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Lei das XII tábuas - Primeira tábua e comparativos com o direito brasileiro

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LEI DAS XII TÁBUAS: PRIMEIRA TÁBUA
A Lei das XII Tábuas trata-se de uma compilação do Direito da época, que tratou de positivar regras básicas, sendo a primeira relativa ao procedimento adotado nos julgamentos: desejava-se evitar decisões sem chance de defesa e, até mesmo, limitar a eventual arbitrariedade do magistrado. Uma das mais belas e fortes disposições contidas nesse repertório é aquela que proclama: privilegia ne irrogantu, isto é, não haverá privilégios. Essas regras, que tratavam de diversos aspectos da vida comum, como a propriedade e a sucessão, foram dispostas em doze tábuas de bronze e expostas no Forúm, centro cívico da cidade. A partir de então, as pessoas passavam a ter ciência de seus direitos e, logo, condição de reivindicá-los.
Até hoje considerada como a fonte de todo o direito, a Lei das XII Tábuas divide seus temas da seguinte maneira: 
Tábuas I e II – Organização e procedimento judicial; 
Tábua III – Normas contra os inadimplentes; 
Tábua IV – Pátrio poder; 
Tábua V – Sucessão e tutela; 
Tábua VI – Propriedade; 
Tábua VII – Servidões; 
Tábua VIII – Dos delitos; 
Tábua IX – Direito público; 
Tábua X – Direito sagrado; 
Tábuas XI e XX – Complementares.
Neste trabalho busca-se focar na tábua primeira das XII tábuas, fazendo uma ponte com o direito atual. Nesse sentido, desde o momento em que, em antigas eras, se chegou à conclusão de que não deviam os particulares fazer justiça pelas próprias mãos e que os seus conflitos deveriam ser submetidos a julgamento de autoridade pública, fez-se a necessidade de regulamentar a atividade da administração da justiça. E desde então, surgiram às normas jurídicas processuais. 
A primeira Tábua estabelece procedimentos para o andamento do processo, desde o chamamento do réu, obrigado a responder, e se não o fizer, será levado pelo autor, com oferecimento de condições de translocamento, ou na recusa, usar de força física, em caso de fuga, será apresentado testemunhas, e consequentemente a prisão. A resolução de conflitos através de acordos em concitação era prática, e encerrava o processo. Se houvesse recusa, as partes eram ouvidas na parte da manhã, de tarde o pronunciamento da decisão, e término da audiência.
Theodoro Junior explica que: 
‘’As primeiras normas referiam-se à aplicação das sanções penais e á composição dos litígios civis. Mas com o tempo, a par da solução dos conflitos de interesses foi-se confiando aos órgãos judiciários outras funções conexas que correspondiam à tutela de interesses de pessoas desvalidas ou incapazes, como as interdições, as curatelas, as ausências etc. e a fiscalização de certos atos, como a extinção de usufruto e fideicomisso, a sucessão causa mortis etc.’’ 
Foi sem dúvida, a partir do mundo clássico greco-romano que o direito processual civil passou a ganhar foros científicos, desvinculando-se de preceitos religiosos e superstições. Theodoro Junior explica que pelo que se apura na retórica de Aristóteles, em matéria de prova predominavam princípios elevados, que faziam classificar os meios de convicção como lógicos e alheios e preconceitos religiosos e outros fanatismos. O processo observava a oralidade e o princípio do dispositivo, que aparecia como regra dominante, tocando o ônus da prova às partes e, só excepcionalmente, se permitia a iniciativa do juiz em questões probatórias. Conheciam-se as provas testemunhais e documentais, faziam-se restrições ao testemunho de mulheres e crianças, dando grande importância aos documentos, especialmente em matéria mercantil. Todavia, o mais importante, sem dúvida era o respeito à livre apreciação de provas pelo julgador, que exercia uma crítica lógica e racional, sem se ater a valorações legais prévias em torno de determinadas espécies de prova. Constata-se também através da história que o princípio do contraditório, segundo Greco tem origem na Antiguidade grega, mencionada por Eurípedes, Aristófanes e Sêneca, chegando ao direito comum como um princípio de direito natural inerente a qualquer processo judicial, consistente no princípio segundo o qual o juiz somente está apto a decidir o pedido do autor depois de notificá-lo ao réu e de dar a este a oportunidade de se manifestar. Dessa forma, torna-se possível afirmar que o processo civil atual ainda possui princípios que foram consolidados no direito romano, como o princípio do dispositivo, a oralidade a livre apreciação de provas, os depoimentos testemunhais, a análise de provas documentais, todos estes institutos encontram-se presentes no ordenamento processual civil vigente. Desse modo, em razão dessa enorme influência que o Direito romano exerce na legislação atual, torna-se fundamental identificar o campo em que tal instituto mais repercutiu, demonstrando quais institutos prevaleceram ou influenciaram o surgimento de novos.
COMPARATIVO COM O DIREITO ATUAL BRASILEIRO
TÁBUA PRIMEIRA: Do chamamento a juízo 
a) Inciso I. Se alguém é chamado a juízo, compareça. 
Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.
Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.
Pode-se observar que, apesar de se tratar do comparecimento do réu, o Inciso I não é completo como o Art. 239 do Novo CPC, pois, além de citar a indispensabilidade da citação do réu, também ressalva o indeferimento (de não levar em consideração ou de negar) da petição inicial.
b) Inciso II. Se não comparece, aquele que o citou tome testemunhas e o prenda. 
Art. 385, § 1º da Lei 13105/15: Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida da pena de confesso, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena.
Comparando-se o inciso II da Tábua I com o Art. 385 do novo Código de Processo Civil, nota-se semelhança em relação à situação de pena àqueles que não comparecerem, entretanto, há, porém, diferenças quanto o tipo de punição e quem seria o encarregado a aplicá-la. O Art. 385 abrange também aqueles que se omitirem a depor, podendo sofrer represálias.
c) Inciso III. Se procurar enganar ou fugir, o que citou pode lançar mão sobre (segurar) o citado.
Manu militari: execução de ordem da autoridade, com o emprego de força, coerção.
Comparando-se ao inciso III, da Tábua I essa expressão se insere na área do direito, sendo usada para indicar o uso de força armada ou o recurso à coerção. Observa-se a correlação de tal expressão com a tábua, pois atualmente a coerção, observada no inciso III,é instrumento único utilizado como ferramenta de uso exclusivo (legítimo) do direito para garantir sua aplicação.
d) Inciso IV. Se uma doença ou a velhice impede a testemunha de andar, o que o citou forneça um cavalo. 
Art. 362. A audiência poderá ser adiada:
I - por convenção das partes;
II - se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar;
III - por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 (trinta) minutos do horário marcado.
§ 1º O impedimento deverá ser comprovado até a abertura da audiência, e, não o sendo, o juiz procederá à instrução.
§ 2º O juiz poderá dispensar a produção das provas requeridas pela parte cujo advogado ou defensor público não tenha comparecido à audiência, aplicando-se a mesma regra ao Ministério Público.
§ 3º Quem der causa ao adiamento responderá pelas despesas acrescidas.
Pode-se perceber que o Inciso IV é bastante específico, pois se trata de uma doença/velhice que incapacita a testemunha de aparecer na audiência. Já o Art. 362 é mais generalizado, pois o motivo da ausência do comparecimento pode ser justificado.
e) Inciso V. Se não aceitá-lo, que forneça um carro, sem obrigação de dá-lo coberto.
Art. 462 da
Lei 13105/15: A testemunha pode requerer ao juiz o pagamento da despesa que efetuou para comparecimento à audiência, devendo a parte pagá-la logo que arbitrada ou depositá-la em cartório dentro de 3 (três) dias.
Comparando-se o Inciso V da Tábua I com o Art. 462 do CPC, observa-se uma busca pelo comparecimento da testemunha pra depor. No inciso há o oferecimento de um carro, enquanto que no código atual, há um pagamento para facilitar a locomoção. 
f) Inciso VI. Se se apresenta alguém para defender o citado, que este seja solto.
g) Inciso VII. O rico será fiador do rico; para o pobre qualquer um pode servir de fiador.
(CC – LEI 10406/2002) Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação. 
Quando se tratando de fiador, a condição necessária no Código Civil é a não obrigatoriedade por parte do credor de aceitar um fiador que não seja idôneo, domiciliado em seu município e que não possua bens suficientes para cumprir sua obrigação.
 h) Inciso VIII. Se as partes entram em acordo no caminho, a causa está encerrada.
Art. 3º da Lei 13105/15: § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: 
V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais.
No Inciso VIII da Tábua I, nota-se a presença da conciliação entre as partes, encerrando uma causa. No direito atual brasileiro, o exercício da conciliação ganha extrema importância, sendo um dever do Estado e autoridades judiciais, de acordo com o art. 3º no §2º e §3º e com o art. 6º. Especificamente, no art. 139, apesar da possibilidade de busca de um acordo sem uma intervenção judicial, o juiz ganha o dever-poder de tentar conciliar, de acordo com o chamado “princípio do estímulo da solução por autocomposição”, a orientar toda a atividade estatal na solução dos conflitos jurídicos. 
Vale salientar que, atualmente, o diploma processual civil estabelece uma distinção entre a conciliação e a mediação. A mediação é medida mais adequada nos casos em que tenha havido vínculo anterior entre as partes, não sugerindo qualquer solução para o conflito, enquanto que a conciliação é adequada nos casos em que não há vínculos e sempre busca sugerir uma solução para o conflito.
i) Inciso IX. Se não entram em acordo, que o pretor as ouça no comitium ou no fórum e conheça da causa antes do meio dia, ambas as partes presentes.
Art.357: Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão do saneamento e da organização do processo:
I- resolver as questões processuais pendentes se houver;
II- delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios priva admitidos.
III- definir a distribuição do ônus da prova, observado o art.373;
IV- delimitar as questões de direito relevantes para a decisão de mérito;
V- designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
Em outras palavras observa-se a correlação entre o inciso IX, da Tábua I no tocante ao juiz, que deve conhecer da causa e se responsabilizar pela organização do processo.
j) Inciso X. Depois do meio-dia, se apenas uma parte comparece, o pre¬tor decida a favor da que está presente. 
Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel (Que deixa de comparecer quando deve expressar sua defesa) e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.
De acordo com o Inciso X, entende-se que a ausência de uma das partes, que deixa de comparecer para expressar sua defesa, acarreta a presumir verdadeiras as alegações formuladas.
k) Inciso XI. O pôr do sol será o termo final da audiência. 
Art. 212 da Lei 13105/15: Os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.
Comparando-se o inciso XI da Tábua I com o Art. 212 do Código de Processo Civil, nota-se semelhança na delimitação relativa ao horário dos atos processuais. Há, porém, diferenças entre códigos pela aceitação de exceções pelo Código de Processo Civil brasileiro, segundo o qual: Art. 212, § 1º. Serão concluídos após as 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano.
CONCLUSÃO
A Lei das XII Tábuas é um documento histórico do Direito romano, e os valores humanos e consuetudinários foram postos em escrito para reger a convivência daquela sociedade, que democraticamente reivindicou igualdade na aplicação de sanções do Estado, e com o objetivo do cumprimento rigoroso independentemente da classe social a qual o cidadão pertencia, critérios lógicos e regras preestabelecidas entraram em vigor.
Foi um marco revolucionário, e com este modelo que visava à positivação das normas foi criada a estrutura jurídica, Civil Law System, presentes em diversos países racionalistas, inclusive o Brasil. 
REFERÊNCIAS
THEODORO JUNIOR, H. Curso de Processo Civil. 41 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
GUIMARÃES, Affonso Paulo - Noções de Direito Romano - Porto Alegre: Síntese, 1999.
CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e Brasil. 10ª ed. RJ: Editora Lumen Juris, 2014.
MEDINA, Prof. José Miguel Garcia (Org.). QUADRO COMPARATIVO ENTRE O CPC/1973 E O CPC/2015. Disponível em: <http://boletimjuridico.publicacoesonline.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Quadro-comparativo-CPC-1973-x-CPC-2015.pdf>. Acesso em: 20 maio 2919.
Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 20 maio 2019.

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