Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 11 VISÃO PANORÂMICA DA HISTÓRIA DA IGREJADA IGREJA Aula 2 Gráfico: divisões e nomenclaturas baseadas no livro História da Igreja Cristã, de Jesse Lyman Hurbult HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 12 1. A IGREJA APOSTÓLICA Da ascensão de Cristo (30 d.C.) à morte de João (100 d.C.): • Início da história do cristianismo relatada no livro de Atos; • Derramamento do Espírito Santo em Pentecostes; • A igreja sob a liderança dos primeiros apóstolos; • Cristianismo centralizado em Jerusalém; • A igreja enfrenta o desafio de não se tornar uma seita ju- daica; • Estêvão é morto como o primeiro mártir cristão; • Gentios são acrescentados; • Viagens de Paulo e expansão do evangelho, além das fronteiras da Judeia; • Cristianismo avança em direção à Europa; • Uma igreja pulsante, orgânica e mais espontânea; • Período no qual as cartas do Novo Testamento são escritas; • Desafio de preservar o evangelho diante das heresias já presentes (Paulo em suas cartas, como Gálatas, enfrenta a diluição ou mistura do evangelho); • Destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. 2. A IGREJA PERSEGUIDA Da morte de João (100 d.C.) ao Edito de Milão (313 d.C.): • Período de fortes perseguições pelo Império Romano (sé- culo I e II perseguições locais e, século III perseguições universais); • Fase de grande crescimento da população cristã; • Piores perseguições são executadas pelos imperadores Nero e Diocleciano; • Surgem novas heresias. Para proteger a igreja começa-se a desenvolver métodos contra heresias, gerando pequenas mudanças em sua estrutura eclesiástica; • Período dos escritos pós-apostólicos: Cartas de Cle- mente, Cartas de Policarpo, Cartas de Inácio de Antioquia, HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 13 Didaquê, Epístolas de Barnabé, O Pastor de Hermas, entre outros; • Uma fase de pequenas mudanças em relação ao período anterior; • Suposta conversão do imperador Constantino leva ao fim a perseguição aos cristãos. 3. A IGREJA IMPERIAL Do Edito de Milão (313 d.C.) à queda de Roma (476 d.C.): • Esse foi um período, no qual houve uma mudança radical na história da igreja. Após o fim da perseguição aos cris- tãos, a igreja enfrentou o desafio de ser fiel em meio às tentações de sua nova posição diante do Império; • O imperador Constantino faz donativos ao clero, constrói os primeiros templos cristãos, convoca o primeiro concílio universal (Concílio de Nicéia); • Início do Movimento Monástico; • Florescimento dos chamados “pais da igreja” (início da Era Patrística). Os pais da igreja eram os líderes, teólogos e pas- tores influentes da igreja na época; • Uma organização eclesiástica maior, através dos bispos, da formação do credo apostólico e do cânon do Novo Testamento; • Em 330 Constantino funda uma “Nova Roma”, a nova ca- pital do Império no oriente: Bizâncio (Constantinopla); • Em 373 o cristianismo se torna a religião oficial do império; • Desenvolvimento maior da teologia, através dos grandes debates teológicos (teologia mais organizada e cada vez mais clara); • Enfraquecimento do Império Romano do Ocidente e crescimento das invasões bárbaras até chegar à queda do Império em 476. HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 14 4. A IGREJA MEDIEVAL Da queda de Roma (476 d.C.) à queda de Constantinopla (1453 d.C.): • Chega ao fim o Império Romano Pagão, antigo Império Romano Clássico, que perseguiu os cristãos e depois se simpatizou por eles; • Após as invasões dos povos bárbaros, houve a assimi- lação dos bárbaros com a igreja (muitos bárbaros foram cristianizados e conseguiram assimilar sua cultura pagã com a nova religião); • Crescimento da igreja (não apenas geograficamente ou em público, mas em poder e autoridade); • Início do Sacro Império Romano; • Em 1054 acontece o cisma (divisão) da Igreja Romana e Igreja Ortodoxa grega; • Apogeu do papado romano; • Período da Inquisição da Igreja Católica contra os hereges e das Cruzadas para resgatar a cidade de Jerusalém; • Surgimento das Universidades; • Período de desenvolvimento da teologia, educação, artes, filosofia e, até mesmo, da tecnologia; • Surgimento de grupos e movimentos dissidentes da ig- reja atual (como os Valdenses e Albigenses), além de lí- deres pré-reformadores como John Wycliff, John Huss e Savonarola. 5. A IGREJA REFORMADA Da queda de Constantinopla (1453) ao fim da Guerra dos Trinta Anos (1648): • O Império Bizantino é conquistado pelos turcos; • Início do fim do feudalismo e o nascimento das nações modernas; • Decadência do papado; • França e Inglaterra, juntamente com boa parte da Europa, estiveram em guerra por motivos religiosos, a qual ficou conhecida como “Guerra dos Trinta Anos”; HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 15 • Em 1517, Martinho Lutero afixa as suas Noventa e Cinco Teses, na igreja em Wittenberg; • A Reforma Protestante acontece com a pregação e atu- ação de pregadores como Lutero, Zwínglio, John Knox e outros; • O assunto principal deste período era: a autoridade das Escrituras e a salvação somente pela graça; • Muitas dessas mudanças que aconteceram na igreja re- percutiram na sociedade em geral: tradução das Escritu- ras, diminuição do poder e autoridade da igreja católica, novas divisões e denominações na igreja, relação igreja e estado passam a mudar e muitas guerras religiosas entre protestantes e católicos; • Segunda geração da reforma: Calvino e sua experiência em Genebra; • Acontece o movimento puritano na Inglaterra. 6. IGREJA MODERNA Do fim da Guerra dos Trinta Anos (1648) ao século XIX: • Período pós-reforma; • Época de dúvidas e confusões porque grandes absolutos são colocados em cheque; • Desenvolvimento da Ciência Moderna/Racionalista e o chamado “Iluminismo” (reação contra a época de apogeu da igreja e ao teocentrismo); • O iluminismo afeta a igreja e a teologia: teólogos cristãos abraçam o racionalismo e parte da igreja se volta para uma opção mais romântica e tenta reagir à decadência e aos desafios, numa opção mais emocional e sentimentalista; • Época dos pregadores avivalistas: John Wesley, George Whitefield e Jonathan Edwards; • Grandes despertamentos na Inglaterra e nos Estados Uni- dos; • A igreja, nesse período, já é formada por vários grupos e denominações diferentes e enfrenta o surgimento de várias outras; • Surge o movimento místico/espiritualista, com George Fox e os quacres; HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 16 • Nascimento das Missões Modernas. 7. IGREJA CONTEMPORÂNEA Século XX aos dias atuais: • Segunda fase mais recente da igreja moderna (divisão cri- ada para falar especificamente do século XX); • Conhecido por alguns teólogos e historiadores como “O século do Espírito Santo”; • Avivamento Azusa e o nascimento do Movimento Pente- costal; • Surgimento de pregadores itinerantes e o movimento de cura divina; • Período marcado por grandes avivamentos ao redor do mundo e pelo estudo da pessoa do Espírito Santo; • Membros de igrejas históricas começam a ter experiên- cias com o batismo no Espírito Santo e surge o Movimento Carismático; • Avivamento em diversas partes do mundo, como China, África e Coréia; • Desenvolvimento do movimento liberal teológico. Mui- tos teólogos, influenciados pela ciência e pelo relativismo filosófico, passam a desconsiderar as Escrituras como in- falível e usam novas categorias de interpretação bíblica; • Florescimento de grandes nomes como Karl Barth, Die- trich Bonhoeffer, entre outros. LEITURAS COMPLEMENTARES PARA APROFUNDAMENTO: Para estudar a história, costuma-se dividi-la em períodos. Tal clas- sificação é útil, pois nos ajuda a entender as mudanças entre um período e outro, e a ordenar nosso conhecimento dentro de ba- lizas referenciais. É importante, porém, entender que essas di- visões têm algo de artificial e,portanto, é possível dividir a mesma história de vários modos diferentes. Feito esse esclarecimento, a história que vamos delinear pode ser dividida nos períodos que indicamos em seguida. Dedicaremos uma divisão deste roteiro a cada um dos respectivos períodos. HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 17 A igreja antiga (Apostólica e Perseguida): Foi um período de formação que traçou diretrizes para toda história da igreja. Até hoje nós vivemos sob a infl uência de algumas decisões tomadas naqueles tempos. O cristianismo surgiu dentro de um mundo que já tinha as suas próprias religiões, culturas e estru- turas politicas e sociais. Dentro desse contexto, a nova fé abria caminhos, ao mesmo tempo em que defi nia a si mesma. A primeira tarefa do cristianismo – e a mais importante – foi defi nir sua própria natureza em contraste com o judaísmo do qual surgiu. Como se vê no Novo Testa- mento, boa parte do contexto em que essa defi nição foi feita consistia na missão aos gentios. O cristianismo logo teve seus primeiros confl itos com o Estado. Foi dentro desse ambiente que a nova fé teve de determinar seu relacionamento com a cultura que a cercava e também com as instituições políticas e sociais, que eram a expressão e o apoio dessa cultu- ra. Esses confl itos com o Estado produziram mártires e apologistas. Aqueles selaram o seu testemunho com o próprio sangue. Os apologistas esforçaram-se para defender a fé cristã contra as acusações que lhes eram feitas (alguns, como Justino, foram apologetas e, então, mártires). Foi com essa intenção de defender a fé que se produziram algumas das primeiras obras teológicas do cristianismo. Havia, no entanto, outros desafi os à fé: aquilo que a maioria dos cristãos chamou de “heresias” – isto é, doutrinas que ameaçavam a própria essência da mensagem cristã. Foi, mormente, como resposta a es- sas heresias que surgiu o cânon (a lista de livros) do Novo Testamento, o credo chamado “dos apóstolos” e a doutrina da sucessão apostólica. Depois dos apologetas vieram os primeiros grandes mestres da fé – pessoas como Irineu, Tertuliano, Cle- mente de Alexandria, Orígenes e Cipriano, que escre- veram obras, cujo impacto até hoje se faz sentir. HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 18 Por último é importante assinalar que, apesar da es- cassez de documentação, é possível conhecer um pouco da vida cotidiana e do culto cristão durante esses primeiros anos. A Igreja imperial Com a “conversão” do imperador Constantino, as coi- sas mudaram radicalmente. A igreja perseguida pas- sou a ser a igreja tolerada, e não demorou a se tornar a religião ofi cial do império romano. Consequente- mente, a igreja que até então era formada, principal- mente, por pessoas das classes mais baixas da socie- dade começou a abrir espaço entre a aristocracia. A mudança não foi fácil, e houve cristãos que reagi- ram de muitas maneiras diferentes. Alguns se mostram tão gratos pela nova situação que se lhes tornou difícil adotar atitude crítica para com o governo e com a sociedade. Outros fugiram para o deserto ou para lo- cais isolados, dedicando-se à vida monástica. Alguns, simplesmente, romperam com a igreja majoritária insistindo serem eles a igreja verdadeira. Não faltou, tampouco, a reação dos pagãos que desejavam vol- tar à velha religião, com o relacionamento que antes desfrutavam com o Estado. Os mais destacados líderes do cristianismo adotaram postura intermediária: continuaram vivendo nas ci- dades e participando da vida em sociedade, mas com espirito crítico. Foi assim que, livre da constan- te ameaça de perseguição, a igreja produziu alguns dos seus maiores mestres – e, por essa razão, pode-se chamar esse período de “a era dos gigantes”, perío- do durante o qual foram escritos grandes tratados teológicos, bem como importantes obras de espiritu- alidade, e a primeira história da igreja. Esse período também gerou fortes controvérsias teológicas – principalmente a que girou em torno do arianismo e da doutrina da trindade. O período chegou ao fi m com as invasões dos bárbaros, po- vos germânicos que tomaram o império romano e se HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 19 estabeleceram em seus territórios. Em 410, os godos tomaram e saquearam a própria Roma. E, em 476, o último imperador (Rômulo Augústulo) foi deposto. A Igreja Medieval Visto que o império romano dividira-se em dois (o império do ocidente, que falava latim e, o império do oriente, que falava grego), as invasões dos bárbaros não afetaram toda a cristandade da mesma forma. No ocidente, o império deixou de existir e foi suplan- tado por uma série de reis bárbaros. As invasões dos bárbaros afetaram muito mais a igreja de fala latina do que a igreja de fala grega. Ao ocidente latino (hoje, Espanha, França, Itália, etc.) sobreveio um período de caos. Sendo tempos de dor, de morte e de desor- dem, o culto cristão, em vez de centralizar a atenção na vitória do Senhor (na ressurreição) começou a preocupar-se cada vez mais com a morte, o pecado e o arrependimento. Assim, a comunhão, que até en- tão tinha sido uma celebração, transformou-se em um culto tristonho, em que se pensavam mais nos própri- os pecados do que na vitória do Senhor. Boa parte da cultura antiga desapareceu e a igreja foi a única instituição que conservou um pouco dela. Por isso, no meio do caos, a igreja se tornava cada vez mais forte e infl uente. Enquanto isso, tanto a monarquia quanto o papado desempenhavam papel importante. Durante esse tempo, no oriente, o império romano (agora também chamado de império bizantino) con- tinuou a existir por mais mil anos. Ali, porém, o Estado era mais poderoso do que a igreja, à qual frequente- mente impunha a sua vontade. Também houve várias controvérsias teológicas importantes que ajudaram a esclarecer a doutrina cristológica. Essas controvérsias deram origem a várias igrejas dissidentes ou indepen- dentes que sobrevivem até hoje – as igrejas chama- das “nestorianas” e as “monofi sitas”. No meio desse período surgiu nova ameaça, sob a forma de avanço do islamismo. Este conquistou vastos HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 20 territórios e cidades que até então tinham sido impor- tantíssimos na vida da igreja – Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Cartago, etc. Ao mesmo tempo em que o islamismo conseguia sua maior expansão territorial surgia, no oeste da Euro- pa, um novo poder político no meio dos francos, cujo governante mais poderoso foi Carlos Magno, que foi coroado pelo papa como imperador no ano 800. Como consequência, o cristianismo, que até então tinha atuado no eixo leste-oeste, ao longo do medi- terrâneo, agora começava a atuar ao longo do eixo norte-sul, do reino dos francos até Roma. Mesmo assim, embora parecesse que a igreja no ocidente tinha mais poder, o fato é que era difícil lutar contra o caos reinante – e, em boa parte, as lutas dentro da própria igreja contribuíram para o caos. A medida de ordem conseguida assumiu a forma do “feudalismo”, no qual cada senhor feudal seguia as suas próprias políticas, saindo para a guerra quando lhe parecia bem e, às vezes, até se entregando ao banditismo. Era no oriente que se conservava certa medida de ordem, bem como a literatura e os co- nhecimentos da antiguidade. Constantinopla, an- tiga capital do império bizantino, fi cava cada vez mais reduzida em sua infl uência. Provavelmente, a maior realização do cristianismo bizantino tenha sido a conservação da Rússia, por volta do ano 950. As relações entre oriente e ocidente tornavam-se cada vez mais tensas, até que, fi nalmente, veio o rompi- mento defi nitivo em 1054. A igreja ocidental precisava de uma reforma radical, e esta acabou surgindo dentro das fi leiras do monas- ticismo. Sem demora, os elementos monásticos que propunham uma reforma chegaram a ocupar o pa- pado, e com isso surgiu umasérie inteira de papas reformadores. Isso, porém, levou a confl itos entre as autoridades seculares e as eclesiásticas e, acima de tudo, entre papas e imperadores. Esse foi também o período das cruzadas, que come- çou em 1095 e durou por vários séculos. Foi ainda HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 21 a época em que ocorreu boa parte da “Reconquista” espanhola – o processo de expulsão dos mouros da Península Ibérica. Em parte como resultado das cruzadas ocorreu grande impulso no comércio, e por consequência, o aumento da população das cidades, que eram por natureza centros comerciais. Com isso surgiu uma nova classe social: os burgueses (literalmente, mora- dores das cidades), que viviam do comércio e, poste- riormente, da indústria. Correspondendo aos novos tempos, surgiram várias novas ordens monásticas. As mais importantes foram os franciscanos e os dominicanos, os quais trouxeram novo despertar ao trabalho missionário e, além disso, introduziram-se nas universidades, nas quais chega- ram a ser os principais expositores da teologia da épo- ca – a teologia chamada “escolástica”. Essa teologia teve seus expoentes máximos em Boaventura (fran- ciscano) e em Tomás de Aquino (dominicano). O crescimento das cidades também deu ensejo às grandes catedrais. O estilo chamado “romântico”, que até então dominara a arquitetura da Idade Média, cedeu lugar ao “gótico”, que produziu as catedrais mais impressionantes de todos os tempos. Por último foi também nessa época que o papado chegou ao auge do prestígio e do poder, na pessoa de Inocêncio III (1198-1216). Já perto do fi m desse período, em 1303, via-se claramente que o papado estava em decadência. A Igreja reformada (fi m da idade média) A burguesia crescente aliou-se à monarquia em cada país; assim o feudalismo chegou ao fi m, e as nações modernas começaram a formar-se. Mas o próprio na- cionalismo tornou-se rapidamente obstáculo para a unidade da igreja. Durante boa parte desse período, a França e a In- glaterra estiveram em guerra entre elas (a chamada HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 22 “Guerra dos Cem Anos”), e quase todo o resto da Eu- ropa participou dessa guerra. Essa foi ainda a época da “peste”, que dizimou a população do continente e trouxe grandes infortúnios demográfi cos e econômicos. A decadência do papado foi nítida e rápida. Primeiro, o papado fi cou debaixo da sombra da França, a pon- to de a sede papal ser transferida de Roma para Avi- nhão, nas próprias fronteiras da França (1309-1377). Em seguida veio “o grande cisma do ocidente”, pelo qual houve dois papas ao mesmo tempo (e até três) disputando o trono de Pedro (1378-1423). Para re- solver essa questão, surgiu o movimento conciliar, que esperava que um concílio da igreja inteira pudesse decidir quem era o verdadeiro papa. Finalmente, o movimento conciliar conseguiu por fi m ao cisma, e todos passaram a concordar com um único papa. En- tão, o próprio concílio se dividiu, de modo que havia um papa, mas dois concílios. Além disso, os papas logo se deixaram arrastar pelo espírito da Renascença, que os levou a embelezar Roma, a construir belos palácios e a guerrear contra outros potentados italianos, em vez de ocupar-se com a vida espiritual do rebanho. Da mesma forma que o papado, a teologia escolásti- ca – ou seja, a teologia feita nas universidades – tam- bém entrou em crise. Tendo por base distinções cada vez mais sutis e vocabulário cada vez mais especia- lizado, essa teologia perdeu contato com a vida diária dos cristãos, dedicando boa parte dos seus esforços a questões que interessavam somente aos próprios teólogos. Como resposta a tudo isso surgiram vários movimen- tos reformadores dirigidos por pessoas como João Wycliffe, João Huss e Jerônimo Savonarola. Alguns esperavam que a reforma da igreja viesse por meio do estudo e das letras. Outros, enfi m, em vez de ten- tar reformar a igreja refugiaram-se no misticismo, que lhes permitia cultivar a vida espiritual e aproximar-se de Deus sem ter de lidar com uma igreja corrupta e, segundo parecia, impassível de ser reformada. HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 23 Entrementes, o império bizantino cada vez mais fraco acabou sucumbindo, ante o avanço dos turcos. Nesse período aconteceram dois grandes episódios deveras importantes na história do cristianismo: (1) o “descobrimento” e a conquista da América e (2) a Reforma Protestante. O “descobrimento” e a conquista são bem conhecidos, mas raramente pensamos neles como parte da história da igreja. O fato é que, em período de pouco menos de cem anos, as nações europeias se expandiram pelo restante do mundo, especialmente pela América, e por causa disso se multiplicou enormemente o número daqueles que se chamavam cristãos. Isso faz parte da nossa história e deixou vestígios na nossa maneira de viver a fé, e de- vemos estudá-lo. A data normalmente assinalada como o começo da Reforma é 1517, quando Lutero afi xou suas famosas noventa e cinco teses. Conquanto já houvesse – con- forme vimos no período anterior – movimentos refor- madores desde muito antes, o fato é que foi com Lut- ero e com seus seguidores que o movimento ganhou ímpeto que não pôde ser contido. Mesmo assim, nem todos os que abandonaram o catolicismo romano se tomaram seguidores de Lutero e dos seus pontos de vista. Logo surgiu outro movimento na Suíça, primeiramente sob a direção de Ulrico Zuínglio e depois de João Calvino, que deu origem às igrejas que hoje chama- mos “reformadas” e “presbiterianas”. Outros adotaram posições mais radicais, e seus inimigos lhes colocaram o nome depreciador de “anabatistas”, ou seja, “os que batizam de novo”. Dentre eles, surgiram os menonitas e vários outros grupos. Na Inglaterra houve uma reforma de caráter muito peculiar, ao mesmo tempo seguindo a teologia dos reformadores (especialmente a de Calvino) e man- tendo suas velhas tradições quanto ao culto e ao gov- erno da igreja. Essa é a Igreja da Inglaterra, da qual surgiram as igrejas que hoje chamamos “anglicanas” e “episcopais”. HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 24 Em parte como resposta à Reforma Protestante e em parte devido à sua própria dinâmica interna, a Igreja Romana também passou por período de reforma, às vezes, chamado “contrarreforma”, sendo, entretan- to, muito mais do que isso. Até ao fi m do período, e não sem lutas e até mesmo guerras, o protestantismo havia fi xado raízes profundas na Alemanha, na Inglat- erra, na Escócia, na Escandinávia e na Holanda. Na França, depois de longas guerras, nas quais a re- ligião foi fator importante chegou-se a uma situação em que, embora o rei fosse católico, os protestantes eram tolerados. Na Espanha, na Itália, na Polônia e em outros países, ramifi cações do protestantismo, às vezes, bastante fortes, tinham sido extirpadas à força. A Igreja Moderna Esse foi o grande século da era moderna. Começou com uma série de convulsões políticas que abriram o caminho para os ideais da democracia e da livre empresa – a independência dos Estados Unidos, a Re- volução Francesa e, logo em seguida, a independên- cia das nações latino-americanas. Parte do ideal des- sas novas nações era a liberdade de consciência, de modo que ninguém era obrigado a afi rmar nada que contrariasse suas convicções. Mas isso, juntamente com o racionalismo que fazia adeptos desde o perío- do anterior, levou muitos a pensar que somente uma fé rigorosamente racional era compatível com o mun- do moderno. Essa postura foi manifestada especialmente entre teólogos protestantes, mormente na Alemanha, mas também em outros lugares. Essa foi a origem do “libe- ralismo”, perspectiva muito difundida no século XIX. Se o protestantismo – ou pelo menos seus teólogos e porta-vozes acadêmicos – errou ao mostrar-se de- masiadamente aberto diante das inovações do mun- do moderno, o catolicismoseguiu o caminho oposto. Praticamente tudo quanto era moderno – a demo- cracia, a liberdade de consciência, as escolas públicas HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 25 – parecia-lhe heresia, e como tal foi condenado pelo papa Pio IX. Além disso, como parte dessa política reacionária, durante esse período o papa foi declarado infalível (Concílio Vaticano I, 1870). Por outro lado, enquanto na Europa muitas pessoas pensavam que o cristianismo era coisa do passado, nesse período foi que a fé cristã atingiu tamanha ex- pansão geográfi ca que, pela primeira vez, tomou-se verdadeiramente universal. Sem dúvida alguma, um dos elementos mais importantes da história da igreja durante o século XIX foi sua expansão missionária – especialmente a protestante – na Ásia, na Oceania, na África, no mundo muçulmano e na América Latina. A Igreja Contemporânea Os princípios racionalistas dos séculos anteriores, es- pecialmente em sua aplicação às ciências e à tec- nologia, se precipitaram em resultados inesperados. No apogeu da modernidade pensava-se que a raça humana estava chegando a uma época gloriosa de abundância e de felicidade. Todos os problemas da humanidade seriam solucionados mediante o uso da razão e da sua irmã menor, a tecnologia. As nações industrializadas do Atlântico Norte (Europa e Estados Unidos) conduziriam o mundo a esse futuro melhor. O século XX, no entanto, pôs termo a esses sonhos, mediante uma série de acontecimentos que demons- traram que a suposta promessa de modernidade não passava mesmo de um sonho. No mundo inteiro, houve uma rápida descolonização. Isso também fez parte do fi m da modernidade, pois o que aconteceu foi a perda de confi ança naquelas promessas da modernidade que haviam sido a justi- fi cativa do empreendimento colonizador. Na Ásia, na África e na América Latina houve forte reação, tan- to política quanto intelectual, contra o colonialismo e contra o neocolonialismo. HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 26 Para analisar o impacto desses acontecimentos na vida da igreja, o modo mais simples é seguir o curso das três principais ramifi cações do cristianismo: a ori- ental, a católica romana e a protestante. No começo do século XX, toda a igreja oriental foi abalada pela revolução russa e pelo seu impacto no leste europeu. O marxismo aplicado na União Soviéti- ca era versão da promessa moderna. Mas no fi nal do século XX fi cou claro que o empreendimento tinha fracassado, e a igreja russa que durante várias déca- das existiu debaixo de fortes pressões governamen- tais passou a dar novos sinais de vida. O catolicismo romano continuou a sua luta contra cer- tos aspectos da modernidade durante toda a primeira metade do século. Foi a partir de 1958, quando João XXIII subiu ao trono papal, que essa igreja começou a abrir-se diante do mundo moderno. Já naqueles tem- pos, o mundo para o qual a igreja se abriu avançou rapidamente para a pós-modernidade, e a teologia que se viu após o Concílio Vaticano II tomou-se cada vez mais crítica da modernidade – não baseada na mesma atitude reacionária de gerações anteriores, mas olhando para um futuro além da modernidade. O otimismo dos teólogos protestantes liberais na Eu- ropa viu-se abalado pelas duas guerras mundiais. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos, em graus e ve- locidades menores. De certo modo, a rebelião de Karl Barth contra o liberalismo foi o primeiro aviso da ne- cessidade de uma teologia pós-moderna. Nos Esta- dos Unidos, as lutas pelos direitos civis e os confl itos e crises sociais do fi m do século desempenharam papel semelhante. Por outro lado, em todas as tradições cristãs houve uma reação paralela à do anticolonialismo. As igrejas “jovens”, resultado do empreendimento missionário começaram a reivindicar sua autonomia e seu direito e obrigação de interpretar o evangelho dentro do seu próprio contexto e a partir da sua própria pers- pectiva. Na América Latina, uma das manifestações HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo 27 mais notáveis dessa tendência foi a forte ascensão do movimento pentecostal. Em todas as partes do mun- do, as minorias étnicas e culturais dentro da igreja, in- clusive as mulheres, fi zeram ouvir a sua voz. O quadro resultou em novo tipo de ecumenismo. O movimento ecumênico tinha surgido principalmente do impulso missionário e de suas necessidades. Ago- ra, com o crescimento das igrejas jovens seguia novos rumos. E o mesmo pode ser dito a respeito do próprio movimento missionário, no qual as “igrejas jovens” ocupavam lugar cada vez mais importante. González, Justo L., História Ilustrada do Cristianismo (Vol.1), págs 543-546; Vol. 2, págs 559-562, Editora: Vida Nova, São Paulo/SP, 2011.
Compartilhar