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Relatório de atividades em ambulatório de urologia com revisão de literatura sobre estenose da junção ureteropiélica e fístulas geniturinárias Up to Date

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Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Medicina da Bahia
MEDB34 – Cirurgia Urológica
Discente: Alana dos Santos Brito
PORTFÓLIO DAS ATIVIDADES PRÁTICAS DE UROLOGIA
RELATO DIA 1 – 18 de janeiro de 2021
No dia 18 de janeiro de 2021 (segunda-feira), o atendimento no ambulatório de urologia iniciou às 8h. O primeiro paciente atendido foi um homem, 50 anos, realizando dilatação uretral com sonda 16 após ureteroplastia termino-terminal em julho de 2020, com queixa de lesão peniana inicialmente pruriginosa, indolor, há cerca de 25 dias. Negou outras queixas geniturinárias. Ao exame físico, apresentava lesão em glande, cerca de 1,5 cm, bordas irregulares e elevadas, fundo amarelo-esbranquiçado e indolor. Após discussão com o preceptor, foi levantada suspeita de sífilis e solicitados os exames VDRL e FTA-ABS. Foi solicitado retorno em uma semana com resultados dos exames. 
Em seguida, foi realizado atendimento de uma mulher, 67 anos, com história de infecção urinária de repetição há cerca de um ano. A ressonância magnética constatou espessamento parietal focal da bexiga urinária com suspeita de neoplasia. Em 07 de janeiro de 2021, foi submetida à Ressecção Transuretral de Bexiga, sem intercorrências. Retorna para avaliação pós-operatória, referindo disúria ocasional e hematúria leve, sem outras queixas. O resultado da biópsia ainda não estava pronto. Foi solicitado sumário de urina com urocultura e retorno agendado em 30 dias.
A paciente seguinte foi uma mulher, 72 anos, com episódios repetidos de cálculos vesicais causando disúria e sintomas irritativos, já submetida a cistolitotripsia em 2014. Na ocasião, foi informada de que havia um fio de sutura no interior da bexiga, provavelmente residual à cirurgia de histerectomia e sling realizada em 2010, o que poderia ser a causa dos cálculos de repetição. Em 07 de janeiro de 2021 foi submetida a cistolitotomia aberta para retirada dos cálculos e fios residuais. Retornou ao ambulatório no dia da consulta, estável, referindo que fez a retirada da sonda urinária em casa por conta própria pois a estava incomodando. Cursava com diurese espontânea e clara, sem alterações, após uso de Zinnat®, conforme prescrito. Ao exame físico, a ferida operatória apresentava leve hiperemia e presença de seroma. Foram retirados pontos alternados para facilitar a drenagem do seroma, sem intercorrências. Foi orientada a paciente a drenagem em casa e cuidados com a ferida operatória. Foram solicitados os exames de sumário de urina e urocultura, com retorno agendado em 45 dias.
A última paciente que acompanhei no dia foi uma mulher, 65 anos, portadora de insuficiência renal crônica, com história de fístula vesicovaginal com incontinência urinária insensível desde 2011, após radioterapia para tratamento de carcinoma do colo uterino. No dia 10 de novembro de 2020, foi submetida a cirurgia para correção da fístula via abdominal. No 49º dia pós-operatório, retornou ao ambulatório com queixa de febre diária, prostração, dor hipogástrica, sonda vesical com urina piúrica e secreção vaginal com odor fétido. Foi internada novamente para implante de cateter duplo J e drenagem de coleção na parede abdominal, realizadas no dia 30 de dezembro de 2020. O cateter duplo J foi retirado em 11 de janeiro de 2021. No momento da consulta, referia maioria da diurese espontânea, clara, com perdas urinárias em fralda. Ao exame físico, a ferida operatória cicatrizava bem, sem sinais flogísticos. Foram solicitados os exames de sumário de urina, urocultura e função renal, com retorno agendado em 45 dias.
REVISÃO DA LITERATURA – Fístulas Urogenitais
Introdução 
As fístulas urogenitais são comunicações anormais entre o trato genital feminino e a bexiga, a uretra ou os ureteres1. São conhecidas desde os primórdios da humanidade como uma condição associada à qualidade vida extremamente insatisfatória do ponto de vista socioemocional. Estudos arqueológicos identificaram fístulas em múmias egípcias de 2.500 anos. O primeiro tratamento realizado com sucesso foi descrito na Suíça, no final do ano de 16002. 
O tipo de fístula urogenital é baseado na sua localização anatômica1. Didaticamente, fístulas urogenitais podem ser divididas em fístulas vesicovaginais, ureterovaginais, vesicuterinas e uretrovaginais. Dentre todas, as fístulas vesicovaginais são as mais comuns, com incidência entre 0,3 a 2%. Concomitância com fístula vesicuterina pode ocorrer em 20 a 25% dos casos2. Raramente são encontradas fístulas vesicocervicais, vesicoperitoneais e vesicocolônicas (geralmente ocorrem apenas na presença de divertículos colônicos ou câncer)1.
O diagnóstico precoce e tratamento adequado têm como objetivos a correção e a reconstrução do trato geniturinário, bem como o retorno das pacientes às suas atividades habituais e melhora da qualidade de vida2.
Etiologia e prevenção
A etiologia e a incidência das fístulas do trato urogenital variam geograficamente1. Em países desenvolvidos, cirurgias ginecológicas são a principal etiologia, enquanto nos países em desenvolvimento assistência inadequada ao trabalho de parto ainda é a causa predominante1,2. Dentre as cirurgias ginecológicas, histerectomia é responsável por 75% dos casos. Os principais fatores de risco são presença de cesárea prévia, endometriose e radioterapia pélvica. Outras causas incluem cirurgias gastrintestinais, neoplasias, doenças inflamatórias intestinais, corpo estranho e doenças autoimunes. Assistência inadequada ao trabalho de parto e acretismo placentário são as principais causas de fístulas ureterovaginais2. A inflamação decorrente da doença inflamatória pélvica, diverticulite ou doença inflamatória intestinal, pode tornar os tecidos friáveis e hipervasculares, levando a uma má cicatrização e tornando-o mais suscetível a rasgos ou outros danos durante a manipulação, podendo levar à formação de fístula1.
A melhor prevenção para a fístula urogenital é evitar a lesão na cirurgia primária. O risco de formação de fístula depende da localização da lesão e do diagnóstico e reparo intraoperatório. No entanto, a formação de fístula ainda pode ocorrer apesar do reconhecimento e do reparo de uma lesão1. 
Quadro clínico 
O principal sintoma é a incontinência urinária pela vagina, que pode surgir imediatamente ou várias semanas após trauma cirúrgico ou obstétrico. As fístulas secundárias à radioterapia podem surgir vários anos após exposição à radiação. O tamanho e localização dos orifícios fistulosos são proporcionais à intensidade das perdas urinárias. As fístulas vesicovaginais são as mais comuns dentre as fístulas urogenitais. Quando tem grandes orifícios fistulosos, estão associadas com perdas urinárias contínuas e insensíveis, e muitas vezes a paciente não apresenta micção (incontinência total)2. 
Fístulas ureterovaginais têm incidência entre 0,5 a 1%, sendo mais comuns após histerectomias radicais por neoplasias. Podem ocorrer por cirurgias pélvicas, ureteroscopia com litotripsia intracorpórea e traumas. Clinicamente, se associam a dor lombar, íleo prolongado, febre, sepse, urinoma, oligúria, anúria e elevação de creatinina no pós-operatório2. 
Devemos suspeitar de fístula vesicuterina sempre que existir perda urinária intermitente pela vagina com ou sem hematúria. Podem se apresentar de maneira variada, sendo classificadas de acordo com a saída do fluxo menstrual: tipo I (síndrome de Youssef); amenorreia e hematúria cíclica sem perda urinária; tipo II; menstruação preservada, hematúria cíclica e episódios constantes ou periódicos de incontinência; tipo III; menstruação preservada, ausência de hematúria cíclica e episódios constantes ou periódicos de incontinência2. 
Em fístulas uretrovaginais próximas do colo vesical a perda de urina pode ser contínua, enquanto nas uretrais distais a incontinência urinária é intermitente, insensível e geralmente pós-miccional. Lesões uretrais se associam com traumas uretrais e obstétricos com compressão da uretra contra o púbis, incomuns devido à proteção oferecida pelo púbis2.
Diagnóstico 
O diagnóstico de uma fístula urogenital
é feito no exame físico através da visualização do vazamento de urina na vagina grosseiramente ou usando um teste de corante1. O exame físico deve ser minucioso na avaliação de mulheres com suspeita de FUG, na tentativa de identificar o orifício fistuloso vaginal, sua localização, tamanho, integridade da mucosa vaginal, sinais de infecção local e a presença de corpo estranho. Nos casos em que não se consegue identificar orifício fistuloso, indica-se teste com infusão de azul de metileno uretral. Outra alternativa é a utilização de antissépticos urinários como piridium® ou sepurin®, que alteram a coloração da urina, facilitando sua visualização2. 
A cistoscopia deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita de fístula urogenial. Esse exame identifica o local, tamanho e relação com orifícios ureterais. A biópsia da fístula é obrigatória quando há suapeita de malignidade ou pós-radioterapia. A cistografia pode ajudar na identificação das fístulas, porém depende da experiência do técnico e possui grande índice de falso-negativo, principalmente daquelas com pequeno diâmetro. A histerografia pode ajudar no diagnóstico de pacientes com suspeita de fístula vesicuterina, quando outros exames forem inconclusivos. Histeroscopia é o melhor exame para identificação das fístulas vesicuterinas e possibilita a realização de biópsias nos casos suspeitos de malignidade. O exame de tomografia com reconstrução do trato urinário e urografia excretora têm permitem avaliar o trato urinário superior e as condições dos ureteres. A pielografia ascendente pode ser realizada caso esses exames não sejam conclusivos, antes da intervenção cirúrgica. Os resultados da ultrassonografia (US) transvaginal tem se mostrado superiores aos da cistoscopia e da uretrocistografia. Ainda assim, mais estudos necessitam ser realizados para determinar o papel da US no diagnóstico das fístulas urogenitais. Ressonância magnética também é um excelente método diagnóstico2. 
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da fístula urogenital inclui outras etiologias de incontinência urinária e podem ser diferenciados com base no padrão do vazamento urinário. A incontinência urinária de esforço é geralmente precedida por um aumento na pressão intra-abdominal decorrente de tosse ou risada; enquanto a incontinência de urgência é precedida por uma sensação de urgência urinária. O vazamento contínuo de urina pode ser incontinência de transbordamento ou fístula1. 
O vazamento da vagina que tem uma consistência espessa e não clara deve ser avaliado como corrimento vaginal. Mais raramente, patologias endometriais como um mioma uterino degenerado, ou da trompa de Falópio, como câncer das trompas, resulta em secreção. Se o vazamento for claro e fino e com odor for consistente com urina, deve-se suspeitar de fístula urogenital ou incontinência por transbordamento. A drenagem transitória de um seroma pode simular os achados de uma fístula urinária no pós-operatório inicial1. 
Tratamento
O tratamento conservador das fístulas urogenitais pode ser realizado com utilização de sonda vesical de demora ou da fulguração do trajeto fistuloso com cautério ou a laser nas fístulas pequenas, não infectadas, bem vascularizadas e não irradiadas. Cremes à base de estrogênio podem melhorar as condições locais da mucosa vaginal e facilitar o processo de cicatrização. O tratamento com cateter duplo J pode ser uma alternativa para pacientes com alto risco cirúrgico, porém com baixas taxas de sucesso 2. Se essas técnicas simples não tiverem sucesso, as fístulas urogenitais são tratadas com reparo cirúrgico. A escolha da técnica cirúrgica depende do tipo de fístula, das características e preferências do paciente e da experiência e preferência do cirurgião1.
O tratamento cirúrgico deve ser realizado por cirurgiões experientes e habituados aos detalhes técnicos do procedimento, pois a melhor oportunidade para cura está na primeira cirurgia. A abordagem precoce ou tardia depende basicamente das condições locais dos tecidos. Abordagem precoce das fístulas vesicovaginais tem sido preconizada pela maioria dos autores, pois proporciona melhor recuperação e maior qualidade de vida. Nas fístulas infectadas e após radioterapia, a intervenção tardia é recomendada devido a necessidade da recuperação tecidual adequada para programação cirúrgica2. 
A escolha da via de acesso depende principalmente da experiência do cirurgião. A abordagem cirúrgica por via vaginal está associada à alta hospitalar precoce e menor morbidade quando comparada à via abdominal. Fatores como tamanho, localização, presença de infecção associada e necessidade de realização de outros procedimentos devem ser considerados. A indicação de correção por via abdominal está relacionada com a necessidade de reimplante ureteral ou quando houver estenose vaginal e atrofia da mucosa com impossibilidade de acesso via vaginal2. 
Alguns princípios no tratamento das fístulas devem sempre ser obedecidos: sutura em múltiplas camadas, não interposição de suturas, sutura sem tensão e utilização de fios absorvíveis. Nas fístulas pós-radioterapia associadas à infecção local, obstétricas e maiores que 3 cm, indica-se sempre interposição de tecidos. Pode se utilizar gordura dos grandes lábios, omento, peritônio, mucosa labial etc2. 
Alguns autores relatam taxas de sucesso acima de 80% no tratamento por via laparoscópica com ou sem auxílio de robô2. 
O diagnóstico precoce é necessário para que se faça um planejamento terapêutico adequado. O principal objetivo do tratamento é proporcionar melhora da qualidade de vida das pacientes2.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. 	Garely AD, Jr WJM. Urogenital tract fistulas in women. Up To Date. Published 2020. http://uptodate.searchbox.science/contents/urogenital-tract-fistulas-in-women?search=vesicovaginal fistula&source=search_result&selectedTitle=1~25&usage_type=default&display_rank=1
2. 	Nardozza Júnior A, Zerati Filho M, dos Reis RB. Urologia Fundamental. 1st ed. Planmark; 2010. http://www.sbu-sp.org.br/admin/upload/os1688-completo-urologiafundamental-09-09-10.pdf
RELATO DIA 2 – 19 de janeiro de 2021
No dia 19 de janeiro de 2021 (terça-feira), o atendimento no ambulatório de urologia iniciou às 7h. A primeira paciente atendida foi do sexo feminino, 1 ano e 1 mês de idade, apresentando hidronefrose desde a USG gestacional. Em novembro de 2020 apresentou quadro de ITU febril, com necessidade de internamento. A tomografia computadorizada de abdome demonstrou acentuada dilatação pielocalicinal renal à esquerda, com transição abrupta no calibre da JUP, sugerindo estenose de junção ureteropiélica (JUP), além de áreas de afilamento cortical. Após discussão, foi indicada a pieloplastia à esquerda. Foi explicada para a mãe a proposta cirúrgica, riscos e benefícios e a mesma autorizou o procedimento. Foi encaminhada para a marcação da cirurgia.
O paciente seguinte, sexo masculino, 1 ano e 5 meses, diagnosticado com hérnia inguinal à direita e criptorquidia bilateral ao nascimento, tendo realizado hernioplastia e orquidopexia à direita aos 3 meses de vida. Foi encaminhado pela Pediatria devido ao diagnóstico de hipospádia médio-peniana. Ao exame físico, apresentava hérnia umbilical com colo de 1 cm; recidiva de hérnia inguinal à direita; testículos palpáveis na bolsa testicular bilateralmente, porém o esquerdo retrátil; meato uretral posicionado em face ventral do pênis, com excesso de prepúcio em face dorsal. Foi agendado o procedimento de correção da hipospádia. O paciente já trazia resultado dos exames pré-operatórios, pois sua cirurgia já havia sido marcada, mas foi suspensa devido à falta de insumos no hospital.
Em seguida, atendemos um homem, 54 anos, com história de falso trajeto em sondagem vesical em 2012, após retenção urinária aguda. Foi submetido a uretrotomia interna em 2012 e 2019. Há cerca de 8 meses, passou a apresentar redução do jato urinário, noctúria e redução do volume ejaculado. Uretrocistografia miccional de outubro de 2020 demonstrou estenose uretral focal ao nível da porção bulbomembranosa.
Discutido plano cirúrgico com preceptor.
O último paciente que acompanhei no dia foi um homem, 40 anos, com diagnóstico de hipospádia distal perineal e criptorquidia à esquerda. Desde 2002 vem sendo submetido a procedimentos cirúrgicos para correção da hipospádia e de estenose de uretra. Na última consulta, referiu polaciúria (15 a 20 vezes por dia), noctúria (5 a 6 vezes por noite) e urgência. Foi prescrita solifenacina 5 mg/dia. No momento da consulta, referiu melhora da polaciúria e noctúria após uso da solifenacina. Ao exame físico, apresentava uretra perineal e testículo esquerdo não palpável. Foi discutida conduta em relação à criptorquidia. Optou-se por não realizar abordagem cirúrgica do paciente devido à idade e provável atrofia do testículo. A conduta tomada foi de observação, considerando-se o risco aumentado de desenvolvimento de câncer testicular nesses pacientes.
A experiência no ambulatório especializado de urologia do Ambulatório Magalhães Neto foi bastante enriquecedora e interessantíssima, pois tive a oportunidade de ver e examinar pacientes e situações clínicas com as quais apenas tive contato através de livros e relatos de professores. Os residentes foram bastante solícitos em nos receber, explicando detalhes sobre os pacientes, seus casos clínicos e situações médicas, detalhando com minúcias procedimentos diagnósticos e cirúrgicos; além de esclarecer todas as nossas dúvidas. Houve muita troca de conhecimento durante as discussões com os preceptores, presentes nos dias em que frequentei, sempre fazendo breves revisões sobre as patologias discutidas e ressaltando os pontos mais importantes. Sem dúvidas, este foi um dos melhores ambulatórios dos quais tive a oportunidade de frequentar durante o curso médico e anseio pelo meu retorno como interna em breve.
REVISÃO DA LITERATURA – Estenose da Junção Ureteropiélica (JUP)
Introdução e Epidemiologia
A estenose da junção ureteropiélica é uma condição congênita com incidência de 1:500 nascidos vivos rastreados por USG obstétrica3. Em crianças, acomete principalmente indivíduos do sexo masculino, na proporção de 2:12. Em adultos, é mais comum em mulheres do que em homens. Ocorre mais frequentemente à esquerda (60%), mas pode ser bilateral em 10 a 40% dos casos. Pode ser vista entre membros de uma mesma família, mas a relação genética não é bem elucidada4.
É a anormalidade congênita do ureter mais comum4. É definida como uma obstrução do fluxo urinário da pelve em direção ao ureter que, se não for tratada, que pode provocar a redução ou paralisação do fluxo urinário através do ureter e evoluir com perda progressiva da função renal. Essa condição persiste como desafio clínico por causa da impossibilidade de se determinar qual paciente apresenta obstrução e qual será beneficiado por terapia intervencionista, e não há exame que defina objetivamente esse parâmetro2,3,5. 
Foi observado aumento na incidência no período neonatal por causa do maior número de diagnósticos pré-natais após introdução de ultrassonografia (USG) de rotina. O segundo pico ocorre na adolescência, com aparecimento de sintomas. Obstrução de JUP é a causa mais comum de hidronefrose pré-natal e corresponde a cerca 48% dos casos de dilatação do trato urinário2. 
Patogênese 
As etiologias de JUP podem ser tanto congênitas quanto adquiridas3. Na maioria dos casos de estenose congênita de JUP, a doença é causada por fatores intrínsecos, como segmento ureteral aperistáltico, pregas mucosas obstrutivas, pólipos ureterais e raramente por estenose verdadeira do ureter2. Pode ocorrer ainda a interrupção do desenvolvimento da musculatura circular do ureter ou uma alteração das fibras de colágeno e sua composição entre e ao redor das fibras musculares5. Dentre os fatores extrínsecos, vaso renal polar inferior cruzando anteriormente a JUP pode ser a única causa da obstrução ou existir associado a um fator intrínseco. Até 10% dos casos de JUP pode ser doença secundária a refluxo vesicureteral (RVU) de alto grau3–5. 
Apresentação clínica 
As manifestações clínicas variam conforme a idade do paciente4,5. Na ausência de triagem pré-natal, os recém-nascidos podem apresentar uma massa abdominal palpável causada por um rim obstruído aumentado. Outras apresentações incluem infecção do trato urinário, hematúria ou insuficiência de crescimento. A insuficiência renal é uma apresentação incomum e ocorre em bebês com um único rim obstruído ou com envolvimento bilateral3. Em casos de pacientes com rim único ou com JUP bilateral pode eventualmente ocorrer oligodrâmnio, azotemia, distúrbio hidroeletrolítico ou oligoanúria. Sepse pode ser a manifestação inicial, embora com menor frequência. Em crianças em fase pré-escolar, adolescentes e adultos, os principais sintomas são dor abdominal ou lombar episódica, geralmente desencadeada ou agravada por ingesta hídrica abundante e acompanhada de náuseas ou de vômitos. Hematúria pode ser observado após trauma, possivelmente por ruptura de pequenos vasos da mucosa da via excretora2,3. A obstrução de JUP pode estar associada a outras anomalias geniturinárias, como um rim em ferradura, ou ser um componente ou estar associada a uma síndrome como a síndrome CHARGE (coloboma, anomalia cardíaca, atresia coanal, retardo, anomalias genitais e de ouvido)3.
Diagnóstico 
Na USG obstétrica, devemos avaliar o diâmetro ântero-posterior da pelve e valores acima de 4 a 5 mm no segundo trimestre de gestação ou acima de 5 a 7 mm no terceiro trimestre podem indicar a patologia. Diâmetro maior que 20 mm no período pré-natal indica maior risco de necessidade de correção cirúrgica pós-natal. Além de dilatação piélica, outros parâmetros devem ser avaliados, como espessura do córtex renal, sua ecogenicidade, cistos corticais e dilatação infundíbulo calicial associada. Esses dados ultrassonográficos permitem avaliar a gravidade da doença2. 
Deve-se realizar USG na primeira semana de vida quando for diagnosticada dilatação do trato urinário no período pré-natal, mas em casos com dilatação bilateral, rim único ou oligoâmnio, recomenda-se USG pós-natal imediata. O exame deve ser repetido caso não seja evidenciada hidronefrose nas primeiras 72 horas de vida, pois a oligúria fisiológica neonatal pode ter prejudicado a detecção da dilatação. A maior parte desses pacientes são portadores de hidronefrose fisiológica ou transitória, com taxa de regressão espontânea de 40%2.
A ultrassonografia é o exame padrão para diagnóstico de hidronefrose na infância, pois tem ampla disponibilidade, é pouco invasivo e não utiliza radiação ionizante5. A ultrassonografia não permite diagnóstico de obstrução, mas seleciona pacientes que necessitarão de seguimento mais rigoroso, além de gerar importantes marcadores, como o crescimento do diâmetro anteroposterior da pelve, a presença de caliectasia, a presença de afilamento do parênquima e a sua ecogenicidade. Auxilia no diagnóstico diferencial com outras patologias, como refluxo vesicoureteral, megaureter e válvula de uretra posterior2,5. 
O renograma radiosotópico dinâmico é um dos exames mais utilizados para avaliação de obstrução, embora sujeito a muitos artefatos. Substituiu amplamente a urografia excretora, pois permite a quantificação da função renal diferencial, além de estimar a velocidade de depuração, podendo ser realizado a partir da quarta semana de vida2,3. 
A cintilografia renal serve para aferição da taxa de filtração glomerular e de sua depuração através do sistema coletor e da via excretora. O radiofármaco utilizado é o DTPA, exclusivamente filtrado pelo glomérulo, estimando a taxa de filtração no primeiro e terceiro minutos após sua infusão endovenosa. Atualmente, o radiofármaco preconizado para neonatos com imaturidade renal é o MAG3, excretado pelo túbulo contorcido proximal e que apresenta valores mais acurados da função renal. Déficit de drenagem associado à dilatação da via excretora não significa necessariamente obstrução. Deve-se realizar exames seriados para comprovar prejuízo à função renal diferencial ou piora na curva de depuração
do radiofármaco para indicarmos o tratamento cirúrgico. A curva de depuração do radiofármaco após diurético e T1/2 (tempo necessário para eliminação de 50% do radiofármaco) pode indicar obstrução ou apenas estase quando está alterada. Em casos com suspeita de acometimento cortical renal, podemos utilizar o radiofármaco DMSA, que possibilita melhor visibilização de cicatrizes renais, auxiliando na indicação para tratamento intervencionista. Determinação da função renal diferencial permite diagnosticar assimetria de função, função ipsilateral diminuída (geralmente 10%), sugestivos de obstrução e utilizados para indicar tratamento cirúrgico2. 
A urografia por ressonância magnética é um método utilizado para definir com maior precisão a anatomia do trato urinário, calcular a função renal diferencial e tentar definir a obstrução. Define a função renal diferencial por meio da aferição do volume de parênquima renal, que sofreu realce e aferição do tempo de trânsito renal2. A vantagem da RM é a capacidade de discernir a anatomia precisa que define o ponto de obstrução. Também pode determinar a função de divisão do rim e simular o renograma diurético, fornecendo dados de washout. A desvantagem da RM é o custo e a necessidade de anestesia geral ou sedação em bebês e crianças pequenas3.
A tomografia computadorizada (TC) é uma alternativa à ultrassonografia na criança sintomática. Não é o exame favorito devido à sua exposição à radiação. Na obstrução da JUP, a TC geralmente mostra hidronefrose sem ureter dilatado. Pode ser realizada inicialmente em pacientes que apresentam dor abdominal aguda de etiologia desconhecida3. 
A urografia excretora fornece parâmetros considerados menos objetivos que o renograma radiosotópico (diminuição ipsilateral na concentração do contraste e retardo ipsilateral na excreção). É pouco utilizada em neonatos, pois nessa faixa etária não há boa contrastação renal devido a urina ser marcadamente hipotônica, além de ser difícil obter preparo intestinal adequado, e pelo risco de reações alérgicas e de nefrotoxicidade pelo contraste2. 
A pielografia ascendente é pouco indicada como exame pré-operatório por causa da invasividade e do risco de contaminar um sistema potencialmente obstruído. Se indicado no mesmo ato cirúrgico da pieloplastia, em poucas situações pode auxiliar no planejamento cirúrgico, definindo anatomia e posição da JUP (e melhor via de acesso), extensão da estenose e estenose em outros pontos do ureter em crianças menores, estenose mais longas e estenoses múltiplas são mais frequentes2. 
O estudo fluxo-pressão/teste de Whitaker é realizado por meio da colocação de uma sonda na pelve renal e outra na bexiga para se medir a diferença de pressão no sistema, durante infusão de líquido na pelve renal. É pouco utilizado devido a sua invasividade e pela grande faixa de valores duvidosos2. 
Nos casos em que a presença de obstrução da JUP é diagnosticada no período pré-natal, neonatal ou até perto dos cinco anos de idade, a uretrocistografia miccional deve ser realizada quando há suspeita de associação com refluxo vesicoureteral, podendo ocorrer concomitante com estenose de JUP em até 14% dos casos2,5. Além disso, o exame avalia a permeabilidade da uretra em homens para detectar as válvulas uretrais posteriores3.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da obstrução de JUP inclui outras causas de hidronefrose. O estudos de imagem citados anteriormente a diferencia das seguintes condições: refluxo vesicoureteral (RVU); hidronefrose transitória hidronefrose funcional e de outras anomalias urológicas, incluindo válvulas uretrais posteriores, megaureter congênito, ureterocele e rim displásico multicístico3.
Tratamento 
A obstrução sintomática da junção ureteropélvica deve ser tratada cirurgicamente. Como atualmente a maioria dos casos é detectada por hidronefrose na USG pré-natal, e os lactentes são assintomáticos, é importante avaliar o significado da hidronefrose. A cirurgia precoce pode prevenir infecções futuras do trato urinário, cálculos ou outras complicações; todavia, muitos dos pacientes podem passar a vida inteira sem ter uma complicação secundária a hidronefrose. Esta permanece uma área de controvérsia considerável, sobretudo para paciente assintomático com rim contralateral normal. Alguns dados sugerem que o tratamento precoce na infância reduz o risco de obstrução da junção ureteropélvica em adultos4.
O tratamento da estenose de JUP é realizado em pacientes com obstrução sintomática, diagnosticada por dor lombar intermitente ou infecção urinária febril recorrente. Em pacientes assintomáticos realiza-se seguimento periódico para detecção precoce de alterações secundárias à uropatia obstrutiva, como piora da função renal global (rim único ou doença bilateral), comprometimento progressivo da função renal unilateral, aumento no diâmetro ântero-posterior da pelve pela US ou ainda hidronefrose grau III ou IV2. Em adultos, a intervenção cirúrgica tem como objetivo aliviar os sintomas e manter da função renal. Nos pacientes pediátricos, que podem ser assintomáticos, o objetivo principal é a preservação da função renal5.
O tratamento cirúrgico pode ser realizado por via aberta, endoscópica ou laparoscópica. Técnicas abertas podem ser divididas em desmembradas ou com uso de retalhos de pelve. A técnica desmembrada tem a vantagem de preservar vasos anômalos, excisar o segmento ureteral patológico e finalmente realizar pieloplastia redutora. A pieloplastia com uso de retalhos de pelve é indicada para casos de implantação alta do ureter e para casos com estenoses longas2. Por conta das variações anatômicas, nenhum procedimento isolado é suficiente para todas as situações. Independentemente da técnica utilizada, todos os reparos de sucesso têm em comum a criação de uma junção uretero-pélvica de calibre adequado, dependente e em forma de funil4. 
A pieloplastia desmembrada é o procedimento cirúrgico mais realizado, com taxa de sucesso de até 95%3. Pode ser feita por lombotomia clássica, laparotomia subcostal anterior ou lombotomia posterior, que é a via de acesso preferida para tratamento em neonatos. Pieloplastia desmembrada consiste na identificação da JUP, na ressecção da porção ureteral acometida e na sutura ureteropiélica espatulada associadas à derivação urinária com cateter duplo J ou, menos frequentemente, nefrostomia, e finalmente no posicionamento de dreno laminar. Complicações pós-operatórias precoces são infrequentes, porém pode haver fístula urinária prolongada2. 
A pieloplastia desmembrada videolaparoscópica tem a mesma taxa de sucesso da técnica aberta, ultrapassando 95%. Pode ser realizada por via transperitoneal ou retroperitoneal. Seu objetivo é reduzir a morbidade relacionada à lombotomia, com recuperação mais precoce, menos tempo de internação e menor utilização de analgésicos. Crianças abaixo dos dois anos de idade têm boa tolerância à via lombar posterior, não justificando a realização de procedimentos minimamente invasivos2. A escolha da técnica deve considerar a idade do paciente e a familiaridade do cirurgião com as técnicas minimamente invasivas5.
A endopielotomia consiste em uma incisão ureteral endoscópica que pode ser realizada anterogradamente por punção percutânea ou retrogradamente por ureteroscopia. O sucesso da endopielotomia varia de 50 a 85% e é inferior ao da pieloplastia aberta. Pacientes com obstruções longas, hidronefrose de grande monta, comprometimento importante da função renal e vasos anômalos têm piores resultados com endopielotomia. É um procedimento seguro e sua principal complicação é a hematúria macroscópica2. 
Um ultrassom de acompanhamento deve ser obtido aproximadamente seis semanas após a cirurgia. Com o tempo, quase todos os pacientes (até 95 por cento) apresentam melhora radiográfica e resolução de seus sintomas se inicialmente apresentarem dor3.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2. 	Nardozza Júnior A, Zerati Filho M, dos Reis RB. Urologia Fundamental. 1st ed. Planmark; 2010. http://www.sbu-sp.org.br/admin/upload/os1688-completo-urologiafundamental-09-09-10.pdf
3. 	Baskin LS. Congenital ureteropelvic junction obstruction. UpToDate. Published 2020. http://uptodate.searchbox.science/contents/congenital-ureteropelvic-junction-obstruction?search=ureteropelvic junction&source=search_result&selectedTitle=1~30&usage_type=default&display_rank=1
4. 	McAninch JW, Lue TF. Urologia Geral de Smith e Tanagho. 18th ed. AMGH; 2014. https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=soLrBgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PA169&dq=estase+urinária+infecção+lesão+renal+aguda&ots=HJxE0bi9oJ&sig=p9pYulvQfXixJZyEEarJYhMrxg8#v=onepage&q=estase urinária infecção lesão renal aguda&f=false
5. 	Barril E dos S, Alba APR, Oliveira AVP de, et al. Estenose da junção pielo ureteral - Ureteropelvic junction stenosis.cdr. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2014;16:155-156.

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