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ANÁLISE DO ENREDO DE MACUNAÍMA: o herói sem nenhum caráter 1 ANÁLISE DO ENREDO DE MACUNAÍMA: o herói sem nenhum caráter RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar uma breve análise do enredo da obra Macunaíma. Para isso, é necessário que se faça um preâmbulo acerca do contexto da obra, pois esse é um dos pontos principais para entendê-la. Falar-se-á sobre o modernismo: o que propunha e quais as características das obras produzidas nesse período; o que é o mito e qual a sua importância; a obra de Koch-Grunberg; e o que é o maravilhoso. Palavras-chave: Análise. Enredo. Macunaíma. INTRODUÇÃO O modernismo, no Brasil, foi um movimento que provocou transformações importantíssimas na arte brasileira, e foi no ano de 1922, com a Semana da Arte Moderna, em São Paulo, que essa estética se concretizou, abrangendo intelectuais da pintura, da escultura, da música e da literatura. Os artistas, motivados pelas vanguardas europeias Francesas e Italianas, propunham uma estética inovadora até então nunca vista no Brasil. De início, a vanguarda Futurista foi a primeira a ser incorporada no Brasil devido a exaltação do progresso, ou seja, valorizava o que era moderno. Isso significa dizer que o Brasil apresentava, naquele momento, a busca pelo “novo”, e isso se dava pelo desenvolvimento das industrias, dos centros urbanos e da tecnologia: [...] a Semana é a consubstanciação de uma série de tendências que se vinham constituindo gradativamente e que se transformam numa tomada de posição coletiva de artista diante do público. Conscientes do que não queriam, lançam-se esses “novos” à procura de caminhos. Claro que os movimentos estrangeiros de renovação, dominantes naquela época, forneciam os mapas. De novo a Europa nos mandava a sua contribuição, mas pela primeira vez com influencia muito menor, sem o caráter de coisa a ser imitada” (PROENÇA FILHO, 1995, p.335) Porém, por mais que os movimentos estrangeiros dessem os “mapas”, como cita Proença Filho, no modernismo a tentativa era tornar a arte mais nacional possível, ou seja, com menos influências externas. O espírito de nacionalidade e originalidade cresciam dentro dos artistas, os quais tinham como interesse compreender a nação brasileira. Esse país, que apresentava um vasto território com diversas peculiaridades, tais como tradições e costumes, 2 os quais deveriam ser explorados. Assim, o modernismo trouxe uma liberdade de expressão, ou seja, tratava de temas mais universais e do cotidiano. Outro fator importante que cabe explicitar é a noção de anti-herói, pois na literatura moderna o herói sofre um processo de deseroicização. De acordo com Mesquita (1986, p. 25- 26): “Anti-herói será aquele protagonista que, por diferentes razões, não recupera uma ordem perdida, uma perda, um dano sofrido [...] ou porque conhece as regras do jogo duro do mundo e, longe de querer modificá-las, julga que a saída é jogar o jogo. ” Essas características serão vistas mais adiante com o “herói sem nenhum caráter”, que joga o referido “jogo duro do mundo”. Dadas as explicações sobre o modernismo, vale discorrer um pouco sobre uma das principais figuras desse movimento. O escritor Mário Raul de Moraes Andrade nasceu no dia 9 de outubro de 1893, em São Paulo, e morreu no dia 25 de fevereiro de 1945, com cinquenta e um anos de idade. Desde muito cedo Mário de Andrade apresentava intimidade com o mundo artístico e literário. Ele foi poeta, romancista, musicólogo, historiador, crítico de arte, fotógrafo e o maior propulsor do Modernismo brasileiro. O autor, juntamente com um grupo paulista, pensava nessa sociedade urbana e industrial que se instaurava no Brasil. Buscavam compreender o país diante dessa nova realidade, tanto a nível cultural quanto a nível social. O livro Paulicéia Desvairada (1922), de Mário de Andrade, foi a primeira obra modernista publicada no Brasil que evidenciava essa experiência de modernidade, ou seja, uma sociedade saindo do ambiente agrário e transformando-se em um ambiente urbano. Ao viajar para a Amazônia, e também para regiões próximas, Mário de Andrade percebeu a diversidade cultural presente nessa região. Viajou também para a região Nordeste e percebeu tal diversidade presente nos contos nordestinos, repentes populares, festas populares, poesias cantadas, músicas brasileiras, dentre outros elementos que compõem a identidade nacional. Foi com toda essa experiência vivida que o Autor escreveu o livro Macunaíma. Outro ponto a ser abordado concerne ao contexto relacionado à produção da obra. Primeiro tratar-se-á de Makunaima, para depois, enfim, tratar-se de Macunaíma. Para adentrar- se à breve explicação sobre os mitos em torno de Makunaima, é necessário fazer um preâmbulo para esclarecer o que são as narrativas míticas e qual a sua importância. Posteriormente, antes de partir para a análise da obra literária Macunaíma, apresentar-se-á as noções de fantástico e maravilhoso, conforme as explicações de Todorov (2004) em Introdução à Literatura Fantástica. 3 Para os povos tradicionais, como os indígenas, por exemplo, as narrativas míticas orais desempenham um papel muito importante. De acordo com Fernandes (2015), a narrativa mítica tem o papel de explicar as origens e, ainda, a cosmogonia de um determinado lugar ou sociedade. O mito tem um caráter sagrado, é como um elemento de fé que deve ser seguido. Cabe esclarecer a diferença que Eliade (1972) faz entre os mitos de origem e os mitos cosmogônicos. Segundo o autor, toda história mítica de origem pressupõe e prolonga uma cosmogonia, pois sendo a cosmogonia a criação do mundo, ela serve de modelo exemplar para outras criações, mas: Isso não quer dizer que o mito de origem imite ou copie o modelo cosmogônico, pois não se trata de uma reflexão concertada e sistemática. Mas todo divo aparecimento — um animal, uma planta, uma instituição — implica a existência de um Mundo. Mesmo quando se procura explicar como, a partir de um estado diferente de coisas, se chegou à situação atual (de como, por exemplo, o Céu se apartou da Terra, ou de como o homem se tornou mortal), o "Mundo" já existia, embora sua estrutura fosse diferente, embora ainda não fosse o nosso Mundo. (ELIADE, 1972, p. 20). Tudo o que vem depois da criação do mundo é mito de origem, ou seja, o mito cosmogônico serve de base para os mitos que surgirem posteriormente. Digamos, para se falar do surgimento dos animais é necessário que o mundo já tenha existido, pois estes animais não surgirão se não for em um espaço já criado previamente. É importante compreender estas noções, pois conforme se observa em Barreto (2014, p.29), a maioria dos mitos em torno de Makunaima são de origem, como no trecho: “[...] Makunaima, tentando reverter o que aconteceu, cria novos homens, porém eles derretem já que foram feitos de cera, em seguida cria homens de barro que ao serem expostos ao sol adquirem vida. ”. Aqui, vê-se que os feitos de Makunaima resultaram na origem de novos homens. As narrativas míticas têm esse papel de explicar a origem de determinados acontecimentos e, segundo Barthes (2011), elas estão presentes em todas as sociedades, de todos os tempos. Dados os esclarecimentos sobre as narrativas míticas, ver-se-á, brevemente, o que dizem as histórias míticas em torno de Makunaima. Para isso, recorreu-se à dissertação de mestrado de Mêrivania Rocha Barreto (2014), cujo título é Makunaima/Macunaíma Theodor Koch-Grünberg e Mário de Andrade, entre fatos e ficções, por ser um trabalho de pesquisa que contêm dados detalhados sobre este objeto de estudo. De acordo com a autora, as histórias em torno de Makunaima são mais estimadas entre os povos nativos da América do Sul e são contadas, principalmente, por indígenas que vivem próximos ao Monte Roraima. Estas narrativas foram coletadas pelo etnólogo alemãoTheodor Koch-Grunberg em uma de suas expedições realizada no período de 1911 a 1913. O resultado 4 de sua expedição foi publicado na obra Vom Roroima zum Orinoco (Do Roraima ao Orinoco), dividida em cinco volumes. Conforme Barreto (2014), Makunaima, na maioria das histórias em que é o personagem, é tido como um herói cultural dos índios Taurepáng, Arekuna, Makuxi, Wapichana e Ingariko. De acordo com (KOCH-GRUNBERG, 2002, p.34 apud BARRETO, 2014, p.26), “Makunaima é, como todos os heróis tribais, o grande transformador. Transforma pessoas e animais em pedras [...]. Ele fez [...] todos os animais de caça, bem como os peixes. Após o incêndio universal que destrói a humanidade, cria novos homens”. Mas ele não aparece sempre como o herói, em algumas histórias ele revela-se como um vilão. Por exemplo, na narrativa sobre a árvore Wazaká, na qual ele derruba a árvore, provocando assim uma grande enchente que acaba com todos os seres vivos. Por se tratar de narrativas orais, há diferentes versões de como seja Makunaima, ora é tido como herói e ora é tido como vilão; mas, ainda sim, permanece vivo na memória dos narradores, os quais passam as suas histórias de geração em geração. Segundo Barreto (2014), Koch-Grunberg se confunde em relação aos termos “mito, lenda e conto”, e não dá uma definição exata para o que sejam as histórias que coletou. Dessa forma, a autora prefere usar em seu trabalho a denominação “narrativas em torno de Makunaima”. Ainda que não haja um termo definido nem por Koch-Grunberg, nem por Barreto (2014), entende-se, neste trabalho, que estas histórias são de fato mitos, haja vista que são impregnadas de elementos de fé, pois a Makunaima é dado o poder de petrificação, o que ajuda o povo no que diz respeito à alimentação; ele cria o homem a partir do barro, dentre outros feitos e criações. A ele são relacionadas a origem de determinados acontecimentos e situações. É possível observar isso em alguns trechos coletados, por meio de entrevistas, de narradores que vivem em torno do Monte Roraima. Estas entrevistas fazem parte do documentário Nas trilhas de Makunaima1. Veja-se a sinopse: O documentário conta a história de um mito indígena do Estado de Roraima, extremo norte do país, e sua relação com uma montanha sagrada. A partir de narrativas de índios Ingarikó, Taurepang e Macuxi, o filme mostra as diversas faces de Makunaima – um ancestral guerreiro dos índios de origem ‘Karib’, concebido por algumas etnias como um Deus da natureza. (52 minutos. Ano de produção: 2007). Qual a relação do mito de Makunaima com a obra produzida pelo escritor, folclorista e figura de grande importância do modernismo brasileiro: Mário de Andrade? Conforme aponta Barreto (2014, p. 34), “o tema do folclore foi de grande importância para a ideia de 1 Disponível em: <https://vimeo.com/69919258>. 5 nacionalização proposta por Mário de Andrade para a arte brasileira, sobretudo para a literatura entrar, de fato, na modernidade”. Em busca de uma arte mais nacional, Mário de Andrade cria, após sua viagem pelo Norte do Brasil, a obra Macunaíma: O herói sem nenhum caráter. O autor teve como base as histórias coletadas por Koch-Grunberg, mas também se utilizou de informações coletadas por ele próprio durante sua visita ao Norte. Por aproveitar grande parte da obra do alemão, Mário de Andrade foi acusado de plágio. Não negou a acusação. Sobre isso, Barreto (2014, p.51) explica: Quando Mário afirma ‘eu copiei o Brasil’, não é simplesmente a cópia pura, no sentido de plagiar, como muitos o acusaram, mas cópia no sentido de devoração dos elementos pertencentes à cultura brasileira, de reescrita, deglutição e transformação em algo novo que é o livro Macunaíma. (Grifo do autor) Ou seja, o que o autor fez foi um processo antropofágico, ele aproveitou os elementos que lhe possibilitaram inovar o universo artístico no qual vivia. O autor inclui os mitos indígenas em sua produção justamente para dar este caráter mais nacional, que era a proposta feita pelos modernistas. Apesar de as histórias contidas em Macunaíma terem como base as narrativas coletadas ainda que modificadas na região Norte, Mário de Andrade também insere no enredo a sua realidade, a realidade do Sudeste do Brasil: máquinas, carros, revólveres, etc., enfim, um mundo tecnizado. Assim, as realidades brasileiras misturam-se. Não só se fala do Norte e do Sudeste brasileiro, mas também de todas as regiões. Macunaíma se desloca de um canto a outro do Brasil num piscar de olhos. Outro ponto a ser abordado concerne às noções de fantástico e maravilhoso. Segundo Todorov (2004), o fantástico nada mais é do que o tempo da vacilação que o personagem ou o leitor tem acerca dos acontecimentos dentro da história. Conforme a afirmativa: “Há um fenômeno estranho que pode ser explicado de duas maneiras, por tipos de causas naturais e sobrenaturais. A possibilidade de vacilar entre ambas cria o efeito fantástico” (p.16). Os fenômenos podem ser explicados, como se observa, de duas formas. Se forem explicados de maneira racional, encaixam-se no que o autor denomina como “estranho”. Se, pelo contrário, não houver explicações lógicas para os acontecimentos, eles se encaixam, então, na denominação “maravilhoso”. A obra Macunaíma, objeto de estudo deste trabalho, pertence ao maravilhoso, conforme se verá mais adiante. 6 ANÁLISE DO ENREDO A fim de corroborar a afirmativa quanto ao pertencimento da obra ao maravilhoso, cabe destacar o trecho: “Nem bem o menino tocou no folhiço e virou num príncipe fogoso. ” (ANDRADE, 1992, p. 11). Aqui, vê-se o poder de transformação de Macunaíma, que tem como finalidade brincar com Sofará. As transformações acontecem num piscar de olhos e num ritmo acelerado, o que pode causar uma certa confusão ao leitor desatento. Ao ler-se tais acontecimentos, o leitor pode vacilar entre duas possibilidades: a de dar uma explicação racional ou uma explicação ilógica. O tempo dessa vacilação é que cria o efeito fantástico. No seguinte trecho, vê-se o ato da transgressão, tão presente nos contos maravilhosos: “[...] e por causa de Maanape ter matado um boto pra comerem, o sapo cunauru chamado Maraguigana pai do boto fitou enfezado. Mandou a enchente e o milharal apodreceu. ” (ANDRADE, 1992, p. 13). Como é sabido, o boto é um ser mitomórfico muito presente nas narrativas míticas orais da região Norte. De acordo com as histórias acerca de tal ser, o indivíduo que o mata é punido de alguma forma pela natureza. Neste caso, foi o sapo cunauru que puniu Maanape e seu irmão. A citada enchente tem relação com a história coletada por Koch-Grunberg, a qual fala sobre a derrubada da árvore Wazaká. Como consequência de tal feito, ocorre uma grande enchente e depois um incêndio que destrói todos os seres vivos. Outro feito que também faz com que o herói seja punido é quando ele mata uma viada parida: Atravessou o reino encantado da Pedra Bonita em Pernambuco e quando estava chegando na cidade de Santarém topou com uma viada parida. [...]Essa eu caço! ele fez. E perseguiu a viada [...]O herói cantou vitória. Chegou perto da viada olhou que mais olhou e deu um grito, desmaiando. Tinha sido uma peça do Anhanga.... Não era viada não, era a própria mãe tapanhumas que Macunaíma flechara e estava morta ali, toda arranhada com os espinhos das titaras e mandacarus dó mato. (ANDRADE, 1992, p. 17) Tais acontecimentos são tidos como uma transgressão ao sagrado e, ao se cometer tal violação, os culpados são punidos pelas leis da natureza. Mário de Andrade incorporou em sua obra essas crenças tão arraigadas aos povos tradicionais da região Norte, e que se encontram nas histórias coletadas pelo etnólogo alemão. As transformações do herói são de caráter onírico, não fazemsentido no mundo real, não têm natureza objetiva, mas sim surreal: “Então ele virou na formiga quenquém e mordeu Iriqui pra fazer festa nela. Mas a moça atirou a quenquém longe. Então Macunaíma virou num pé de urucum. ” (ANDRADE, 1992, p. 17). Mesquita (1986, p.30) fala sobre a complexidade da construção da narrativa moderna, na qual é manifestada a “revivescência do mítico, [...] do 7 elemento mágico, do onírico e do maravilhoso”. Tais elementos são encontrados em Macunaíma. Conforme visto em Mesquita (1986), o herói, após o período do Romantismo, passa por um movimento de deseroicização que se destaca ainda mais na literatura contemporânea. Veja- se este trecho: “O herói se atirou por cima dela pra brincar. Ci não queria. Fez lança de flecha tridente enquanto Macunaíma puxava da pageú. Foi um pega tremendo e por debaixo da copada reboavam os berros dos briguentos diminuindo de medo os corpos dos passarinhos. ” (ANDRADE, 1992, p. 19). Este é o momento em que Macunaíma encontra com Ci e ambos entram em uma luta corporal. Ele, claro, conta com a ajuda dos irmãos para sair vencedor. Note- se o lado anti-herói. Enquanto nas histórias tradicionais nas quais se tem um personagem que entra em cena para restabelecer o equilíbrio reparando o dano que é sofrido pela princesa o herói é um benfeitor que arriscar sua vida em função do outro, aqui, isso não acontece; pelo contrário, tem-se uma cena de violentação. Outro ponto a ser mencionado concerne à maneira como a formação do povo brasileiro é colocada na história: Macunaíma nasce índio, depois vira negro e por fim transforma-se em branco. As três raças que, mescladas, fizeram hoje o que se chama de povo brasileiro. É dessa forma que o Brasil é visto pelo personagem: Logo o tuiuiú se transformou na máquina aeroplano, Macunaíma escanchou no aturiá vazio e ergueram vôo. Voaram sobre o chapadão mineiro de Urucuia, fizeram o circuito de Itapecerica e bateram pro Nordeste. [...] Depois que pulando a serra do Tombador no Mato Grosso deixaram pra esquerda as cochilhas de SantAna do Livramento, o tuiuiu-aeroplano e Macunaíma subiram até o Telhado do Mundo, mataram a sede nas águas novas do Vilcanota e na última etapa voando sobre Amargosa na Bahia, sobre o Gurupá e sobre o Gurupi com sua cidade encantada, enfim toparam de novo com o mocambo ilustre do igarapé Tietê. (ANDRADE, 1992, p. 86) O herói sobrevoa o país num pássaro chamado tuiuiú. Com isso, Macunaíma pode então observar como as regiões do Brasil são diferentes, e são essas diferenças que constituem o Brasil do jeito que ele é. Dessa forma, Mário de Andrade quis mostrar que o povo brasileiro não é completamente índio, nem completamente negro e nem completamente branco. O brasileiro é uma mistura dessas três raças, um povo em formação. Além das interpretações feitas até aqui, vale expor, neste trabalho, a abordagem realizada por Haroldo de Campos em Morfologia do Macunaíma (1973). Nesta obra, o autor dá enfoque à forma, com base no trabalho de Vladimir Propp: Morfologia do conto maravilhoso. Campos (1973) faz uma análise minuciosa acerca dos elementos de Macunaíma. Não cabe aqui 8 mostrar todos os pontos detalhados pelo autor, mas sim apresentá-los de um modo geral. A análise é dividida da seguinte forma: Situação inicial2: Parte-se de uma situação inicial, na qual aparecem os membros da família. Introduz-se o herói e conta-se um pouco de sua história. Descreve-se uma situação de calmaria: ‘No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. ’ (CAMPOS, 1973, p. 105) Vale ressaltar algumas das formas presentes na situação inicial, de acordo com o autor: “determinação espácio-temporal”: é onde o personagem nasce e se desenvolve; “composição da família”: é a apresentação de sua mãe e de seus irmãos: Maanape e Jiguê; e a “forma de nascimento miraculosa”: Macunaíma não tem pai, é filho do medo da noite. A parte preparatória: proibições/ infrações: Ocorre quando o herói abate uma viada parida. Após abatê-la, a viada transforma-se na mãe de Macunaíma: ele matou a própria mãe. A partir daí ele e seus irmãos vão embora em busca de outras formas de ganhar a vida. O dano e o antagonista: “Aqui começa o ‘grande sintagma’ que constitui o movimento principal da narração. ” (CAMPOS, 1973, p.141) O dano ocorre quando Macunaíma foge da cabeça de Capei e perde a muiraquitã. A pedra é encontrada por um pescador que a vende para Venceslau Pietro Pietra que, logo após a aquisição, fica rico. Ele torna-se, então, o antagonista do herói, o qual faz de tudo para tentar recuperar a pedra perdida. Os doadores e o meio mágico: O autor afirma que em Macunaíma há apenas um esboço dessa função. Os executores desta função de doação são os Ingleses, conforme o trecho: “No outro dia Macunaíma acordou com escarlatina e levou todo o tempo da febre imaginando que carecia da máquina garrucha pra matar Venceslau Pietro Pietra. Nem bem sarou foi na casa dos Ingleses pedir uma Smith- wesson” (CAMPOS, 1973, p. 166-167) O meio mágico se dá pela forma como o herói consegue 2 Os grifos em negrito são nossos. 9 o objeto: “Os Ingleses sacudiram sacudiram a árvore e caiu uma garrucha temporã. ” (CAMPOS, 1973, p. 167) A luta com o antagonista: reparação do dano: “ ‘O grande sintagma’ fundamental da gesta andradiana, como já vimos, culmina no confronto entre Macunaíma e Piaimã. Esse confronto, em sua atualização, definitiva, é procrastinado sabiamente através dos capítulos” (CAMPOS, 1973, p. 171). São várias tentativas fracassadas de matar o gigante, mas no capítulo XIV o herói finalmente consegue matá-lo e, assim, recupera a pedra perdida. O segundo movimento: “Com a morte de Piaimã e a recuperação da ‘muiraquitã’ termina o que poderemos chamar, à maneira de Propp, o primeiro ‘movimento’ do Macunaíma. Para que a narrativa prossiga, é preciso ocorrer um novo ‘dano’. (CAMPOS, 1973, p.227) Após o equilíbrio, o segundo dano ocorre quando Jiguê torna-se antagonista. Sucede-se da seguinte forma: a princesa andava tendo relações com Jiguê. “ A princesa, então, passa funcionalmente, a fazer o papel de ‘parceira’ da sombra de Jiguê, na empresa de liquidar o herói: ‘A sombra era envenenada por causa da lepra e a princesa queria matar Macunaíma’. ” (CAMPOS, 1973, p. 231) Dado o fracasso de Jiguê, o segundo movimento requer, para a sua continuação, a utilização de outro antagonista. Isso acontece no capítulo de Vei, a Sol. Ela dá uma surra de calor no herói, que se joga na água: As piranhas atacam o herói e o mutilam: ‘Quando deu tento das perdas teve ódio de Vei. (...) As piranhas tinham comido também o beiço dele e a muiraquitã! ’ [...] Perdida irremediavelmente a muiraquitã de Ci, talismã existencial do herói, este não acha mais graça na terra [...] e resolve ir ‘pro céu viver com a marvada’. (CAMPOS, 1973, p. 235-236) Chega, então, o fim para o herói, que vira a ursa maior. Assim, Haroldo de Campos elencou a “tabulação Proppiana” e analisou o enredo de Macunaíma conforme a proposta do autor, pois a rapsódia trata-se, também, de um conto maravilhoso. 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho apresentado teve como objetivo apresentar uma análise sucinta da obra Macunaíma, mas antes da análise propriamente dita, discorreu-se sobre algumas questões importantes para entendê-la, tais como: o movimento modernista e as características das obras produzidas nesse período; a definição de mito e a sua importância; a obra de Koch-Grunberg; e, ainda, a noção de fantástico e maravilhoso. A análise foi divididade duas formas: uma mais interpretativa e outra com enfoque na forma, com base no trabalho de Haroldo de Campos: Morfologia do Macunaíma (1973). REFERÊNCIAS ANDRADE, Mário de. 1893-1945. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Villa Rica Editoras Reunidas Ltda, 1992. BARRETO, Mêrivania Rocha. Universidade Federal do Pará: Makunaima/Macunaíma Theodor Koch-Grünberg e Mário de Andrade, entre fatos e ficções. 2014. 83 f. Dissertação (Mestrado em Linguagens e Saberes na Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Bragança, 2014. BARTHES, Roland. Introdução à análise estrutural da narrativa. In: Análise estrutural da narrativa. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 19 CAMPOS, Haroldo de. Morfologia do Macunaíma. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973. ELIADE, Mircea. Estrutura dos mitos. In: Mito e Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 20-22. FERNANDES, José Guilherme dos Santos. A literatura oral na Amazônia paraense: estrutura, forma e modelos culturais. In: Contação de histórias: tradição, poéticas e interfaces: organização de Fábio Henrique Nunes Medeiros e Taiza Mara Rauen Moraes. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015, p. 96-112. MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. São Paulo: Ática, 1986, p. 20-40 Nas Trilhas de Makunaima. Direção: Thiago Briglia. Brasil: 2007, 52 min. Disponível em: < http://vimeo.com/69919258> Acesso em: 20 nov. 2017 TODOROV, Tzvetan. Definição do fantástico. In: Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004, p.15-23
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