Buscar

Pos graduação - GUILHERME NUCCI

Prévia do material em texto

DR. GUILHERME NUCCI – AULA 1
PRINICIPIO DA DIGNIDADE HUMANA
Conceito
Com previsão expressa no art. 1º, III, da Constituição Federal, a Dignidade da Pessoa Humana é um princípio regente, de valor pré-constituinte e hierarquia supraconstitucional, sustentáculo da efetividade das propostas do Estado Democrático de Direito, cuja missão é a preservação do ser humano, garantindo-lhe não só o mínimo existencial, mas conferindo-lhe autoestima.
Possui duas dimensões:
A. Objetiva = referente ao mínimo existencial, indispensável para atender as necessidades básicas (saúde, segurança, educação, alimentação, transporte, moradia...)
B. Subjetiva = relativa a liberdade individual de formação da personalidade, garantindo o respeito de suas escolhas e convicções particulares, inerentes a autoestima do sujeito.
Se por um lado o Estado deve garantir o mínimo necessário para a sobrevivência do indivíduo, de outro, deve assegurar o livre desenvolvimento das atividades e vontades pelo cidadão.
Aspectos criminais
É certo que a prática de qualquer infração penal sempre ofende, de algum modo, a dignidade humana, uma vez afetados direitos e garantias fundamentais (como vida, integridade física, honra, intimidade, liberdade...).
Certas infrações, contudo, evidenciam com maior profundidade o mandamento de respeito ao ser humano como tal, primando pela sensibilidade, humanidade e bondade. É o caso do crime de tortura, que trata de um constrangimento específico, em face da dignidade da pessoa humana, delito intolerável, cuja gravidade tem reflexo nas particulares sanções cominadas.
No mesmo bojo está inserido o crime de racismo, em vista da discriminação de determinados grupos sociais e sua consequente segregação, em detrimento de valores fraternos, éticos e altruístas.
Denota-se que, em verdade, o objetivo perseguido pelo Direito é a convivência harmônica entre os seres humanos, primando-se pela manutenção da paz pública.
Incidência quanto ao infrator
Nem se olvide que, não só a vítima, mas também o autor de determinada infração penal goza dos direitos indispensáveis à preservação da dignidade da pessoa humana, uma vez inerente à sua própria natureza de ser humano.
Com efeito, não se pode admitir que a sociedade excomungue seus próprios membros, ainda quando autores de erros trágicos, pois, nestes casos, há regulamentação específica, prevendo a imposição de sanção adequada, proporcional ao mal causado e justaposta ao transgressor.
Destarte, resta indefensável admitir o recolhimento de seres humanos em ambientes inóspitos, insalubres, promíscuos e indignos, sob o pálido pretexto de que tal medida seja razoável à punição do infrator, quando escorada em nítido intento vingativa.
Enquanto titular exclusivo do ius puniendi, deve o Estado garantir condições dignas para que o sentenciado arque com seu castigo, à luz do disposto pelo art. 5º, XLVII, da Constituição Federal. De certo, não cabe ao Estado inverter os papéis e passar a infringir as normas, imprimindo demasiado e desnecessário sofrimento àqueles que estiverem sob sua tutela, mesmo quando autores de infrações penais.
Em síntese, em nenhum cenário admite-se o abuso, o exagero e a desumanidade, pois sendo agressores ou agredidos, todos os seres humanos merecem tratamento digno.
Aspectos do processo e a dignidade da pessoa humana
A presunção de inocência é corolário da dignidade da pessoa humana, impondo que não se pode considerar culpado alguém desprovido de condenação definitiva.
As garantias de defesa constitucionalmente asseguradas têm como fundamento a preservação da dignidade daquele que responde à uma ação penal, permitindo-lhe produzir todas as provas que entender necessárias para refutar as acusações formuladas que, de per si, não o tornam, automaticamente, um criminoso.
Como cediço, ao Estado incumbe o ônus de provar a culpa do acusado, cuja inocência é preservada até a superveniência de édito condenatório definitivo.
Por outro lado, a depender da situação concreta, pode o acusado sofrer a coerção de sua liberdade, quando assim respaldada em elementos concretos e idôneos ao preenchimento dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.
Nenhum direito é absoluto, comportando tolhimento, ainda que parcial, quando em conflito com outros. Portanto, se o fato de ser processado não faz do acusado culpado, também não o permite fugir e frustrar a aplicação da lei penal.
Destarte, no processo penal busca-se enaltecer o ser humano, resguardando a segurança pública na exata proporção da necessidade.
Fonte Bibliográfica
NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 - págs. 39 a 50
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 - nota 1G do art. 1º
NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Vol. 1, págs. 66 a 68.
NUCCI, Guilherme de Souza, Direitos Humanos Versus Segurança Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016 - págs. 29 a 38.
DEVEDO PROCESSO LEGAL
 
Conteúdo
Com previsão expressa no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ao lado da Dignidade da Pessoa Humana, o Devido Processo Legal é um princípio regente, de valor pré-constituinte e hierarquia supraconstitucional, igualmente sustentáculo da efetividade das propostas do Estado Democrático de Direito, garantindo que a prestação jurisdicional somente se concretize mediante o respeito de regras instrumentais previamente estabelecidas, distante das quais ninguém poderá sofrer sanção penal. Em outras palavras, o devido processo legal exige respeito aos mecanismos procedimentais fixados, somente em razão dos quais o Estado pode conferir a cada um o que merece.
Depreende-se, pois, que o Devido Processo Legal possui dois aspectos:
A. Substantivo = voltado ao direito penal material, assegurando respeito a legalidade, a anterioridade, a irretroatividade, a proporcionalidade, a individualização, a vedação contra dupla punição e todos os demais;
B. Procedimental = de ordem processual penal, referente aos instrumentos necessários à formação da culpa, tendo como corolários a ampla defesa, a contraditório, o juiz natural, e todos os outros princípios processuais penais.
Com efeito, denota-se que o devido processo legal é sustentáculo para todos os demais princípios norteadores penais e processuais penais, reclamando sua observância e fiel cumprimento, como instrumentos de garantia da prestação jurisdicional.
Por fim, acerca da terminologia empregada, é certo que o devido processo legal deve ser observado por todos os ramos do direito processual e, em se tratando da seara penal, inexiste motivos para se conferir designação distinta¹, porquanto obviamente voltada ao processo penal.  
 
 
Aspectos criminais
Sob o viés substancial, o devido processo penal impõe o respeito ao princípio da legalidade, assegurando que ninguém responda por algo desprovido de previsão legal, ainda garantindo que a tipificação das condutas seja compreensível por todo o cidadão, como forma de orientar seus comportamentos futuros dentro da licitude, sem margem para arbitrariedades e autoritarismos pelo Estado, imperativos consubstanciados através da taxatividade, anterioridade e irretroatividade da lei penal.
Do mesmo modo, ilide a responsabilidade penal objetiva, a padronização das penas e a dupla punição pelo mesmo fato, exigindo a efetiva demonstração da presença de dolo ou culpa pelo acusado, somente mediante a qual restará justificada a aplicação da sanção penal, respectiva ao mal perpetrado, inclusive de forma direcionada à pessoa do infrator, respeitando, portanto, a culpabilidade, a proporcionalidade e a individualização da pena.
 
 
Aspectos Processuais
Sob o prisma procedimental, o devido processo penal se revela através das diversas garantias conferidas ao acusado, durante a persecução penal, para que desempenha sua defesa, diante de um juízo imparcial, contemplando, portanto, o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, o juiz natural e imparcial.
O mesmo se observadurante a execução penal, onde o Judiciário segue gerindo o cumprimento da reprimenda pelo sentenciado, ao qual são garantidos todos os mecanismos de defesa.
Por certo, a execução penal integra a atividade jurisdicional, cabendo ao magistrado fiscalizar e conduzir a concretização da pretensão punitiva, permitindo ao executado formular pedidos ou defender-se em procedimento disciplinar.  
 ________________________  
1 - Nesse sentido Rogério Lauria Tucci opta por denominar como Devido Processo Penal (Direitos e Garantias Individuais no processo penal brasileiro, 3 ed, São Paulo:RT, 2009, p. 57-64) 
  
  
Leitura Complementar
NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 - págs. 62 a 65;
NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 - nota 1 do art. 1º;
NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Vol. 1, págs. 68 a 70.  
Conteúdo
Recapitulando, na aula anterior iniciamos o estudo da retroatividade da lei penal benéfica, pontuando que, ao lado da ultratividade, trata de espécie da extratividade dos dispositivos penais favoráveis, permitindo que sejam aplicados mesmo fora do prazo de sua vigência, assim regendo atos distantes de seu período de vigor.
Discorremos acerca dos limites para a extratividade da lei penal, esclarecendo que os marcos de aplicação obedecem ao interesse punitivo estatal, partindo da violação do dispositivo penal e seguindo até a execução integral da reprimenda pelo sentenciado.
Ocorre que, mesmo nesse ínterim, deve ser observada outra restrição à extratividade da lei penal, conforme disciplinado pelo art. 3º do Código Penal, segundo o qual a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Leis Intermitentes
São diplomas editados para vigorarem por determinado prazo de tempo, findo o qual, ocorrerá a autorrevogação, sendo suas espécies:
A. Lei temporária = cujo prazo de validade é expressamente predeterminado no próprio diploma (ex.: Lei da Copa);
B. Lei excepcional = cuja vigência acompanha determinado período anormal, perdurando até que a situação excepcional se encerre (ex.: tornar crime o desperdício de água em época de seca).
Para ambos os casos, quando cessado o período de vigência do diploma, a lei penal posterior não poderá retroagir, mesmo sendo mais benéfica, prevalecendo, nessas situações, a regra do tempus regit actum.
O fundamento para impedir o efeito retroativo se deve ao fato de que tais leis são editadas de forma exclusiva, dirigidas para situações certas, e, finda a vigência, as sanções decorrentes de sua violação jamais teriam efetividade, caso passíveis de remodelação por dispositivo posterior benigno.
Embora justificável, tal previsão é vista, por muitos doutrinadores, como inconstitucional, pois não recepcionada e em desacordo com o art. 5º, XL da Constituição¹.
Em síntese, as leis intermitentes fogem à retroatividade da lei benigna posterior, aplicando-se aos fatos perpetrados sob sua égide, mesmo após o término de sua vigência, de acordo com o previsto no art. 3º do CP, o qual é encarado como inconstitucional, por muitos doutrinadores, porquanto incompatível com o mandamento do art. 5º, LX, da Constituição Federal.
Norma Penal em Branco
São dispositivos que demandam complementação por outras leis (homogêneas, quando complementadas por lei de igual natureza, fruto de produção do mesmo órgão - art. 236 do CP é complementado pelo art.1557 do CC; heterogêneas, quando o complemento decorre de lei com diferente status, produzida por órgão distinto - art. 12 do Estatuto do Desarmamento, cuja regulamentação decorre de portarias expedidas pelo Exército), com o fito de que possa compreender a conduta criminosa prevista.
Via de regra, as normas penais em branco seguem a retroatividade da lei benéfica, no tocante ao dispositivo complementar. Nesse sentido, de forma exemplificativa, podemos citar a supressão de determinada substância da portaria de Anvisa que, deve retroagir em benefício dos acusados por tráfico de drogas, quando surpreendidos, anteriormente, em posse deste composto.
Entretanto, caso a complementação tenha caráter intermitente, seguirá a regra do art. 3º do CP, aplicando-se aos fatos perpetrados sob sua égide, mesmo após o término de sua vigência. Como exemplo, podemos mencionar a época de inflação outrora enfrentada em nosso país, que culminou na fixação de preços dos combustíveis, mediante tabelas editadas pela Agência Nacional do Petróleo. Nesse caso, ainda que a tabela fosse posteriormente alterada pela ANP, não retroagiria em benefício daqueles que desrespeitaram os limites anteriormente impostos.
Combinação de Leis
Embora debatida pela doutrina, predomina o entendimento de proibição da combinação de leis pelo magistrado, o qual deve analisar, in concreto, o diploma mais favorável ao caso, aplicando-o em sua integralidade.
Note que, ao judiciário cabe, apenas, a aplicação, mas não a criação de nova lei, mediante a mistura entre dois ou mais diplomas. A confecção de leis é tarefa atinente ao Poder Legislativo que, inclusive, altera o ordenamento jurídico através da produção de novas normas, sempre em Continuidade das Leis.
Ao ser revogada por novo diploma, a lei antecessora perde sua vigência, aplicando-se apenas aos casos já perpetrados sob sua égide, em respeito à ultratividade. Justamente nesses casos, o magistrado tem o dever de avaliar qual das previsões mais favorece o réu, optando entre uma delas em detrimento da outra.
Evidentemente, seria ilógico que um diploma revogador, pudesse conviver harmonicamente com o diploma anterior, visto regularem as mesmas situações. Portanto, a aplicação de um enseja, de per si, o afastamento do outro.
Ademais, ne se olvide da existência de critérios para sanear o eventual conflito aparente de normas, dentre eles a sucessividade, demonstrando que uma situação concreta não pode ser regulamentada, ao mesmo tempo, por dois diplomas distintos.
De tal sorte, não cabe ao magistrado forçar a aplicação de duas leis, de forma concomitante, reunindo aspectos de uma e de outra, combinando-as entre si, sob pena de incorrer em competência exclusivamente legislativa.
Crimes Permanentes e Continuados
Os crimes permanentes são aqueles cuja consumação se perpetua ao longo do tempo, razão pela qual, sobrevindo alteração legislativa, durante a extensão de sua prática, deve o novo diploma ser imediatamente conferido ao comportamento perpetrado.
Nesse passo, pouco importa se a lei sucessora é favorável ou não, pois a conduta se prolonga sob a égide deste novo diploma, sendo inevitavelmente regida por ele.
O mesmo se diga em relação aos crimes continuados, que tratam de ficção jurídica mediante a qual se unificam diferentes práticas sob a forma de um único delito, desde que atendidos os requisitos estipulados pelo art. 71 do CP. Com efeito, sobrevindo nova lei em meio às práticas perpetradas, deve ser imediatamente conferido à integralidade das condutas que, em última análise, serão unificadas como um só delito.
Leis Processuais
Diferentemente do que ocorre com as leis penais, as leis processuais reclamam aplicação imediata, nos moldes disciplinados pelo art. 2º do CPP, segundo o qual a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
As regras meramente procedimentais devem ser conferidas às todos os atos póstumos que forem praticados após sua edição, readequando o processamento de todas as ações, inclusive, daquelas que já estiverem em andamento.
Entretanto, caso a lei processual afete direito penal material, deverá respeitar a regra da retroatividade da lei penal, como em reformas que alterem prazos de prisão cautelar, de interposição de recursos defensivos e até mesmo de decadência para o ajuizamento de ações penais privadas.
Nessassituações, inevitavelmente, a lei processual afetará direito material, razão pela qual, caso sejam prejudiciais, não impedirão a ultratividade da lei antecessora, mas sendo favoráveis, permitirão a retroatividade para os fatos anteriores.
__________________
1- Nesse sentido, leciona NUCCI que as leis intermitentes não se coadunam com o texto constitucional de 1988, reputando-se não recepcionado o art. 3º do Código Penal (Código Penal Comentado - vide leitura complementar)
Leitura Complementar
"Em relação à aplicabilidade da lei no tempo, dispõe o art. 2°, do Código de Processo Penal, que "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior".
Institui-se, em matéria processual, a regra do tempus regit actum, isto é, de que a lei aplica-se imediatamente, não podendo, contudo, interferir em atos jurídicos perfeitos, já realizados. (...)".
Para a íntegra do texto, segue link abaixo:
Aplicação da lei processual penal no tempo: um tema, em tese, simples, mas que sempre se mostra complexo na prática - Por Jorge Coutinho Paschoal
Jurisprudência
"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. FATOS OCORRIDOS NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. SUPERVENIÊNCIA DE LEI NOVA. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Consoante o enunciado 501 da Súmula desta Corte, é cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/06, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/76, sendo vedada a combinação de leis.
2. Agravo regimental improvido." (STJ, AgRg no AREsp 175.898/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 16/12/2016)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (ANTIGA REDAÇÃO). SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 12.015/2009. NOVA CAPITULAÇÃO JURÍDICA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. LEI MAIS BENÉFICA. APLICAÇÃO RETROATIVA. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Não obstante a Lei n. 12.015/2009, ao tipificar o delito de atentando violento ao pudor contra vítima menor de 14 anos, previsto no art. 214 do Código Penal, como "estupro de vulnerável" (art.
217-A do Código Penal), tenha determinado o recrudescimento da pena, deve ela retroagir por ser mais benéfica, uma vez que também determinou a revogação da causa de aumento prevista no art. 9º da Lei 8.072/90.
3. É vedada a combinação de leis, em face do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, devendo o magistrado analisar o caso sob o enfoque de ambas as leis, a anterior e a posterior, aplicando-se, na sua integralidade, aquela mais favorável ao réu.
4. A Sexta Turma desta Corte, ao apreciar os EDcl no REsp 1.484.413/DF e no REsp 1.484.415/DF, adotou recente orientação, fixada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (HC 122.292/MG, de 17/2/2016), e que a execução provisória da condenação penal, na ausência de recursos com efeito suspensivo, não viola ao constitucional princípio da presunção de inocência.
5. Habeas corpus não conhecido." (STJ, HC 356.573/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 21/11/2016) 
Fonte Bibliográfica
NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 - págs. 125 a 138;
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 - notas 22, 26, 27 e 29 do art. 2º e notas 30 a 34A do art. 3º;
NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Vol. 1, págs. 185 a 197.
RETROATIVIDADE DA LEI PENAL BENEFICA
Previsão 
 
 
A Irretroatividade da Lei Penal é regra constitucionalmente explícita, prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal, segundo o qual a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. 
Trata de decorrência lógica do preceituado pela anterioridade, também a luz do disposto pela legalidade, impondo que a lei penal deva ser aplicada apenas para comportamos póstumos a sua edição, sem abarcar fatos pretéritos, que antecederam sua vigência.
Assim como a legalidade e a anterioridade, a irretroatividade da lei penal visa a reforçar a proteção conferida ao cidadão contra abusos pelo Estado, assegurando que somente dispositivos já vigentes, inclusive devidamente cientificados à população, possam regular situações perpetradas sob sua égide.
Contudo, há uma exceção, conforme disciplinado pela parte final do referido dispositivo - salvo para beneficiar o réu -, no tocante à Retroatividade da Lei Penal Benéfica.
Conceito
Com previsão expressa no art. 5º, XL, da Constituição Federal, a Retroatividade da Lei Penal Benéfica é princípio que permite a aplicação de uma lei aos fatos precedentes a sua edição, desde que os trate de maneira mais benéfica, quando em comparação a regulamentação anteriormente vigente.
A missão deste princípio é garantir a possibilidade de que as leis favoráveis sejam sempre conferidas ao caso concreto, mesmo quando pretéritos, não os vedando da incidência dos benefícios decorrentes da nova previsão.
O efeito benéfico é, portanto, o cerne de maior importância da retroatividade, conferindo novos contornos ao que já estava anteriormente regulamentado e tornando possível, inclusive, desconstituir a coisa julgada.
Exatamente nesse sentido, segue a previsão do parágrafo único, do art. 2º do Código Penal, ao descrever: a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Note que, a previsão contida no caput do mencionado artigo é, verdade, uma decorrência do preceituado pelo parágrafo único, cuja consequência determina: ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Portanto, ditame imposto pela retroatividade (parágrafo único do art. 2º do CP) estabelece que a lei penal benéfica deve sempre ser aplicada, mesmo sendo a conduta anterior, cuja decorrência consiste na remodelação daquilo o que já estava regulamentado, podendo, inclusive, desconstituir a coisa anteriormente julgada.
Sucessão das Leis
Como cediço, a matéria penal é objeto de lei, em sentido estrito, em respeito a Reserva Legal. Destarte, um dispositivo penal vigente só pode sofrer alterações mediante outra lei, com semelhante status, ao que se denomina Continuação das Leis.
Sob esse prisma, existem duas formas de inovação do ordenamento jurídico penal: 
A. Ab-Rogação = a nova lei revoga a integralidade da lei anterior (Drogas: a lei 11.343/06 afastou integralmente a lei 6.368/76);
B. Derrogação = a nova lei afeta parte do conteúdo da lei anterior, revogando-a de forma parcial (Embriaguez ao volante: a lei 11.705/08 alterou o CTB, sendo depois reformado pela lei 12.760/12, ambas conferindo mudanças no art. 306).
Em qualquer das situações, em respeito a regra do tempus regit actum - o tempo rege o ato -, os fatos praticados sob a vigência de determinado dispositivo, devem ser regidos por ele, razão pela qual, outra lei não deverá atingi-los.
Entretanto, como exceção, a extratividade da lei penal benéfica permite a aplicação de dispositivo não vigente à época do ato (seja a conduta ou a sentença), posto conferir tratamento mais favorável à situação, quando comparado com a regulamentação então em vigor.
Extratividade e Limites
Seguindo interpretação literal,significa que a lei pode ser aplicada mesmo fora do prazo de sua vigência, produzindo efeitos de maneira suplementar, assim regendo atos distantes de seu período de vigor.
Obviamente, a extratividade possui limites, tendo como marcos o nascimento e a cessação do interesse punitivo estatal¹, os quais decorrem, respectivamente, da violação do dispositivo penal e da execução integral da reprimenda pelo sentenciado.
A prática de uma infração penal inaugura o interesse punitivo estatal, diante da violação de dispositivo em vigor, antes do qual não há que se suscitar diplomas por ele revogados. O interesse se concretiza mediante a formação de título judicial, sendo a condenação executada em desfavor do sentenciado, o qual somente se desonera após o resgate total, resultando da extinção de sua punibilidade.
Durante todo esse ínterim, segue-se, inevitavelmente, a observância de determinado dispositivo penal que, em caso de sucessão de lei, implicará na eleição aquele que conferir tratamento mais benéfico ao caso concreto.
Por outro lado, inexistindo sucessão de leis entre os marcos inicial e final, não há discussão quanto a extratividade da lei penal, pois apenas um único dispositivo será observado, aquele vigente desde a prática da infração, até o término da execução da pena.
Espécies de Extratividade
Ultratividade = do ponto de vista da sentença, é mecanismo que permite a aplicação de lei favorável já revogada, desde que válida à época da prática delitiva. Em outras palavras, significa a possibilidade de que uma lei, por possuir caráter mais benéfico, ainda que revogada no momento da sentença, seja ressuscitada, para regular os fatos praticados sob sua égide. Note que, neste caso, não haveria sentido em se falar em ultratividade, caso o ponto de vista partisse do momento da conduta, visto que a lei ainda estava vigente, sendo aplicada àquele fato.
Retroatividade = do ponto de vista da conduta delitiva, é mecanismo que permite a aplicação de lei favorável posterior, desde que vigore antes da extinção da punibilidade. Temos, portanto, a situação inversa, possibilitando que uma lei ainda não vigente ao tempo da conduta, seja aplicada de forma regressiva, por possuir caráter mais benéfico. Por fim, não haveria sentido em se falar em retroatividade, caso o ponto de vista partisse do momento presente (sentença, recurso ou execução), visto que a lei está vigente, sendo aplicada nesta ocasião.
Ultratividade e Retroatividade em Leis Intermediária = as leis intermediárias são aquelas cujo prazo de vigência inicia após a prática da conduta, porém se encerra antes da decisão condenatória. Como tal, caso seja a lei mais benéfica, deverá ser aplicada de forma retroativa, quanto aos fatos, e de forma ultrativa, levando em conta a sentença. Com efeito, sendo o vigor posterior a prática e anterior sentença, poderá a lei se posicionar em face de um ou do outro, cuja denominação depende do ponto de vista a ser observado. 
___________________ 
1- Finda a execução, os efeitos secundários da condenação (reincidência e maus antecedentes) ainda são afetados pela abolitio criminis. 
 
Leitura Complementar 
 
"Uma previsão típica bem realizada garante a efetividade do princípio constitucional da legalidade. Os contornos da conduta proibida são definidos pelo legislador valendo-se de determinadas diretrizes ou técnicas. Porém, em muitos casos, o tipo penal necessita de um complemento para que a conduta exigível sob a ameaça de pena seja compreendida. Nessas situações, algumas normas convocadas a complementar a proibição penal acabam realmente integrando a norma incriminadora, ao passo que outras somente o fazem aparentemente. Por sua vez, as normas convocadas também podem sofrer alterações com o tempo, razão pela qual, suscitam questionamento em relação à descriminalização ou não da norma que complementam. A respeito dessa questão, isto é, da sucessão no tempo de normas chamadas a integrar um tipo penal de crime, Gian Luigi Gatta apresenta um excelente estudo sobre o que chama de modificações mediatas do tipo penal [1] (...)"  
Para a íntegra do texto, segue link abaixo: 
 
Abolitio criminis e sucessão de normas integradoras - Por Leonardo Schmitt de Bem 
 
 
Jurisprudência
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTUPRO. PRÁTICA DE DUAS CONDUTAS PREVISTAS NO TIPO PENAL EM FACE DE UMA MESMA VÍTIMA E EM UM MESMO CONTEXTO FÁTICO. CONJUNÇÃO CARNAL E ATO LIBIDINOSO DIVERSO. CRIME ÚNICO. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. DOSIMETRIA. NECESSIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DA PENA PELO JUÍZO A QUO. POSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO DA PLURALIDADE DE CONDUTAS NA PRIMEIRA FASE DE APLICAÇÃO DA PENA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Por força da alteração no Código Penal, veiculada pela Lei n. 12.015/2009, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a prática de conjunção carnal e ato libidinoso diverso constitui crime único, desde que praticado contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático.
2. Em obediência ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, tal compreensão deve retroagir para atingir os fatos anteriores à citada lei.
3. Compete ao Juízo da Execução, conforme a tipificação trazida pela Lei nº. 12.015/2009, resguardada a possibilidade de valoração da pluralidade de condutas na primeira fase de aplicação da pena, realizar nova dosimetria da reprimenda.
4. Agravo Regimental improvido." (STJ, AgRg no HC 252.144/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 13/03/2017)
"EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME. (1) REQUISITO OBJETIVO. CRIMES HEDIONDOS. LEI Nº 11.464/2007. LAPSOS TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. SÚMULA Nº 471/STJ. IRRETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. (2) REQUISITO SUBJETIVO. GRAVIDADE DOS DELITOS E LONGEVIDADE DAS PENAS. FALTAS RAVES VETUSTAS. JUSTIFICAÇÃO GENÉRICA E FORA DOS PARÂMETROS LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A Lei nº 11.464/2007 estabeleceu lapsos temporais mais gravosos, aos condenados pela prática de crimes hediondos, para obtenção da progressão de regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira novatio legis in pejus, cuja retroatividade é vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março de 2007.
2. A teor do que prevê o atual art. 112 da Lei de Execuções Penais, com a redação que lhe deu a Lei nº 10.792/2003, ao indeferir a progressão de regime prisional, porque não cumprido o requisito subjetivo, o julgador deve fazê-lo de forma motivada em dados concretos da execução da pena, não podendo cercar-se de elementos ou circunstâncias imprevistos na lei de regência.
3. O Tribunal de origem não logrou fundamentar o inadimplemento do requisito subjetivo para a progressão carcerária, fazendo apenas referência à gravidade abstrata do crime cometido pelo paciente, à sua longa pena a cumprir e à existência de faltas de natureza grave antigas, cometidas há mais de 5 (cinco) anos, das quais o reeducando já está reabilitado, tendo atualmente bom comportamento carcerário e exame criminológico favorável.
4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reestabelecer a decisão do Juízo das Execuções, proferida em 12/6/2015, que concedeu a progressão ao regime aberto para o paciente." (STJ, HC 373.503/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 15/02/2017) 
 
Fonte Bibliográfica
NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 - págs. 119 a 124;
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 - nota 1F do art. 1º e notas 17, 18, 18a, 18B e 20 do art. 2º;
NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Vol. 1, págs. 179 a 182. 
RETROATIVIDADE DA LEI PENAL BENEFICA II
Conteúdo
Com previsão expressa noart. 5º, incisos XLVII e XLIX, da Constituição Federal, a Humanidade é um princípio regulador, que direciona a forma como o Estado deve tratar o sujeito, instituindo inexistir penas de morte, caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, bem como assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral.
A missão deste princípio é garantir o respeito do ser humano como tal, refutando seu tratamento como coisa ou animal. Justamente em razão da humanidade, se exige que a benevolência e a complacência guiem o tratamento dos seres humanos, inclusive no que tange a forma de sua punição.
Nem se olvide que as sanções penais devem sempre considerar a condição humana de seus destinatários, não perdendo de vista o respeito ao atual caráter social de que são imbuídas, fruto de autentica conquista do direito penal moderno.
Como cediço, em tempos remotos, foram instituídas penas de cunho vingativo e retaliativo, impingindo sofrimento e crueldade em demasia aos executados, com o claro intuito de fazê-los padecer publicamente, inclusive, como forma de intimidar a população.
Com o passar do tempo, tais ideais deram espaço ao caráter retributivo, ao seu turno calcado na proporcionalidade das reprimendas, bem como na ressocialização do sentenciado, sem perder de vista os direitos humanos.
Justamente sob esse viés é que deve ser observada a humanidade, pois não pode o Estado se igualar aos infratores, violando sua integridade moral e física, tratando-os com semelhante brutalidade e desrespeito.
Ao revés, o exemplo deve vir de cima, ou seja, cabe ao Estado propiciar a restauração da ordem, ante a adoção de medidas positivas que redirecionem o comportamento do sujeito, servindo-lhe como incentivo para se manter no caminho do bem.
Por certo, não se pode esperar a ressocialização de alguém submetido à situação desumana, afinal, quanto mais degradado, menos chances possui de se regenerar.
Assim como aos pais cabe a criação dos filhos e aos professores incumbe a educação dos alunos, ao Estado compete a correção e orientação dos cidadãos. Em todos os casos, a humanidade é a melhor ferramenta para se atingir tais finalidades, posto ser método mais seguro contra efeitos deletérios.
Pensemos numa forma de correção que lance mão de açoites e humilhações. Inevitavelmente, ensejará traumas, por vezes irreparáveis, ao destinatário, cujas chances de insucesso acentuam-se em comparação com aquele submetido a repreensão digna e indulgente.
Em suma, a humanidade condiz com o respeito do ser humano como tal, demandando atuação exemplar pelo Estado, em resposta aos desvios cometidos por alguém.
Breve histórico
Durante sua evolução histórica, o Direito Penal passou inicialmente por 3 fases de vingança:
A. Vingança divina = escorada em ideais sagrados de convivência, permitia a vingança aos integrantes do clã, geralmente representados por um sacerdote, em face daquele que, por infringir as regras (tabus), provocasse a ira dos deuses, fazendo com que o mal (geralmente personificado por fenômenos naturais como raios, trovões e vendavais) se abatesse sobre o grupo. As punições eram severas, implicando no banimento (desterro) ou o sacrifício da própria vida;
B. Vingança privada = os agrupamentos crescem e formam tribos, geralmente estabelecidas por vínculos de sangue, surgindo a consciência de que determinadas condutas feriam não apenas a vítima, mas todo o seu grupo, dando ensejo a vingança coletiva, culminando em grandes batalhas que resultaram na dizimação de povos. Para evitar a generalização das contendas, diversos povos passam a adotar o denominado Critério de Talião (talis = tal qual), apregoando a vingança do ofendido em face de seu ofensor, de forma rigorosamente recíproca e mediante esforços próprios;
C. Vingança pública = com a organização social sob a forma de Estados, a população confere ao soberano a tarefa punitiva que, contudo, passa a ser exercida com crescente abuso e arbitrariedade, instituindo-se penas cruéis e degradantes, contra as quais o cidadão não tinha chances de se defender. Mutilações, açoites, penas de morte, prisões perpétuas insalubres e confisco desmedido de bens, eram práticas comumente adotadas pelo modelo déspota-absolutista, instituído na idade medieval.
Somente com a Revolução Francesa e os movimentos Renascentista e Iluminista, rompem-se tais paradigmas, culminando em novos ideais, em prol da preservação do ser humano e de suas liberdades, ante a abstenção pelo Estado face ao respeito a todas as garantias individuais.
Nesse bojo, temos na Escola Clássica a raiz do pensamento humanitário, sendo repudiada toda e qualquer penal cruel (inclusive de morte) e, em seu lugar, veementemente defendida a adoção do critério de proporcionalidade entre a reprimenda e o mau ocasionado.
Portanto, inaugurando-se o raciocínio voltado a estabelecer uma forma de punição limitada pela sensibilidade humana.
Concretude atual da humanidade
A presença dos direitos humanos em nosso ordenamento jurídico é herança direta da evolução do direito penal ao longo dos tempos.
As garantias de tratamento adequado e condizente com o status humano são inerentes ao modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito, consoante o qual, ao cidadão tudo é permitido, desde que não seja proibido.
Note que tal raciocínio conduz à máxima de que muito mais se pode, do que se veda, ou seja, o sujeito tem ampla liberdade para exercer seus pensamentos, escolher o que lhe agrada, desenvolver seus gostos, optar por uma religião, constituir um patrimônio, locomover-se, formar a sua personalidade, dentre outras tantas que lhe são asseguradas.
Por certo, a liberdade é característica inerente à realização do indivíduo enquanto ser humano, permitindo-o buscar a felicidade interior, ante o exercício de suas vontades.
Com efeito, resta evidente a íntima relação entre prisão e direitos humanos, afinal, ao ter sua liberdade cerceada, o sujeito não perde seu status de ser humano, tornando inadmissível tratamentos indignos, degradantes e desumanos.
Entretanto, a crise do sistema penitenciário é realidade presente no atual cenário nacional, inclusive reforça pelas recentes rebeliões, amplamente divulgadas pelos meios de comunicação.
A superlotação dos presídios, propiciando condições nefastas, insalubres, fétidas e subumanas são constantemente denunciadas pela mídia em geral. Cobra-se do Poder Público uma iniciativa para sanear tais situações, contudo, pouco faz para alterar positivamente este quadro.
Ao revés, diversas são as justificativas conferidas para explicar o inexplicável. Em meio a isso, surgem absurdas medidas paliativas, que visam a acomodar a situação, como a prisão de seres humanos em containers, reforçando o total desrespeito e desmazelo à condição humana.
O Judiciário é reiteradamente provocado a intervir para assegurar o fiel cumprimento às leis e suas próprias decisões, por vezes ignoradas ou flagrantemente descumpridas pelo Executivo.
Tomemos como exemplo o agigantado número de recursos e ações voltados à satisfação da progressão de regime, já deferida por decisão judicial, entretanto não cumprida, em razão da ausência de vagas.
No mesmo passo, também se insere a total carência de estrutura da maior parte dos hospitais de custódia e tratamento, espalhados em nosso país, para executar as medidas de segurança conferidas aos portadores de enfermidades mentais, tolhendo-os do efetivo tratamento clínico, que lhes é garantido.
Em suma, a humanidade é constantemente olvidada e aviltada, ante a patente omissão do Poder Público, em propiciar meios para assegurar a concretização de todas as garantias e direitos inerentes à condição humana, daqueles que estão recolhidos sob a sua tutela, em cumprimento as sanções penais.
Leitura Complementar
1 - "Uma discussão muito relevante e atual diz respeito a um tema por demais interessante: a Constitucionalização do Direito. Tal tendência cumpre o papel de buscar adequar os demais ramos do Direito ao Direito Constitucional, haja vista, que o Direito Constitucionalé a matriz do ordenamento jurídico pátrio, que reflete a carga valorativa e principiológica presente no ideário da Carga Magna. Nesse sentido, pensar o Direito Penal dentro de uma perspectiva constitucionalista, corrobora para a fase pós-positivista do Direito, em que se priva pelo respeito aos princípios reconhecidos nos textos legais, visando justamente à promoção do fim maior do Direito - a Justiça. (...)"
Para a íntegra do texto, segue link abaixo:
A primazia ao princípio da humanidade no Direito Penal contemporâneo em respeito à tendência constitucionalizante do Direito
2 - "Desde os primórdios da sociedade onde as penas sofridas por aqueles que praticavam algum tipo de crime eram penas duras, na maioria das vezes o indivíduo perdia um membro de acordo com o crime praticado, ou até mesmo a vida.
Diante de todo o histórico é que surgiu os Direitos Humanos, um conjunto de normas que visa resguardar aquele que esteja sofrendo qualquer tipo de abuso quanto a aplicabilidade de sua pena.
Tendo em vista as crises envolvendo o Sistema Prisional e seus diversos detentos com seus planos mirabolantes de fugas, rebeliões, motins, motivados por um anseio de se verem libertos de um local onde estão ali para serem soltos novamente quando estiverem adeptos ao mundo em que vivemos, o tema se insere no contexto humano e digno, onde os Direitos Humanos, principal órgão regulador é o que resguarda os direitos dos presos. (...)"
Para a íntegra do texto, segue link abaixo:
Direitos humanos: sistema prisional à luz do princípio da humanidade
Jurisprudência
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME DEFERIDA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO COMPATÍVEL COM O REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. DESVIO DE FINALIDADE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. PRISÃO DOMICILIAR. EXCEPCIONALIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. NÃO APRESENTAÇÃO DE ARGUMENTOS NOVOS PELO AGRAVANTE PARA INVALIDAR A DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. Esta Corte Superior de Justiça tem entendido que a ineficiência do Estado em assegurar instituições em condições adequadas ao cumprimento de pena em regime semiaberto autoriza, ainda que excepcionalmente, a concessão da prisão domiciliar. A superlotação e a precariedade do estabelecimento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cumprimento da pena em regime semiaberto, permite ao condenado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade das penas e da individualização da pena.
2. O agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental.
3. Agravo regimental improvido." (STJ, AgRg no HC 275.742/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 24/09/2013)
"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO.
SUPERLOTAÇÃO E PRECARIEDADE DAS CASAS DE ALBERGADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. CUMPRIMENTO EM REGIME ABERTO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. "A superlotação e a precariedade do estabelecimento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cumprimento da pena em regime aberto, permite ao condenado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade da pena e da individualização da pena." - HC 216.828/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 15/02/2012.
2. Ordem CONCEDIDA para que o paciente seja imediatamente colocado em regime aberto domiciliar, até o surgimento de vaga em casa de albergado com condições mínimas necessárias ao adequado cumprimento da pena em regime aberto, restabelecido o decisum de primeiro grau." (STJ, HC 217.058/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 11/04/2012)
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO PENAL. TRANSFERÊNCIA DE PRESO PARA PRESÍDIO FEDERAL. NOVA SOLICITAÇÃO DE PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE PERMANÊNCIA. NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E HUMANIDADE DAS PENAS.
1. Segundo a Lei nº 11.671/08, a inclusão do preso em presídio federal de segurança máxima será excepcional. Também excepcional é a renovação do prazo de permanência, consoante preceitua o § 1º do art. 10.
2. O condenado foi transferido para o sistema prisional federal em 30/11/2007 e lá se encontra até hoje aguardando a solução de possível recambiamento. São, portanto, mais de três anos submetido às condições típicas das unidades penitenciárias de segurança máxima, com rigoroso regime de isolamento diário e distanciamento da família. Condições essas que, segundo a própria lei, determinam o caráter excepcional da prorrogação do prazo.
3. Se é verdade que a segurança pública deve ser resguardada, não menos importante é que a nossa Carta Política erige como direito fundamental o Princípio da Humanidade das Penas, consectário de um dos fundamentos da República: a dignidade da pessoa humana.
4. A medida de inserção do apenado, a essa altura, no Presídio Federal, não anda em consonância com a proporcionalidade em sentido estrito. Isso porque, realizada a ponderação dos valores, da segurança pública, de um lado, e, de outro, o direito individual à humanidade das penas - este agregado ao caráter excepcional do cumprimento em regime penitenciário federal -, tem-se que o primeiro cede lugar ao segundo, um vez que, no caso concreto, o condenado já ultrapassa três anos de permanência no rigoroso regime de segurança máxima.
5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da Vara Federal e Juizado Especial Federal Criminal Adjunto de Lajeado, Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitante, para a execução da pena de Roberto Tenório Bezerra, o qual deverá ser recambiado do Presídio Federal de Campo Grande/MS." (STJ, CC 113.271/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 21/03/2012) 
Fonte Bibliográfica
NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 - págs. 145 a 152;
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 - nota 1-F, do art. 1º;
NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Vol. 1, págs. 73 a 76.

Continue navegando