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Piaget

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Os Pensadores
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Os Pengadorés
A filo so fia teria ccn i v e z es raz&o 
se reservasse para si os territórios 
aon d e a c iência não vai não quer ir, 
n ão p od e ir no m om ento Mas nada 
autoriza a acredrfar q u e seus p roces­
sos estão guardados in açterm jm F 
e la r>âo está em co n d iç õ es d e provar 
que seus problem as são por natureza 
diferentes dos que a R azão c ien tifica 
se propõe a abordar. A c iên cia não vi 
sa senão â aparência? Mas, segundo a 
fõrmufa bem con h ecid a , de todos os 
carrv nhos que con d u zem ao Ser, o pa 
recer ta lvez seja ainda o mais seguro 
Q uanto a marcar os lim ites atuais d o 
saber c ien tífico , n í o ê tarera do 
próprio p en sam en to cientifico? N e­
nhum f iló so fo faria. Sem dúvida, das 
ignorãncias e das im poténcias da 
ciên cia um a lista tão longa e tão se­
vera quanto a q u e um sábio seria ca 
paz de preparar'
ÍEÀN PlACET: Sabedoria e ilu sõ es da 
filosofia.
Na presença de um fen ô m en o 
físico , a com p reen são só c o m e ç a 
transform ando o s dados para d isso 
Ciar õS fatores e fazê-los variar sepa 
radam ente o que con siste errt não ca­
tegorizar. mas em agir para produzir 
e para reproduzir M esm o em g e o m e ­
tria pura. o saber não consiste em 
descrever figuras m as em trans- 
rorrrá-las até poder reproduzi-las em 
grupos fundam entais de transform a­
ç õ e s Num a pabvra , no c o m e ç o era 
a ação', co m o diz G oeth e e d ep ois 
ve io a operação!"
JEAN PI AG ET Problemas de Psicolo- 
gtà G enética
Os Pensadorés
C lP-B rasil. CataJogaçáo-na-Publicaç3o 
Câmara Brasileira do Livro, SP
P642é
2.ed.
Piaget, Jean, 1S96-19SQ.
A cpistcinoiogia genética / Sabedoria c ilusões da filoso­
fia ; Problemas de psicologia genética ; Jean Píagei ; traduções de 
Nathanacl C . Caixeiro. Zllda Abujamra Daeir, Célia E. A. Di P icro. 
— 2. ed. — S3o Paulo : Abril Cultural, 1933.
Os pensadores
Inclui vida c obra <lc Piugct.
Bibliografia.
t . C ogniçâo (Psicologia infantil) 2. F ilosofia 3. Inteligência 
4 . Pensam ento 5. PiagcU Jean, 1896-1980 6 . Psicologia genética 
I. Título: A epístetnologia genética. II. Título: Sabedoria e ilusões da 
filosofia . 111. Título: Problem as dé psicologia genéticá, IV, Série,
$3-0262
C D D -135.413
-J00
-150.92
-155
índices para catá logo sistem ático:
1. Cõgniçáçj : D esenvolvim ento : Psicologia infantil 155.413
2. Crianças Desenvolvim ento cognitivo : Psicologia infantil Í55.4IJ
3. Desenvolvim ento in telectual: Crianças : Psicologia infantil 155.413
4. F ilosofia 100
5. Inteligência : D esenvolvim ento : Psicologia infanta 155.413
6. Psicologia genética 355
7. Psicólogos : Biografia e obra 150.92
JEAN PIAGET
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
SABEDORIA E ILUSÕES 
DA FILOSOFIA
PROBLEMAS DE 
PSICOLOGIA GENÉTICA
Traduçòes de Naibanael C. Caixeira, 
Zildu Abujuaira Florir, íclui K. A. I>i Piero
1983
E D IT O R : V1C T O R C IV IT A
Títulos originai.'::
L 'B&ttftmoiogie Généiitjue 
Sa nesse et Ilhtsions de Ia Phüasaphiê 
Prohlèmes de Psyeholo-gie Çénétique
© Copyright desta edic3o. Abnt S.A.. Culiurftl e Industrial, 
Sfto Paulo. — 2.' edjçto, IMS.
Textos publicados sob licença dc Prcsscs Univcrsitoíres 4e Frartce, 
Paris, e Editora Vúícs Lida.. Parópolis (A EpisttmoiOftÍQ 
Geniricay, Presses Universtuírej de Fran«, Paris, e Difel 
Difusão Editorial S.A ., S3o Paulo (Sabedoria e Ilusões 
da Filosofia)', Denoíl. Paris, e Editora Forens* Univercíràris l.tda.. 
Rio de Janeiro (Problemas dc Pxicoiopú Genérica)
Traduç&cs publicadas sob licença da Editora Vozes Ltda., PetrojiOlL 
{d Episttmctofia Ge/réliiv), Djfel DlfltiSO Editorial S.A ., Sào Paulo 
(Sabedoria e Ilusões de Filosofia)] Editora Pürcnsc Universitária Ltda., 
Rio dc Janeiro (Problemas de Psicologia Genética)
Direitos exclusivos sobre IJPtagei — Vida c Obra", 
Abril S.A. Cultural e industrial. Sâo Paulo.
PI AG ET
VIDA E OBRA
Consultoria: Rosa Maria StefnnJni Macedo
E m 195b. foi fundado em Genebra um centro de altos estudos, sob os auspícios da Fundação Rockefelier Nele, reúnem-se 
pesquisadores de todo o mundo que tratam dos mais diversos assun­
tos, desde fatos aparentemente simples como as primeiras palavras 
pronunciadas pelos bebõs, até os complicados problemas teóricos de 
cibernética. Trata-se de uma instituição dedicada a assuntos mlerdiS- 
riplinares, estudando inclusive a teoria da informação, a formação 
dos raciocínios recorrência is, a teoria das ligações analíticas c sintéti 
c&s, a episcemotogia do tempo e do espaço, a aprendizagem das es­
truturai líígicas e à teoria das probabilidades Táo ampla variedade 
de assuntos, no entanto, nao dá como resultado uma simples so­
matória dç investigâÇões; pelo contrário existe um denominador co­
mum que unifica todas as contribuições em torno de umo disciplina 
só a [pistumologiâ Genética. criada por Jean Piageí
Piaqet definiu a si mesmo como um "antigo-futuro-filAsofo que 
se transformou em psicólogo e investigador da gênese do conheci­
mento'1 Essa definição <? as razões da transformação são apresenta 
das per no livro Sabedor^ e Jiusóes da Filosoííj, pubhcado cm 
T%5. Nesse livro, Plagcd desenvolve & tese de que à filosofia é urna 
sabedoria" indispensável aos seres racionais, mas que não atinge 
um "saber" propriamente dito, provido cias garantias e dos métodos 
de controle, característicos do que se denomina "conhecimento"
As razões dessa ausência de controle poderíam ser encontradas 
no divórcio entre ás dêndas e a filosofia, cujas ligaçóes caracteriza- 
ram os grandes sistemas do passado Nao é desprovido de senso, dt/ 
Piaget, "pensar que fo< a orientação biológica de Aristóteles e a 
orientação motemática de Flatâo que justificaram diferenças essen­
ciais em seus sistemas". Assim, o pensamento cartesiano n5o pode 
ser compreendido síim a. matemática, c o err ti cismo karoticiuno, sem ü 
física new tonta na. Na filosofia dos séculos XIX e XX, entretanto, essas 
ligações foram rompidas pela maior parte dos filósofos e surgiram 
conflitos que ietardárânn o desenvolvimento das disciplinas que pre­
tendem ser científicas. Fiaftet chegou à conclusão do que. sob o con­
junto extremamente complexo de fatores que intervém nesses oonfli- 
tos, reencontra-se sempre o mesmo problema, "em que condições 
pode-se ter 0 direito de falar de conheomento e como salvaguardá-lo 
contra os perigo* interiores e exteriores que n5o cessam dc 
ameaçá-lo?" E acrescenta: " quer se trate de tentações interiores
viu PTAGET
o-li dc coaçòes sociais de ioda espécie, esses perigos perfilam-se em 
torro de uma m esm a fronteira, surpreendentemente móvel ao longo 
das idades e das gerações, mas 030 menos essencial ao futuro do sa­
ber aquela que separa a verificação da especulação"
Por essas ratões. Piagetdiz que st? "desconverteu", Iransforman- 
do-se de um antigo tu*uro filósofo" em psicólogo e. sobretudo, em 
investigador das estruturas e da gênese do conhecimento Em Lógica 
e Conhecimento Científico (1966), o próprio Piaget, de maneira am­
pla. define a epistemologia genética como o "estudo da passagem 
dos estados inferiores do conhecimento nos estados mais complexos 
ou rigorosos". Em ouLras palavras, Piaget propõe o retorno às fortes 
e à gfifiese propriamente dita do conhecimento, do qual a epis tecno­
logia tradicional conhecia apenas os estados superiores, istoé, certas 
resultantes finais de um complexo processo deformação Tal projeto 
situa-se em dois planos distintos, que se interpenctrnm e se explicam 
mutuamente: de um lado, a história do pensamento científico, de ou­
tro. o estudo experimental do desenvolvimento da inteligência, desde 
o nascimento até a adolescência Piaget demonstrou que se pode tra 
çar um paralelo entre esses dois planos 0 conceito de causalidade, 
por exemplo, tena sofrido um processo de transformação desde a 
teoria aristolêlica até a física probabilística dosétuloXX, e as etapas 
desse. transformação seriam hindamenta.lmente as mesmas que
as 
encontrarias ro desenvolvimento do pemamcmto infantil
A epistemóiogia genética criada por Piaget não é. assim, uma 
disciplina filosófica, como a opistemdogia tradicional Em primeiro 
lugar, porque afasta de toda especulação, estudando a gênese das 
estruturas *■ d Os conceitos científicos, tal como de lato se consti­
tuíram em cada uma das ciências; em segundo lugar, porque procura 
desvendar através du experimentação os processos fundamentais de 
formação do conhecimento na criança, A epistemologiá genética 
também não é uma ciência entre ou Iras, mas uma matéria inierdisci- 
plinar qge se ocupa com todas as ciências,
fssa unificação realizada por Piaget e, sobretudo, esse processo 
de gênese dos conhecimentos que vai da simples constatação de 
latos concretos até as mais altas abstrações — até certo ponto iden- 
tiíioou-se com Sua pròpn.i vida
Dos moluscos à lógica formal
N ist ido em Nourhãteí, Suíça, a 9 de agosto de 18%, Piaget. des 
de multo cedo, se interessou pelas ciências Seu primeiro trabalho 
cientifico surgiu quando tinha dez anos de idade: era uma nota sobre 
um pardal totalmente albino que observara num parque público 
Pouco depois, ofereceu-se como voluntário para trabalhar como as 
sistentu dp diretor do M u seu d e Ciências N atu rais d e N e u c h á te l Du 
ranteos quatro anos seguintes, publicou aproximadamente vinte arti­
gos sobre moluscos e temas zoológicos afins Seu interesse, entretan­
to, náo se limitava aos moluscos, estendendo se ao campo da reli­
gião, da biologia, da sociologia e da filosofia; adolescente ainda, co
V10A E OBRA IX
meçou a ler Bergson (1659-1941)
Na universidade de Neuchãtel, Piaget licenciou-se em 1915, 
doutorando-se três anos depois com uma tese sobre os moluscos de 
Valois. Os estudos de biologia f izerarn-no suspeitar de que os proces 
sos de conhecimento poderíam depender dos mecanismos de 
equilíbrio orgânico; por outro lado, Píaget convenceu se de que tanto 
as ações externas quanto 05 processos de pensamento admitem uma 
organização lógica Flaborou, então, um ensaio sobre o equilíbrio do 
todo e suas partes, sem entretanto conhecer a teoria da Gesía/f, que 
se ocupava do mesmo problema e já havia alcançado celebridade na 
Alemanha
De Neuchãtel, Piaget foi para Zurique, onde passou alguns me­
ses estudando psicologia nos laboratórios de C. E. Lippc e Wrecchnor 
o na clínica psiquiátrica de Bíeulcr (1857 1939) Esses estudo* firma­
ram-lhe a convicção de que a psicologia experimental podería ser útil 
bastante para sua vocação de epístçmdlogo Pírtgiu-se então a Paris, 
onde estudou filosofia com Andrc La lande (1007-1936) e trabalhou 
com a padromzaçao do teste de raciocínio de Burt no laboratório 
criado por Alfred Binet(18?S-19l1). Lalande intercssou-se por seus es­
tudos, cujos resultados foram publicados numa Série de quatro arti 
gos. entre 1921 e 1922. Nessa época, Piagct convonceu-se de que o 
camtnho para conciliar a filosofia e a psicologia deveria ser buscado 
na experimentação. Um de seus trabalhos desse período fot publica 
do nos Arquivos de Psicn/ogig de Genebra, o Claparèrie (1873-1940). 
seu editor, impressionado pela originalidade do escrito, propôs-lhe o 
ingresso r»0 Instituto lean-lãcques Rousseau de Genebra, em 1921 Ai 
Piagít encontrou lompo e hbordncEe suficientes para desenvolver 
seus estudos sobre a criança, iniciando uma série de trabalhos que 
lhe deram fama mundial
Lm 1925. Pingei foi nomeado titular de Tilosofia em Neuchâtel, 
onde lecionou até 1929, dando também atilas de psicologia e socio­
logia. sem deixar a investigação experimental sobre lógica c ontolo­
gia infantis, no laboratório de Genebra Além disso, continuou seus 
trabalhos com moluscos publicando importantes artigos sob ro n 
assunto.
Lm 1929, voltou a ocupar um cargo de uedicaçao exclusiva na 
Universidade de Genebra, primeiro comó Diretor Assistente e depois 
como codiretor dó Instituto Jean-jat ques Rousseau De 1929 a 1939, 
além de desempenhar funções administrativas, Piaget foi professor 
de história do pensamento científico intensificando seus estudos so­
bre história das matemáticas, da física e da biologia é redigindo seus 
primeiros trabalhos sobre epistemologiâ genética Também foi no­
meado, em 1929. diretor do Departamento Internacional dc Edu­
cação, cargo que lhe deu oportunidade de tentar introduzir suas des­
cobertas sobre o desenvolvimento das crianças nas práticas educati­
vas, Com esse fim, nas décadas posLeriores, éiaget e seus colaix» ado­
res escreveram inúmeros livros
Em 193b a Universidade dr- Harvard concedeu lhe o título de 
Doutor Honor is Causa Durante o período dá guerra, desenvolveu 
suas idéias sobre .ís estruturas lógicas relativas ã física elementar De 
1939 a 1952, foi professor de sociologia da Faculdade dc Ciências
X riAGETT
E con ôm icas d a U n iv ersid a d e d e G en eb ra Em 1940 , to rn o u -se d iretor 
do l a b o r a tó r io d e P s ico lo g ia f <pprím ental d e ssa Univers.ida.de, c o m o 
su cessor d e C ln p arèd e, e c o n tin u o u ta m b é m c o m o ed itor d os A rqui 
vos d e P sico lo g ia junto c o m A ndré R ev e Lamherr.ier. Foi ta m b é m 
eterto presidente^ da S o c ie d a d e S u íça d e P s ico lo g ia e c o d ir e to r d a R e­
vista S u íça d e P sico logia A p ó s a guerra, a U n iv ers id a d e d e Paris d e ­
signou-o para s u c e d e r a M erS eau -P on ty{1906-1 % 1). Em 1950 . a lém d e 
d iversos livros so b re p s ic o lo g ia e p s ic o lo g ia da cr ia n ça , so z in h o o u 
co m co la b o ra d o res , Ptaget já h avia p u b lic a d o a JnJrrxiirção ã fjtm fé- 
mo/oRid G en érica e m três v o lu m e s e o Tratado d e Lógica Seu p ro jeto 
He elab orar u m a c p is te in o ío g ia b a se a d a nas c iê n c ia s p o s itiv a s c o n ­
cretizo u -se e m 1 9 íi>ci q u a n d o fo i in au gu rad o o C entro In tern acion al 
He E p islem ulogãa G e n é tic a , sob o s a u s p íc io s da F u n d a ç ã o R ock e- 
fellet.
Piaget morreu em 16 de setembro de 19S0.
A noção de ''egocentrismo"
As obras A Linguagem e o Pensamento da Criança (1921). O luizo 
e o Raciocínio da Criança (1924), A Representação do Mundo na 
Criança (1924), A Causalidade Ftsica na Criança (1927), O juízo Morai 
na Criança (1912]. já mostram a preocupação de Piagêt com a teoria 
do conhecimento, embora representem muito mais a constatação 
das características do pensamento iniantil Desses estudos surgiu a 
noção de 'egocentrismo"', que desempenha papel essencial na epis- 
temologia genética de Piaget, porque implica n noção de centração e 
de$centração, isto é, a capacidade da criança de considerar a realida­
de externa e os objetos como diferentes, de si mesma e dc um ponto 
He vista diverso do seu. O egocentrismo nd linguagem infantil impli 
ca a ausência da necessidade, por parte da criança, de explicar aqui 
Io que di? por ter certeza de estar sendo compreendida. Do mesma 
forma, o egocentrismoé responsável por um pensamento pré-tógíco, 
précausal, mágtco. animista v artificialista O raciocínio infantil não 
é nem dedutivo nom indutivo, mas tiansduttvo, indo do particular ao 
particular o juízo nãO é lógico por ser centrado no sujeito, em suas 
experiências passadas e nas relações subjetivas que t*3t* estabelece 
em função das mesmas, Os desejos, as motivações e todas as carac­
terísticas conscientes, morais e afetivas são atribuídas às coisas (ani 
mismo) A criança pensa, por exemplo, que o cão late porque está 
com saudades da mae Por outro lado, para as crianças até os sete ou 
cinco anos de idade, os processos psicológicos internos têm realidn 
de física: ela acha que os pensamentos estão na boca ou os sonhos 
estão no quarto. Dessa contusão entre o real e o irreal surge a expli­
cação artificiulista, segundo a qual, se as c o isa s existem é porque ai 
guém as fez
Notando as semelhanças entre os processos que condicionam a 
evolução lógica ç a idéia de realidade plasmada pela criança, Piagct 
conclui quv
u construção do mundo objetivo e a elaboração do ra­
ciocínio tôgjco consiííem na redução gradual do egocentrismo, cm
VIDA E OBRA XI
favor de uma socialização progressiva do pensamento; somente com 
essa descentração das noções, a criança pode chegar ao estagio da 
lógica operacional
Do ponto de vista d o juízo moral observa-se q u e, a p rincíp io , a 
mora! é loljlmente helerõnuma, passando a autonóma na medida 
em que a criança começa a sair do seu egocentrismo p compreender 
a necessidade da justiça equânimc c da responsabilidade individual c 
coletiva, independentes da autoridade ou da sanção imposta
A estrutura do universo: inteligência e adaptação
Em uma segunda etapa de seu caminho no sentido de constituir 
uma epistemologia genética, Piaget abordou os problemas relativos 
à formação da in te lig ê n c ia infantil, O s resu lta d o s de su as in v estig a ­
ções encontram-se em varias obras, nas quais mostra como se desen­
volve o pensamento lógico da criança, base de sua epistemologia 
genética. O Nascimento da Inteligência (1936), A Construção do Real 
na C riança (1937), A Cénese da Noção de Número, em colaboração 
rom Szeminska e Inhelder (14)41), O Desenvolvimento das Quantida­
des rtsicãs na Criança (1941), Classes, Relações e Números (1942) e 
Formação do Símbolo na Criança [19451.
Para Piaget, inteligência v adaptação e sua função é estruturar o 
universo, da mesma fqrma que o organismo estrutura o meio ambien­
te. não havendo diferenças essenciais entre os seres vivos, mas so 
mente tipos específicos de problemas que implicam cm níveis diver­
sos de organização. As estruturas da inteligência mudam através da 
adaptação a situações novas e têm dois componentes: a assimilação 
e a acomodação Piaget entende o termo assimilação com a acepção 
ampla de uma integração de elementos novos em estruturas ou es­
quemas jã existentes A noção de assimilação, por um lado, implica a 
noção de sigmticaçao e por outro expressa o tato fundamental de 
que todo conhecimento está ligado <» uma ação e de que conhecer 
um objeto ou um acontecimento é assimítá-lo a esquemas de ação 
hm outros termos, conhecer, para Piaget, consiste em operar sobre o 
real e transformá-lo, a fim de çomproendé-lo, cm função do sistema 
de transformação a que estão ligadas todas as ações. Piaget denomí 
na esquema de ação aquilo que numa ação é transponível, genera­
liza vel ou diíerenciãvel dç uma situação para a seguinte, ou seja, o 
que há de comum nas diversas repehçóes ou aplicações da mesma 
ação. Se alguns er-quemar. são simples (talvez inatos e de natureza re 
fk-xa), a maioria deles não corresponde a uma montagem hereditária 
acabada, pelo contrário, são construídos pouco a pouco pelo in­
divíduo, dando lugar a dilt-renciaçòes através de acomodações a si­
tuações novas.
A acomodação define-se como toda modificação dos esquemas 
de assimilação, por intluência de situações exteriores. Toda vez que 
um esquema não for suficiente para responder a uma situação e re 
soiver um problema, surge a necessidade do esquema modificar-se 
em função da situação. Exemplo, puru o bebê aprender a chupar um
xu PlAOtT
canttclinho diferente da mamadeira, deve haver urna acomodação do 
esquema de chupar
Assimilação e acomodação são, portanto, m e c a n ism o s comple­
mentares, não havendo assimilação sem acomodação, e vice-versa 
A adaptaçao do sujeito ocorre através da equilíbraçáo entre esses 
dois mecanismos, não se tratando, porém, de um equilíbrio estático, 
mas sim essencial mente ativo e dinâmico. Em termos mais precisos, 
trata-se de sucessões de equilibração cada vez mais ampJas, que pos­
sibilitam as modificações d o s esquemas existentes, a fim de atender 
à ruptura de equilíbrio, representada pelas situações novas, para as 
quais não exista um esquema próprio
O nascimento da inteligência
Em toda a análise do proCosso de formação das estruturas inte­
lectuais, ou seja, da inteligência, desempenha papel fundamental a 
noção piagetiana de estág/o. O estágio foi definido por Piaget como 
form a de organização da atividade mental, sob seu duplo aspecto, 
por um lado, motor ou intelectual, por outro, afetivo
Do nascimento até a adolescência, Piaget distingue três estágios 
do desenvolvimento. O primeiro é o estágio sensório-meror (do na sei 
mento até dois anos). O segunda divide-se om dois sub-estágtos: o de 
preparação para as operações lógico-çoncrctas (2 «i 7 anos) ê o de 
operações lógiconconcretas (de 7 anos até a adolescência) A partir 
da adolescência e até a idade adulta, configura-se o estágio da lógrea 
formal, quando o pensamento lógico alcança seu nível de maior 
equilíbração, ou seja, de operatividade, adquirindo a forma de uma 
lógica proposir ipnal. que seria o auge do desenvolvimento,
No início do desenvolvimento da inteligência sensòrio-motora 
(até ’1 mês de idade), os comportamentos globais da criança estão de 
terminados hereditarí amente e apresentam-se sob a forma de esque­
mas reflexos. De 1 a 4 meses (2° sub-estágio). começam a aparecer as 
primeiras adaptações adquiridas e a assimilação distingue-se ct.i aco­
modação, através das reações circulares primárias, ou seja de repete 
çõíts sucessivas nas quais os resultados sao assinidados aos esque­
mas, modificando-os para permitir melhor adaptação às situações ex­
ternas. No terceiro sub-estágio (4 a 8 meses) aparecem as repetições 
dê gêStOS que casuafmente chegaram a produzir uma ação interes­
sante sobre as coisas, No quarto su th estágio (8 a 12 meses), ha apli 
cação de meios já conhecidos para resolver situações novas. N o 
quinto sub-êslágio (12 a 18 meses), a criança faz experiências com os 
objetos do meio externo e descobre novos meios para resolver certas 
situações. No sexto sub-estágio (18 meses aos 2 anosl aparece a pos 
sibilidado da invenção de novos meios por combinação montai ou 
por combinação do açoes Esse estagio já prevê uma mudança quali 
tativa na organização da inteligência, que passa de sensível c motora 
a mental, isto ô, rep resen ta tiva c interiorizada.
Paraíçlarncntê à Construção da inteligência, ou do pensamento 
lógico. Piaget analisa a construção do universo, pela criança no
VIDA E OBRA x m
estagio sensòrio-motor, em função das categorias cio objeto ou 
su b stân cia , e s p a ç o , c a u sa lid a d e c tem p o .
Quanto ao objeto, as investigações de Piaget mostram que, du­
rante as primeiras fases do desenvolvimento, a criança não percebe o 
universo em seu redor como se iosae constituído por objetos substan­
ciais, permanentes e de dimensões constantes, pelo contrario, eia se 
comporta como se estivesse frente a um mundo sem objetos e no 
qual o próprio espaço constituísse um meio sólido. Trata-se de um 
mundo de quadros perceptívos, cuja única realidade é a própria 
criança e suas ações O sujeito funciona como um sistema organiza­
dor do universo, evoluindo de acordo com o aumento da complexi­
dade das atividades de assimilação. Partindo dá não-distinçSó entre 
ela m eara p e>s objetos, a criança pavsa a distinguir progrossivamen 
te qs objetos que estão em sua presença e, depois, começa a relacirx 
nar entre si os vários objetos que aparecem em espaços já diferencia 
dos, ora, presentes, ora ausentes. No final do estágio sensório-motor. 
pela Separação entre ação e percepção, a criança toma se capaz da 
noção de objeto permanente ç idêntico ã $i mesmo, ainda que ele 
não estejd mais presente t* sendo manipulado por ela,
Do ponto df vista do espaço, a coordenação sucessiva Hns açom, 
leva a criança, progressiva mente, n conceber aqueles espaços indivi­
duais e separados dü inecio do seu desenvolvimento como um único 
espaço, no qual ria se desloca como os objetos, considerando a -i 
mesma como um objeto. embora diferente dos demais
Quanto à causalidade, Piaget mostra como essa noção funda- 
meftfal para a ciência liga-se, no estágio sensórío-motor, ás relações 
temporaõ Durante os dois primeiros sub-estágios, tudo sucede como 
so o tempo se reduzisse exclusivamíínte às impressões
de espera, de 
desejo, de êxito ou de fracasso, existindo um princípio de sucessão, li 
gado cKj desenvovlvimento das diferentes fases de um mesmo ato, 
Sãn as séries temporais pd ricas os atos da Criança sucedem sc< uns 
aos outros, mas nadá lhe permite* reconstruir sua própria história, Du­
rante os Sub-êstãgios seguintes, estabeleceram-se modificações nessa
c o n c e p ç ã o , surgindo as séries tem porais su b jc tivà i. a c r ia n ça n ã o per
cebe ainda a ordem dos fenômenos a nào ser quando ela mesma é a 
causa desses fenômenos, de modo que ainda contínua sendo incapaz 
de conceber a história de seu universo, independentemente do 
própria açâo. e não havendo, portanto, um tempo objetivo para ela 
Só a partir do quarto sub estágio é que começa a progredir um a visão 
mais objetiva do mundo, aparecendo jã no quinto sub-estáyio uma 
ordenação do tempo, não aplicável somente às ações, mas, em 
princípio, a todo o campo pereeptivn, (séribA temporais oójeíívas), No 
último iub-ustagio aparecem as séries represenrarivãs. quando d 
criança é capuz de recordar fatos nâo ligados à percepção direta 
mas acontecidos no passado. Isso náo significa que esses fatos sejam 
corretamente seriados, nem que a avaliação da duração se|a exata, 
mas sim que essas operações tornam-se possíveis porque desse mo­
mento em diante a duração subjetiva vai cada vez mais situar-se em 
relação com a duração das coisas, possibilitando. por sua vo?, aorde 
nação dos movimentos no tempo e sua medida em reJação com pon­
tos de referência exteriores.
XIV PIAGET
O advento das funções simbólicas
No segundo estágio do desenvolvimento das estruturas da inte­
ligência podem ser distírguidos dois sub-estágios O primeiro (dois 
aos Sete anos) caracteriza-se pela função simbólica e pelo aparecí 
mento da intuição das operações, o segundo (sete dos onze anos) é 
marcado pelas operações Iógico-concretas. As atividades de repre­
sentação (o jogo, o desenho e sobretudo a linguagem) têm três con­
sequências essenciais para o desenvolvimento mental- inicio da so­
cialização da açflo; intenorízação da palavra, isto é„ aparição do 
pensamento propriamente dito, que já tem como suporte ri lingua­
gem interior e um sistema de signos; e, sobretudo. ínteríorizaçáe» da 
açâo como tal, que passa do piano pereeptivo e motor para se re­
constituir no plano das imagens e das experiências mentais Os pri­
meiros esquemas verbais constituem uma continuação dos esque­
mas sensório-motores, transpostos para um plano supenor, implican­
do portanto uma modificãçào qualitativa na estrutura, A isso Piaget 
chama "dêca/age veríica/ ', conceito particularmente importante em 
sua obra. Para o criador da epistentologia genética, cada fase dü de 
senvolvimento deve ser consideraria como formaria por estruturas di 
ferentes em quantidade c qualidade Essa diferenciação ontre um 
momento e outro do desenvolvimento só é possível porque as equilr- 
braçúes sucessivas, que permitem a passagem de um estágio a outro 
e marcam a mobilidade das estruturas, são acompanhadas de deter 
minadas funções constantes, que garatem a continuidade entre um 
estágio e outro, Piaget designa essas funções (entre as quais incluem 
se a compreensão c* a explicação) pela expressão "invariariles", afir­
mando, com tido, que seu nível pode variar r*m íurçao do grau de or 
ganizaçâo das estruturas f por essa razão que, com o advento das 
funções simbólicas, começa toda uma mobilidade das estruturas 
Sénsúriomotoras Numa etapa cio desenvolvimento. o egocentrismo 
ãinda presente manifesta se, nâo rnjis em nível de confusão Stijeitp- 
objeto do ponto de vista físico, como antenormente, mas no nível da 
linguagem e do pensamento, através do animismo, do artificialismo c? 
do realismo nominal, Embora já haja uma modificação de esquemas 
para uma nova estrutura, ao n/vef de intenonzaçSo da ação, os as­
pectos perceptivos e subjetivos continuam sendo predominantes em 
relação à concepçáo do mundo, da causalidade física e dos concei­
tos espaçoíemporais Por isso esse sub-estágio simbólico é chamado 
pré operatório, não havendo noçao de conservação física nem rever- 
sibilidade nas operações A criança começa s im p le sm e n te a distin 
guir o significante do significado, isto é, os objetos que apresentam 
determinadas palavras, e a usar essas palavras em lugar do objiçto. 
No entanto, nota se perfeitamente a generalização de significados in 
devidos, quando, por exemplo, a criança diz "au-au" para todos u> 
animais ou "titío" para todas ds pessoas do sexo masculino, tssa irrc- 
versibilidade pré-lógica mantém-se Até por volta dos sete anos, pois, 
embora a partir dos: quatro anos e meio ou cinco anos comece a ba 
ver uma dcscentraçao maior do pensamento e a criança já comece a 
apresentar certas noções de classificação e de seriaçAo dos objetos,
VIDA E Ütí&A XV
essas noções são intuídas, isto t, não sao real mente compreendidas 
porque nâo há uma operação verdadeiramenie lógica.
As operações lógrco-formais
As operações lógicas surgem somente quando o pensamento da 
criança torna-se reversível, ou seja. quando ela é capaz de admitir a 
possibilidade de se efetuar a operação contrária, ou voltar ao início 
da operação Admitindo, por exemplo, que A é igual a B, a cr ian ça 
deve admitir que 8 é igual a A Essa ida e volta do pensamento não 
acontece no período pnHógico porque não existe sequência lógica 
nas ações da criança.
Quando o pensamento infantrl torna-se reversível por volu dos 
7 ou 8 anos, iniciü-so o sub-estãgto das operações tôgico-concrqlás, 
Segue-SC a ele a partir dos onzn ou doze anos, o estágio das opera­
ções 3ògkoformai.s A operatividade marca a possibilidade da crian­
ça agir, consistente e logicamente, em funçáo das implicações de 
suas idéias A organização das ações montais em pensamento ope- 
ralóno pode ser descrita em termos de grupos matemáticos e agrupa­
mentos lógicos e. mais tarde (no estágio formal], em termos de agru 
pamentos de relações, ou seja. relações de segunda ordem ou rela­
ções ck: relações Os agrupamentos lógicos base^m-se na noção ma- 
temática de classe No tub-estágio das operações concretas, as rola 
Ções entre as classes somente podem ser compreendidas quando 
apresentarem evidência concreta, isto ê, estejam presentes no campo 
perceptivo Mas no período das operações formai* a criança podt 
realizar as relações possíveis, de modo a prever ds situações. ne­
cessárias para provar uma hipótese Pssn é, precisa monte, a carac 
terísticá do método experimental ivl ciência.
A lógica das proposições, possíveis combinações de classe, bem 
como õ grupo de transformações INKC foperaçáo Inversa, Negativa, 
Reciproca v Contrária) sao a parte final tia epistemologia genética de 
Piageí. A partir da experimentação com as operações lógicas, com a 
noção de rnversibilidado, çom os grupos matemáticos e os agrupa­
mentos d« classe, o c o m as transformações lógicas IINRC, fóagel m 
cursiona no campo da formalização lógico-mateoiática
A partir da fu n d a ç ã o d o Centro Internacional de Epistemologíá 
Genética, um Genebra, cientistas e lógicos de todo o mundo têm-se 
ocupado da pormenorização e aperfeiçoamento do processo genéti­
co descrito por Piaget, e de suas relações com os principais contei 
tos da ciência contemporânea C om isso, torn ou-se realidade seu de 
se io etó criação dos "métodos de con tro le" , indispensáveis para legiti­
mar d verdade, bem como dar nova dimensão ao problema das rela­
ções entre a ciência propriamente dita e a filosofia Piaget procurou, 
assim, evitar que a filosofia, através da pura especulação, mantenha 
ti sities de dona absoluta da verdade, |á que deve haver uma corre 
laçào epistêmica entre toorias e fato?.
P1AGETKV\
Cronologia
I&26 - l m Neuchàteí, Sü/î t, a 9 de agosto, íissce lean PíagêL 
1915 — Lícencia-se peta Universidade dc Neuchãie!
1925 — ioma-ie professar btuhr de ftíosofra rra mesma ueivcrsírfjçr 
1929 _ ê nom eado diretor do Departam ento Internacional rfe Educação 
1932 - Publica Le Jugement
Mural Chez l'bnfant
1936 — Publica La Naissarrce de 1'lritcdligence ch ez PEnfant \ ’o m esm o 
ano, recebe o rfruío de Doutor Monorss Causa pola Universidade dc 
Harvard.
1937 — Pr age f publica La Construction du Réet che2 1'LnfanL 
1939-1952 — J ec torra sociologia na Paeufdade de Ciências Econômicas da
Universidade d ê Genebra.
1941 — Publica, ona to/aborapâo cóm S^emtnska, La Gênese du Nombre 
chez I Eníam.
1946 — Publica l ,i formatioti du Symbok- chez PEnfánt
1947 — Publica La Psychotogie de Plnielligentfc
194» Publica La Ftepresenlabun de Ctspacc: theZ I En(<int 
1949 — C [dftadóseit Trailé d e I ogjque Essai de L ogistiqueO peratoirp 
1956 — tcfríam-se os irev tom os da l ntroductiOn j PÉpistem-ologiís 
Gànétique
1952-1963 Lee to na pskolopã da criança m Sorborme
1955 — Publica De Ia Logique de 1‘Êníant ii Ia Lcgiqut? de LAdoleífieni 
1957-1973 - Ptrfeiicí os 'iO vo/umes dos I ludes cPÉprstcmologio 
Génétiqeu
1959 Publica La Ceriòse des Structures bogiques Élémenaaifes 
1%4 — Pub/icat^O dos Six Eludes de Psvr hoJogie 
198b — Morre Piaget
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Tbeory, Teachers Co!lej?e Press, Nova York l%b 
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O xford Univeraity Press, N ova York, 1970 
Balowin, a l The Tbeorv oi fean Prager m Tbepffcs dt Lhtld Devetop- 
meni, do mesmo autor |ohn Wilev & Sons, Nova York, 196»
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA*
Tradução dc Naíhjiriarl C. Caixeiro
* Traduúdútlvorífinat francês L^pixiémologitgénêitcpdc, Paris, Prtsscs Umvçrsiiaircsdç francc. 1970.
Introdução
Aproveitei, com prazer, a oportunidade de escrever este pequeno livro sobi-e 
EpUtemcJogEa GenéLica. de mudo a poder Insistir na noção bem pouco admitida 
correratemente, mas que parece confirmada pnr nossos trabalhos coletivo?: neste 
domínio: o conhecimento não podería ser concebido como algo predeterminado 
nas estruturas internas do indivíduo, pois que estas resultam de unia construção 
efetiva C contínua, nem nos caracteres preexistentes do objeto, pois que estes só 
sãu conhecidos graças à mediação necessária dessas estruturas: e estas estruturas 
os enriquecem e enquadram {peio menos situando-os no conjunto dos possíveis). 
Em outras palavras, todo conhecimento comporta um aspecto de elaboração 
nova, e o grande problema da epistcmologia c o de conciliar esta criação de nOvi 
dadeí. com o duplo fato de que, no terreno formal, elas se acompanham de neecssi. 
dade tàó logo elaboradas c de que, no plano do real. cias permitem fc sàü mesmo 
as únicas a permitir) a conquista da objetividade.
Este problema da construção de estruturas não pré-formadas è, de fato, já 
antigo, embora a maioria dos cpisicnvologistas permaneçam amarrados a hipóte­
ses, sejam aprioristas (até mesmo com certos recuos ao inatismo), sejam empiris 
tas, que subordinam o conhecimento a formas situadas de antemão no indivíduo 
ou no objeto, Toda* as correntes dialéticas insistem na idéia de novidades c pi'<?cu 
ram o segredo delas em “ulirapassagens" que transcenderíam íncessamcmente o 
jogo das tcsxís c da^ antíteses. No domínio da história do pensamento cientifico, o 
problema dás mudanças de perspectiva e mesmo das “revoluções’' nós “puradig 
mas" (Kuhn) sc impõe necessariamente, e L, BruniichviCg extraiu dele uma episte- 
mologia do vir a scr radical da razão. Adstrito às fronteiras mais especificamcntc 
psicológicas, J M, Baldwím forneceu, sob o nome de “ lógica genética”, pareceres 
penetrantes sobre a elaboração das estruturas cognitivas. Pndmmn ser citadas 
íónda diversas outras tentativas.
Mas, se a epistcmologia genética voltou de novo à questão, é com o duplo 
intuito dc constituir um método capaz de oferecer 05 controles c, sobretudo, de 
retornar as fontes, portanto ã gênese mesma dos conhecimentos, de que a episie 
mologiu tradicional apenas conhece üs estados superiores, isto ê, cer tas rcsuiinn 
ces. O que se propòe a epistcmologis genética é pois pòr a descoberto as raízes das 
diversas variedades de conhecimento, desde as suas formas mais elementares, e se­
guir sua evolução até os níveis seguintes, até, inclusive, o pensamento cientifico.
4 PI AG ET
(Ví£.s, $e ejsü gênero de análise COmpOrta uma parte essencial de experimentação 
psicológica, de modo algum significa. por essa razão, um esforço de pura psicolc
,̂ia. Os próprios psicólogos nao se enganaram a esse respeito, e numa citação que 
a . I viericati Psycftoíõgieal Associalion teve a gentileza dc enviar ao autor destas
linhas depara-sc com esta passagem significativa: “Ele enfocou questões até 
então exclusivamente filosóficas de um nrtodo decididamente empírico, e consti­
tuiu a epistemologia como uma ciência separada da filosofia mas ligada a todas 
as ciências humanas", sem esquecer, naturalmente, a biologia. Em outros termos, 
a grande sociedade americana admitiu de bom grado que nossos trabalhos reves­
tiam-se de uma dimensão psicológica, mas a lítulo de bvprúduct, como o escla­
rece ainda a citação, e reconhecendo que a intenção, no coso. era essencial mente 
cpistemológíca.
Quanto ã necessidade dc recuar à gênese, como o indica o próprio termo 
“epistemoiogia gctiética7\ convém dissipar desde logo um possível equívoco, que 
seria dc certa gravidade se importasse em opor a gênese às outras fases da elabo 
ração contínua dos conhecimentos. A grande lição contida no estudo da gênese ou 
das gêneses ò. pelo contrária, mostrar que não existem jamais conhecimentos 
absolutos, Isto significa dizer, em outras palavras, seja que tudo 6 gênese, inclu­
sive a elaboração de uma teoria nova no estado atual das ciências, seja que a gê 
ne.se recua indefinidamente, porque as fases psicogenctieas mais dementares são. 
das mesmas, precedidas de fases de algum modo organogenéticas, etc. Afirmar a 
necessidade de recuar à gênese não significa dc modo algum conceder um privi 
tégio á tal ou qual fase considerada primeira, ahsolutamenie falando: c. pelo 
contrário, lembrar a existência dc uma construção indefinida e, sobretudo, insistir 
no fato de que. para compreender suas razões c seu mecanismo, é preciso conlie 
cer todas as suas fases, ou, pelo menos, o máximo possível. Se fomos levados a 
insistir muito na questão dos começos do conhecimento, nos domínios da psicolo­
gia da criança c da biologia, tal não se deve a que atribuamos a cies uma significa­
ção quase exclusiva: deve se simplesmente a que se traia de perspectivas em geral 
quase totairnente negligenciadas pelos cpmemolügiítâs.
I oda* as demais fontes científicas de informação permanecem pois necessá­
rias. e o segundo aspecto da epistcmologia genética sobre ü qual gostaríamos de 
insistir é sua natureza decididamente intcrdisciplínar. O problema específico da 
epistemologiü, expresso sob sua forma geral. é. com efeito, o Jo aumeruo dos 
conhecimentos, isto é, da passagem de um conhecimento inferior uu mais pobre a 
um saber mais rico (em compreensão e em extensão). Ora, como toda ciência está 
em permanente transformação c não considera jamais seu estado como definitivo 
(com exceção dc certas ilusões históricas, como as do orisiotclismo dos adversá­
rios dc Galílcu ou dá física newtontana para seus COntinuadores). este problema 
genético, na sentido amplo, e n g lo b a também o do p r o g
resso dc todo eonheci 
mento cientifico e apresenta duas dimensões: uma, respeitante às questões de fato 
(estado dos conhecimentos cm um nível determinado e passagem de um nível ao 
seguinte), c outra, acerca das questões de validade (avaliação dos conhecimentos 
em Lermos de aprimoramento ou de regressão, estrutura formai dos conhiximen-
A EP1STEMOLOGLA GENÉTICA 5
tos), Ê. portanto, evidente que. seja qual for a pesquisa em epistemologia genética, 
seja que se trate da evolução de tal setor do conhecimento na criança ( número, 
velocidade, causai idade física, ctc.) oli de tal transformação num dos ramos 
correspondemos do pensamento eienuíico, tal pesquisa pressupõe a colalxsfaçãu 
de especialistas em epistemoíogía da ciência considerada, psicólogos, historia­
dores da5 ciências, lógicos, matemáticos, cultores da cibernética, linguística, etc. 
Este tem sido sempre o método de nosso Centro Internacional de Epistemologia 
Genética cm Genebra, cuja atividade integra] tem consistido sempre de um traba­
lho de equipe. A obra que se .segue é. portanto, sob muitos aspectos, coletiva!
O objetivo deste opúsculo não é, todavia, contar a história desse Centro, nem 
mesmo resumir os Estudos de Epislernotogia Genética que surgiram graças a cic.1 
Nesses. Estudos sc encontram os trabalhos realizados, bem como o sumário das 
discussões que tiveram lugar por ocasião de cada Simpósio anual e que trataram 
das pesquisas em curso. O que nos propomos aqui é simplesmente pôr em desta­
que as tendências gerais da epistcmologia genética c expor os principais fatos que 
as justificam. O plano de trabalho é portanto muito simples: análise dos dados 
psicogenéticos. em seguida de seus antecedentes biológicos c, finalmeiuc, retomo 
aos problemas Cpistemológicos Clássicos. Convêm no entanto comentar este 
plano, pois o.s dois primeiros capítulos poderíam parecer inúteis.
No que di/ respeito em particular d psicagêne&e dos conhecimentos teap. I), 
muitas vezes a descrevemos à maneira dos psicólogos. Mn$ os epistemologistas 
leem a p e n a s uns p o u c o s trabalhos psicológicos, o que é concebível, desde que não 
se destinam explicitam eme a corresponder às suas preocupações. Procuramos 
pois centrar nossa exposição unicamente nos fatos que sc revestem de uma signifi 
cação epistemcilógicâ, t insistindo nesta última: trata-se» cm consequência, de 
uma tentativa nova. em parte, tanto mais que eta toma em consideração um gran 
de número de pesquisas ainda nào publicadas sobre a causalidade. Quanto às rai­
zes biológicas do conhecimento (cap, II), não modificamos muito nosso ponto de 
visia desde a publicação dc Biologia a Conhecimento (Gullinwd. 1967). mas. 
como pudemos substituir essas 430 paginas por menos de uma vintena, estamos 
certos de $ci perdoados por este novo apelo às fontes orgânicas, que era indispen­
sável para justificar a interpretação proposta pela epistemologia genética das rela­
ções entre o sujeito e os objetos.
Em poucas palavras sc encontrará nestas páginas a exposição de uma episte- 
moíogia que é naturalista sem scr positivista* que pÕC em evidencia a atividade do 
sujeito sem ser idealista, que se apoia também no objeto aem deixar dc considerá 
lo como um limite (existente, portanto, independentemente dc nós. mas jamais 
completamente atingido) e que. sobretudo, vé no conhecimento uma elaboração 
contínua: é este último aspecto da epistemologia genética que suscita mais probk 
mas e são estes que se pretende equacionar bem assim como discutir 
exauídivamente.
1 Esta obra «ráçttadâsobo titulo jteral Eludes wm oaixcneroíto volume «uu auwiJirt. {N ân a.)
C a p ít u l o i
A Formação dos Conhecimentos 
(PSícogênese)
A vantagem que um estudo da evolução dos conhecimentos desde suas raízes 
apresenta (embora, no momento, sem referências aos antecedentes biológicos) ê 
oferecer uma resposta à questão mal solucionada do sentido das tentativas cogrn 
ti vas iniciais, A sc restringir ãs posições, clássicas do problema, não se pode, com 
eleito, senão indagar se toda informação cognitiva anima dos objetos c vem de 
fora informar o sujeito* como 0 supunha o empirismo tradicional, ou. se, pelo 
contrário, o sujeito está desde o início munido de estruturas endógena$ que ele 
imporia aos objetos, conforme as diversas variedades de apriorismo ou de inaiis- 
tno. Não obstante. mesmo a muhiplicar os matizes entre as posições extremas (ç 
a história das idéias mostrou o número dessa-s combinações possíveis), o postu­
lado comum dns epistemologias conhecidas é supor que existem em iodos os m 
veis um sujeito conhecedor de seus poderes em graus diversos (mesmo que eles .se 
reduzam à miara percepção dos objetos), objetos existentes como tais aos olhos do 
sujeito (mesmo que cies reduzam a * “fenômenos"), e. sobretudo, instrumentos de 
modificação ou de conquista (percepções ou conceitos), determinantes do trajeto 
que conduz do sujeito aos objetos ou o inverso.
Ora as primeiras lições da análise psicogenética parecem contradizer essas 
pressuposições, Dc uma parte, o conhecimento não procede, em suas origens» nem 
de um sujeito consciente de si mesmo nem dc objetos já constituídos (do ponto dc 
vista do sujeito) que a ek se impariam. O conhecimento resultaria dc interações 
que se produzem a meio caminho entre oh dois. dependendo, portanto, dos dois ao 
mesmo tempo, mas em decorrência de uma indiferenciação com pieis c não de 
intercâmbio entre formas distintas. De outro lado, o, por conseguinte, se não há. 
no início, nem sujeito, no sentido epistemológico do termo, nem objetos concebí 
dos como tais, nem. sobretudo, instrumentos invariamea rir troca, o problema ini 
dal do conhecimento serâ pois o do elaborar tais mediadores. A partir da zona dc 
contato entre o corpo próprio e as coisas eles se empenharão então sempre mais 
adiante nas duas direções complementares do exterior c do interior, c ê desta 
dupla construção progressiva que depende a elaboração solidária do sujeito e dos 
objetos.
Com efeito, o instrumento de troca inicial não é a percepção, como os racío 
nalistas demasiado facilmente admitiram do ernpirismo, mns. antes, a própria 
ação em sua plasticidade muito maior. Sem dúvida, as percepções desempenham
A EPrSTEMOLOGIA GENÉTICA
um papel essencial, mas das dependem cm parte da açao em seu conjunto, c cer­
tos mecanismos pcrceptivos que se poderíam acreditar inatos ou muito primitivos 
(como o "efeito túnel" de Mjchotte) só se constituem a certo nível da construção 
dos objetos. De modo gerai» toda percepção cliega a conferir significações rclati 
vai à ação aos dementas percebidas (J. Bruner Tala. nesse sentido, de "identifica 
ções'\ cf. Eludes, vül. VI. cap. 1] c C poii da ação que convém partir. Distingui- 
remos a este respeito dois períodos sucessivos: o das açõ-es sensOrio-motoras 
anteriores a qualquer linguagem uu a toda concepLualizaçãc representativa, c o 
das ações coiriplctadas por estas novas propriedades, a propósito dos quais se co 
toca então o problema da tomada de consciência dos resultados, intenções e 
mecanismos dos aLos. isto ê. de sua tradução em termos de pensamento 
concepmalizado,
/. Os níveis sensórit) mvtores
No que diz respeito às ações sensório-motrizes, J. M. BalcMn mostrou, há 
muito, que o Cactcmc não manifestn qualquer índice de uma consciência dc wli eu. 
nem de uma fronteira estável entre dados do mundo interior e do universo c.vtcrno. 
"adualisnrro" este que dura até o momento cm que a construção des.se eu sc torna 
possível em correspondência e em oposição com o dos outros. De nossa parte, 
fizemos notar que o universo primilivu não comportaria objetos permanentes até 
uma época coincidente com o itnere&sa pala pessoa dos outros». wvndo os primeiros 
objetos dotados dc permanência constituídos precisamentc dessas personagens 
(resultados verificados com minúcia por Tb. GOúiíi-Déicarse. em um estudo sobre 
a permanência dos objetos materiais c sobre seu sincronísmo com «s '‘relações 
objetais", neste sentido freudiano cio interesse por outrem).
Em uma estrutura dc 
realidade que não comporte nem sujeitos nem objetos, evidentemente o único 
liaine possível entre o que sc tornará mais tarde tim sujeito c objetos é constituído 
por ações, rnas ações dc um tipo peculiar, cuja significação cptstemoiógfoa parccc 
esclarecedora. Com efeito, tanto no terreno do espaço como no dos diversos feixes 
perceptivos cm construção* o laciemc tudo relaciona a seu corpo como sc dc fosse 
o centro do mundo, más um centro que a d mesmo ignora. Em omíe-íls palavras, a 
ação primitiva exibe simultaneamente uma indiferenciação completa entre o sub 
jctivo c o objetivo c uma ecnirãçãõ fundamental, embora radical mente incons 
cíentc. em razão de achar-se ligada a está mdiíerenciação.
Qual podería ser, no entanto, o laço entre esses dois aspectos? Sc existe uma 
indiferenciaçao entre o sujeito e o objeto ao potuo que o primeiro não se conhece 
nem mesmo como fonte de suas ações, por que seriam elas centradas no corpo 
próprio ao passo que a atenção estaria fixada tio exterior? O termo "egocentrismo 
radical" de que nos valemos para designar esta certtraçào pode. ao invés (mal­
grado nossas precauções}, parecer evocar um eu consciente (e é ainda mais o caso 
do "narcisismo" freudiano no passo que se Lríitu du- um RaróisismCi sem Narciso), 
De lato. a indiferenciaçao e a eeruração das ações primitivas importam ambas em 
um lercêiro aspecio que lhes é geral: elas ainda nào estão coordenadas entre sí, e
PIAGET
constituem, cada uma. um pequeno iodo isolável que liga diretamcníc o corpo 
próprio ao objeto (sugar, olhar, segurar, etc.). Dai decorre uma falta de diferencia­
ção. pois o sujeito não se afirmará em seguida a não ser coordenando livremente 
suas ações, e o objeto não se constituirá a não ser se sujeitando ou resistindo às 
coordenações dos movimentos ou posições em um sistema coerente. Por outro 
lado, como cada ação forma ainda um todo isotável, sua única referência comum 
e constante só pode ser t» corpo próprio, donde uma centraçâo automática sobre 
ele. embora não desejada nem consciente.
Para verificar esta conexão entre a falta de coordenação das ações, a indilc- 
renciaçâo do sujeito e dos objetos e a ccntração sobre o corpo próprio, basta lem 
br ar o que sc passa entre esse estado Inicial e o nível dos 18 aos 24 meses, inicio 
da função semiótica e da inteligência representativa. Neste intervaio de um a dois 
anos reali/a-se. dc fato, mas ainda apenas no plano dos atos materiais, uma e$pé 
cie de revolução copémiciana que consiste em descentralizar as açoes em relação 
ao corpo próprio, cm considerar este como objeto entre os demais num espa 
çõ que a iodos contém e em associar as ações dos objetos sob o efeito das coorde­
nações de um sujeito que começa a se conhecer como fonte ou mesmo senhor de 
seus movimentos. Com efeito (c i esta terceira novidade que acarreta as duas 
outrasj. presefiCia-sc. em primeiro lugar, nos níveis sucessivos do período sensó- 
rio-motor, uma coordenação gradual das ações, bm lugar de continuar cada uma 
a Formar um pequeno todo encerrado cm si mesmo, das chegam, mais ou menos 
rapidamente, pelo jogo Fundamental das assimilações recíprocas, a se coordenar 
entre si até constituir esta conexão entre meios e fins que caracteriza os atos da 
inteligência propriamente dita, Ê nesta ocasião que se constitui o sujeito na medi 
da em que fonte de ações e pois de conhecimentos, por isso que a coordenação de 
duas dessas ações supõe uma iniciativa que ultrapasss a interdependência ime 
diuca a que se restringiam as condutas primitivas entre uma coisa exterior c o 
corpo próprio, Mas coordenar ações quer dizer deslocar objetos, e. na medida cm 
que esses deslocamentos são submetidos a coordenações, o Agrupo de desloca* 
mentos" que sc elabora progressivameme a partir desse fato permite, em segundo 
lugar, atrihuir aos objetos posições sucessivas, também estas determinadas. O ob 
jeto adquire, por conseguinte, certa permanência espaço-temporal donde a 
espacializaçáo e objetivação das próprias relações causais. Tal diferenciação do 
sujeito e dos objetos que acarreta a substanciação progressiva destes, explica cm 
definitivo esta inversão total das perspectivas, inversão esta que leva o sujeito a 
considerar seu próprio corpo como um objeto no seio dos demais, cm um universo 
es paço-temporal e causai do qual ele vem a tomar se parte integrante nu medida 
cm que aprende a atuar efieazmcmc sobre cEc.
fcm resumo, a coordenação das ações do sujeito, inseparável das coordena­
ções espaço temporais c causais que ele atribui ao real, c ao mesmo tempo fonte 
das diferenciações entre este sujeito e os objetos, e desta descentralização no 
plano dos atos materiais que vai tornar possível com o concurso da função semíó 
Lica a ocorrência da representação ou do pensamento Mas essa coordenação 
mesma acarreta um problema epistemológico, embora ainda limitada a esse plano
a
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA 9
dc ação. c a assimilação reciproca invocada para esse fim ê utn primeiro exemplo 
dessas novidades, a um tempú não predeterminadas e vindo a ser. entretanto, 
“necessárias ’, e que caracterizam o desenvolvimento dos conhecimentos. Importa 
pois insistir nisto um pouco mais a partir do início.
A noção fundamental peculiar à psicologia de inspiração empíristq é a da 
associação que, assinalada jã por Hume, permanece muito em voga nos meios 
considerados comportarnentistas ou reflexo lógicos. Contudo, esse conceito dc 
associação refere-se tão-somente a um liíirrre exterior entre os elementos associa 
dos, ao passo que a noçuo dc assimilação {Etitdes, vol, V.cap, 111) implica a de 
integração dos dados a uma estrutura anterior ou mesmo a constituição dc nova 
estrutura sob a forma elementar de um esquema, No que se refere a ações primitr 
vas, não coordenadas entre si, dois casos são possíveis; ao primeiro a estrutura 
preexiste por ser hereditária {por exemplo, os reflexos dc sucção) e a assimilação 
c o n s is te apenas tm incorporar-lhe novos objetos não previstos na programação 
orgânica. No segundo caso, a situação é imprevista: por exemplo, o Í ac tente pro­
cura apreender um objeto pendurado, mas. no decorrer de uma tentativa frustra­
da. limita-se a locá-lo e se segue então um balançar que lhe interessa com o espetá­
culo inédito. Então ele tentará consegui-lo novamente, donde o que sc p od ería 
chamar uma assimilação reprodutora ífaster nuvamenle o mesmo gesto) e a forma­
ção de um início de esquema. Em presença de outro objeto pendurado c3e o assi­
milará a esse mesmo esquema,donde uma assimilação recognitiva, c á medida que 
repita a ação nesta nova siiuaçâo, uniu assimilação generalizadora, e esses irès 
aspectos: repetição, reconhecimento c generalização poderem repetir sc dc ime 
diato. lim a vez admitida isto. a coordenação das ações por assimilação reciproca 
que SC tratava de apreender representa ao mesmo tempo uma novidade em relação 
ao que precede e um desenvolvimento do mesmo mecanismo, Pode-se reconhecer 
aí duas fases, a primeira das quais é, sobretudo, um desenvolvimento: ela consiste 
ém assimilar um mesmo objeto a dois esquemas, ao mesmo tempo, o que repre­
senta um começo dc assimilação recíproca. Por exemplo, se o objeto balançado 
ou sacudido produz um som, pode tomar-sc alternada ou simultaneamente uma 
coisa a contemplar ou algo a escutar, donde uma assimitaçào recíproca que con­
duz entre outras coisas a agitar seja que brinquedo for para sç dar coma dc ruídos 
que possa emitir. Num caso como este o propósito e os meios permanecem relaií- 
vamente indiferenciados. mas numa segunda fase em que ressalta a novidade, a 
criança atribuirá um objetivo ao seu gesto artics de poder atingi-lo c utilizará 
diferentes esquemas de assimilação a titulo de meios para o conseguir: Abalar por 
meio de sacudidelas, etc., clc.; o teto do berço paia fazer balançar os brinquedos 
sonoros que ali se penduram e que continuam inacessíveis à mão, etc. _
Por modestos que sejam esses começas, pode se ver neles um processa
em 
curso que sç desenvolverá cada vez mais depois; u elaboração dc combinações 
novas por meio de uma conjunção de abstrações obtidas a partir dos próprios 
objetos ou, e isto ç fundamental, dos esquemas de ação que se exercem sobre eles. 
Ê desse modo que o fato de reconhecer em mn objeto pendurado uma coisa a 
balançar comporta antes de mais nada uma abstração a parar dos objetos. Por
10 PIAGCT
outro lado. coordenai meios c fins respeitando a ordem de sucessão dos movimen 
Los a realizar constitui uma novidade em relaçào aos atos globais no seio dos 
quais meios e fins permanecera indifereneiados, mas esta novidade é adquirida de 
modo natural a partir de tais atos por um processo que consiste em extrair deles 
as relações de ordem, ajustamento, erc_, necessárias a esta coordenação. Nesse 
caso a abstração jã não è mais do mesmo tipo e se orienta na direção daquilo que 
chamaremos abstração refletidora.
Ve se desse modo que a partir do nível sensóno-motor a diferenciação nas­
cente do sujeito e do objeto se assinala ao mêsmo tempo peia formação de coorde­
nações ç pela distinção entre duas espécies entre elas; de uma parte, as que reli 
gam entre si as ações do sujeito e. de outra as que dizem respeito às ações dos 
objetos uns sobre os outros. As primeiras consistem em reunir ou dissociar certas 
ações do sujeito ou seus esquemas, as ajustar ou ordenar, pô las em correspon 
dêncía umas com as outras, etc,, cm outras palavras, cias constituem as primeiras 
fôrmas dessas coordenações gerais que estão na base das estruturas lógieo-matc- 
málicas cujo desenvolvimento ullcnor será tão ennsiderãveí. As segundas vêm a 
conferir aos objetos uma organização espaço temporal, einemática ou dinâmica 
análoga à das ações, e seu conjunto fica no ponto de partida dessas estruturas 
causais cujas manifestações sen sorto-motoras sào já evidentes e cuja evolução 
subseqiiente è tão importante como a dos primeiros tipos. Quanto às ações parti 
c ui ares do sujeito sobre os objetos, cm oposição às coordenações gerais de que 
acabamos de tratar, elas participam da causalidade na medida em que ítodi ficam 
material mente esses objetos ou .1 disposição deles (as condutas instrumentais, por 
exemplo) c do esquematismô prc-lógico na medida cm que efas dependem das 
coordenações gerais de caráter formal (ordem, etc.). Desde antes da formação da 
linguagem, da qual certas escolas, como o positivismo lógico, exageraram a 
Lmportãncia quanto á estruturação dos conhecimentos, vese pois que estes se 
constituem no plano da própria ação com suas btpolaridades lógico-matcmática c 
física, logo que. graças às coordenações nascentes entre as ações, o sujeito e os 
Objetos começam a so diferenciar ao afinar seus instrumentos de intercâmbio. Mas 
estes permanecem ainda de natureza material, porque constituídos de ações, e 
uma longa evolução será necessária até sua subjetivação cm operações.
II. O primeiro nível do pensamento pré opcratâriò
Desde as ações elementares iniciais, não coordenadas entre si c não sufi 
cientes para assegurar uma diferenciação estável entre sujeito c objetos, às morde 
nações com diferenciações, realizou se um grande progresso que basta para 
garantir a existência dos primeiros instrumentos de interação cognitiva. Mas estes 
estão situados ainda num único e mesmo plano; o da ação efetiva ç atual, isto é, 
não refletida num sistema conceptuaLizado. Os esquemas de inteligência sensó- 
rio-motòra não sàu, com efeito, ainda conceitos, peto fato de que nào podem ser 
manipulados por um pensamento e que só entram em jogo no momento de sua 
utilização prática c material, sem qualquer conhecimento de sua existência
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
enquanto esquemas, à falta de aparelhos semíóÜCOS para OS designar e permitir 
sua tomada de consciência. Com a linguagem, o jogo simbólico, a imagem men­
tal. clc., a situação muda. por outro lado, de modo notável; às ações simples que 
garantem as interdejietiííüiiciHS diretas entre o sujeito e os objoLos se superpõe cm 
certos casos um novo tipo de ações, que é interiorizado e mais precisam ente 
cortccptualizado: por exemplo, com mais ospacidade de sc desloca; de A para B, 
o sujeita adquire o poder de representar a si mesmo esse movimento AB t. de 
evocar pelo pensamento outros deslocamentos.
Todavia, percebem se â primeira vista as dificuldades de tal ínteriorízação 
das ações. Em primeiro lugar, a tômàda dc consciência da açào ê sempre parcial: 
o sujeito representará a si mesmo mais ou menos facilmente o trajeto AB assim 
como, muito por alto, os movimentos executados, mas o pormenor lhe escapa c 
mesmo na idade adulta terá muita dificuldade de traduzi; em noções e de 
compreender com alguma precisão as flcxõcs c extensões dos membros no decor 
rer desta marcha. A tomada dc consciência procede pois- por aco lha í cequemati 
zação representativa, o que implica já uma conceptualização. fcm segundo Sugar, 
a coordenação dos movimentos AB, BC, CD. ele., pode atingir, nó nível senso 
no-motor. a estrutura de um grupo de deslocamentos na medida em que a passa 
gena de cada trajeto pardal ao seguinte c orientado pelo reconhecimento de índi­
ces perccplivós cuja sucessão assegura as ligações; ao passo- que, a querer se 
representar eonceptualméntc um tal si&lema, tratar se-á de traduzir o sucessivo 
numa representação de conjunto dc elementos quase simultâneos. Tanto as esque 
malizações da (amada dc consciência como esta condensação dc ações sucessivas 
em uma totalidade representativa abrangem num único ato m sucessões temporais 
que conduzem então a suscitar o problema das ecordencições cm termos novos, 
tais que os esquemas tmanenws às ações sejam transformados em conceitos mó 
veis suscetíveis de ultrapassar a estes em os representando,
De fato, seria muito mais simples admitir que a interiorizaçào das ações 
cm representações ou pensamento consiste apenas cm refazer o Seu curso ou irna- 
gúnivlati por meio de símbolos ou de signos (imagens mentais ou linguagem) sem 
as modificar ou as enriquecer com isso. Em realidade esta interiorização é uma 
conceptualtznção com rudo o que esta comporta dc translbnnação dos esquemas 
em noções propriamente ditas, por mais rudimentares que elas sejam (não faiare 
mos a este respeito senão em ^pré coi»ccilosv). Ora, uma vez que o esquema 
n lo se constitui abjeto de pensamento, mas reduz se à estrutura interna das açoes, 
ao passo que o conceito é manipulado pela representação e pçlã linguagem, se­
gue-se que a imeriorizaçào das ações pressupõe sua reconstrução num plano su­
perior e, cm consequência, a elaboração de uma série de novidades irredutíveis 
aos in\irumemos do plano inferior, Busca para que se convença disso constatar 
que aquilo que e adquirido no nível da uilcligcnvia ou da ação >t?n sório - m o to ra 
não proporciona; dc modo algum à primeira vista uma representação adequada 
rtO p lano do pensam ento: por exem p lo , crianças de 4 ii 5 ílrtos cxUmlniidu.^ por 
A. Szeminska sabiam perfeilamente seguir sozinhas o caminho que as conduzia 
dc suas casas à escola e o inverso, mas sem ser capazes de representar esse ca mi
n PIAGET
nho por meio de um material que figurasse os principais pontos de referência 
citados (edifícios, etc.). Dc modo geral nossos trabalhos sobre as imagens mentais 
com B. Inhelder (/I Imagem M ental na Criança) mostraram o quanto elas perma­
neciam sujeitas ao nível dos conceitos correspondentes em lugar de figurar livre 
mente o que pode ser percebido de maneira imediata em matéria de transforma­
ções ou mesmo dc simples movimentos.
A rn/ào essencial dessa defasagem entre as açòes senso rio motoras e a açào 
interiorizada ou conceptualizada é que as primeiras constituem mesmo no nível 
em que há coordenação entre vários esquemas, uma sequência de mediadores 
sucessivos entre o sujeito é os objetos mas dc que cada um permanece purameme 
atuai: d a se acompanha já, é verdade, de uma diferenciação entre esse sujeito e 
esses objetos, mas nem aquele nem estes sào pensados na medida
cm que revesti­
dos dc outros caracteres que os do momento presente. No nível da ação concep 
tualizada, pelo contrário, o sujeito da ação (trate-se do eu ou de um Objeto qual­
quer) é pensado com seus caracteres duráveis (predicados ou relações), os objetos 
du ação ígualmcrtce. e a própria ação è conceptualizada na medida em que trans­
formação particular entre muitos outros represetuáveia entre ou termos dados ou 
entre termos análogos, t ia está. portanto, graças ao pensamento, situada num 
contexto espaço temporal bem mais amplo, o que lhe confere uma situação nova 
como instrumento de troca entre o sujeito e os objetos: de fato, à medida que pro 
gridem as representações, as distâncias aumentam entre elas e seu objeto. nt> 
tempo como no espaço, isto c, a série das ações materiais sucessivas, más cada 
qual momentânea, é completada por conjuntos representativos suscetiveis de evo 
cor num todo quase simultâneo ações ou acontecimentos passados ou futuros 
assim como presen tes e especial mente distanciados assim como próximos.
Disso resulta, dc uma parte, que desde os comcços deste período do conhecí 
mento representativo pré operatório assinalam-se progressos consideráveis no 
duplo sentido das coordenações internas do sujeito, logo, das futuras estruturas, 
operatórías ou lógico matemáticas, e coordenações externas entre objetos, logo. 
causalidade no sentido amplo com suas estruturações espaciais e einemátícas. Em 
primeiro lugar, com efeito, o sujeito toma-se rapidamente capaz de inferências 
elementares, dc classificações cm configurações espaciais, de correspondências, 
etc. Km segundo lugar, a partir do aparecimento precoce dos “por que?'" assiste-sc 
a um início dc explicações causais, Há pois ai um conjunto de novidades essen­
ciais em relação ao período sensário-motor e não se poderíam tornar responsáveis 
por cias apenas as transmissões verbais, poiqutr os surdos-mudos, embora cm 
retarde em relação aos normais à falta de incitações coletivas suficientes, delas 
não apresentam menos estruturações cognitivas análogas às dos normais: trata se 
pois de função semiótica em geral, proveniente do progresso da imitação (conduta ' 
sensório motora mais próxima da representação, mas em atos), c não à linguagem 
apenas se deve atribuir este giro fundamenta! na elaboração dos instrumentos de 
conhecimento. Em outros termos, a passagem das condutas sensório-rnoioras às 
ações conccptualizadas não se deve apenas à vida social, mas também ao pro­
gresso da inteligência pré verbal em seu conjunto e k imeriorização da imitação
A liPISTf-MOLGGIÀ GENÉTICA
em representações. Sem esses fatores prévios em parte endôgenos. nem a aquisi­
ção da linguagem nem as transmissões e interações sociais seriam possíveis, pois 
que constituem delas am adas condições necessárias.
Mas. por Outra parto, importa insistir também na questão dos limites dessas 
inovações nascentes porque seus aspectos negativos sào de algum modo tão 
instrutivos do ponto de vista da epíslemologia quanto os positivos, ao nos mostra­
rem as dificuldades bem mais duráveis do que parece em dissociar os objetos do 
sujeito ou era elaborar operações, lógico-maremáticas independentes dn causali 
dade c suscetíveis de fecundar as explicações causais em consequência desta 
diferenciação mesma. Por que, com deito, o período de 2-3 u 7-8 anos permanece 
pré-operatório c por que. antes de um sub perto do de d-6 anos em que o sujeito 
chega a uma semilógica (no senLido próprio que analisaremos em breve), é preciso 
até falar de um primeiro subperiodo tm que as primeiras "funções constituintes" 
não estão ainda elaboradas? £ que a passagem da ação ao pensamento ou do 
esquema sensóiio motor ao conceito não se rçali%& sob a forma dc uma revolução 
brusca, míts. pelo contrário, de uma diferenciação lenta e laboriosa, que se rçla 
cioiiii às transformações da assimilação.
A assimilação própria dos conceitos cm seu estado de acabamento recai 
essendaimeme sobre os objetas compreendidos por eles e sobre seus caracteres. 
Sem falar ainda da reversihilidade riem da trajisiiivida.de operatórias. ela virá por 
exemplo a reunir todos os A numa mesma ciasse porque eles Sãrt assimiláveis por 
seu caráter a a: ou a afirmar que todos os A são também B porque além do cará 
ter a possuem todos o caráter b; pelo contrário, nem todos os B são A. mas ape 
nas alguns, porque nem todos apresentam o caráter a, etc. Assim, esta assimilação 
dos objetos entre si que constitui o fundamento dc uma classificação acarreta uma 
primeira propriedade fundamental do conceito: a norma do "todos7’ e do "ai 
guns‘\ Por outro lado, na medida cm que um caráter x é suscetível de mais e dc 
menos (ou mesmo sc dc exprime apenas uma ca propriedade 5 determina a co 
pertença a uma mesma classe), a assimilação inerente á comparação dos objetos 
lhe atribuirá uma natureza relativa c o peculiar desta assimilação conecpiual c 
igualmcntc constituir tais relações ao ultrapassar os falsos absolutos inerentes as 
atribuições puramente predicatívas. Em contrapartida, 3 assimilação peculiar dos 
esquemas sensório-motores comporta duas diferenças essenciais com o que prece 
de, A primeira é que. à falta dc pensamento ou representação. <? sujeito nada 
conhece da “ extensão" dc tais esquemas, não podendo evocar as situações não 
percebidas atualmente nem julgar situações presides 11 não ser em “compreen­
são". isto é, por analogia direta com as propriedades c£as situações anteriores. Em 
segundo lugar, esta analogia também não vem evocar estas* mm; apenas reconhe­
cer perceptivamentc certos caracteres que desencadeiam então as mesmas ações 
que essas situações anteriores. E111 outros lermos, a assim ilação por esquemas 
envolve certos propriedades dos objetos, mas exclusivamente no momento em que 
eles são percebidos c de modo Indissociado em relação às ações do sujeito aos 
quais correspondem (salvo cm cenas situações causais em que as ações previstas 
são as dos próprios objetos por uma espécie de atribuição de ações análogas às do
ia
14 P1AGET
sujeito), A granou distinção epistemológica entre as duas formas de assimilação 
per esquemas sensórioinotores e por conceitos é pois que a primeira diferencia 
ainda mal os caracteres do objeto dos caracteres das ações do sujeito relativas a 
esses objetos,, ao passo que a segunda recai sobre í>s objetos só, porém ausentes do 
mesmo modo que presentes, e de uma só vez liberta o sujeito de suas ligações com 
a situação atual dando-lhe então o poder de classificar, seriar, pôr em correspon­
dência, etc., com muito mais mobilidade e liberdade.
Ora, o ensino que o primeiro subestágio do pensamento pré-uperatório (de 2 
á 4 anos) nos oferece é que, de uma parte, os únicos mediadores entre o sujeito c 
os objetos são apenas prê-conceitos é pré-reiaçòes (sem norma para o “todos” e o 
“alguns" para os primeiros nem a relatividade das noções para os segundos) e 
que. de outra parte c reciprocam ente, â única causalidade atribuída aos objetos se 
conserva p&ícomórfica, pela iudírercnciação completa com as ações do sujeito.
N'o que diz respeito ao primeiro ponto pode-se, por exemplo, apresentar aos 
sujeitos algumas fichas vermelhas e redondas e algumas fichas azuis, das quais 
umas são redondas e outras quadradas; nesse caso a criança responderá facil­
mente que todas as redondas sào vermelhas, mas recusará admitir que todas as 
quadradas são azuis ‘ pois há também a* azuis que são redondas”- De maneira 
geral ela identifica facilmente duas classes dc mesma extensão, mas nau com­
preende uirtdy a relação dc subdasse da classe, por falta de uma norma para o 
"todos” c “alguns” . Ainda mais. em numerosas situações da vida corrente ela Lerá 
dificuldade em dustinguir diante de um objeto ou pessoa x se se trata de um mesmo 
termo individual ,v que permanece id.cnLico a si mesmo ou dum representante qual­
quer de x ou x 'da mesma classe X; o objeto permanece assim a meio caminho do 
indivíduo c da classe por uma espécie de participação ou dc exemplar idade.
Por 
exemplo, uma meninazinhâ, Jaquelina. ao ver uma fotografia $ua quando era 
menor, dirá que "é Jaqueltna quando ela era Luciana ( « sua irmã caçula)”, ou 
então uma sombra ou uma corrente dc ar produzidas sobre a mesa de experiência 
podem ser também “ a sombra de debaixo das árvores” ou “o vcnlu” de fora como 
efeito individual decorrente da mesma classe. Assim também, em nossos estudos 
sobre a identidade (vol. XXIV dos Études), isto procede, no presente nível, por 
assimilações semigcnèricas às ações possíveis mais que em se fundando sobre os 
caracteres dos objetos: as pérolas d ispersa dum colar desfeito são “o mesmo 
colar” porque se pode refazê-lo. etc.
Quanto às prc*rdações, podem ser observadas em profusão nesse nível. Por 
exemplo, o sujeito 4 tem um irmão B. mas contesta que este irniào B Lenha um 
irmão, pois são apenas “dois na família”. Um objeto A está à esquerda de B, mas 
não pode estar à direita de outra coisa, porque, se está à esquerda, trata-se dc um 
atributo absoluto incompatível com qualquer posição à direita. Sc numa scriação 
tem-se A < B < C , o termo B não pode &er senão "meio” porque uma qualificação 
"menor que” exclui a de “ maior que”, etc.
Em uma palavra, esses pré-conceitos e pré-relações permanecem a meio 
caminho do esquema de ação c do conceito, à falta de dominar com bastante dis­
tância a situação imediata e presente, como deveria ser 0 caso da representação
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA 15
cm oposição à ação* Este apego durável à ação, tom u que d a comporia de cone­
xões cm parte indíferenciadas entre o sujeito e os objetos* uclut-sc entào na causa­
lidade deste nível* que permanece fundamentatmente psicomôrfico: os objetos são 
espécies de seres vivos, dotados dc certos poderes parecidos com Os da própria 
ação, tais como empurrar, puxar, atrair, etc., tanto a distância corno por contato, 
seja qual for a direção das forças ou com uma direção exclusiva que é a do agente 
independem temente dos pomos de impacto sobre os objetos passivos,
III. O segundo nível pré operaíório
fcíste segundo subesiagio (5 á 6 anos) é assinalado por um início de deseenlra 
çao que permite o descobrimento dv cerias ligações Objetivas graças a isto que 
chamaremos "'funções constituintes". Dc um modo geral c muito surpreendente 
encontrar entre esta segunda Fase da inteligência representativa prè-operatória e a 
primeira as mesmas relações que entre u segunda c a primeira das Fases da inteli­
gência sensórío-motora descritas na seçào l: a passagem de um egocentrismo bas 
tante radicai a uma descontraçâo relativa por objeuvaçâü c cspaciaiízaçào, A dife­
rença é que. no nível sensoriõ-motor. a ecntrnçSo inicial se liga ao corpo próprio 
(sem que o sujeito tenha consciência disso), ao passo que com a conceptualização 
do nível de 2 :i 4 anos há (sem também que o sujeito suspeite do fato) simples assi­
milação dos objetos e de seus poderes com caracteres subjetivos da ação própria: 
no plano superior que c o dos preconceitos c pre-relaçOcs, rcprodüz &e aasim uma 
contração inicial a análoga, j-hiís que se trata de reconstruir neste novo plano o que 
jã fora adquirido no nível sensório-motor. Após o que se encontra uma descentra 
çno do mesmo modo análoga, mus entre conceitos ou ações çonecptuali/adus e 
nâo mais apenas ernre movimentos, e devida também eia ãs coordenações 
progressivuã que, no caso particular, assumirão a forma de funções {Études, vol. 
XXIII).
Por exemplo, uma criança de 5 a 6 anos sabe em geral que se $e empurra 
com um lápis uma plaquem retangular em seu meio ela avança "em linha reta"; 
mas se ú puxada de Indo “ela roda". Ou então em presença de um fio disposto em 
ângulo reto (r), ela saberá prever que puxando uma de suas extern idades mn dos 
seus segmentos aumenta e o outro diminui de comprimento* etc. Hm outras pala 
vras, cm tais casos as pré-relações tornam-se verdadeiras relações, e isto sob o 
efeito dc suas coordenações porque uma da.s variáveis se modifica sob n depen­
dência funcional da outra,
Esta estrutura de Função, rui medida em que dependência entre as variações 
dç dois termos que são propriedades relacionais dc objetos, é dc grande fecuudi 
dade e não c sem motivos que os neokantianos procuravam nela uma das caracte­
rísticas tia razão, No caso particular deste nível, falaremos de funções consli 
tilintes e não ainda constituídas, porqm; estas últimas, que se formarão no estágio 
das operações concretas, compnrrnm uma quantificação efetiva. :u> passo que as 
primeiras permanecem qualitativas ou ordinais, Mas estas não deixam também de 
apresentar as características fundamentais da função que são o ser uma aplicação
16 P1AGET
unívoca "à direíxfí” (isto é. na direção desta aplicação). Apenas, por importante; 
que seja esta estrutula nova (em sua novidade rtàu contida de antemão nos pre­
conceitos c pré relações do nível precedente por isso que devida às próprias 
coordenações), nàu comporta menos limitações essenciais, que fazem deía um 
termo de passagem entre as ações e as operações e não absolulamentc ainda um 
instrumento de conquista imediata destas últimas.
Com efeito, a função constituinte não é reversível como tal. mas é orientada 
e como carente de reversibiiidade não comporta portanto ainda conservações 
necessárias. No exemplo do fio disposto em engulo reto. o sujeito sabe bom que 
puxando um des segmentos, digamos A. o outro (B) diminui, mus á falta dc 
quantificação de rtão suporá a igualdade ü> À = A B: o segmento puxado é em 
geral considerado como se alongando mais do que o outro se encolhendo; e sobre­
tudo o sujeito não admitirá a conservação do comprimento total A + B. Verifi 
ca-se portanto apenas uma .semilógica, à falta de operações inversas, e não ainda 
unia estrutura operalõria. Ora. este aspecto orientado e não intrinsecameiue rever 
sível da função constituinte apresenta uma significação epistemoJógtea interes 
sante que è mostrar suas ligações ainda duráveis com os esquemas dc açao: com 
efeito, a açãn por si só (isto C\ não promovida ainda à categoria de operação) ç 
sempre orientada no sentido dc um objetivo, donde o papel lutalmenie recundante 
da noção dc ordem neste nível4, por exemplo, um trajeto c ”mais longo” se chega 
“'mais longe" (independentemente dos pontos de partida), etc. Em suma, a função 
constituinte, na medida em que orientada, representa a estrutura sem ilógica mais 
apui u traduzir as dependências reveladas pçla ação e seus esquemas, mas sem que 
elas atinjam ainda a reversibilidadc c a conservação que caracterizarão as 
operações,
Por outro lado. na medida em que ela exprime as dependências interiores ú 
ação enquanto mediadora entre o sujeito e os objetos. □ função participa, também 
como ação, de uma dúplice natureza, dirigida ao mesmo tempo no sentido da lógi 
ca (uma vez que suscita coordenações gerais entre os atos) e no sentido da eausali 
dade (visto que exprime dependências materiais). Resta nos pois lembrar os gran 
des traços da pré-lógica e da causalidade próprias a este nível dc 5 a 6 anos 
imediatamente anterior ao das operações concretas.
No que concerne à lógica, o primeiro progresso devido às coordenações entre 
as ações ctmcepLualíiradas é a diferenciação constante do indivíduo e da classe, o 
que se assinala cm particular quanto á natureza das classificações. No nível prece 
dente, essas consistem ainda çm "coleções figurais” , isto c. os conjuntos dc cie 
Piemos individuais são construídos com apoio não somente em Mcmelhunças e 
diferenças, mas em convergências de diversas naturezas (uma mesa e o que se põe 
sobre da, etc.) e sobretudo com a necessidade de atribuir ao conjunto uma confi­
guração espacial (ordenadas, quadradas, etc.) como se a coleção só existisse 
qualificando sc a st mesma por meio de propriedades individuais à falta dc disso­
ciar a extensão da compreensão. Esta última indífercncriação vai tão longe que. 
por exemplo, cinco elementos tomados a uma coleção de rfez no mais das vezes 
deverão dar menos dc cinco elementos iguais tirados de uma

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