeleceu um terço de escolha para o Executivo e dois terços para o Congresso Nacional. Criou, ainda, a alternância de acesso entre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Plenário, segundo os critérios de antiguidade e merecimento. Este acesso por alternância, em certa medida, mesmo que indiretamente, leva a efeito o critério de qualificação técnica, ainda que a lei tenha expressamente elencado os critérios de antiguidade e merecimento.
A Constituição de 1988, repetiu as competências, alcance e prerrogativas do TCU da Carta de 1967. O número de ministros foi mantido, nove. Quanto aos requisitos técnicos de acesso (nomeação) ao cargo de ministro do TCU, manteve dispositivo que estabelecia a necessidade de notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública. Constitucionalizou as regras um terço e dois terços entre Executivo e Legislativo e a de alternância de acesso entre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal. Corrigiu, os equívocos anteriormente cometidos ao estabelecer, no caput do artigo 71, que o TCU é órgão (autônomo) que auxilia o Congresso Nacional a exercer o controle externo e não “órgão auxiliar”.
Denota-se que a Carta de 1988, no que tange aos requisitos técnicos de acesso (nomeação) ao cargo de cúpula da Corte de Contas, manteve critérios subjetivos de avaliação e de conceitos abertos para se determinar o que sejam “notórios conhecimentos”.
2.1. A natureza jurídica dos Tribunais de Contas e sua intrínseca relação com a qualificação técnica de seus membros de cúpula
A primeira peça jurídica pátria sobre a natureza do Tribunal de Contas saiu da pena de Ruy Barbosa, quando da sua Exposição de Motivos[footnoteRef:56] ao Decreto nº 966-A. Escreveu ele o seguinte: “O Governo Provisório reconheceu a urgência inadiável de reorganizá-lo; e à medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediaria à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado

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