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Aristóteles I

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A r istóteles (i)
Os Pensadoiés
Os Penxadorás
Arisiólrlo.s
"Aristóteles foi, durante séculos, 
o oráculo da filosofia, e sua obra foi 
olhada como a soma dos conhecimen­
tos humanos; emancipandose de sua 
autoridade é que a filosofia abriu no­
vos caminhos- Todavia, se hav>a aca* 
bado por ae esderasar numa escolásti- 
ca, o pensamento aristorélíco foi, em 
sua fonte, animado por imensa curiosi­
dade científica e vigoroso espírito crftí-_ _ itCO.
JOSEPH MQREAU: Aristtite el $on Éco-
k.
"Corno, por quais meios argumen- 
tativos, obtém-se uma intensidade sufi­
ciente de adcsáo dos espíritos? O estu­
do filosófico desíe problema foi inieira- 
mence negligenciado pelos modernos. 
É verdade que houve, no século passa­
do, alguns padres de grande reputação 
e admirável perspicácia, tais como o 
arcebispo Whately e o cardeal New* 
man, que se ocuparam do assunto, em 
consequência de questões suscitadas 
pela prédica Num domínio inteira- 
rnente diferente, o assunto também 
atraiu a atenção, em particular nos Es­
tados Unidos, dos especialistas em pu­
blicidade e propaganda. Mas é aos 
pensadores da Antiguidade greco-ro» 
mana, ao Aristóteles dos Tópjcos e da 
Retórica, e ao Quintiliano da institui­
ção Oratória que õ preciso volver, se 
se quer encontrar precursores para nos- 
so modo de encarar o problema da ar­
gumentação/'
CHAtM PÊRELMAN: Rhétorique et Phi- 
bsoplue
O s P e n sad o iés
Cl? BruMÍ CiiuiJogaçao-na-PiJhitĉ i,̂ 13 
Câmara Brasileira do Livro. SP
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Anstócçles. 3ÍI4-322 A.C.
1'óplcoh , Dos argumentou miÍÍMicos • Aristóteles ; tfckçào de tçx- 
tos de Jo&C Américo Motía Fes&anha : tradução de I-cond Vallandro t- 
Cierd Knmheim iiu vmàü ingli2s.ii de W. A. Pick ard. — 2. cil. — Sfinj 
Paulo ! Abril Cultural, 1983*
I Os pcxt&odurcs >
toclui vida e obra de Armóldes.
Bihlíografía.
1 Amtôtelç*. 384 322 A,Ç 2. PlloAüftj antiga l Pensantes, José 
Américo Mou, 1932- 11 riiuk) Tópicos. Ilt. Título : Dos arpu- 
mcnuxv solísticos, IV, Série.
83-Ú530 CDD 1K5• m m
índices para catálogo sísicmácko:
1. Anstósclcs . Obrui 1&3
2. Filosofia itriSlGIéUca 185
3r FllOsofos antigos: Bsopjafia c obra 180.92
ARISTÓTELES
TOPICOS
*
DOS ARGUMENTOS
SOFÍSTICOS
Scrlrçãn de tcxitm de Jo*c Américo MuUa PcsMmba
Tmduçáo dc LemwJ Vailandríi l* G *rd Knrnheim da ttrfião 
inglesu dc W A Pickard — Ca.mbritlgc
1983
E D ÍT O R ; V IC T O R C H IT A
Título original:
Tosrwí iTápicasl
Xótfiifnxol ÍX< yxot (Bôs Arfiumemai Saffaüfíttf
t ' Copyriftu dcuiiediçã». Abril S À . Cultural. 
S ju Paulo, 3978. - ? • edição, 1983.
Traduções puMiêadas »ub licença d;i Edtiura üMxi 5 A.. Fbfíú Alegre
ARISTÓTELES
»
VIDA E OBRA
José Américo Mattn !V«anli*
*
M
A tenas., 3b? ou 3bü a.C. Ao grande centro intelectual e artístico da Grécia no século IV a.C . chega um jovem de cerca de de zoito anos, proveniente da Macedônia. Como muitos outros, vem 
atraído pda intensa vida cullurai da cidade que lhe acenava com 
oponunidades para prosseguir seus estudos. Não era belo c para os 
padrões vigentes no mundo grego, príncipalmente na Atenas daquele 
tempu, apresentava características que poderíam diíicultar-lhe a car­
reira e a projeção social Em parlicular urna certa dificuldade cm pro­
nunciar corretamente as palavras deveria criar-lhe cmbumçus c mes­
mo complexos numa sociedade que, além de valorizar a beleza física 
e enaltecer os atletas, admirava a eloquência e deixava-se conduzir 
f>or oradores.
Naquela época duas grandes instituições educacionais disputa­
vam em Atenas a preierõnría dos jovens que, através dc estudos supe 
rrores, pretendiam se preparar para exercer com êxito suas prerrogati­
vas de cidadãos e ascender na vida publica. De um lado, Isôcrates. 
seguindo a trilha dos sofistas, propunha-se a desenvolver na educan­
do a are/ê política — ou veja, a "virtude' ou capacitação para lidar 
com os assuntos relativos A pôtis — transmitindo-lhe a arte rio "emitir 
Opiniões prováveis sobre coisas úteis". E, de fato, numa democracia 
como a ateniense, cujos destinos dependiam em grande parte da atua­
ção de oradores, a ane tle persuasão por meio da palavra manipulada 
com o brilho e n eficácia dos recursos rt-tóricos ora fator impréscindí 
vel para o desempenho de um papel relevante na odade-Estado. Ao 
conirárlo de Isôcrates, Platão ensinava que a base para a açao políti­
ca — como aliás para qualquer ação — deveria ser a investigação 
científica, de índole matemática. Na Academia, que fundara em 387 
a .C , mostrava n seus discípulos que a atividade humana, desde que 
pretendesse ser Correta e responsável, não podería ser norteada por 
valores instáveis, formulados segundo o relativrsmo e a diversidade 
das opiniões; requeria uma ciência (epistemei dos fundamentos da 
realidade na qual aquela ação está inserida. Por trás do inseguro uni­
verso das palavras — suienas à arte encantatóría e à prestidjfjitaçáo 
dos retóricos — o educando deveria ser levado, por via do socrático 
exame du significada das palavras, à contemplação, tio ápice da as- 
cençáo dialética, das essências estáveis e perenes núcleos de Signifi­
cação dos vocábulos porque razão de ser das próprias coisas, pa 
drôés para a conduta humana porque modelos de todos os existentes 
do mundo físico. Para além do plano da paIavra-cunvenção (nornos)
VIII ARISTÓTELES
dos sofistas e de Isócrates, Platão apontava um ideal de linguagem 
Construída em função das idéias, essa; justas medidas de significação 
e de realidade,
Diante das dois caminhos — O de Isócrates e o de Platão — o jo­
vem chegado da Macedônia não hesita: ingressa na Academia., embo­
ra a advertência da inscrição de que ali não devesse entrar "quem 
não soubesse geometria . Mas em 367 a.C. Platão não se encontrava 
em Atenas. Havia morrido Dionísto i, tirano de Siracusa, e Platão pa­
ra lá se dirigira, pela segunda vez, a chamado cie seu amigo Dion. O 
novo tirano. Dionísio II, talvez pudesse ser convencido a adotar uma 
linha política mais justo e condizente com os interesses gerais do 
mundo helênlco.
O iovom que viera da Macedônia ingressa, assim, numa Acade­
mia na qual a figura principal era, no momento, Eudoxo de Cnido, 
matemático e astrônomo que defendia uma ética baseada na noção 
de prazer. 5omente cerca de um ano depois é que Platão retorna, fati­
gado por mais uma frustrada experiência política na Sicílía. E talvez 
tenha sido o próprio Eudoxg quem lhe apresentou o novo aluno da 
Academia, o jovem da Macedônia de olhos pequenos porém revela­
dores de excepcional vivacidade: Aristóteles de Eslagito,
O preceplor de Alexandre
De puta raiz jõnlca, a família de Aristóteles estava tradirional- 
mente ligada á medicina e à casa reinante da Macodftnia. &eu pai, Ni- 
còmaco, era médico e amigo do rei Amintas II, pai tJe Filipe. Estagira, 
a cidade onde Aristóteles nasceu, em 384 a.C ., ficava na Calcídica e, 
apesar de estar situada distante de Atenas e em território sob a depen­
dência da Macedônia, era na verdade uma cidade grega, onde o gre­
go era a língua que se falava, A vida de Aristóteles e pode-se dizer 
que até certo ponto sus obra estará marcada por essa dupla vincu 
laçào: á cultura helênrca e à aventura política da Macedônia,
Ao ingressar na Academia platônica — que viría a frequentar du­
rante cerca de vinte anos — Aristóteles )ú trazia, como herança de 
seus antepassados, acentuado interesse pelas pesquisas biológicas. 
Ao maternalismo que dominava na Academia, eíe irá contrapor o es­
pírito de observação o a índole dnssificíitôria, típicas da Investigação 
naturalista, e que constituirão traços fundamentais de seu pensamen­
to.
Por outro lado, embora de raízes grega;, ele não era cidadão ate­
niense e eslava estritameme ligado à casa real da Macedônia. Essa 
condição de meteco — estrangeiro domiciliado numa cidade grega 
— explica que ele náo viesse a se tomar, como Platão, um pensador 
político preocupado com os destinos da póhs e com a reforma das ins­
tituições. Diante das questóe; políticas Aristóteles assumirá a atitude 
dohomem de estudo, que se isola da cidade em pesquisas especulati­
vas, tozendo da política um objeto dc erudição e não uma ocasião pa­
ra agir.
Em 347 a.C-, morrendo Platão, Aristóteles deixa Atenas e vai pa­
ra Assos, na Ásia Menor, onde Hémnias, antigo escravo e ex-integran­
te da Academia, havia se tomado o governante É possível que a esco­
lha de Espeusipo. sobrinho de Platão, para substituir o mestre na dire­
ção da Academia, tenha decepcionado Artístóteles; sua destacada
VIDA E OBRA IX
atuação naqueles vinte anos parecia apontá-lo como o mais apto a as­
sumir a Chefia. Três anos depois que Aristóteles havia se transferido 
para Assos, Hérmias loi assassinado, Deixou crttoo a cidade, levando 
em sua companhia Pífias, sobrinha do tirano morto, e que se tomou 
sua primeira esposa. Mais tarde, morrendo Pífias despa sara Herpílis, 
que lhe dará um filho, Nícômaco.
Saindo de Assos, Aristóteles permanece dois anos em Mitilenç. 
na ilha de Lesbos. F o momento cm que a Macedônia, garantida pelo 
poderio militar, começa a manifestar suas vaslas ambições políticas 
Filipe, em 343 a .C ., chama Aristóteles à corte de Rela e conrfia-lhe im­
portante missão: a do educar seu filho, Alexandre. Durante anos o fi­
lósofo encarrega-se dessa missão. É ainda preceptor de Alexandre 
quando, em 338 a .C . os rruicedômos derrotam os gregos em Quero- 
néia Chega ac* fim a autonomia das cidades-Estados que caracteriza­
ra a Grécia do período helêmco. A partir de então — dominada peto 
Macedônia, mais tarde por Roma a Grécia integrará amplos orga­
nismos políticos que diluirão suas fronteiras <? atenuarão as distinções 
culturais que tradicionalmeníe separavam os gregos de outros povos, 
sobretudo os "bárbaros" orientais
Em 336 a.C ., Filipe é assassinado c Alexandre sobe ao trono. Lo- 
gu em seguida prepara urna expedição ao Oriente, iniciando a cons­
trução de seu grande império. Nada mais justificava a permanência 
dc Aristóteles na corte de Pela. £ o momento de voltar a Atenas. Lá, 
próximo au templo rJedlcado a Apoio Liceano, abre uma escola, o Li­
ceu, que passou a rivalizar com a Academia, então dirigida por Xcnó- 
crates, Do hábito - aliás comum em escolas da época — que itrtham 
os estudantes de realizar seus debates enquanto passeavam, teria sur­
gido o termo peripãlitíços (que significa "os que passeiam") para de­
signar os discípulos de Aristóteles,
Ao contrário da Academia, voltada lundamentalmente para inves­
tigações matemáticas, o Liceu transformou-se num centro de estudos 
dedicados principal mente às ciências naturais. De terras distantes, 
conquistadas em suas expedições, Alexandre enviava ao ex-precepior 
exemplares da fauna e da flora que iam enriquecer as coleções do Li­
ceu Mas o biologismo era mais que uma perspectiva de escola: lor- 
nou-se marra central da própria visão científica e filosófica de Aristó­
teles, que transpôs para toda a Matureza categorias explicativas per­
tencentes origlnariamente ao domínio da vida, Em pariteutor, a noção 
de espécies lixas — sugerida peto observação do mundo vegetal e ani­
mal — exercerá decisiva influência sobre a física e a metafísica aristo- 
télicas, na medida em que se reflete na doutrina do movimento, ela- 
Lxirada por Aristóteles.
Apesar da estima que Alexandre parece ter devotado sempre a 
seu antigo mestre, uma barreira os distanciava; Aristóteles não concor­
dava com a fusão da civilização grega com a oriental. Segundo de, 
gregos e orientais eram naturezas distintas, com distinras potencialida­
des, e não deveríam coexistir sob o mesmo regime político. Aristóte­
les estava profundamente convencido de que o regime* político dos 
gregos era inseparável dc seu temperamento, sendo impossível trans­
feri-lo para outros povos, Estabelece nítida distinção entre a* popula­
ções "bárbaras e a /xif/s grega, somente esta sendo uma comunida­
de perfeita, pois a única a permitir ao homem uma vida verdadeira- 
mente boa segundo os princípros morais e a justiça.
X ARJ5TÚ PELES
Depois cfa morte de Alexandre, cm 3ÜS3 a .C , Aristóteles passou 
a ser hostilizado pela facção antinvarpdõnica, que o considerava poli 
ricamente suspeito. Acusado de impiedade, deixou Atenas e refugiou- 
se em Cálcis, r>a Eubéia. Aí morreu no ann de 322 a.C
O que restou da grande obra
A partir de declarações do próprio Aristóteles, sabe-se que ele 
realizou dois tipos de composições: as endereçadas ao grande publi­
co, redigidas em forma mais dialética do que demonstrativa, e os es­
critos ditos filosóficos ou científicos, que eram lições destinadas aos 
alunos do Liceu. Estas ultimas foram as únicas que se conservaram, 
embora constituam pequena parcela do total que c atribuído, desde a 
Antiguidade, a Aristóteles.
As obras exotóricas, destinadas à publicação, eram frequente­
mente diálogos, imitados dos de Platão. Delas restaram apenas frag­
mentos, conservados por diversos autores ou referidos em obras de es­
critores antigos. De dois desses diálogos, ambos escritos enquanto 
Platão ainda vivia, ficaram vestígios mais ponderáveis: do Eudemo — 
que, a semelhança do Fédon de Platão, tratava da Imortalidade da al­
ma — e de Profético, um elogio da vida contemplativa e um convite 
á filosofia. Prntótipcj de uma espécie de obra que se tornou muiro 
apreciada pelos antigos, esse diálogo füi mais tarde imitado por Cíce­
ro <106-43 a.C.I no seu HnrtenstUS — a obra que despertará a voca­
ção filosófica de Santo Agostinho (354-4301. Depois que deixou a 
Academia e durante o período em que esteve em Assos. Aristóteles ps- 
creveu o diálogo Sobre a Filosofia, no qual combate a teoria platôni­
ca das idéia*, particularmente a teoria dos números ideais, que carac­
terizara a ultima fase do platonbmo. Como o Timeu de Platão, o So­
bre a Filosofia apresenta uma concepção casmológica de cunho fina 
lista e teológico; mas. ao contrário do que propunha Platão, o univer­
so é ai explicado não à semelhança de uma obra de arte — resultado 
da ação de um divino artesão, o demiurgo — , e sim como um orga 
nismo que sc desenvolve graças a um dinamismo interior, um prirtCÍ- 
piú imanente que Aristóteles denomina “natureza’4 fphysis)
As obras de Aristóteles chamada* acroamáticas, ou seta, eompus- 
las para um auditório dc discípulos, apresentam-se sob a forma de pe­
quenos tratados, muitos dos quais reunidos sob um rftulo comum (co­
mo é o caso ria Física). A arrumação desses tratados cie modo a consti­
tuir as séries que integram o conjunto das obras de Aristóteles — o 
Corpus àrisiutelicum — , remonta á Andròmco de Rodes, que dirigiu 
a escola peripatética no século I a.C.
O conteúdo do Corpos aristateíicum apresenta uma distribuição 
sistemática:
Primeiro, os iratartos de lógica cujo conjunto reccbcu a denomi­
nação de Organcm já que para Aristóteles a lógica nao seria parte 
integrante da dê noa e da filosofia, mas apenas um instrumento iorg.i- 
nom que eia* utilizam em sua construção. O Organon inclui: as Cate­
gorias. que estudam os elementos dt> discurso os termos da lingua­
gem; Sobre a Interpretação, que trata do juízo e da proposição; os 
Analíticos iPrimoiros o Segundas), que se ocupam do raciocínio for 
mal (silogismo/ e a demonstração científica; os Tôptcos, que expõem
VIDA t t JBRA XI
um mélndo de argumentação geral, aplicável em todos 05 setores tan­
to rwb discussões práticas quanto no campo científico; Dos Argumen- 
tos Sofisticas, que complementam os Iépicos e investigam os tipos 
principais de argumentos capciosos.
Após o Organon, o Corpos aristotelicum apresenta obras dedica­
das ao estudo da Natureza Uma primeira série de tratados refere-se 
acj mundo físico, compreendendo: a Fteicu, que examina conceitos 
gerais relativos ao mundo tísico (natureza, movimento, infinito, va­
zio, lugar, tempo etc.); o Sobre o Céu (De Coelo) e o Sobre a Cora­
ção o u Corrupção (De Generaltonç et Curruptionel, estudos sobre o 
mundo sideral e u sublunar; finai mente rjs Meteorológicos, relativos 
aos fenômenos atmosféricos.
O Tratado da Alma (Dc Anita,i) abre a série de nbrjsreferentes 
ao mundo vivo sendo seguido de pequenos tratados sobre diferentes 
funções (a sensação, a memória, a respiração etc,) e geralmente co­
nhecidos sob a denominação latina posterior de Parvâ natural ia Mas 
da série relativa aos seres vivos a obra principal é a História dos Ani­
mais, contendo o registro de múltiplas c minuciosas observações,
A sequência rie obras dedicadas á filosofia teórica ou especulati­
va é encerrada por catorze livros sobre a filosofia primeira, ou seja, 
sobre os primeiros princípios e as primeiras causas de toda a realida­
de. Situadas após os tratados relativos ao mundo físico, esses tratados 
receberam a designação geral de Metafísica. Mas, já na própria Anti­
guidade tal denominação recebeu uma interpretação neoplatônita: 
aqueles livros abordariam questões referentes 3 um plano do realida­
de situado além do mundo físico.
Depois da filosofia teórica seguem-se, no Corpus arlsioieficum, 
as obras de filosofia pratica: a ética e a Política. Das várias versões 
existentes da éírca aristotéllca, a principal <• a ética .1 Nicômaco, as­
sim chamada porque o filho de Aristóteles foi quem primeiro a edi­
tou. Por sua vez, a Éliia a Eudemo (: hoje geral mente considerada co­
mo uma redação mais antiga da ética rie Aristóteles, editada por seu 
discípulo Eudemo de Rodes. );i ,» Grande Moral (Magna Mor.il 1,1 f seria 
um resumo da mesma Éticu, lento em época posterior.
A obra denominada Política ê r>a verdade um conjunto dc oito li­
vros que não apresentam eneadeaimcnto rigoroso. À Política segue-se 
u Retórica, qur se vincula, devido ao rema. á arte da argumentação 
ou dialética exposta nos Tôpkos (Organon), Por fim, o Córpus aristo- 
telicum apresenta a Poética, da qual restou apenas fragmento.
Além desses trabalhos considerados autênticos, o Corpus abran­
ge ainda alguns escritos que a critica revelou serem apócrifos, como 
o Sobre o Mundo (Dc Mundo), os Problemas, o Econômico e o Sobre 
Mc/isso, Xcnofanes e Górgias.
A verdade e a história
O Corpus aristotelicúfo apresenta 0 pensamento de Aristóteles 
com uma feição sistemática, como vasto conjunto enciclopédico no 
qual os mais diversos problemas são elucidados de forma aparente­
mente definitiva. As soluções propostas por outros pensadores são pre- 
viamenie analisadas e criticadas — e dessas criticas Aristóteles pane 
frequentemente para a formulação de suas próprias concepções. O ca­
XII ARtSTÓI LLL'.'
ráter sistemátiro que revestiu, desde a Antiguidade, o pensamento 
aristotéliíro, certa mentç contribuiu para que, sobretudo na Idade Mé­
dia, Aristóteles passasse a ser encarado como a grande auroridade em 
matérias filosóficas e científicas: era o filósofo, que ter ia construído 
uma doutrina de âmbito universal e de validade permanente, iniernpo- 
ral. Seus textos, por isso mesmo, mereceríam não propriamente com- 
plemenrações Ou correções, mas antes análises e comentários. Toda­
via aquele aspecto sistemático e a aparente fixidez foram reaprecia- 
dos por modernos historiadores da filosofia que — sobretudo a partir 
de Werner |aeger (1888-1961) — passaram a ressaltar a evolução in­
terna revelada pelas idéias de Aristóteles, mesmo em obras de finali­
dade fundamenta Imente didática (as acrcamâticas, que constituem, 
aliás, a quase totalidade das obras que foram preservadas).
Por outro lado, o apelo constante á evolução dos problemas, an­
tes de para des propor sua solução, confere a Aristóteles o título de 
primeiro historiador da filosofia. Na verdade, dele provém o primeiro 
esforço de explicação sistemática do desenvolvimento das idéias filo­
sóficas. Não apenas informações esparsas — como já haviam apareci­
do em escritos de outros filósofos, particularmente em Platão — , mas 
uma tentativa de encadeamento das diversas doutrinas anteriores, 
com base numa explicação dos próprios motivos que teriam levado 
os homens, desde fases pré-filosóficas, a elaborar Sucessivas e cada 
vez mais aprofundadas concepções. Mostrando a chave desse proces­
so, Aristóteles, por isso mesmo, apresenta-se como seu ponto termi­
nal: em sua obra, as u-ntativas do passado teriam atingido plena o sa­
tisfatória formulação, Em nome dessa verdade alcançada — a soa ver­
dade. a verdade de seu sistema filosófico — Aristóteles pretende en­
tão julgar as filosofias de seus predecessores, mostrando-lhes as falhas 
c os cquívOcos. O surgimento da história dá íiloboíiü está. desse rno- 
do. estreitamento vinculado ao ansfotelismo. já que à luz de suas dou­
trinas é que, pela primeira vez, foram relacionados e interpretados os 
primeiros filósofos.
Devido ao interesse do Liceu por assuntos histórico*;, mais tarde 
alguns seguidores de Aristóteles — continuando o trabalho iniciado 
pelo próprio mestre — coletarão textos e alusões ás doutrinas dos filó­
sofos mais antigos. Esse levantamento das opiniões dos primeiros pen­
sadores, chamado "doxograíift ', feito segundo prantos de vista urisio 
télicos, tornou-se uma das fontes principais para a recuperação das 
doutrinas dos pré-socráticos. Mas os historiadores modernos precisam 
realizar meticuloso esforço crítico para restabelecer o sentido Original
daquelas doutrinas, extraindo-o de sob interpretações aristotelizantes. 
Muitos desses historiadores insistem nas "deformações" sofridas pelas 
idéias dos outros filósofos quando reportadas c analisadas por Aristóte­
les e pelos doxógraíos aristotéliços Tal "deturpação" tem, porém 
um motivo fundamental: como em todas as histórias da filosofia que 
serão desde então produzidas, existe por trás da história da filosofia 
contida nas obras de Aristóteles uma fílosona que a predetermina. No 
C3*o de Aristóteles, essa filosofia é naturalmente o próprio aristotelis- 
nio, que construíra uma explicação particular do movimento, da 
transformação e, consequentemente, das mudanças históricas. Assim, 
sc- o aristotelismo formula uma verdade válida universal e intempnra!- 
mente — como Aristóteles parece acreditar— , é natural que essa ver­
dade supostamente absoluta seja utilizada para julgar a própria hisró-
VIDA E ܣtKA XIII
na dentro da qual teria sido gerada, justa mente porque ela se Conce­
bo como progressivamente preparada alravés do tempo (pelas "anteci­
pações'' dos pensadores precedentes}, e que,, ao ecfodir, rom preten­
são de plenitude e de validade mtemporal, volta se paru o passado e 
procura desvendar-lhe o sentido: a meta atingida pretende conter a ra­
zão de ser de todo o itinerário seguido pelas investigações humanas. 
Essa 3 causa fundamental de o arrstotelismo -'dfÍ5toteliz,ifr a história 
da cultura e. particularmente, a história da filosofia.
Mas há outros motivos que levam Aristóteles a partir sempre do 
passado e fazer a história dos problemas que investiga. E sáu motivos 
historicamente compreensíveis: Aristóteles procura alicerçar sua pró­
pria filosofia no consenso geral, no consensum gentium el temporum, 
ou seja, num suposlo acordo subjacente às opiniões das diversas pes­
soas nas diferentes épocas. Ele não pretende que suas idéias represen­
tem renovações absolutas, nem manifestem absoluta originalidade. 
Apresenta-as, ao contrário, como a formulação acabada de conceitos 
que a humanidade vinha progressiva e espontaneamente elaborando, 
desde fases anteriores às especulações teóricas. Aristóteles não quer 
que sua vls&o-de-mundo pareça paradoxal aos olhos do I)ornem co­
mum ou em ctmironto com a tradição — ao contrário do que preten­
dia, na época, uma filosofia como a dos Cínicos. Estes desenvolviam, 
a partir do socratismo, uma ética baseada nu ideal de retorno à naiu 
rçza autêntica do homem e, por isso mesmo, avessa às convenções, 
sociais. Aristóteles, porém, não faz filosofia para chocar a mentalida­
de corrente; seu propósito pares ia ser. antes, o de abolir o •'escânda­
lo filosófico", que ali mesmo, na Atenas onde abrira o liceu, jó rcsul 
tara em perseguição paro A na va goras e em morte para Sócrates Pas­
sada a rase do dramática penetração das Idéias filosóficas em Atenas 
— antes desenvolvidasCm terras da lõniu ou da Magna Créoa, por­
tanto nos extremos orientais e ocidentais do mundo hcicnico —► pare­
cia necessário mostrai que aquelas idéias nao sc* opunham funda men­
ta Imente ao senso comum, nem demoliam as tradições que serviam 
dc justificativa íl organização política ç social vigente. Essa parece ter 
sido uma das tareias centrais a que se propôs Aristóteles e daí o 
cuidado em legitimar -aja própria posição filosófica apelando pa.ni re­
motos anterendenlcs que, preparando-a, garantem-lhe o caráter de 
posição espontânea, natural, sensata tporv baseada no senso comum h 
A grande quantidade de citações de outros pensadores e a frequente 
utilização da tradição poética para corroborar suas leses filosóficas pa­
recem ser também indícios daquele cuidado. Do mesmo modo po~ 
der-se-ia explicar a importância que ele atribui aos provérbios: resu­
mos de nntiqüíssíma sabedoria e frutos da longa experiência da huma­
nidade, a des Aristóteles não pretende se Lontrápor. e sim preservá- 
los, desenvolvê-los e conduzi-los h plenitude, dando-lhes forma defi­
nida e fundamentos racionais. Toda a obra de Aristóteles está, pui is­
so mesmo, animada por forte senso de unidade do mundo da < ulturn 
e pelu historicismo drtado. em última instância, por suas concepções 
metafísicas.
Da dialética à lógica
Platão ensinava na Academia t» nos seus Diálogos que a u jiii
XfV ARISTÓTELES
preensão dos fenômenos que ocorrem no mundo físico depende de 
uma hipótese a existência de um plano superior da realidade, atirigí- 
do apenas pelo intelecto, e constituído de íorrms ou idéias, arquéti­
pos eternos dos quais a realidade concreta seria a cópia imperfeita e 
perecível, Através da dialética - feita dc sucessivas oposíções e su­
perposições de teses — seria possível ascender do mundo físico 
(apreendido pelos sentidos e objeto apenas de opiniões múltiplas e 
mutóvçisi ã contemplação dos modelos ideais (objetas da verdadeira 
ciência),
A dialética cra, todavia, uma construção marcada pda índole hi­
potética da matemática que inspirou o platonismo Tanto que, mais 
tarde, seguidores de Platão da fase chamada Nova Academia serão al­
guns rios principais representantes do ceticismo amigo. Novas e ad­
versas circunstâncias históricas — resultantes da perda da liberdade po­
lítica da Grécia — impedirão o otimismo que fizera Platão fundamen­
tar u conhecimento científico no Bem. Mo ápice da pirâmide de 
idéias, essa superessênda era o garantia ultima da certeza do conheci­
mento, transmutando em verdade o que fora inieialmmte uma tessitu­
ra de afirmações apenas prováveis, Mas desde que seja abolida a sus­
tentação do Conhecimento no Bem nào-hi patético, o platórtismo ira 
se revelar na formulação dós integrantes d.i Nova Academia, terreno 
propicio à frutificação de teses relativisJas è céticas.
Aristóteles justamente )á terin percebido que a diaíélica platônica 
sd se comprometia com a certeza em última instância o que confe­
ria ao plaionismy suo inquietação permanente e sua flexibilidade, dei­
xando-o, porém, sob a constante ameaça do rolativismo. O projeto 
aristotélico torna-se, então, o de forjar um instrumento mau» seguro 
para a constituição do ciência: o Orgâfion. Nele a dtdléiicd é reduzi­
da à condição de exercício mental que, não lidando com as própria*, 
coisas mas com av opiniões dos homens sobre as coisas, não pode 
dting.it a verdade, permanecendo no âmbito da probabilidade, Essa 
concepção da dialética como uma " ginástica do espirito", útil como 
fase preparatória para o conhecimento, mas incapaz de chegar ã cer­
teza sobre as coisas, justifica a concepção aristotélica da história e, 
em particular, da história da filosofia: a história — inserida no domí­
nio ria dialética — é útil e Indispensável na medida em que conduz á 
sua própria superação, quando o provável se transforma em certeza 
Ou quando as opiniões dos antecessores preparam z? dão lugar à ver­
dade que somente seria alcançada pelo pensamento urístotélico.
Para se atingir a certeza científica e construir um conjunto de co­
nhecimentos seguros, torna-se necessário, segundo Aristóteles, pos­
suir normas de pensamento que permitam demonstrações corretas t\ 
portanto, irngtorqufveis O estabelecimento dessas normas confere a 
Aristóteles o papel de criador ria lógica formal, entendida como a par 
te da lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do con- 
teúçlo dos pensamentos que esses raciocínios conjugam. Mas a lógica 
arisiotêlica nasce num meio de retóricos e de suns aqjumenladpms. 
Paz-se necessário, portanto, partir de uma análise da linguagem Cor­
rente, para identificar seus diferentes usos e, ao mesmo tempo,, enu­
merar os diversos sentidos atribuídos ás palavras empregada; nas dis 
cussões. Eis por que as Cütvgprid* abrem o Organon com pesquisas 
sobre dh palavras, procurando inclusive evitar os equívocos que resul­
tam da designação de coisas diferentes através do mesmo nome Iho-
VIDA E OBRA XV
nnônimol ou da mesma coisa por meio de diversas palavras (sinôni­
mos),
A teoria das proposições apresentada no Sobre a fntcqMVtação ba­
seia-se numa tçsç dc amplo alcance, pois realiza uma extraordinária 
simplificação no universo da linguagem: ioda proposição seria o 
enunciado de um juízo através do qual um predicado 6 atribuído a de­
terminado sujeito. A"r proposições podem então ser classificadas em 
universais ou particulares,, se o atributo é afirmado (ou negado) do su­
jeito como um todo (por exemplo: "Todos os homens são mortais |, 
ou se é afirmado (ou negado; de apenas parte do sujeito ("Alguns ho­
mens são gregos”).
Aristóteles estabelece ainda a distinção entre cinco tipos possí­
veis de atributos: u gênero, a espeoe. a diferença e o acidente n gê­
nero refere-se h classe mais ampla a que o suioito pode pertencer ("O 
homem 6 um anima/"); a diferença é que permite situar o sujeito rela­
tivamente às subdasses em que se divide o gênero C O homem é ani­
mal racionar'); jã a esptSçto constitui a síntese do gênero c da diferen­
ça ("O homem é animal rucioflut") O próprio e o acidente são atribu­
tos que nao fazem parte da essência do sujeito, pois não dizem o que 
ele é: todavia, n próprio guarda em relação aquela essência uma de­
pendência necessária ("A soma dos ângulos internos de um triângulo 
equivale a 1 HO1"'’), enquanto o acidente pode ou não pertencer ao su­
jeito, ligando-se a ele de modo contingente <? podendo scr afirmado 
de outros tipos dc sujeitos ('Este homem é magro” ).
Por que Sócrates é mortal
Aristóteles concorda com Platão ao considerar que só podo ha­
ver ciência do universal. Mas o conhecimento do universal e necessá­
rio implica a consciência das rnzòcs que tornam necessária uma deter­
minada afirmativa Essa necessidade torna-se evidente apenas quando 
se apresenta a explicação daquela asserção, isto ê. quando se mostra 
sua causa. O encadeamerito rigoroso do proposições, de modo a ex­
primir um raciocínio que prelunda concluir por uma afirmativa neces­
sária, é o que Aristóteles investiga nos Analíticos,
Platão, através do método da divfcSo, procurava chegar a defini­
ções. como exemplifica no diálogo Sofista, poder-se-ia obter .1 delmi- 
ção de uma espécie por sucessivas divisões do gênero em que ela esti­
ver contida Mas Aristóteles considera insuficiente esse procedimento 
platônico, pois as dicoromias sucessivas colocam opções sem determi­
nar necessariamente qual dos dors rumos deve ser tomado. Com sua 
doutrina do silogismo, Aristóteles pretende resolver os impasses cria­
dos peia simples dicütomta, apresentando um encadeamento que se­
gue uma direção mroercívcl, rumo à conclusão. Com efeito, o silogis­
mo seria um raciocínio no qual, determinadas corsas sendo afirma­
das, segue-se inevitavelmente outra afirmativa. Assim, partindo-se 
das premissas "Todos ns homens são mortais" o "Sócrates é homem" 
— conclui-se fatalmente que "Sócrates é morial". A conclusão resul­
ta da simples culucdção das premissas, nãu deixando margem a qual­
quer opção, mas rmpondo-secom absoluta necessidade.
Todo o mecanismo silogístico repousa no papel desempenhado 
pdu charnado termo mprltn ChomenrT, que fornece a razão do que
ARIilOTF! fs
é afirmado ha conclusão: porque -é homem, Sócrates é mortal. Esse
mecanismo funciona com rigor, indcpcndcniomente do conteúdo das
proposições em confronto. Isso significa, porém, que se pode aplicar 
o silogismo a proposições falsas, sem prejuízo para a perfeição formal 
do raciocínio ("Todos os homens são imortais; Sócrares é homem; lo­
go, Sócrates é imortal"). Mas a ciência náo pretende, segundo Aristó­
teles. ser dotada apenas de coerência interna: ela precisa ser construí­
da pelo perfeito encadeamento lógico de verdades. Assim, o silogis­
mo que equivale à demonstração científica deverá ser um raciocínio 
lormalmente rigoroso mas que parta de premissas verdadeiras. Des­
de que a demonstração baseia-sc em pressupostos que da mesmo 
não sustenta, o conhecimento demonstrativo passa a pressupor um co­
nhecimento não-demonstrativo, capaz de atingir, de modo não discur 
sivo mas imediato, verdades que constituem os princípios da ciência.
Para Aristóteles, os conhecimentos anteriores à demonstração se­
riam ou verdade* indemonstrávek os axiomas, que se impõem a 
qualquer sujeita pensante e que se aplicam a qualquer objeto dc co 
nheeimento (como o princípio de contradição, que afirma que toda 
proposição ou ê verdadeira OU é falsa), ou então seriam definições no­
minais que explicitam o significado dc determinado termo ("triângu­
lo". por exemplo) e que são utilizadas como reses, ja oue são simples­
mente postas como pontos dc partiría para uma demonstração. Os 
axiomas seriam comuns a todas as ciências, enquanto as definições 
nominais diriam respeito a setores particulares da investigação científica
Aristóteles considera que não basta â ciência ser internamente 
coerente: ela deve também ser ciência sobre a realidade. Desse mo­
do, náo é suficiente que ela parta de axiomas e teses, desenvolvendo- 
se dedutiva mente com rigor lógico. A definição nominal diz apenas o 
que uma coisa ó, mas não afirma que ela é, ou seja, que real mente 
exime. Afirmar a existência seria, assim, mais do que apresentar uma 
tese, explorar o significado de uma palavra: seria assumir uma hipóte­
se. Através de hipóteses, cada ciência afirma a existência de certos 
objetos o que náo pode ser feito por demonstrações, antes perma­
necendo na dependência de uma reflexão sobre o que existe enquan­
to apenas existo, sobre o "ser enquanto ser". A lógica, para náo ficar 
restrita ao domínio das palavras e para atingir a realidade das coisas 
- constituindo um instrumento para a ciência da real idade remo-
te, portanto, a especulações metafísicas. As definições buscadas pelo 
conhecimento científico não devem ser simples esclarecimentos so­
bre o significado das palavras, mas sim enunciar a constituição essç-n 
Ciai dos seres. Definir "homem'' como "animal racional" significa, 
para Aristóteles, mostrar um liame necessário que, no caso da espé­
cie "homem", liga determinado gênero {"animal"), o mais próximo
daquela espécie, á diferença esitei. ifica ("racional" I, Justamenie por­
que deve apresentar um elo essencial e necessário entre gênero e dife­
rença é que não pode haver, por exemplo, definição essencial de "ho­
mem branco", jâ que “branco" é acidente, ou sela, um atributo não-
essenci.il do "homem'' Pola mesma razão não pode haver definição 
essencial dos indivíduos; define-se "homem", mas não sc define "Só 
crates". Como qualquer indivíduo, "Sócrates" pode ser descrito minu­
ciosamente em seus caracteres peculiares — por isso mesmo não uni­
versais — , mas não pode ser jamais definido. O individual — Aristóte­
les concorda com Platão — não é objeto de ciência.
VIDA E 08RA XVII
Lógica e argumentação retórica
A tentativa de ultrapassar o caráter hipotético da dialética platôni- 
ca náo constitui toda a dimensão do empreendimento lógico de Aris­
tóteles. De fato. com Aristóteles tem início o esforço sistemático de 
exame da estrutura do pensamento enquanto capaz de forjar provas 
racionais. Mas a teoria da prova racional contida na si logística dos 
Analíticos — e que serviu de ponto de partida da longa tradição da ló- 
gica formal, que evoluiu até a atualidade — não representa o único 
aspecto importante da investigação aristotélica no domínio da lingua­
gem e da prova, Justamente porque nascida num ambiente cultural 
onde a eloquência desempenhava decisivo papel político, o universo 
lógico de Aristóteles ê liem mni1- amplo. Como autor dos Tópicos, de 
Dos Argumentos Sofá ticos e da Retórica, Aristóteles também é ponto 
de partida da corrente que investiga outro tipo de comprovação rario- 
nah a comprovação dn tipo argumentarivo Ou persuasivo. Essa corren­
te, retomada e desenvolvida no século XX sobretudo pela Nova Retó­
rica de ChaVm Peretman. volta-se para a linguagem corrente, infor­
mal. buscando descobrir os requisitos da persuasão. Procura estabele­
cer as condições de mais torça persuasiva de determinado argumen­
to. O que se pretende náo é obter uma conclusão necessária, rrretor- 
quível e universal (à semelhança do que pretende o silogismo perfei­
to), por mçio de urn raciocínio coagente e impessoal, mas obter ou 
fortalecer a adesão de alguém a uma tese que lhe ê proposta. Por is­
so, permanece-se no âmbito do discurso náo-íormaluado — c talvez 
nâo-fomializável — , do interxubjetivo porque do díaJógico, do cir­
cunstancial e portanto do histórico, do temporal
"O ser se diz cm vários sentidos"
A construção de definições científicas através do relacionamento 
entre gênero próximo c diferença específica pressupõe um meticulosa 
levantamento dos seres, om sua hierarquia c subdivisões. No caso 
dos seres vivos, Aristóteles e os integrantes do Liceu realizaram esse 
trabalho prévm de classificação sistemática, baseado em acuradas ob­
servações, Puderam verificar, então, que as diferentes espécies se
apresentam como variações de um mesmo tema, o gênero, Todos os 
tipos de passaros, por exemplo, revelariam uma estrutura básica co­
mum, que cada qual manifestaria diversameme,
Platão, movido pela índole matemática de seu sistema, conside­
rava os objetos particulares e concretos como cópias imperfeitas e 
transitórias de modelos incorpóreos eternos, as idéia*, tusuj, univer­
sais subsistiríam independentemente de seus reflexos passageiros e 
apenas aproximados. Aristóteles reieita a transcendência dos arquéti­
pos platônicos, considerando-os uma desnecessária duplicação da 
realidade sensível, Para ele, a única realidade ó esta constituída por 
seres singulares, concretos mutáveis A partir dessa realidade — isto 
é, a partir do conhecimento empírico — é que a ciência deve tentar 
estabelecer definições essenciais e atingir o universal, que é seu obje­
to próprio. Toda a teoria aristotélica cio conhecimento constitui, as­
sim, uma explicação de como o sujeito pode partir dr dados sensíveis 
que lhe mostram sempre o individual e o concreto, para chegar final­
XV! II AKf5T0TILLS
mente a formulações cientificas, que são verdadeíramente científicas 
na medida em que são necessárias e universais,
A repetição das observações dos casos particulares permitiría 
uma operação do intelecto, a indução, que justamente conduziría — 
num encaminhamento contrário ao da dedução — do particular ao 
universal. Q universal seria, portanto., o resultado de uma atividade 
intelectual: surge no intelecto sob a forma de u;;i conceito (o concei­
to "pássaro", por exemplo, que pode existir na mente humana como 
resultado final, por via indutiva, da observação de vários seres concre­
tos da mesma espécie: os pássaros de diversos tipos). Ao contráriu de 
Platão, Aristóteles não considera o universal como algo subsistente o, 
portanto, substanciai. Mas se p universal existe apenas no espirito hu­
mano. sob a forma de conceito, ele não é criação subjetiva: estaria 
fundamentado na estrutura mesma dos objetos que o sujeito conhece 
a partir da sensação. Os conceitosreproduziríam não as formas ou 
idéias transcendentes ao mundo fisteo, mas sim a estrutura inerente 
aos próprios objetos: a estrutura básica comum aos diferentes pássa 
ros existentes c que estaria expresso, universaltzadamente, no concei­
to pássaro''. Mas isso significa que os conceitos utilizados pelas di­
versas ciências estariam dependentes, em última instância, de uma in­
vestigação que fosse além dos respectivos t ampos dessas ciências e 
penetrasse na estrutura íntima dos seres enquanto simplesmente são 
As ciências voltadas para o mundo físico seriam, assim, justificadas 
pela especulação metafísica Esta t* que afinal poderia — como estu­
do do ser enquanto ser revelar aquela estrutura inerente a qualquer 
ser e a partir da qual o intelecto, usando os dados fornecidos pela sen­
sação, construiría conceitos. A metafísica seria, assim, a garantia de 
que os conceitos não são moras convenções do espírito humano e de 
que a lógica — o instrumento que permite a utilização cientifica des­
ses conceitos estaria fundamentada na realidade, sobre a qual da 
pode. então, legmmamcntc operar.
A metafísica aristolélica reformula a noção de ser. Es-só noção era 
interpretada por Parmênidcs e pelos seguidores da escola dvátlta de 
modo unfvoco: no seu poema Sobre o ser. Parmènides de Elóia (sécu­
lo VI a.C.) afirmava que "o que é — é o que é", concluindo que o 
ser era necessariamente úrtitu, pois a multiplicidade significaria a ad­
missão <ia existência do náo-scr, o que seria absurdo. Os atomistas 
{Leuçipo e Demócrito) quebraram essa unkldado do sèr clcático 
quando afirmaram que lanto era ser o corpõréo tos átomos) quanto o 
incorpóren (o vazio), Mas a solução atomista permanecia no plano da 
física e não atingira toda a dimensão da questão levantada pelo e!ca- 
tísmo. Platão retoma o problema e, na fase írnal de sua obra iparticu- 
larmentc no dialogo Sofista), considera n ser e o náo-spr rnmo dois 
dos gêneros supremos dentro da hierarquia das idéias, E o importante 
é que Platão renova a noção de náo-ser. entendendo-o não como um 
nada ou cnmn n vã?io: o não-ser seria o outro, A alterfoade que sem­
pre complementa o mesmo, a identidade. Cada existente surge assim 
como um jogo, em variadas proporções, do mesmo (o que e!c é) com 
o outrn lo que não é ele. os demais existentes).
Aristóteles não considera satisfatória a solução platônica, Para 
fundamentar u mentia do mundo lísicu — mundo múltiplo e mutável 
— seria prenso romper mais rundo com o eleatismo. (substitui, então, 
a concepção unívoca de ser, que o concebe de modo único e dbsolu-
VIDA E OBRA XIX
to — impedindo n çompreensãtj racional do movimento o dia multipli­
cidade — pela concepção analógica: o ser seria análogo, ísío é. dota­
do de díierentes sentidos Esses diversas acepções do ser poderíam 
secundo Aristóteles, ser classificadas, da maneira mais ampla, segun­
do várias categorias. Assim, qualquer termo que designa algo que é, 
designa qu uma substância (um ser) ou um acidente lum modo de 
ser); porém os modos de ser são várias e os acidentes podem signifi­
car uma quantidade, ou uma qualidade, ou uma relação (duplo, me­
nor, pai c filho), ou o onde, ou o quando, ou ainda uma posição (sen 
lado), ou um estado (vestidu, equipado), ou uma ação tescrever), ou 
então uma paixão (estar doente!.
A potência, o ato, o mrjvimentn
Desde o seu começo, no século VI a.C, a especulação filosófica 
grega ocupou-se do problema do movimento Enquanto Heráclitn de 
Éteso afirmava a mudança permanente de todas as coisas. Parmém- 
des apontava a contradição que existiría emre a noção cie ser e a no­
ção de movimento, Essa coniradiçáo Aristóteles pretende evitar atra­
vés da interpretação analógica da noção de ser, que lhe permite lazer 
uma distinção fundamentai: ser não é apenas o que |à existe, em ato; 
ser é também u que pode ser, a virtual idade, a potência Assim, sem 
contrariar qualquer princípio lógico, poder-sc-la compreender que 
uma substância apresentasse, num dado momento, certas característi­
cas. e noutra ocasião manifestasse características diferentes: se uma 
folha verde torna-se amarela é porque verde e amarelo sáo acidentes 
da substância folha (que ê sempre folha, independente de sua coloru- 
çáa). A qualidade "amarelo” é uma virtualirlade da folha, que num 
certo momento se atualiza. E essa passagem da potência ao ato é que 
constitui segundo <t teoria de Aristóteles, o movimento,
Mas Aristóteles não aceito a doutrina do transtormismo universal 
que, em pensadores pré-socrú ricos como Ànaximandro de Milcto ou 
Empédocles de Agrigenlo, apresentava, todo o universo coma anima­
do por uma transformação contínua, por um único fluxo que interliga­
va as várias espécies num mesmo processo evolutivo. Para Aristóteles 
o movimento existe circunscrito ás substância que. cada qual, atuuli 
za Suas respectivas tí limitadas potências; u movimento duiá enquan 
to dura a vinuahdadc do scc de cada ser dc cada natureza, cessando 
quando o ser expande suas potencialidades e se atualiza plenamonte. 
Em nome da noção de espécies fixas, Aristóteles se apresenta como 
adversário do evolucionismo.
Dentro da metafísica aristotóíica,, a doutrina de ato-poténcia 
acha-se esireítamonte vinculada a determinada concepção de causali­
dade. Para Aristóteles, causa (• tudo o que contribui para a realidade 
de um ser; é tanto a causa material (aquilo de que uma coisa é feita: 
o mármore dc que é feita a estátua), quanto a causa formal que defi­
ne o objeto, dislinguitído-o dos demais; estátua de homem, não de ca­
valo), como também a causa final ta idéia da estãsua, existente como 
projeto na mente do escultor, c que o fevou a talhar o bloco de már­
more põtü dele fazer uma estátua de homem), como ainda a causa efi­
ciente (o agente, no caso o escultor, aquele que faz o objeto, atuali­
zando potencialidades de determinada matéria) A causa formal está
XX ARI5TOTLLES
intimamente ligada è final, pois seria sempre em vista de um fim que 
os seres (naturais ou artefeitos) são criados e se transformam: a finali­
dade ê que determinaria o que os seres são ou vêm a ser, No proces­
so du conhecimento, a causa formal é separada, pelo intelecto, das 
características acidentais do objeto e passa a existir no sujeito, plena- 
mente atualizada e, portanto, universalizada, Ames existia no objeto 
concreto, particulaíizdddtnente. como uma estrutura que o identifica­
va (fazendo-o. por exemplo, uma ave e não um peixe), ao mesmo 
tempo que o assemelhava, apesar das peculiaridades individuais, aos 
demais seres da mesma espécie (tornando-o uma das aves existentes); 
depois de abstraída dos aspectos materiais e individuaüzantes (cor 
branca, bico fino, pescoço longo etc.), a forma passa a existir na men­
te do sujeito, como um conceito universal (não mais ave de determi­
nada tamíiia. mas simplesmente “ave").
Quer na natureza, quer na arte, Iodo movimento (tanto desloca­
mento quanto mudança qualitativa) constitui, para Aristóteles, a atua­
lização da potência de um ser que somente ocorre devido á atuação 
de um ser j.1 cm alo; o mármore transforma-se na esláíuts que d e po­
de ser graças á interferência do escultor, que fã possuía a idéia da es­
tátua Também na geração natural, a forma preexisie ao ser que é ge­
rado: a ser atualizado (o homem adulto, por exemplo) torna-se capaz 
de gerar um ser semelhante a e!e. Assim, as formas, entendidas rumo 
tipos de organização biológica, seriam imutáveis e inertadas, embora 
sempre inerentes aos indivíduos,
Como a intenção do escultor é que comanda a transformação do 
mármore em estátua, analogamente 6 sempre a causa final que rege 
os movimentos do universo. Cada ser atualizaria suas virtualidades de­
vido à ação de outro ser que, possuindo-as em afo. funciona como 
motor daquela transformação. Contrário à visão cvolucionista, fre- 
qiientexnos pré-socráticos, Aristóteles não admite que o mais possa 
vir do menos, que o superior provenha do inferior, quê a potência 
por si só conduza ao alo. Concebe, então, todo ouniverso como regi­
do pela finalidade e torna os vários movimentos (atualizações das vir­
tual idades de diferentes naturezas) interdependentes, sem iundi-los, 
todavia, na continuidade de um único fluxo universal. Havería uma 
ação encadeada e híerarquizada dos vários motores, o mais atualiza­
do movimentando o menos atualizado.
A imobilidade do primeiro motor
O conjunto du universo físico estaria dividido em duas regiões 
distintas: a Sublimar, constituiría pelos quatro olomontos bordado* da 
cosmologra de Empédocles — a água, o ar, a terra e o fogo — e carac­
terizada por movimentos rettlmeos e descontínuos; e a supratunar, 
constituída por uma "quinta essência", o éter. e caracterizada por 
movimentos circulares e contínuos. Cada um dos elementos do mun­
do sublunar tena seu "lugar natural ' e, forçado a abandoná-lo sob a 
ação de um agente, executa um "movimento violento", que cessa ao 
cessar a interferência daquele motor; retirado da lugar que, por sua 
natureza, lhe está reservado, o corpo tende a voltar a seu lugar natu­
ral (jogada para o alto — movimento violento — a pedra tende "natu- 
ralmenie" a cair, cessado o efeito da força que a impulsionou).
VIDA E OBRA XXI
Como já afirmavam os piragóncos, o mundo supralunar estaria 
constituído por uma sucessão de esferas, cada qual movimentando-se 
em função da esfera ímediatamenie superior, que atua como motor 
Essa sucessão de motorrs-móveis terminaria — já que o universo se­
ria finito — num primeiro motor, este imóvel (para SOr o primeiro), o 
que Aristóteles chama de Deus. Ato puro, pois do contrário SC move­
ría. o Deus aristotéiico paira acima do universo, movendo-o como 
causa final: "como o amado atrai o amante". Não cria o universo* 
que é eterno, nem sequer o conhece: conhecer algo fora de si impli­
caria atualização de uma potência e, portanto, imperfeição e incom- 
pletitude Incorpõreo, pura forma — a matéria é a sede das potências 
esse primeiro motor imóvel existiría como pensamento autocon- 
templativo: como "um pensamento que se pensa a si mesmo"
As relações metafísicas maténa-íorma, potêncía-ato comandam a 
explicação aristolélica do homem. Assim, o objetivo primordial da in­
vestigação ética seria o dc descobrir a causa verdadeira da existência
humana. Num universo regido pela finalidade, àquela causa é vista, 
por Aristóteles, como a procura do bem ou da felicidade, que a alma 
alcançaria apenas quando exercesse atividades que permitissem sua 
plena realização.
A noção biológica de espécies fixas, que serve de sugpstão a dou- 
Irirta metafísica das diferentes naturezas que se movem circunscritas 
às suas potencialidades, reflete-se na concepção aristolélica da alma 
e, em decorrência, nas idéias políticas. Nesse sentido, espírito conser­
vador, Aristóteles justifica e defende, por exempla, a escravidão. Do 
mesmo modo que o universo ífsico estaria constituído por uma hierar­
quia Inalterável, segundo a qual cada ser ocupa, definilivamente, um 
lugar que lhe seria destinado poU Natureza te do qual d c só sc afasta 
provisoriamente através de movimentos violentos), assim também o 
escravo terin seu lugar natural na condição de “ferramenta animada" 
Aristóteles chega mesmo a afirmar que o escravo 6 escravo porque 
tem alma de escravo, ú essencial mente escravo, sendo destituído por 
completo de alma noética, a parto da alma capaz do fazer ciência e fi­
losofia e que desvenda o sentido e u finalidade última das coisas.
Cionulogia
367 a .C — Platão funda a Academia em Atenas.
384 a.C. — Nasce ArislótdéS em H&ggira, na CaJt/dM, região dependente 
da MacíHÍônia
367/66 a.C. - Aristútehs chega a Arenas c* ingressa na Academia platônica. 
359 a.C — Filipe »niç»a seu governo rw MacediVrna e, logo ern seguida, in­
vade a Grécia
356 a.C- — fcrrt Pela, capiial da Macedónla, nasce Alexandre, filho de Fili­
pe.
347 a .C . .VtfirSe rtp Pt.it.in , A ristó te les de ixa Arenas
347/44 a.C. — A ristó te le s perm anece cm A ssa s, na co rte d c tirano Jdérm ias,
ex-íniegiãntedà Awttemw,
344 aX. — Hérmias é assassinado. Arisuaeles deixa asso».
344/43 a.C. — Permanência em Mitiiefíe.
XXII ARISTÓTELES
343 aX- — A chamado de fihpc, Arístóièlúà vai para PeJj v tom. 1*50 pnxcp- 
tor do sovem Ak^ndre.
33» a.C. — Os maçeç&niOS derrotam cs gregos em Queronéra.
336 aX. — Filipe é assassinado £■ Alexandre ascende an trono da Maccdó-
nia.
335 a.C. — Aristóteles retomara Atenas, onde funda o Liceu.
334 a.C. — Alexandre desembarca na Ásia Menor.
333 a.C — Alexandre vence em Isso. na filiíia , e entra na Fènrcia.
332 a.C. — Alexanrfrp cerca e conquista Tiro. depois o Egito.
326‘2S a*C* Incurso dr Alexandre alv as margens do Indo.
323 a,C, — Alexandre moine na Babilônia,
322 a.C, — AnMtçtt# morre em Càlcis. na Eubém Hha ao mar E#e,u.
Bíbfiografi^
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Smilh e W D Ro$S fThe Wôrk at Anstotle), Oxford 1908-1431; em francís, 
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Pissanhx J. A.: AristaiBlismo r Hmmriaduin (Botèilm de História da Faculda­
de Nacional rJo Filosofia; ano V, n," 7); Rio de Janeiro. T%3 
PkiIíiamn. Chaim- Traítt' de i'Argumentation, Prcrs-ik-s Univcr>Haires <k* Frcmcc,
Paris,
TOPICOS
I raduçio tk Leonel Vallundro «.• ütard Bornhçim
LIVRO I
1
rs Nosso lratado se propõe encontrar 
um método dc investigação graças ao 
qual possamos raciocinar, partindo dc 
.-o opiniões geralmenic aceitas, sobre 
qualquer problema que nos seja pro­
posto. c sejamos também capazes, 
quando replicamos a um argumento, 
dc evitar dizer alguma coisa que nos 
cause embaraços. Em primeiro lugar, 
pois, devemos e x p lic a r o que c o rycio
cinto e quais são as suas variedades, a 
fim dc entender o raciocínio dialéiico: 
pois tuJ é o objeto dc nossa pesquisa no 
tratado que lentos dianLc de nós.
O ra . o raciocínio c um argumento 
em que. estabelecidas certas coisas, ou 
tras coisas diferentes se deduzem ne­
cessariamente d;ts primeiras. <a) O 
raciocínio é uma “ demonstração’* 
quando as premissas dii> quais parte 
são verdadeiras e primeiras, cm quando
o conhecimento que delas temos pro 
vêm originariamente de premissas pri 
rneiras e verdadeiras: c. por outro ludi» 
w <b), o raciocínio é "dialético” quando 
parte dc ppimões gcralmente aceitas, 
m.i ■ São "verdadeiras” e “primeiras” aque­
las coisas- nas quais acreditamos em 
virtude de nenhuma mura coisa que
não seja elas próprias; pois. no loeam c 
nos primeiro- princípios da ciência, è
descabido buscar mais além o porquê c 
«» as raz õ e s dos mesmos; cada um do s 
primeiros princípios deve impor a çon 
vieçào da sua verdade em i mesmo e
por si mesmo. São, por outro lado, opi­
niões “ geralmente aceitas” aquelas que
todo mundo admite, ou a maioria das
pessoas, ou os filósofos — em outras 
palavras: todos, ou a maioria, ou os 
mais notáveis c eminentes.
O raciocínio (c) é “contencioso" ou 
“cristico” quando parte de opiniões 
que p arecem ser geralmcnLc aceitas, 
mas não o são realmenie. ou. então, se 
apenas parcçc raciocinar a partir dc 
opiniões que são ou parecem ser geral 
mente aceitas. Pois nem toda opinião 
que parece ser geraimente aceita o é na 
realidade. Com efeito, cm nenhuma 
das opiniões que chamamos geral 
menteaceitas, a ilusão é elaramentc 
visível, conto acontece um i os primei 
pios dos argumentos contenciosos, nos 
quais a natureza da falácia c dc uma 
evidência imediata, e em geral atê 
mesmo pary, as pessoas de pouco 
entendimento. Assim. pois. dos argu 
mentos cristieos que mencionamos, os 
primeiros merecem rcalmerue ser cha­
mado# “ raciocínios". rtms aos segun 
dos devemos reservar o nome de
“raciocínios cristicos’’ ou “ coriLcncío
sos'*, c não Minplcsmcnie “ çacioci- 
nios". visto que parecem raciocinar, 
mass na realidade não o fazem.
Mais. ainda (i/): atem de iodos os 
raciocínios que mencionuinos existem 
4>s paralogismos ou falsos raciocínios, 
que partem de premissas pccuhures ás 
ciências especiais, como acontece, por 
exemplo, na geometria c em suas cicn 
cias irmãs. Com efeito, esta forma de
raciocínio parece diferir das que indi­
camos acima; o homem que traça uma 
figura falsa raciocina a partir de coisas 
que nem são primeiras e verdadeiras.
?!
iüi ..
i
ARISTÓTELESf>
m nem taxnpouca geralmente aceitas. 
Com efeito, o modo de proceder desse 
homem não se ajusta à definição; ele 
não pressupõe opiniões que sejam 
admitidas por iodos, ou pda maioria, 
ou pelos filósofos — isto é. por Iodos, 
pela maiuriu ou pelos mais eminentes 
— . mas conduz o seu raciocínio com 
base em pressupostos que. embora 
apropriados a ciência em causa, nâo 
m suo verdadeiros; c seu paralottísmo sc 
fundamenta ou numa falsa descrição 
dos semicírculos, ou no traçado erro 
neo de certas linhas.
Depois tio que prcccde. devemos 
dizer para quantos c quais fins ç útil 
este tratado. Esses fiir. são três: o ades
tramcrttu du intelecto. as disputas 
casuais c as ciências filosóficas. Que 
d c c últl corno forma de exercício ou 
adestramento, é evidente à primeira 
vista. A posse dc um plano dc investi 
vt gaçào nos capacitará para argumentar 
mais facilmente sobre o terna proposto. 
Para as conversações e disputas ca 
suuis. é útil porque, depois de Ituver 
mos considerado as opiniões defendi 
das pela rnaioriu dus pessoas, nós as 
enfrentaremos não nos apoiando em 
convicções alheias, mas nas delas pró 
pnas, e abalando as bases de qualquer 
argumento que nos pareça mal forma 
lado. Pura o estudo das ciências filosó- 
íi ficas é útil porque a capacidade de sus
Estaremos em plena posse da manei­
ra como devemos proceder quando nos 
encontrarmos numa posição seme­
lhante à que ocupamos face à retórica, 
ã medicina e outras ciências ou artes 
desse tipo: refiro-me ã capacidade de 
fazer o que nos pi opomos mediante o
O que precede deve entendcr-sc 
como uma visão sinóptica das espécies 
de raciocínio. De um modo geral, tamo 
no que se refere às que já discutimos
COfUO às que discutiremos mais tarde, 
podemos dizer que as distinções já fcí :n 
Las eu ire elas serão suficientes, pois 
não é nosso propósito dar a definição 
exata dc cada uma delas. Desejamos 
apenas descreve Ias em linhas gerais, e 
cremos que, do ponto de vista do nosso 
método de investigação, basta que poç 
sainos reconhecer de algum modo cada
uma delas.
citar dificuldades significativas sobre 
ambas as laces de um assunto nos per­
mitirá detectar mais facilmente a ver 
dade e o erro nos diversos pontos e 
questões que surgirem. Tem ainda uci 
1 idade cm relação às bases últimas dos 
princípios usados nas diversas cicn
uas. pois e completamenic impossível
discuti los a partir dos princípios peeu 
liares à eicticia particular que temos 
diante de nos, visto que os princípios
são anteriores a tudo mais: é à luz das .... .
opiniões geralmente aceitas sobre as 
questões particulares que des devem 
ser discutidos, e essa tarefa compete 
propriamente, ou mois apropriada 
mente, á dialética, pois esta è um prt> 
cesso de critica onde se encontra o 
caminho que conduz aos princípios de 
todas as investigações.
uso dos materiais disponíveis, Pois o 
retórico rtao lançara mào de qualquer 
método para persuadir, nem o médico 
para curar; entretanto, se não omite 
nenhum dos me.k»> disponíveis, dire­
mos que o seu domínio da ciência e m 
adequa do.
T Ó P IC O S I 7
Em primeira lugar. pois. devemos
ver d e q u e p a rte s ctinsLa a m issa inves
ligação. Se empreendéssemos io) a 
respeito dc quantas coisas c que espê 
cie de coisas se argumenta, e de que 
materiais partem as argumentações- e 
(/;) dc que maneira poderemos estar 
bem supridos desses materiais, tería- 
mos alcançado sufjCicnlcmeme a nossa 
meta.
Pois bem: os materiais de que par­
tem os argumentos sào iguais em mi- 
u mero e idênticos aos temas sobre os 
quais versam os raciocínios. Com efei­
to, OS argumentos partem de “ proposi 
çóes". enquanto os temas sobre os 
quais versam os raciocínios são “ pro­
blemas". Ora. ioda proposição e todo 
problema indicam ou um gênero, ou 
uma peculiaridade, ou um acidente 
já que também a diferença, aplicando 
se como se aplica a uma classe (ou gê­
nero). deve ser equiparada aqui a<» cê 
ncro. Entretanto, como daquilo que c 
peculiar íi uma coisa qualquer uma 
parte significa ;t sua essência c outra 
m parte não, varrtos dividir o “peculiar" 
uns duas partes mencionadas e chamar 
“definição" x que indica a essência, c 
quanto ao restante adotaremos a icrmi 
nologia geralmenie usada ts respeito
dessas coisas, referindo-nos a cie como 
uma “propriedade" 0 que acabamos 
dc dizer torna pois claro que. de acor­
do com nossa presente divisão, os ele­
mentos são quatro ao todo. a saber: 
definição, propriedade, gênero c aci 
dente.
Nâo se suponha que com isto quei 
ramos dizer que cada um desses ele­
mentos enunciado isoladamente ccns 
Li Uia por si mesmo uma propusiçâo uu 
um problema, mas apenas que é deles 
que sc formam tanto os problemas 
como as proposições. A diferença 
entre'um problema c uma proposição é 
uma dtferença na construção da frase. 
Porque, se nc>s expressarmos assim: 
“ 'um animal que caminha com dois 
pés* ê ã definição do homem, não é?’\ 
ou: “ anim ar é o gênero do homem, 
não é ? ’\ o resultado é uma proposição; 
mas se dissermos; "é 'animal que 
caminha com dois pés’ a definição do 
homem ou não c T \ ou: “è ‘animal’ o 
seu gênero ou não’]’', o resultado é um 
problema. I* tio mesmo modo cm todos 
os outros casos. Natural mente. poir.. os 
prublcma-s e proposições são iguais em 
número, pois dc cada proposição pode­
remos fazer urn problema sc mudar 
mos a estruturada frase.
Devemos dizer agora u que sejam 
“definição", “■propriedade", “ gênero" e 
"acidente". Uma definição é uma frase 
que significa a essência de uma coisa. 
Aprcscma sc ou sob u forma de urna 
ui?, frase cm lugar de um termo, ou de uma
frase em lugar dc ouira frase; pois às 
vez.es lamhém ê possível detinir o 
significado de uma frase- Aqueles cuja 
explicação consiste apenas num termo.
por mais que façam, não conseguem 
dar a definição da coisa em apreço, 
porque uma definição é sempre um 
certo tipo de frase. Podc-sc, contudo, 
apliour o qualiíieafivu "dcrimLÓriu” a 
uma observação como “o "decoroso" é 
*bè!o'", bem assim como a pergunta; 
“são a mesma coisa ou coisas distintas 
o conhecimento e a sensação?", pois 
os debates a respeito de definições se
* A R IS T Ó T E L E S
ocupam as mais das vezes com ques 
tòes de identidade e diferença. Em 
suma. podemos chamar “definitório" 
tudo aquilo que pertença ao mesmo 
ramo dc pesquisa que as definições: c 
tn que todos os exemplos mencionados 
acima possuem esse caráter 0 evidente 
á primeira vista. Porque, se estamos 
em condições dc afirmar que duas coi 
sas são idênticas ou diferentes, esta­
mos munidos, pela mesma forma dc 
argumento, de linhas dc ataque no que 
se refere ás suas definições: com efeito, 
quando houvermos mostrado que elas 
não sâo idênticas, teremos demolido a 
definição. Note-se, porém, que o con 
trário desta última afirmação nao c vá 
<• lido. porquanto mostrar que as coisas 
sim idênticas não basta para estabe 
lecci uma definição. Demonstrar. |Xir 
ouiro lado. que não são idênticas é 
suficiente para lançá la por terra.
Um a "propriedade"' é um predicadoque não indica a essência dc uma 
coisa, c todavia pertence exclusiva 
mcnic a ela c dela sc predica dc manci 
rn conversível. Assim. é uma propric- 
m dridc do homem o ser capa/, de 
aprender gramática: porque- se A é um
homem, é capaz dc aprender grumã- 
ticti, c. sc é capaz dc aprender firamn 
tica, é um homem. Com efeito, nin 
guém chama de “ propriedade" uma
coisa que pode pertencer a algo dife­
rente, por exemplo, o “ sono" no caso 
do homem, ainda que. em dado mo 
mento, $6 sc possa predicar dclc. Quer 
dizer, se a alguma coisa desse tipo se 
chamas.se atualmente “ propriedade", 
ela não receberia tal nome em sentido 
absoluto, mas como uma propriedade 
“ temporária" ou “ relativa", pois "estar 
ao lado direito" é uma propriedade 
temporária, enquanto "bípede" é, em 
suma. atribuído como propriedade cm 
certas relações: constitui. por exemplo, 
uma propriedade do homem em rela 
ção a um cavalo ou a um cão. É evi­
dente que nada que possa pertencer a 
alguma outra coisa que não seja A ê 
uni predicado conversível de A . pois 
do fato de alguma coisa estar adorme 
cida não se segue necessariamente que in 
seja um homem.
Um “ gênero’* è aquilo que sç predi­
ca. na categoria de essência, dc várias 
coisas que aprcsenLam diferenças espe­
cíficas, Devemos Lratar como predica 
dos na categoria de essencía todas 
aquelas coisas que seria apropriado 
mencionar em resposta à pergunta:
“ que ê o objeto que tens diante de ti? ’*.
como por exemplo, no caso do homem, 
sc nos fizessem t.íil pergunta, seria •> 
apropriado dizer "é um animal” . A 
pergunta: “ uma coisa pertence ao 
mesmo gênero que outra ou a um gene 
ro diferente?'’ Lambem c uma pergunta
“genérica", pois uma questão desse 
tipo também sc inclui no mesmo ramo 
de investigação que o gênero: com efei­
to. ao afirmar que “ anim ar’ c o gênero 
do homem assim como do boi. teremos 
afirmado que eles pertencem ao 
mesmo gênero; e sc mostrarmos, ao 
contrário, que é o gênero de um, porem iw« 
não do outro, teremos afirmado que 
essas coisas não pertencem ao mesmo 
gênero.
Um “ acidente” é Q ) alguma coisa 
que. nào sendo nada do que precede 
lsui é. nem uma definição, nem uma - 
propriedade, nem um gênero — , per- 
icnce. no entanto, à coisa: (2) algo que
pode pertencer ou não pertencer :t al 
gumn coisa, sem que por isso a coisa 
deixe dc sei ela mesrna. conto, por 
exemplo, a “posição sentada" pode 
pertencer ou deixar de pertencer a uma 
coisa idêntica a si mesma. E do mesmo
modo a "brancura” , pois nada impede 
que uma mesma coisa seja branca em 
dado momento c em outro momento
não o seja. Das definições de acidente, m 
a segunda ê a melhor, pois todo aquele
TÓPICOS I
que adotar a primeira deverá saber dc 
antemão, a fim de compreendê-la. o 
que sejam 'definição” , "gênero” e 
“ propriedade", ao passo que a segunda 
c por si mesma suficienLc para nos íns 
iruir sobre o significado essencial do 
n termo em questão. Ã classe dc "aci 
dente” devem ser também referidas 
todas as comparações de coisas entre 
si. quando expressas nunta linguagem 
que, de um modo qualquer, diga rc-s 
peito ao que "sucede" ser verdadeiro 
delas. como. por exemplo, a pergunta: 
“é preferível o honroso ou o vantajo­
so?”. ou “ é mais agradável a vida vir 
cuosa ou a vida dos prazeres?” , c qual­
quer ouLro problema que seja 
formulado em termos semelhantes.
Pois em todos esses casos a questão é:
"a qual dos dois sucede que o predl .v 
cado cm apreço se aplique mais estrei 
tameme?” É evidente, desde logo, que 
nada impede que um acidcnic venha a 
ser uma propriedade temporária ou 
relativa. Assim , a posição sentada é 
um acidente, mas será uma proprie 
d ade temporária sempre que um 
homem seja a única pessoa sentada: e. 
embora ele não seja o único que esteja 
sentado, é ainda assim uma proprie 
dade rdativamenic aos que não estão. 
Nada impede, por conseguinte, que um 
acidente se torne uma propriedade
tanto relativa como temporária: porém 
jam ais será uma propriedade no senti 
do absoluto.
Não deve escapar ã nossa atenção 
que todas as observações críticas que 
sc fizerem sobre uma "propriedade” 
“ gênero'* ou “ acidente" serão também 
aplicáveis ás “definições". Pois. quan 
do houvermos mostrado que o atributo 
cm apreço nào pertence unicamente ao 
<’/ termo definido, e do mesmo modo se se 
tratar dc uma propriedade, uu que o 
gênero indicado na definição não é o 
verdadeiro gênero, ou ainda que algu 
ma das coisas mencionadas na frase 
nào lhe pertencem, como também 
observaríamos no caso de um acidente, 
teremos demolido a definição; de
modo que. para usar a expressão 
empregada unteriormente1. todos os 
• pontos que enumeramos poderíam, em 
certo sentido, ser chamados "definho 
rios” . Mas nem por isso devemos espe 
rar encontrar um método único de
' l f l2 rV (N . i lL-W A . b l
investigação que se aplique a todos 
eles: pois nào é coisa fácil de encon 
trar. e, mesmo que o encontrássemos, 
seria algo extremameme obscuro e dc 
pouca utilidade para o tratado que 
temos diante dc nós. Devemos, pelo 
contrário, traçar um plano especial de 
investigação pura cada uma das chis 
scs que distinguimus. e então, firmados 
nas regras apropriadas a cudu caso, 
será provavelmente mais fácil dar «h . 
conta da tarefa que nos propusemos. E 
assim, como dissemos atrás-1, devemos
esboçar uma divisão do nosso assunto 
e relegar outras questões ao ramo par 
ticular que mais naturalrnemc corres 
ponda a cada uma dcliis, iraiando as 
como questões "defini[«rias” ou “ gená 
ricas". As questões a que mc refiro já 
foram praticamerue classificadas em 
seus diferentes ramos.
; !«l a 22. ÍN .aeW A P.)
10 \ | [ IS T O 1 H l-S
Em primeiro lugar, devemos definir 
os diversos sentidos da palavra “ identi­
dade". A identidade se podería consi­
derar de maneira geral, e falando 
sumariam ente. como incluída cm três 
divjsões. Em geral, aplicamos o termo 
ou em sentido numérico, ou especifico, 
ou genérico — numericamente, nos 
casos cm que há mais de um nome. 
><t mas uma coisa só, como “manto" e 
“capa": específicamente. quando há 
mais de uma coisa, mas estas não apre­
sentam diferenças no tocante à sua 
espécie, como um homem c outro 
homem, ou um cavalo e outro cavalo, 
pois coisas assim pertencem à mesma 
classe, c delas sc diz que são “ especifi 
eamente idênticas". E . do mesmo 
modo. chamam-sc genericamente idên­
ticas aquelas coisas que pertencem ao 
mesmo gênero, como um cavalo c um 
homem.
Podería parecer que o sentido em 
que a água proveniente da mesma 
o fome sc chama “ a mesma água” difere 
de certo modo c se afasta dos sentidos 
que mencionamos acim a: mas. em rea 
Iidade, um caso como esse deveria ser 
incluído na mesma classe com aquelas 
coisas que, de um modo ou de outra, 
são chamadas “ idênticas;*' em virtude
dc uma unidade de espécie. Todas 
essas coisas, com efeito, sc asseme 
lham entre si como .se fossem membros 
.’o da mesma família. E a razão pela qual 
se diz que toda água é especificarrtcmc 
idêntica a qualquer outra água é uma 
certa semelhança que existe entre as 
duas, c a única diferença no caso da 
água proveniente da mesma fonte é que 
aqui a semelhança é mais pronun­
ciada: por isso mesmo não a rfistin 
grumos das coisas que. de um modo ou 
de outro, são chamadas idênticas deví 
do à unidade de espécie.
Supõe-se geral mente que o termo “ o 
mesmo" se emprega sobretudo, num 
sentido aceito por tüdo mundo, quando 
aplicado ao que é numericamente uno. 
Mas. mesmu assim, pode ser empre- .*> 
gado em mais de um sentido: vamos 
encontrar seu uso mais literal c pn 
meiro sempre que a identidade diz res 
peito a um nome ou definição duplos, 
como quando sc diz que um mamo é o 
mesmo que uma capa. ou que um ani 
mal que anda com dois pés é a mesma 
coisa que um homem; um segundo sen 
tido é aquele que sc refere a uma 
propriedade. COmO quando se diz que 
aquilo que c capaz de adquirir conhecí 
mento c o mesmo que um homem, e 
aquilo que naturalmcntç sc move para 
cima é o mesmo que o fogo; c ertcon 
tramos ainda um terceirosentido do
termo quando diz respeito a um aci 
dente, como quando sc diz. que aquele V/ 
que está sentado ou que é músico c o 
mesmo que Sócrates. Todos estes usos. 
com efeito, significam identidade nu 
mcrica.
A verdade do que acabo de dizer 
pode ver se mais claramemc quando 
uma forma dc apelação é substituída
por outra. Muitas vezes, com efeito, 
quando damos ordem de chamar uma 
das pessoas que estão sentadas, desig­
nando-a pelo seu nome. mudamos de
descrição sempre que aquele a quem >,r 
damos a ordem não nos entende; pare 
ce nos que ele nus compreenderá me­
lhor se indicarmos a pessoa por algum
aspecto acidental, c assim mandamn-lo 
chamar “o homem que está sentado’’, 
ou “ aquele que está conversando aíi” 
na suposição evidente de que esta 
mos designando o mesmo indivíduo 
pelo seu nume c pelo seu acidente.
8
TÓPICOS — i 11
m i, Ê preciso, pois. distinguir, como já
se disse3, três scnúdos da pahivra
“ identidade". Ora, uma das maneiras
de confirmar que os elementos mencio 
nados acima sào aqueles a partir do-, 
quais, por meio dos quais e paru os 
quais procedem os arrumemos ê por 
indução: porque, sc alguém exami­
nasse as proposições e os problemas 
j um por um. veria que cada um deles 
parte ou da definição dc alguma coisa, 
uu dc uma propriedade sua. ou do seu 
gênero, ou de um seu acidente. Outra 
maneira dc confirmá-lo é pelo raciocí 
n io. Com efeito, lodo predicado dc uns 
sujeito deve necessariamente ser ou
não ser conversível com ele: c, se é 
tu conversível, será a sua definição ou
UU a 7 . ík d c W , A.P.)
uma propriedade-sua. porque, se signi­
fica a essência, c a definição; do
contrário, é uma propriedade, pois foi 
assim que definimos a propriedade, a 
saber; o que se predica dc maneira 
conversível, porém não significa a 
essência. Se. por outro lado. não sc 
predica da coisa de maneira convem 
vel. ou é, ou não è um dos termos eon 
Lidos na definição do sujeito: c se è um 
desses termos, será o gênero ou a efife 
rença. porquanto a definição consiste o 
no gênero e nas diferenças; e se. por 
outro lado. náo é um desses termos, 
eviden tem ente será um acidente, pois 
já dissem os4 que o acidente è aquilo 
que pertence como atributo a um suje i 
to sem ser nem a sua definição, nem o 
seu gênero.nem urna propriedade.
* [02 |?4 ,(N .Jc W. A, V . )
si A seguir, pois. devemos distinguir 
entr* as classes de predicados em que 
sc encontram as quatro ordens de 
prcdicaçâo em apreço. São elas cm nu 
m ero de dez: Evsência, Quantidade, 
Qualidade. Relação. Lugar. Tempo, 
P o siçã o , Estado, Ação. Paixão. Por 
quanto o acidente, o gênero, a proprie 
d ade c a definição do qnc quer que seja 
sempre caberão numa destas catego­
rias: pois «ocííis as proposições que por 
meio delas se efetuarem ou significarão 
a essencia de alguma cotsa. ou sua 
qualidade ou quumidadc. ou algum 
dos üutrus tipos de predicado. Parece 
pois evidente que o homem què Cx 
pressa a essência de alguma coisa 
expressa as vezes uma substância, ou­
tras vcz.es uma qualidade, outras ainda
algum dos outros tipos de predicado. 
Pois quando se coloca um homem a
suu frente c cie diz que o que ali c s u in 
colocado c "um homem” ou "um aui 
mal", afir ma a sua essência e .significa 
uma substância; mas quando uma cor 
branca é posta diante dos seus nlluts c 
ele diz que o que ali está é "branco” ou 
“ uma cor", afirma a sua essência e sig 
niftça uma qualidade. H também do 
mesmo modo. se se coloca diante dele 
uma grandeza de um etivudo e cie diz
que o que tem diante de si é “ uma 
gtárrdey.a de um ixlvudo". estará des 
crevendo a sua essência c significando
uma quantidade. E poi igual em todos .«■ 
os oulros casos: pois cada uma dessas 
espécies dc predicados, tanto quando ú
12 ARISTÓTELES
afirmada cte si mesma como quando o 
seu gênero ê afirmado dela. significa 
uma essência; sc. por outro lado. uma 
espécie dc predicado é afirmada de 
outra espécie, não significa uma essên­
cia. mas uma quantidade, uma quaii 
dade ou qualquer das ouLras espécies
de predicado. T a is «; tantos são. pois. hh» 
os sujeitos em tomo dos quais giram 
os argumento!;, e os materiais de que se 
formam. Com o devemos adquiri-los e 
por que meios chegaremos a esíax bem 
providob deíes é o que nos caberá dizer
agora.
1 0
Em primeiro lugar, pois, devemos 
definir o que seja uma “proposição 
dialética" e um “ problema dialético” . 
Pois num toda proposição, nem tam­
pou CO lodo problema podem ser apre- 
> sentados como dialéticos; com efeito, 
mnguém que estivesse no seu juízo per 
feito farta uma proposição dc algo que 
ninguém admite, nem tampouco faria 
um problema do que é evidente para 
todo mundo ou para a maioria das pes­
soas: pois este último nao admite dúvi 
da, enquanto à primeira ninguém dana 
assentimento.
Ora. uma proposição dialética con 
siste cm perguntar alguma coisa que é 
admitida por todos os homens, pela 
maioria deles ou pelos filósofos, isto é. 
ou por todos, ou pela maioria, ou pelos 
io mais eminentes, contanto que nao seja 
contrária à opinião geral: pois um 
homem assentirá provavelmente ao
ponto dc vista dos filósofos sc csic não 
contrariar as opiniões da maioria das 
pessoas. A s proposições dialéticas 
também incluem opiniões que são 
semelhantes às geralmcntc aceitas; e 
também proposições que contradizem 
os contrários das opiniões que sc con 
sideram gerai mente aceitas, assim 
como todas as opiniões que estão em 
harmonia com as artes acreditadas, 
o Assim , supondo se seja opinião geral 
que o conhecimento dos contrários é o 
mesmo, é provável que também pudes 
sc passar por uma opinião geral que a 
percepção dos contrários c a mesma: e
do mesmo modo. supondo-se seja opi 
nião gerai que há uma só ciência da 
gramática, podería p assar por uma 
opinião geral que há urna só ciência de 
tocar flauta; e. por outro lado, se for 
opinião geral que há mais de uma Ciên­
cia da gramática, podería passar por 
uma opinião geral que há igualmente & 
mais de uma ciência dc tocar flauta; 
porque todas essas coisas parecem 
assemelhar se c rèm entre si um certo 
ar de parentesco.
Do mesmo modo, também as opi 
ntões que contradizem os contrários
das opiniões gerais passarão por opi 
uiões gerais; porque, se é opinião geral 
que sc deve fazer hem aos seus amigos, 
será também opinião geral que nào sc 
deve fâzfir nada que os prejudique. 
Aqui, que sc deva causar dano aos 
seus amigos é contrário à opinião 
geral, e que nào se deve causar-lhes 
dano ê n contraditória desse contrário.
E da mesma forma, se sc deve fazer jí 
bem aos amigos, não sc deve fazer bem 
aos inimigos; esta é também a contra 
ditaria da opinião contrária à opinião
gerai: a contrária seria que se devesse 
fazer bem aos inimigos. E. unnloga 
mente nos demais casos.
Comparando entre si estas razões, 
parecerá também uma opinião geral 
que o predicado contrário pertence ao 
sujeito contrário; por exemplo, se se 
deve Fazer bem aos amigos, deve sc 
também fazer mal aos inimigos, talvez >v
r ô p r c o s i 13
pareça também que fazer bem ao.s ami 
gos seju. o contrário de fazer mal aos 
inimigos; mas se isso é ou nào assim 
em realidade sc decidirá durante nossa 
discussão acerca dos contrários5,
É também evidente que todas as 
proposições que se harmonizam com
’ i ;vn o ri 7 ís.dc w.A.p.1
as artes são proposições dialéticas; 
pois os homens estão predispostos a 
dar seu assentimento aos pontos de 
vista daqueles que estudaram essas j j 
coisas: por exemplo, numa questão de 
medicina concordarão com o médico, 
numa questão de geometria, com o 
geometra: e da mesma forma nos ou 
tros casos.
uub Um problema de dialética é um 
tema de investigação que contribui 
para a escolha ou a rejeição de alguma 
coisa, ou ainda para a verdade e o 
conhecimento, c isso quer por si 
mesmo, quer cOmc* ajuda para a solu­
ção do algum outro problema do 
mesmo tipo.
Deve. afém disso, ser algo a cujo 
respeito os homens não tenham opi 
ttião num sentido ou noutro, ou t? 
vulgo lenha uma opinião contrária à 
dos filósofos,

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