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Autora: Profa. Camila Kimie Ugino Colaboradores: Prof. Maurício Manzalli Profa. Ivy Judensnaider Economia Política Professora conteudista: Camila Kimie Ugino Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (2005), mestrado em Economia Política (2011) e doutorado em andamento em Ciências Sociais com ênfase em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade Paulista, ministrando disciplinas de Introdução à Economia, Economia Política, Economia Internacional e Economia do Setor Público. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia dos Programas de Bem-Estar Social, Economia Política e Políticas Públicas. Atuou no mercado financeiro nos bancos Unibanco e Citibank nas áreas de planejamento corporativo e área de risco e em empresa privada em Campinas no ramo farmacêutico-veterinário. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) U26p Ugino, Camila Kimie. Economia política. / Camila Kimie Ugino. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, ISSN 1517-9230. 1. Economia política. 2. Valorização de capital. 3. Teorias do imperialismo. I. Título. CDU 33 U505.34 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Juliana Mendes Sumário Economia Política APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 MARX E A ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA INGLESA ....................................................................... 11 1.1 Economia Política e Economics ...................................................................................................... 11 1.2 A evolução da problemática da Economia Política ................................................................ 15 1.2.1 O problema da Teoria do Valor no mercantilismo ..................................................................... 15 1.2.2 Adam Smith e a problemática da Economia Política clássica .............................................. 19 1.2.3 David Ricardo e a estruturação da Teoria do Valor-Trabalho ............................................... 32 1.3 Conflitos sociais e o declínio da Economia Política clássica .............................................. 37 2 O PERCURSO TEÓRICO DE MARX ATÉ O CAPITAL .............................................................................. 43 2.1 Da Filosofia à crítica da Economia Política ................................................................................ 43 2.2 Uma obra considerável, multiforme e inacabada ................................................................... 48 2.3 A crítica de Marx ao objeto da Economia Política .................................................................. 51 3 O PENSAMENTO ECONÔMICO DE MARX COMO ANÁLISE CRÍTICA DO CAPITALISMO ........ 56 3.1 Introdução ............................................................................................................................................... 56 3.2 Mercadoria, duplo caráter do trabalho e fetichismo ............................................................. 64 3.3 Capital e mais-valia ............................................................................................................................. 80 3.3.1 As definições de capital ........................................................................................................................ 80 3.3.2 O que é e qual a origem da mais-valia? ........................................................................................ 84 4 O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DE CAPITAL ....................................................................................... 93 4.1 Formas de mais-valia: mais-valia absoluta e mais-valia relativa ..................................... 98 4.2 Métodos de produção de mais-valia: cooperação, manufatura e grande indústria .........................................................................................................................................100 Unidade II 5 REPRODUÇÃO DO CAPITAL E TENDÊNCIAS DA ACUMULAÇÃO ..................................................112 5.1 Reprodução simples e reprodução das relações de classe ................................................114 5.2 Reprodução ampliada e lei geral da acumulação capitalista ...........................................118 6 LEI GERAL DA ACUMULAÇÃO CAPISTALISTA E TENDÊNCIAS DA ACUMULAÇÃO ................120 7 TEORIAS DO IMPERIALISMO: HOBSON E HILFERDING ...................................................................129 7.1 Hobson e o estudo do imperialismo ...........................................................................................132 7.2 Hilferding e o fenômeno do capital financeiro ......................................................................137 8 TEORIAS DO IMPERIALISMO: LUXEMBURG E LENIN.......................................................................146 8.1 Rosa Luxemburg e a acumulação de capital...........................................................................146 8.2 Lenin e o imperialismo como etapa superior do capitalismo ..........................................150 7 APRESENTAÇÃO A Ciência Econômica, que usualmente tratamos simplesmente como a Economia, não é uma ciência unificada e homogênea. Por mais que tenhamos contato com ela em livros-textos e manuais, que versam sobre os grandes campos da análise econômica (microeconomia, macroeconomia etc.), a composição e o material que embasa essa ciência são bastante diversificados. Ao estudarmos macroeconomia, por exemplo, lidamos com correntes às vezes opostas de pensamento econômico – “novos clássicos” versus “pós-keynesianos” etc. Reconhecer o caráter plural da Ciência Econômica, em que é muito difícil se defender ideias inquestionáveis, é indispensável para a discussão de Economia Política. Uma piada recorrente entre economistas é a de que se dois economistas forem questionados sobre um assunto, é muito provável que tenhamos três posições diferentes. O que esse tipo de anedota destaca é justamente esse caráter plural de abordagens sobre os fenômenos econômicos. Essa pluralidade, e as polêmicas subjacentes a ela, revela-se de maneira intensa quando tratamos de Economia Política. A Economia Política, que historicamente é nome de “batismo” de toda a Ciência Econômica, carrega desde sua gênese uma série de polêmicas. Polêmicas entre mercantilistas, posições diferentes sobre o problema do valor, debates sobre a Teoria do Valor-Trabalho etc. Mas a EconomiaPolítica, por ser o nome original da Ciência Econômica e hoje com pouco uso pelos economistas em geral, não é apenas um ramo da história do pensamento econômico. A própria definição de Economia Política, mesmo na atualidade, continua a carregar um conjunto de problemas sobre como se abordar a realidade econômica, e é dado esse conjunto de questões que o presente livro- texto se estabelece. De início, cabe destacar que este livro-texto de Economia Política trata centralmente das considerações do pensador alemão Karl Marx em sua crítica da Economia Política. Mas isso não significa, por si só, que as considerações aqui trazidas se refiram a socialismo, comunismo ou algo semelhante. O ponto é justamente outro, é apresentar a contribuição crítica de Marx ao entendimento das relações sociais que se estabelecem no modo de produção capitalista, isto é, compreender com certo rigor qual é a lógica da economia capitalista de acordo com Marx. Atenção: como veremos durante nosso percurso, essa discussão não é um exercício de arbitrariedade política. Pelo contrário, ela é uma forma de aprofundarmos nosso contato com as polêmicas inerentes ao debate econômico. Ao final do curso, espera-se que o aluno tenha uma compreensão mais sistematizada não apenas sobre Marx, mas inclusive sobre essa Ciência Econômica a que dedicamos nossos estudos. Seu objetivo é estimular a percepção crítica dos fenômenos político-econômicos que cercam a Economia e que são indispensáveis para uma análise mais cuidadosa dos cenários econômicos brasileiro e internacional. 8 INTRODUÇÃO Se Economia Política é o nome que se dava à Ciência Econômica em sua gênese, nosso primeiro desafio é precisar o que significa hoje o seu estudo. Estudar hoje Economia Política é estudar história do pensamento econômico? Como veremos de início, a abordagem aqui oferecida aponta que não. Contudo, para explicar por que Economia Política não é simplesmente história, temos de retornar às suas primeiras discussões, especialmente o chamado problema do valor. O que dá valor aos objetos produzidos pelos seres humanos numa economia de mercado? Essa pergunta, que pode parecer não ter muito sentido hoje em dia, quando colocada em seu contexto histórico (isto é, no período da transição histórica para o capitalismo, o que, lembremos, nem sempre existiu), revela sua importância até mesmo nos dias atuais. Considerando que hoje vivemos em uma economia centrada num mercado mundial, as perguntas sobre o valor das mercadorias e sobre as condições de produção desses valores são ainda elucidativas e têm muito a contribuir para uma análise ponderada da realidade social e histórica, não só do Brasil, mas também do mundo. Sem embargo, ao aceitarmos que a Economia Política pode contribuir para nossas análises da atualidade, temos um novo desafio pela frente. Ao recuperarmos os problemas abertos pela Economia Política, percebemos que junto a autores como Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill está também um autor que destoa dos demais: Karl Marx. Esse nome é facilmente reconhecido quando relacionado às experiências históricas do socialismo (por exemplo, da antiga União Soviética), ou quando encontramos nele a referência a uma série de críticas ao capitalismo (ou, como comumente é chamado, à “economia de mercado”). Contudo, além de ser considerado um dos fundadores do chamado “socialismo científico”, Marx foi um profundo estudioso do capitalismo. Vale lembrar que, de sua vasta obra, uma parte expressiva é dedicada ao estudo do modo de produção capitalista. Se compararmos esse estudo às considerações sobre socialismo ou comunismo, veremos que a análise das condições concretas do comunismo é bastante resumida. Não significa aqui defender que Marx não tenha relação alguma com o comunismo. Não apenas ele tinha, como sua análise sobre o modo de produção capitalista tem sua razão de ser como um objetivo de desvendar as condições de superação do capitalismo. Todavia, em nosso curso esse não é o assunto. O assunto é fundamentalmente compreender a análise de Marx sobre O Capital, isto é, elucidar sua crítica à Economia Política. Recorrentemente, teremos de precisar de que “crítica” se trata e examinar qual o método desenvolvido por Marx em sua “obra magna” O Capital. Essas considerações, como veremos, são indispensáveis a uma compreensão rigorosa da análise de Marx. 9 Como sabemos, Marx foi um autor que escreveu sua obra no século XIX. Porém, não podemos concluir daí que aquilo que ele escreveu esteja superado historicamente. Cabe primeiro entendermos sua teoria, seu objeto de análise e seu método, para com isso talvez examinar a atualidade de suas formulações. Ademais, a obra de Marx não foi tratada historicamente como uma obra acabada. Seja pelos méritos de sua análise e das tendências que ela apontava, seja pela afinidade política aberta por ela para outras gerações, o marxismo, entendido aqui como um conjunto amplo de tradições de pensamento que declaradamente se inspiram em Marx (e Engels, seu maior parceiro intelectual), buscou sempre avançar a compreensão crítica do capitalismo. Em nosso curso, nós abordaremos uma parte da chamada tradição clássica do marxismo, especificamente aquela que desenvolveu a temática do imperialismo. Tem-se por imperialismo o modo pelo qual ficou conhecido o momento histórico que antecede a Primeira Guerra Mundial, como também o conjunto de teorias sobre ele que se difundiram no início do século XX. Vale dizer que inicialmente esse tema e sua tentativa de teorização e precisão não foram algo inaugurado por autores marxistas. Ele começou a se destacar e a expressão imperialismo começou a se difundir muito antes das análises marxistas –, tanto pela qualidade e pelo impacto das análises empreendidas por diversos autores marxistas (Rosa Luxemburg, militante do amplo Partido Social-Democrata Alemão, e Vladimir I. Lenin, um dos líderes do Partido Bolchevique e da Revolução Russa) quanto pelos seus efeitos históricos concretos. Por fim, ao final do curso, são apresentados de forma sintética alguns dos campos em que a Economia Política, particularmente em seu viés marxista, tem se desenvolvido pelo mundo na atualidade. 11 ECONOMIA POLÍTICA Unidade I 1 MARX E A ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA INGLESA 1.1 Economia Política e Economics Antes de começarmos a tratar de Marx e sua contribuição para as investigações e análises do capitalismo, é interessante compreendermos um pouco o estado da Ciência Econômica em sua época. Essa iniciativa pode nos trazer dois benefícios: i) desmitificar um pouco aquilo que, às vezes, em nosso senso comum, acabamos atribuindo a Marx e às tradições de pensamento nele inspiradas; ii) ajudar a entender melhor que tipo de trabalho foi realizado por Marx, qual a sua análise e sua crítica, particularmente em sua obra mais importante para o nosso campo de estudos, O Capital. Nossa primeira tarefa é evitar considerar os sistemas teóricos construídos pelos economistas na história do desenvolvimento social como um mero conjunto de propostas práticas ou simples curiosidades teóricas de um tempo passado que não nos diz mais respeito. Reconhecermos a necessidade de certa familiaridade, por exemplo, com as teorias de Adam Smith pode proporcionar condições mais favoráveis ao estudo dos problemas relacionados às teorias do valor. Esses não são problemas simples, eles se apresentam a nós em toda a sua magnitude e abrangência, e mesmo para leitores já familiarizados são de extraordinário valor intelectual e pedagógico. Por exemplo, uma pergunta importante para a compreensão da dinâmica de alguns mercados hoje em dia é sobre o papel do conhecimento. É bastante comum se abordar o conhecimento como algo genérico (sem precisar exatamente de que tipo de conhecimento se trata), que as pessoas ou empresas adquirem de variadas maneiras e para variados objetivos (de maximização de ganhos particulares a até mesmo melhoria da “vida espiritual”). Contudo, seguem perguntasque podem nos colocar num outro patamar de investigação: é o conhecimento uma mercadoria? Como tal, pode o conhecimento ser transacionado em mercados específicos? Ora, digamos que a resposta seja “sim” para ambas as perguntas. Isso nos coloca uma nova inquietação: qual o valor da mercadoria conhecimento? Como ela é produzida? Como se dá sua distribuição? Outra forma de questionamento pode ser a seguinte: dadas as características do conhecimento na atualidade, como maximizar os benefícios sociais e individuais que ele pode trazer aos agentes econômicos? Essas são perguntas a que a ciência que você está estudando procura responder. Mas, como se pode observar, elas são sensivelmente diferentes. Aliás, tratando de perguntas, qual é a ciência que você estuda? Que curso você está fazendo no momento? 12 Unidade I Caso você tenha respondido “Eu estudo Economia”, você respondeu sobre o objeto que você estuda, mas não necessariamente sobre a ciência que lhe permite entender esse objeto. Lembre-se: nos dias atuais, as ciências que estudam a dinâmica e os problemas da Economia são as Ciências Econômicas. De modo direto e polêmico, o curso que você faz não é Economia, mas sim Ciências Econômicas. Economia é apenas um dos objetos (o principal, pode-se dizer) que nós estudamos durante o curso. Todavia, fique tranquilo (ou tranquila) se você respondeu Economia. Esse é o ponto que se busca destacar aqui: por mais que possa parecer algo óbvio, a própria definição de Ciência Econômica ou de Economia é envolvida em certa polêmica. Tomando como referência a maioria dos manuais de Economia usados como material de ensino, é possível encontrar predominantemente a definição de Economia como a ciência que estuda a alocação (eficiente) e a administração (racional) de recursos escassos. Mas nem sempre essa foi a compreensão dominante do que seja a Ciência Econômica, tampouco ela é unânime, mesmo na atualidade. Uma outra definição, que pode até parecer semelhante, é a de que a Ciência Econômica é a ciência (ou área do conhecimento) que estuda os problemas da sociedade relacionados com a produção, a acumulação, a circulação e a distribuição de riquezas (além das proposições práticas associadas a tais problemas). É possível ilustrar essa diferença usando o manual de Introdução à Economia, de Nicholas Gregory Mankiw (2009), um livro bastante utilizado ao redor do mundo como material básico de cursos de graduação em Ciências Econômicas. O primeiro capítulo desse manual apresenta “Dez Princípios de Economia”, mas não é preciso discutir todos esses princípios para ilustrar a questão que se procura destacar aqui. Considere o “Princípio 2”; esse princípio seria o de que “o custo de alguma coisa é aquilo de que você desiste para obtê-la” (MANKIW, 2009, p. 5). Pode parecer aceitável esse princípio; afinal, ele aponta para a existência de tradeoffs (expressão que indica a existência de escolhas conflitantes, isto é, quando eu escolho adquirir algo, essa escolha imediatamente elimina outras possibilidades – isso envolve a suposição de que os agentes econômicos em geral lidam com recursos limitados, ou seja, escolher uma coisa é abrir mão de alguma outra, já que é impossível se “ter tudo”). Todavia, quando eu afirmo que o “custo” se define desse modo, eu acabei estabelecendo o terreno inicial de discussão para uma teoria sobre o valor das coisas e sobre a forma de se atribuir preço aos fenômenos econômicos, e isso não é um “princípio” inconteste e completamente evidente de Economia. Definir o custo de alguma coisa como aquilo de que se precisa abrir mão para se obter algo é defini- lo como custo relativo (inclusive incorporando oportunidades) e como preço relativo e que implica geralmente uma determinação subjetiva (é a relação intersubjetiva existente na sociedade que determina a relação entre os preços – mediante preferências e restrições orçamentárias ao se escolherem bens e serviços –, aquilo que vimos quando estudamos microeconomia). 13 ECONOMIA POLÍTICA Ora, os princípios da interpretação dominante em microeconomia são apresentados por Mankiw (2009) como princípios gerais de Economia, sem polêmica ou questionamento. Se nos perguntássemos no século XIX “O que é Economia”, certamente encontraríamos outras definições. Mas o que tudo isso tem a ver com Economia Política? Economia Política era precisamente o nome daquilo hoje chamado de Economia ou Ciência Econômica. Mesmo autores que são considerados precursores do pensamento marginalista (e da Teoria Neoclássica) deram a suas obras o título de Economia Política. Exemplos: • William Stanley Jevons (1835-1882): The Theory of Political Economy (A Teoria da Economia Política), de 1870. • Carl Menger (1840-1921): Princípios de Economia Política, também de 1870. • Léon Walras (1834-1910): Eléments d’Economie Politique Pure (Elementos de Economia Política Pura), de 1874. Observação Esses três autores são considerados os fundadores da chamada revolução marginalista, que é usualmente tratada como a fundação da Teoria Neoclássica (e da microeconomia). Como argumenta Aloísio Teixeira (2000), Walras é praticamente o único dos fundadores do pensamento neoclássico moderno que discute o conceito de Economia Política (o que para os outros autores não é uma deficiência teórica, afinal o termo era tão utilizado como definição da ciência particular que analisavam que era possível até mesmo dispensar maiores precisões e comentários sobre o assunto). Para Walras (apud TEIXEIRA, 2000, p. 89), a Economia Política pura compreendia “a teoria do valor de troca e da troca, isto é, a teoria da riqueza social considerada em si própria”. Sem embargo, como aponta o mesmo Walras, a definição da Economia Política não é fácil, já que, “de todas as definições já feitas, nenhuma teve o consenso definitivo que é o signo das verdades conquistadas pela ciência” (WALRAS, p. 29, 1996). A primeira “lição” de Walras é justamente problematizar as definições propostas, de Adam Smith a Jean-Baptiste Say, algo em si muito diferente daquilo desenvolvido por Mankiw ao apresentar, sem problematização, os seus “dez princípios de Economia”. Por ora, cabe ressaltar que é com a obra de Alfred Marshall, Principles of Economics (Princípios de Economia), de 1890, que a Economia Política passa a ser tratada apenas como Economia (Economics). Como afirma Aloísio Teixeira (2000), é com essa troca de nomes (de Economia Política – Political Economy – para simplesmente Economia – Economics) que o termo Economia Política começou a perder seu sentido original e passou a receber outras acepções. 14 Unidade I A primeira acepção seria uma de caráter muito mais “ideológico”, mas que seria quase um sinônimo de Economics, utilizando as mesmas categorias de análise e aceitando até mesmo conclusões semelhantes. Reivindicar a investigação como Economia Política seria per se uma tomada de posição diante de conflitos sociais, o que de certo modo vai ao encontro do seguinte comentário de Marx (ainda no prefácio de O Capital): No domínio da economia política, a livre investigação científica não só se defronta com o mesmo inimigo presente em todos os outros domínios [como proceder à investigação científica], mas também a natureza peculiar do material com que ela lida convoca ao campo de batalha as paixões mais violentas, mesquinhas e execráveis do coração humano, as fúrias do interesse privado (MARX, 2013, p. 80). Uma segunda acepção é a que utiliza o termo Economia Política para se referir a um momento da história do pensamento econômico, para designar os pensadores da escola clássica (inclusive também Karl Marx). Nessa acepção, Economia Política seria o mesmo que economia clássica, referindo-se basicamente a uma pré-história do pensamento econômico, não tendo, portanto, grande atualidade, e que apresentaria problemas que em geral já teriam sido resolvidos no desenrolar histórico da Ciência Econômica. Essa é, aliás, como lembra Aloísio Teixeira (2000), o“ponto de vista que se tornou ‘oficial’ no Brasil”, dadas as regulamentações do Ministério da Educação. Já se adianta ainda neste tópico que não são essas as acepções adotadas neste livro-texto. Uma terceira acepção é aquela que vem sendo adotada não só por economistas, mas destacadamente por cientistas políticos que visam produzir entendimentos mais amplos dos fenômenos sociais. Nessa linha, Economia Política poderia ser entendida de modo bastante geral como Economia mais (e, com) política. Segundo a argumentação de Aloísio Teixeira (2000), mesmo essas três acepções para o termo Economia Política, considerando o conteúdo substantivo que as reveste (do que elas tratam e o que produzem), não conseguem recuperar o vigor analítico que se tinha no passado. Se Economia Política é entendida como sinônimo de Economia, não há razões científicas relevantes para avançar nessa temática. Assim, introdução à Economia é simplesmente introdução à Economia Política e vice-versa. Iniciar a análise econômica discutindo economia clássica ou elementos introdutórios a microeconomia e macroeconomia não traz diferenças significativas aos resultados obtidos pela teoria e pela prática. Se Economia Política é entendida como a “pré-história” do pensamento econômico (ou uma “economia clássica”, encerrada com John Stuart Mill), sendo sua história marcada inicialmente pelos trabalhos pioneiros dos primeiros marginalistas, tem-se um vazio, no qual Marx não encontra lugar (TEIXEIRA, 2000). No entanto, se Economia Política é compreendida como as doutrinas econômicas que se baseavam na teoria do valor-trabalho, seria possível ler Smith, Ricardo e mesmo Marx como uma linha sucessória 15 ECONOMIA POLÍTICA de análise, podendo-se chegar à conclusão, talvez, de que Marx não passaria de um “ricardiano menor” (como sugeriu Schumpeter em sua História da Análise Econômica). A questão de fundo, que se buscará destacar no decorrer do livro e que é indispensável ao aprendizado da crítica da Economia Política de Marx (e de alguns de seus sucessores), é que, ao criticar as ideias de seus antecessores, notadamente Adam Smith e David Ricardo, Marx não apenas constitui um método diferente de pesquisa em Economia Política como, em especial, aborda um novo objeto de investigação, com uma também nova teoria. Inicialmente, trataremos do estado da Economia Política na época de Marx. Posteriormente, veremos seu percurso teórico até O Capital, obra que será nossa referência para as discussões mais detalhadas apresentadas na sequência, já que ela é não apenas sua obra mais robusta, mas também aquela que se dedica a investigar o modo de produção capitalista e suas correspondentes relações de produção e circulação. Retomaremos posteriormente essa questão da mudança de objeto, método e teoria empreendida por Marx em O Capital, que ficará mais clara apenas depois de iniciado nosso percurso. Afinal, como nos lembra Marx (2013, p. 77): “todo começo é difícil, e isso vale para toda ciência”. 1.2 A evolução da problemática da Economia Política Já na primeira página de O Capital, nós nos deparamos com nomes como Nicholas Barbon e John Locke. O próprio Marx reconhece (no prefácio da primeira edição de O Capital) que “a compreensão do primeiro capítulo, em especial da parte que contém a análise da mercadoria, apresentará a dificuldade maior”. Ora, “na análise das formas econômicas não podemos nos servir de microscópio nem de reagentes químicos. A força da abstração [Abstraktionskraft] deve substituir-se a ambos” (MARX, 2013, p. 78). Um estudo impaciente da obra O Capital poderia concluir que isso não passa de sutilezas, mas, novamente seguindo a apresentação de Marx, essas sutilezas são semelhantes àquelas que analogamente interessam à anatomia micrológica quando estudamos Biologia. Desse modo, o resgate e o posicionamento da problemática da Economia Política (anterior a Marx) não devem ser vistos como um capricho ou apenas a demonstração de domínio da literatura existente; sua causa é muito mais séria e profunda. 1.2.1 O problema da Teoria do Valor no mercantilismo Ainda dentro da literatura mercantilista inglesa (em meados do século XVII), a necessidade de se justificar algumas medidas práticas como as proibições à exportação de moedas exigiu uma crescente preocupação com a teoria (RUBIN, 2014). Nesse período sequer havia isso que chamamos de Ciência Econômica; e muito menos uma sistematização teórica que fosse reconhecida como Economia Política; mesmo assim, já com uma forma moderna, surgiu o problema do valor. 16 Unidade I Figura 1 – Pátio da antiga Bolsa de Amsterdã, que reunia os mais importantes mercadores da Europa A figura representa a importância de Amsterdã como um dos centros do capitalismo comercial. As práticas mercantilistas predominaram na Europa entre os séculos XV e XVIII. O momento histórico, em que o problema do valor é exatamente aquele da formação dos Estados nacionais e de expansão e generalização de relações mercantis, colocava a questão da gestão da Política Econômica na ordem do dia daqueles interessados por assuntos econômicos (TEIXEIRA, 2000). Essas questões atraíam desde pensadores de Filosofia Política até aqueles voltados para problemas eminentemente práticos (gestão das moedas nacionais, formas de tributação, práticas comerciais, processo de formação dos preços nos mercados etc.). Mas, afinal, que problema é esse? Ora, durante o período das oficinas medievais (guildas e corporações de ofício baseadas ainda em vínculos sociais feudais), os preços dos bens eram determinados e regulados pelas guildas de artesãos e comerciantes, bem como pelas autoridades municipais. Esses preços eram fixados com vistas a garantir um “retorno digno”1 pelo trabalho empreendido. É com o desenvolvimento da economia capitalista que a questão da formação dos preços passa a ser tratada como um problema prático2 (e teórico). Aquela regulação feudal estava sendo substituída pela 1 Já nos escritos canônicos do século XIII – por exemplo, em São Tomás de Aquino –, encontramos a afirmação de que o preço de um produto depende da quantidade de trabalho e dos gastos em sua produção. Contudo, o que esses textos apontavam não era para um preço estabelecido pela concorrência em mercados, mas sim o chamado preço justo, que deveria ser estabelecido pelas autoridades medievais para manter as condições de vida dos artesãos. Ou seja, trata-se de um terreno econômico de produção artesanal, e não de produção capitalista moderna. 2 Observando a “trajetória profissional” de alguns dos precursores da Economia Política, eles não poderiam ser considerados “economistas profissionais”; os problemas econômicos costumam ser examinados muito mais por meio da apropriação de métodos e perspectivas de outras ciências do que de reflexões específicas de uma nova ciência. Como afirma Aloísio Teixeira (2000, p. 94): “Basta lembrar que Wiliam Petty e Quesnay eram médicos; Say trabalhou em bancos e companhia de seguro, posteriormente foi jornalista e empresário têxtil, e, finalmente, professor de Economia; Ricardo foi um homem de negócios que fez fortuna na Bolsa; Malthus era sacerdote da Igreja Anglicana; Marx estudou Direito, em Bonn e Berlim, mas defendeu sua tese de doutoramento em Filosofia; David Hume vem da Filosofia Moral, bem como Adam Smith. O mais próximo da exceção foi Stuart Mill – filho de um economista, James Mill –, que não só teve uma educação acadêmica formal, mas desde cedo iniciou-se no estudo dos problemas econômicos, orientado pelo pai”. 17 ECONOMIA POLÍTICA formação dos preços em mercado, resultado de novos fenômenos como a concorrência e a relação entre produtores e consumidores de mercadorias. A questão normativa [o dever ser] do “preço justo”, baseada em noções particulares de justiça e autoridade, agora deveria ser tratada de uma outra forma. A pergunta não é mais “Qual deve ser o preço? ”, mas sim “Como construir uma teoria científica capaz de responder o que regulaa formação dos preços tal qual ela ocorre no mercado? ”. Essa vai ser uma das perguntas que terão uma resposta sistemática e consistente teoricamente apenas com Adam Smith, autor que expressa precisamente o ápice das investigações naquilo que posteriormente a ele será chamado de Economia Política. Não se trata aqui de considerarmos que os autores anteriores a Smith tenham sido menos capazes cientificamente em dar uma boa resposta. A questão é que, durante o desenvolvimento primitivo do capitalismo, encontrar uma regularidade para a formação dos preços não era uma tarefa fácil para ninguém, afinal a livre-concorrência era ainda uma realidade bastante limitada e atacada pelas corporações medievais e mesmo pelas regulações mercantilistas (por exemplo, os direitos de monopólio atribuídos a companhias de comércio). Hoje em dia, pode parecer algo supérfluo continuarmos “perdendo tempo” com esse tipo de questão. Isso deveria ser algo para estimular apenas a curiosidade de historiadores e que não teria mais muita relação com a Economia propriamente dita. Afinal, sabemos hoje que o que regula os preços é precisamente a relação entre oferta e demanda, informação essa que é, aliás, cotidianamente reafirmada no jornalismo econômico. Mas o que nos diz a chamada Lei da Oferta e da Demanda? Em termos mais simples, dado um bem específico, se há um volume de demanda superior à capacidade de oferta, é de se esperar que o preço desse bem suba; já se a relação entre oferta e demanda for inversa (mais oferta do que demanda), é de se esperar que o preço caia. Bem, como aponta Rubin (2014), essa resposta, que pode parecer satisfatória e atual, não é tão nova assim. Apenas a título de ilustração, em 1691, o filósofo John Locke, em Considerações sobre as Consequências da Redução do Juro, já afirmava isso. Em certo sentido, é possível afirmar que essa ideia, inserida nos primeiros passos da Teoria da Oferta e da Demanda, é basicamente uma alternativa ao insucesso de descobrir alguma regularidade determinada por leis econômicas objetivas para o problema da formação dos preços. Por que é possível afirmar isso? Quando se trata assim da chamada Lei da Oferta e da Demanda, o que temos é simplesmente aquilo que a Economia Política clássica chamou de valor de troca (e que exploraremos em mais detalhes no decorrer do curso). Esse valor de troca só pode ser tomado como algo singular, casual, já que ele só pode ser entendido num determinado lugar e num dado momento. 18 Unidade I Assim, a conclusão só pode ser a de que nenhuma mercadoria possui um valor ou um preço determinável de modo preciso, conclusão essa que, como sabemos, é uma das bases das teorias subjetivas do valor. Cabe apontarmos aqui uma pergunta curiosa. Seguindo nossa discussão, os primeiros elementos da Teoria da Oferta e da Demanda e mesmo das teorias utilitaristas são anteriores à obra de Adam Smith, tendo sido já colocados por escritores considerados mercantilistas. Por que então Adam Smith, David Ricardo e mesmo Karl Marx não trabalharam nessa problemática? Há mais de uma resposta para essa questão. Por ora, mencionaremos apenas uma primeira resposta (outras serão apresentadas mais adiante): o próprio desenvolvimento econômico capitalista, com a expansão da livre-concorrência e o surgimento do capitalismo industrial, apontou o aspecto insuficiente de se considerar a formação dos preços como algo quase acidental, ou simplesmente natural. O capitalista industrial já não considerava seu preço de venda como o mero resultado acidental entre oferta e demanda. Esse industrial deveria avaliar qual o nível esperado de demanda no futuro, e seu preço de venda deveria, no limite, compensar seus custos de produção (o que hoje comumente chamamos de considerar os custos mais a margem de lucro para formar o preço). Desse modo, podemos afirmar que o próprio desenvolvimento econômico alterou a problemática dos preços para além da relação entre oferta e demanda. Para precisar esses custos, se deveria calcular a quantidade de mercadorias produzidas pelos trabalhadores, o valor dos meios de subsistência dos trabalhadores, o valor das matérias-primas e dos insumos utilizados na produção e o valor dos instrumentos de trabalho envolvidos na atividade. Essa é, como aponta Rubin (2014), a Teoria dos Custos de Produção de James Steuart (1712–1780), um dos últimos “economistas mercantilistas”. Segundo sua análise, o somatório desses elementos envolvidos na produção (o “valor real” da mercadoria) não poderia ser maior do que o preço de venda do bem. A diferença entre o preço da mercadoria e seu “valor real” (noutros termos, o mais-valor expresso por essa diferença) seria precisamente o lucro do manufaturador. Resta assim apenas uma pequena questão: o que determina a magnitude desse lucro? Ainda segundo Rubin (2014), esse foi precisamente um limite fundamental da teoria de James Steuart (1713–1780), pois ela foi incapaz de responder satisfatoriamente a essa questão. Para os mercantilistas, uma nação se tornava rica quando mantinha uma balança comercial favorável, isto é, exportava mais do que importava. Assim, seria possível acumular metais preciosos a partir da comercialização de produtos. 19 ECONOMIA POLÍTICA Exportações Importações Figura 2 Saiba mais James Steuart é o autor de An Inquiry into the Principles of Political Economy, Being an Essay on the Science of Domestic Policy in Free Nations (1767), tido por muitos como provavelmente o primeiro tratado sistemático escrito em inglês sobre economia e o primeiro livro em inglês com o termo Economia Política no título. STEUART, J. An inquiry into the principles of Political Economy, being an essay on the science of domestic policy in free nations. Londres: Millar and Cadell, 1767. Com o já mencionado desenvolvimento econômico capitalista, esse ponto, que pode ficar em aberto durante o período mercantilista, se estabeleceu como algo central na problemática estabelecida pela Economia Política clássica (especialmente Adam Smith e David Ricardo), tendo importantes repercussões e centralidade no arcabouço teórico de Marx. 1.2.2 Adam Smith e a problemática da Economia Política clássica É importante lembrarmos que, diferentemente de alguns escritores mercantilistas, Smith não poderia ser considerado um “homem prático” (entendido como um debatedor de questões práticas cotidianas), tendo se voltado desde a juventude ao estudo de Filosofia. Aos 28 anos, ele se estabeleceu como professor na Universidade de Glasgow, ministrando ali um admirável curso de Filosofia Moral que não se limitava somente à ética, indo desde Teologia e Direito Natural ao que hoje podemos chamar de Política Econômica. 20 Unidade I Lembrete Na época de Smith, a Universidade de Glasgow não tinha um curso específico de Economia Política, afinal ela não era considerada uma ciência independente. Será após Smith que isso mudará. Novamente, é interessante destacar que a menção à trajetória de Smith não é simples ilustração. Ela aponta para um ponto importante: a Teoria Econômica de Smith é profundamente vinculada a sua doutrina do direito natural.3 Podemos estabelecer, de modo simplificado, o problema central da Filosofia Política de sua época da seguinte maneira: como compreender a vida social sem necessariamente recorrermos a pressupostos metafísicos (por exemplo, os seres humanos são naturalmente bons ou os seres humanos são naturalmente egoístas)? A resposta dada na Idade Média era a de que a coesão social é mantida por dois princípios fundamentais, a autoridade e a fé, sendo ambos sustentados pela suposição da existência de Deus. Com o desenvolvimento de um pensamento social moderno, o problema tornou-se o seguinte: Como é possível a vida em sociedade se esses dois princípios e a sua justificação metafísica são deixados de lado? As primeiras tentativas modernas consagradas de resposta afirmavam que, sendo os seres humanos naturalmente egoístas, é impossível a existênciade vida social sem um Estado absoluto. A autoridade desse Estado, por sua vez, não está fundamentada na fé ou na obediência religiosa, mas se baseia no monopólio do poder (que não necessita de legitimação). Os cidadãos, por sua vez, conscientes de um “contrato social” e motivados pelo instinto de sobrevivência e desejo de segurança, não podem fazer outra coisa senão obedecer. Assim, é o poder que dá fundamento ao Estado, e é esse Estado que torna possível a vida social harmoniosa. Contudo, com as chamadas revoluções burguesas do século XVII (a Revolução Gloriosa, de 1688, e a Declaração dos Direitos do Homem, de 1689), temos um novo questionamento: se é verdade que “dinheiro é poder”, as classes sociais emergentes (criadas pelo desenvolvimento capitalista) têm direitos (que não são reconhecidos pelos Estados absolutistas). 3 Conjunto de teorias que apontam haver uma “ordem natural” que pressupõe a livre expressão da atividade humana. Nessa linha, a “ordem positiva”, baseada em leis e convenções estatais, só será legítima se não estiver em conflito com a “ordem natural”. 21 ECONOMIA POLÍTICA Ora, é necessária então uma nova Filosofia Política capaz de justificar a sociedade civil de um modo independente do Estado. A grande genialidade de Smith vai se assentar exatamente no modo pelo qual ele responde a esses questionamentos abertos pela Filosofia Política. Continuemos pacientemente um pouco mais nessa trilha; em breve ela nos oferecerá respostas bastante interessantes. Primeiro, vamos sintetizar as questões colocadas anteriormente numa só, tomando a Filosofia Política de Thomas Hobbes (aquele da famosa afirmação de que “o homem é o lobo do homem”): Se o Leviatã assumiu o egoísmo natural dos indivíduos para justificar o Estado, agora se torna necessário demonstrar como uma vida social livre é possível, mesmo na presença de indivíduos egoístas. Observação Como uma esfera de destaque do egoísmo é a atividade econômica, veremos que a resposta passará pela mudança de foco da política para a economia, com uma “Economia Política”. Como apontam Screpanti e Zamagni (2005), uma resposta é aquela articulada em torno das filosofias do direito natural, mas que traz consigo um outro problema: como o direito natural, balizado por uma certa base “igualitarista”, é capaz de justificar a desigualdade na distribuição da propriedade e da riqueza? Outra resposta, alternativa, é pressupormos não o egoísmo, mas sim a existência de uma “benevolência natural” (ou “sentimento moral“) que os seres humanos experimentam entre si. Nessa linha, não sendo naturalmente egoístas, as pessoas tendem espontaneamente a associar-se (sem necessidade de intervenção externa que dê sentido à vida social). O infortúnio dessa resposta é que ela simplesmente assume uma estrutura diferente de comportamento humano, ou seja, ainda carrega uma suposição metafísica arbitrária, e, para piorar, contrária ao senso comum. O percurso teórico de Smith se dá inicialmente na trilha dos sentimentos morais; contudo, em Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776), temos um retorno à problemática estabelecida pelo naturalismo egoísta. 22 Unidade I Figura 3 Ora, mas se na obra A Riqueza das Nações Smith volta a transitar no terreno do egoísmo natural, quais são afinal sua tão citada genialidade e seu brilhantismo? Sua principal contribuição, que o tornaria tanto um dos pais fundadores da Ciência Econômica como do liberalismo moderno, foi inovar dentro dessa tradição do Direito Natural. A superação está em aceitar a existência de um “princípio de altruísmo” como dominante em todas as esferas do comportamento humano, exceto uma em particular, na qual impera o egoísmo, sendo essa justamente a que se relaciona com a obtenção de riquezas materiais (TEIXEIRA, 2000). O procedimento “genial” de Smith é seguir nessa trilha até as suas últimas consequências lógicas, o que significa excluir inclusive a hipótese arbitrária de benevolência. Sua proposta se baseará em demonstrar única e simplesmente que os indivíduos servem ao interesse coletivo, precisamente, por serem guiados por interesses próprios (SCREPANTI; ZAMAGNI, 2005). Aliás, é basicamente assim que devemos entender o chamado teorema da mão invisível de Smith. Isso porque, como destaca Rubin (2014), para o autor, o progresso econômico abre um caminho para si mesmo, independentemente da estrutura jurídica ou do regime político. Escreve Smith: [...] no organismo político, o esforço natural que cada pessoa faz continuamente para melhorar sua própria condição representa um princípio de preservação suscetível de evitar e corrigir, sob muitos aspectos, os maus efeitos, até certo ponto, de uma Economia Política parcial e opressiva. Tal Economia Política, ainda que indubitavelmente retarde, em grau maior ou menor, o impulso natural de uma nação rumo à riqueza e à prosperidade, nem sempre é capaz de sustentá-lo inteiramente, e muito menos de fazê-lo retroceder. Se uma nação não pudesse prosperar a não ser desfrutando de 23 ECONOMIA POLÍTICA liberdade e justiça completas, jamais haveria no mundo uma única nação que conseguisse ter prosperado (SMITH, 1985, livro 2, p. 159). Essa passagem é ilustrativa desse fundamental procedimento teórico que significa separar o estudo da Economia Política do estudo do direito natural. Como aponta Smith, as forças econômicas baseadas no egoísmo e no princípio da preservação são superiores e dispensam o exame do ambiente político no qual se dá “o esforço natural de cada pessoa” (SMITH, 1985, livro 2, p. 159). Podemos dizer que é através da radicalização dos pressupostos do direito natural, a ponto de torná-lo dispensável, que Smith apresenta uma das mais importantes realizações da Economia Política clássica: converter-se em uma ciência autônoma. A necessidade do Estado é simplesmente garantir que quando cada indivíduo buscar realizar seus interesses, isso não impeça os demais de buscarem realizar os deles. Contudo, os resultados alcançados por Smith não serão sem custos, algo que será apontado posteriormente por Marx ao executar sua crítica da Economia Política. Ao mesmo tempo que a proposição básica do autor escocês assinala uma concepção sociológica que vê nos fenômenos socioeconômicos o resultado das ações individuais ditadas pelo autointeresse, portanto, dotados de um aspecto “natural” (as leis econômicas apresentam uma regularidade “natural”, lembre-se, independentemente do corpo político), faz de Smith um dos fundadores dos economistas teóricos (RUBIN, 2014), e um dos mais importantes porta-vozes do liberalismo econômico. Isso porque essa “naturalidade” tem também um sentido prático: quando os fenômenos econômicos se dão “naturalmente”, leia-se sem a interferência do Estado, eles trazem o máximo de benefício para todos os indivíduos e, portanto, para toda a sociedade. Essa é uma das razões pelas quais Marx utilizará, às vezes de modo intercambiável, os termos Economia Política clássica e Economia Política burguesa, apontado para o fato de que é impossível separar completamente o teórico do ideológico (porta-voz do interesse de um grupo ou uma classe social particular). Isso ficará mais claro ainda se resgatarmos um pouco da Teoria da Distribuição da Riqueza Econômica, de Smith. Antes de apresentar sinteticamente alguns elementos da Teoria da Distribuição de Smith, avalie o seguinte: “O governo civil, na medida em que é instituído para garantir a propriedade, de fato o é para a defesa dos ricos contra os pobres, ou daqueles que têm alguma propriedade contra os que não possuem propriedade alguma” (SMITH, 1985, livro 2, p. 192). Essa frase, que num outro contexto muitos poderiam presumir ser de Marx, é na realidade uma passagem de A Riqueza das Nações. Ela pode ser examinada no quadro da Teoria Sociológica existente no texto de Smith. Como apontam Hunt e Lautzenheiser (2013), o tipo de relação de propriedade existente num dado território pode serconsiderado a chave para se determinar e compreender a forma de governo. Além disso, segundo esses autores, há em Smith uma análise própria das circunstâncias particulares de subordinação social (tanto institucionalizada quanto coercitiva). Colocando esse tópico de maneira clara, em Smith (bem como em Ricardo), a Teoria da Distribuição parte da descrição da sociedade dividida em classes sociais. 24 Unidade I Temos assim já um ponto relevante de desmistificação e tentativa de superação de algumas incompreensões e resistências a argumentos de Marx. A existência de classes sociais, bem como o reconhecimento de conflitos entre elas, não é produto exclusivo do pensamento de Marx. A propósito, o próprio Marx reconhece não ter sido ele o primeiro a identificar tais fenômenos. De fato, a inventividade analítica dessa divisão social em classes se tornaria um ponto pacífico para todas as obras relevantes da Economia Política clássica. Dessa forma, é inevitável reconhecer que a genialidade de Smith não se resume no modo pelo qual ele “resolve” o problema da Filosofia Política de sua época; ela é mais ampla e, nesse mesmo sentido, mais intricada. Ao mesmo tempo que será considerado um dos arautos do liberalismo econômico, o mesmo Smith apresenta uma Teoria da Distribuição que reconhece classes sociais e lutas de classes. Como é possível essa curiosa conciliação entre liberalismo e análise de classes? A resposta apontada por Marx, e sustentada por muitos historiadores do pensamento econômico, está no momento histórico da obra de Smith. Segundo Isaac Rubin (2014): As visões otimistas de Smith – que, com todas as reservas que ele pôs sobre elas, fizeram dele o fundador do liberalismo econômico – só podiam aparecer numa época em que a burguesia industrial ainda desempenhava um papel progressivo e seu interesse coincidia com as necessidades do desenvolvimento econômico global da sociedade. O objetivo de Smith nunca foi de defender os interesses estreitos de mercadores e industriais, aos quais ele não nutria qualquer simpatia particular (RUBIN, 2014, p. 220, grifos do autor). Mas, afinal, como Smith operacionaliza seu raciocínio de modo a ser levado a concluir que os interesses da burguesia coincidem com os interesses gerais da sociedade? Vejamos: • A Teoria da Distribuição da Renda considera as “classes sociais básicas” (capitalistas, trabalhadores e proprietários de terra). Os critérios de diferenciação dessas classes são dados pelos recursos produtivos que possuem (capital, trabalho e terra) e pelo tipo de rendimento que auferem (lucros, salários e aluguéis). • Dada a relação entre recursos produtivos possuídos pelas classes e as formas de gasto de seus rendimentos, temos que: — Proprietários de terras: – não possuem capital produtivo; – não se interessam por crescimento; 25 ECONOMIA POLÍTICA – não têm estímulos para poupar e acumular capital, logo eles têm uma “propensão a poupar” igual a zero. – Conclusão parcial: não contribuem para o crescimento da riqueza da nação. — Trabalhadores: – só possuem o seu trabalho; – “caracterização sociopolítica”: a coalização dos capitalistas e sua influência no governo e no parlamento, além da competição no mercado de trabalho, tendem a empurrar os salários reais a níveis de subsistência. – Assim, a “propensão a poupar” também é zero. — Conclusão parcial: contribuem para a produção, mas não para o crescimento da riqueza de uma nação. — Capitalistas: – possuem capital produtivo e buscam sua ampliação. Logo, têm uma alta “propensão a poupar”. – Conclusão parcial: mais lucros significam maior crescimento da riqueza da nação. A conclusão geral desse raciocínio é que o interesse geral da nação coincide com o da classe capitalista (burguesa). Afinal, essa é a única classe que, além de contribuir para a produção de riqueza, tem capacidade de fazer a riqueza da nação se expandir. Junto a essa dimensão socioeconômica colocada por Smith, que parte de uma caracterização das classes e seus papéis, há ainda aquilo que Hunt e Lautzenheiser (2013) denominam de Teoria da História de Smith. Percorrendo com atenção a discussão colocada pela Riqueza das Nações, é possível concluir que a maneira pela qual os seres humanos produzem e distribuem as necessidades materiais é para Smith o mais importante determinante das instituições sociais de qualquer sociedade (o que engloba as relações interpessoais e de classe). Mais uma vez, cabe apontar que ela está nas críticas mais recorrentes não a Smith, mas, curiosamente, a Marx. Para algumas opiniões “razoáveis” e “sensatas”, ainda que se possa afirmar que Marx seja um autor relevante para o pensamento econômico, ele seria datado e superado, dentre outras coisas, pelo seu determinismo e economicismo. A crítica é que em Marx tudo acaba sendo subordinado a esse “negócio chamado capital”, não reconhecendo outras esferas tão ou mais importantes da vida social. Por ora, nesta etapa de nosso livro-texto, cabe desmistificar um pouco esse ponto. 26 Unidade I Cabe considerar que o modo pelo qual os seres humanos estabelecem relações para produzirem e reproduzirem a riqueza social é determinante para se entender a sociedade; é completamente diferente de afirmar que esse “modo de produzir”, em sua dimensão meramente econômica, esgota a análise da vida social. Na verdade, muito da confusão em torno dessa questão da relação entre Economia e sociedade está ligada a incompreensões em torno da Teoria do Valor, aquele problema que persegue o estudo do âmbito econômico desde pelo menos os escritos mercantilistas (para fazer um corte desse ponto apenas no seu aspecto mais “moderno”). É importante passarmos por esse terreno, muito mais árido e argucioso, do problema do valor, já que, em O Capital propriamente dito, assunto que abordaremos mais adiante, a dificuldade mais evidente de compreensão é ser o seu início uma discussão exaustiva da Teoria do Valor. Longe de ser algo trivial, ou mesmo supérfluo para o estudo contemporâneo de Ciência Econômica, os problemas vinculados a teorias do valor estão na base de desafios teóricos e práticos mais avançados, como economia monetária e financeira. Nesse ponto, é possível indagar o seguinte: que questão é essa que perpassa pela Teoria do Valor, e por que a insistência nesse ponto? A compreensão usual é que uma Teoria do Valor deve servir basicamente para permitir a explicação dos preços de mercado das mercadorias, ou seja, explicar as proporções pelas quais as mercadorias se trocam no mercado. Não é assim que, por exemplo, nós iniciamos a discussão em microeconomia? Depois de se discutir um pouco sobre mercado, para entrar no tema da escola do consumidor, coloca-se a questão das preferências e da utilidade (uma teoria subjetiva do valor). Contudo, mais uma vez, no caso de Smith, isso não é tão simples assim. Como lembra Carcanholo (2012), o próprio título de sua mais importante obra (Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações) já aponta para o fato de que produzir uma Teoria do Valor capaz de explicar os preços de mercado não era, necessariamente, o objetivo central de seu trabalho. Atentando-nos ao título de sua obra, é possível afirmar que, dentre seus objetivos, a Teoria do Valor aparece para subsidiar a compreensão e a análise da natureza da riqueza (na época capitalista). Desse modo, a problemática mercantilista (a relação direta de troca entre mercadorias), que será colocada novamente na realidade por David Ricardo, é atribuída equivocadamente também a Smith como questão central. Esse tipo de leitura, que acaba sendo autoritária – já que exige do autor respostas para aquilo que não coloca como questão –, atribui à Teoria do Valor a obrigatoriedade de ser imediatamente uma explicação para os preços de mercado das mercadorias. 27 ECONOMIA POLÍTICA Tanto no caso de Smith como no de Marx (que veremos adiante), para se entender a relação entre valores e preços é indispensável compreenderantes a natureza da riqueza. De acordo com a resposta sobre o caráter da riqueza, particularmente na época capitalista, é possível distinguir que valor e preço não são sinônimos, mas sim referem-se a fenômenos de níveis diferentes. O que é importante reter nesse momento é que, a despeito de leituras “ricardianas” ou “neoclássicas” de Smith e também de Marx, para se apreender as relações de troca é preciso responder antes a algumas questões sobre riqueza: i) Qual é a forma social específica e o propósito da riqueza?; ii) Qual a magnitude da riqueza e como ela é distribuída? Dessas duas questões surge uma terceira: qual é a medida específica da riqueza? Smith desenvolve sua resposta nos primeiros capítulos de A Riqueza das Nações problematizando a questão em termos “históricos”. Nos três primeiros capítulos de sua obra (mais gerais), a riqueza (seja ela social ou individual) é concebida como um conjunto maior ou menor de bens materiais úteis que são produto do trabalho humano, ou seja, um conjunto heterogêneo de bens, cujo crescimento é explicado pela divisão do trabalho. No quinto capítulo, todavia, a riqueza recebe uma outra distinção. Riqueza (social ou individual) é concebida como a capacidade de comandar, ou controlar, trabalho humano alheio (CARCANHOLO, 2012), ou seja, a forma social específica da riqueza, particularmente na época capitalista, é de uma relação social de domínio sobre seres humanos. Esse é na realidade um dos pontos de partida de Marx em O Capital e será indispensável para a superação das dificuldades encontradas pela Teoria Clássica do Valor-Trabalho. Podemos nos perguntar aqui o seguinte: apresentar duas concepções sobre a natureza da riqueza não seria algo incoerente?4 A resposta é negativa por dois motivos. O primeiro é que devemos reconhecer que o terreno da discussão nesses capítulos é histórico, ele diferencia o pré-capitalismo da época moderna. O segundo motivo é que tal diferenciação acaba estabelecendo uma dupla determinação para a riqueza – de um lado há o conteúdo material da riqueza (bens úteis, produtos do trabalho) e, de outro, há a forma social específica da riqueza (que é fruto da expansão das relações mercantis e da transformação da sociedade em um corpo social subordinado ao mercado). O problema de fato que existe em Smith é o de que o próprio autor não aceitará essa dupla determinação da riqueza descoberta por ele, buscando assim representá-la ora de uma forma, ora de outra (CARCANHOLO, 2012). 4 Essa indagação é, aliás, feita por David Ricardo, que aponta haver em Smith uma confusão na sua Teoria do Valor entre trabalho contido e trabalho comandado. 28 Unidade I Localizar e apreender essa problemática da Economia Política clássica inglesa é indispensável para o entendimento mais preciso dos procedimentos desenvolvidos por Marx em O Capital. Para destacar essa posição, tomemos o começo do capítulo 5 do livro I de A Riqueza das Nações. Afirma Smith: O preço real de cada coisa — ou seja, o que ela custa à pessoa que deseja adquiri-la — é o trabalho e o incômodo que custa a sua aquisição. O valor real de cada coisa, para a pessoa que a adquiriu e deseja vendê-la ou trocá-la por qualquer outra coisa, é o trabalho e o incômodo que a pessoa pode poupar a si mesma e pode impor a outros. O que é comprado com dinheiro ou com bens, é adquirido pelo trabalho, tanto quanto aquilo que adquirimos com o nosso próprio trabalho. Aquele dinheiro ou aqueles bens na realidade nos poupam este trabalho. Eles contêm o valor de uma certa quantidade de trabalho que permutamos por aquilo que, na ocasião, supomos conter o valor de uma quantidade igual. O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compra original que foi pago por todas as coisas. Não foi por ouro ou por prata, mas pelo trabalho, que foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles que a possuem, e desejam trocá-la por novos produtos, é exatamente igual à quantidade de trabalho que essa riqueza lhes dá condições de comprar ou comandar (SMITH, 1996, livro 1, p. 87-88, grifos nossos). Como apontam Screpanti e Zamagni (2005), há pelo menos duas maneiras de “interpretar” a teoria smithana do valor (que são, de fato, produto de correntes diferentes de pensamento econômico). Aquela que será apropriada pela Economia Política clássica e problematizada por Marx coloca a ênfase do argumento na produção dos valores das mercadorias (na quantidade de trabalho). Trabalho é assim assimilado como um investimento de energia, no limite, um serviço produtivo que pode ser especificado e medido. Nessa linha de interpretação, as relações de produção são fenômenos objetivos, assim como são objetivas as relações de troca. Isso significa que o papel produtivo do trabalho e o valor são independentes das escolhas dos indivíduos e de fatores psicológicos. Dentre as implicações dessa perspectiva, a Teoria da Distribuição deve se basear em noções de salário (salário natural, valor da força de trabalho etc.), e o excedente econômico (lucro) é visto como uma dedução do produto do trabalho, ele não necessita de fundamentações microeconômicas. Assim, a Teoria do Valor baseada no trabalho (seja ele incorporado, seja sua capacidade de comando de outros trabalhos) não pode deixar de ser uma teoria objetiva do valor e não requer fundamentos psicológicos. 29 ECONOMIA POLÍTICA Uma outra interpretação, que se difundirá após Marx (veremos brevemente um dos porquês na próxima unidade), é aquela aceita por praticamente todos os economistas de origem “neoclássica”. Nessa outra linha, o destaque da citação de Smith é dado à dificuldade do trabalho (“o incômodo que a pessoa pode poupar a si mesma e pode impor a outros”). Trabalho é assim entendido como qualquer esforço doloroso da mente ou do corpo com vista a uma condição futura melhor do agente econômico. A implicação dessa outra linha interpretativa é a de que o trabalho é vinculado a uma utilidade negativa, sendo sua medida dada em dor, portanto impossível de ter uma definição objetiva. Afinal, cada indivíduo tem sua própria ideia de como o seu próprio trabalho é “doloroso”. A Teoria do Valor, vista como uma teoria subsidiária à teorização sobre preços, necessita fundamentos microeconômicos, pois ela centra sua análise nas escolhas individuais. Isso significa que tanto a Teoria da Distribuição da Riqueza como a Teoria do Valor são subjetivas (SCREPANTI; ZAMAGNI, 2005). Assim como Ricardo o fará, Marx não considerará como cientificamente válida a teorização subjetiva do valor – o que, apesar das possíveis críticas indevidas de Ricardo a Smith, pode ser considerado mais consoante com o sistema econômico do autor escocês. Seguindo as considerações de Carcanholo (2012), em Smith, a riqueza expressa uma relação social de domínio sobre trabalho alheio (dá a ideia de trabalho comandado). O trabalho, por sua vez, deve ser compreendido como o fundamento da riqueza. Sendo ele o fundamento da riqueza, a quantidade de trabalho é a grandeza da riqueza (sua magnitude). Essas considerações, portanto, nos permitem avaliar que a posse de uma mercadoria representa uma determinada riqueza, e a quantidade dessa riqueza é medida pela capacidade de comandar trabalho alheio. Tais elementos, ainda que insuficientes para termos uma visão ampliada do pensamento de Smith, o que também não é nosso objetivo aqui, contribuem para avaliarmos alguns elementos: • Existem classes sociais e elas são indispensáveis para se analisar e compreender a sociedade capitalista (“moderna”). • A Ciência Econômica é uma ciência autônoma e tem como objeto de estudo o modo pelo qual os seres humanos se organizam para produzir, circular e distribuir a riqueza socialmente criada. • O valor é um fenômeno objetivo, e a Teoria do Valor-Trabalho é porta de entrada para o esclarecimento dos demais pontos colocados à Ciência Econômica. • A mercadoria, expressão de uma forma social particular de produção de riqueza, possuium duplo caráter (conteúdo material e forma social), assim como a riqueza possui – sendo essa uma das mais importantes descobertas da Economia Política clássica. 30 Unidade I Ora, mas se de Smith podemos extrair todas essas considerações, o que haveria de novo nos economistas clássicos a ele subsequentes? Apesar de termos em Smith o ápice da sistematização científica para um conjunto de questões colocadas pela economia pré-clássica, há nele algumas contradições e incongruências (as primeiras delas tendo sido difundidas e reconhecidas amplamente com a obra de David Ricardo). Apoiado no próprio Marx, Francisco Teixeira (1995) enfatiza que em Smith parece haver uma contradição entre o fundamento/aspecto essencial dos fenômenos e a expressão positiva desses fenômenos existentes na produção capitalista, o que faz seu pensamento se mover sobre uma série de inconsistências (e mesmo incoerências). Em alguns momentos, Smith sustenta a dimensão essencial do problema, renunciando à devida compreensão da forma pela qual os fenômenos aparecem na realidade; noutros momentos, ele faz o movimento inverso. Contudo, mesmo aí há uma demonstração da genialidade de Smith, como destacam Carcanholo (2012) e Francisco Teixeira (1995). O nosso autor escocês acaba descobrindo algo que será exaustivamente enfatizado por Marx: o fato de que a realidade capitalista é contraditória. Nos termos colocados pelo próprio Marx: Smith move-se com grande ingenuidade em contradição contínua. Ora investiga as conexões causais das categorias econômicas ou a estrutura oculta do sistema econômico burguês. Ora junta a essa pesquisa as conexões tais como se exteriorizam na aparência dos fenômenos da concorrência, se manifestam, portanto, ao observador não científico e, do mesmo modo, ao que na prática está preso e interessado no processo da produção burguesa (MARX, 1980, p. 597-598). A quais contradições mais precisamente refere-se Marx? Sabemos que um dos objetos centrais de estudo por Smith é o valor de troca e que há uma diferença de cunho histórico entre os primeiros capítulos de A Riqueza das Nações e do quinto capítulo em diante. Nos primeiros capítulos, Smith estabelece sua Teoria do Valor com base num estágio primitivo da sociedade, o que para o autor significa, dentre outras coisas, a inexistência de propriedade privada. Nesse grau de desenvolvimento social, todo o produto do trabalho é de propriedade dos próprios trabalhadores, e, assim, a quantidade de trabalho incorporado nesses produtos é o único elemento que regula as relações de troca entre as mercadorias (a possibilidade de comandar o trabalho alheio mediante o próprio trabalho).5 5 A linha de raciocínio da possibilidade de comandar trabalho é relativamente simples e bastante interessante. Numa relação de troca entre os sujeitos A e B, tem-se um aspecto social importante: quando A troca sua mercadoria com a mercadoria de B, ele foi capaz de comandar o trabalho executado por B, que criou uma mercadoria diferente daquela produzida por A e que por ele agora é apropriada. 31 ECONOMIA POLÍTICA Ora, seguindo os preceitos do direito natural, o valor produzido pelo trabalhador lhe pertence integralmente e, como a relação de troca se dá entre equivalentes, a remuneração do trabalhador é igual ao valor do produto (salário e valor são de magnitudes idênticas). Contudo, com o desenvolvimento social para uma forma capitalista de produção de riqueza, é possível e esperado que o trabalho contido nas mercadorias seja capaz de comandar quantidades de trabalho alheio superiores. Como indica Rubin (2014), Smith herda dos mercantilistas o problema de encontrar uma medida para o valor. Ou seja, a tarefa da Teoria do Valor é encontrar a medida do valor. Além disso, o próprio raciocínio individualista de Smith lhe coloca como questão prática a ser respondida aquilo que diz respeito imediatamente ao indivíduo: “Qual a importância que uma mercadoria tem para mim?”, isto é, “Qual é a medida do valor de troca?”. A resposta apontada é que a medida do valor de uma mercadoria é a quantidade de trabalho que pode ser adquirida e comprada em troca dessa mercadoria. Seguindo Rubin (2014, p. 238), quando dizemos que numa sociedade de simples produtores de mercadorias todos os seus membros trocam o seu próprio trabalho, usamos o termo troca em dois sentidos diferentes. Nesse estágio “primitivo” (sem propriedade privada), os produtos do trabalho (mercadorias) são efetivamente trocados no mercado, contudo a atividade laboral dos indivíduos (o “trabalho”) não é comprada ou vendida, ela é apenas equiparada. Desse modo, afirmar que há uma troca de trabalho significa apenas que eles são socialmente iguais, mas não significa que eles são igualados no mercado. Esse é um ponto fundamental para a compreensão dos primeiros capítulos de O Capital de Marx: não existe troca entre trabalhos, mas tão somente entre produtos do trabalho. É apenas assumindo isso que podemos chegar à diferenciação entre trabalho e força de trabalho. Cabe apontar ainda que esse ponto persegue não apenas a Ciência Econômica em seus primórdios, mas praticamente todo o pensamento econômico contemporâneo que não diferencia capitalismo de uma economia de produtores livres e iguais. Isso fica claro no próprio Smith, quando ele passa ao estágio capitalista de desenvolvimento social. Se com a introdução da propriedade privada capitalista e da acumulação de capital há de se remunerar o empresário (garantir seu lucro na distribuição dos rendimentos), o trabalhador deve receber menos que a quantidade de trabalho comandável pelas mercadorias criadas. Colocando a questão noutros termos, o trabalhador deve trabalhar por um tempo superior ao tempo necessário para pagar o seu salário e, assim, garantir o lucro do capitalista. Detalhe: essa conclusão é do próprio Smith, e não de Marx.6 6 Ainda que a conclusão de Marx possa parecer semelhante, ela é sensivelmente mais sofisticada, como veremos adiante. 32 Unidade I Resgatando a citação anterior de Marx, ingenuamente, Smith chega a um limite conclusivo: a necessidade de se diferenciar o trabalho como função social e o trabalho como mercadoria, conclusão essa que ele é incapaz de extrair, mas que já se encontra em sua própria obra, algo que não passará despercebido por Marx. Se o trabalho atua na sociedade capitalista como objeto passível de compra e venda, como pode ele mesmo servir como medida de valor? Caso Smith sustente que as mercadorias são trocadas de acordo com o tempo de trabalho nelas contido, ele deve ser obrigado a reconhecer que a troca entre capital e trabalho é uma troca de não equivalentes – posto que o trabalhador recebe uma quantidade de trabalho menor que aquela que ele entrega ao capitalista. Já no caso de Smith abandonar o tempo de trabalho como base da relação de equivalência entre mercadorias, é impossível explicar, seguindo seu próprio sistema teórico, o lucro a partir do trabalho (TEIXEIRA, 1995). Mas, afinal, é esse um limite de toda a Teoria do Valor-Trabalho? Muitos economistas e historiadores do pensamento econômico afirmarão que sim (em Ricardo, a situação apenas se complicará). E Marx, não sabia disso quando formulou sua Teoria do Valor? Como pôde ele insistir em uma teoria incoerente já em sua época? Sem dúvida Marx sabia desses problemas. Apenas adiantando um ponto, a saída de Marx será alterar a pergunta, que deixará de ser sobre o valor de troca, e alterar a problemática, que não será mais a de uma Teoria do Valor voltada para a medida dos valores, além de fazer modificações mais profundas, como de método e de objeto de análise. 1.2.3 David Ricardo e a estruturação da Teoria do Valor-Trabalho É razoavelmente aceito que a Teoria do Valor de David Ricardo, em seus aspectos mais precisos, não é de fácil apropriação, vide as diferentes versões que o autor apresentou para o primeiro capítulo de Princípios de Economia Política e Tributação (1817, com reedições em 1819 e 1821), comodestaca, por exemplo, Carcanholo (2012). 33 ECONOMIA POLÍTICA Figura 4 – Primeira edição dos Princípios de Economia Política e Tributação, de Ricardo É também reconhecido que a motivação inicial de suas investigações teóricas não era científica, mas eminentemente política, o que se evidencia com as reações a sua doutrina praticamente imediatamente após a sua morte e que se sustentaram pelo menos até a chamada Revolução Marginalista. Sem embargo, coube a Ricardo consolidar algumas das características mais gerais daquilo que ainda hoje chamamos de Economia Política. Primeiramente, já com o seu Ensaio Acerca da Influência do Baixo Preço do Cereal sobre os Lucros do Capital (1815), e, posteriormente, com os Princípios, tem-se o estabelecimento de um estilo específico à Economia Política: a construção de modelos abstratos (e dedutivos) de interpretação da dinâmica econômica (SCREPANTI; ZAMAGNI, 2005). O objeto da Economia Política também recebe uma definição precisa: determinar as leis que regem a distribuição do produto (da terra, por meio de trabalho, máquinas e capital) entre as três classes fundamentais (proprietários de terras, donos de capital e trabalhadores). Sabemos que dentre as “incoerências” de Smith está aquela em que se evidenciam suas próprias influências: a produção de uma Teoria do Valor que se concentra ora na quantidade objetiva de trabalho despendido (e suas relações também objetivas), ora em determinantes subjetivos dos esforços e “utilidade negativa” do trabalho. No interior das questões abertas por Smith, a saída formal encontrada por Ricardo para construir sua Teoria do Valor-Trabalho foi abandonar as tentativas de encontrar uma medida dos valores que fosse invariável. Na sua visão, o problema enfrentado por Smith se devia basicamente a se utilizar dois conceitos diferentes para o valor. 34 Unidade I Para superar os dilemas enfrentados por Smith, a própria noção de riqueza e o conceito de valor serão modificados e, pode-se dizer, inclusive empobrecidos. Riqueza será entendida como simplesmente um conjunto heterogêneo de bens e valor definido apenas pela dificuldade de se produzir mercadorias (particularmente, a quantidade de trabalho). Além disso, valor é sempre tratado como valor de troca (valor relativo ou preço relativo). Inclusive, a leitura de Marx inspirada numa visão proveniente de Ricardo e um dos elementos que prejudicam a compreensão da Teoria Marxiana. Se para Ricardo valor e valor de troca são sinônimos e devem expressar os preços relativos, para Marx não apenas valor é diferente de valor de troca, como eles não necessariamente expressam preços relativos. Dentre os méritos de Ricardo está o de deslocar definitivamente a problemática da economia capitalista do âmbito da circulação (que no caso do valor aparece sob a forma de trabalho comandável via mercado) para o âmbito da produção (valor determinado pelo trabalho incorporado nas mercadorias). Ricardo, quando publicou sua obra-prima em 1817, já havia incorporado nos seus estudos os avanços da Revolução Industrial inglesa. A seguir, uma imagem das máquinas industriais britânicas: Figura 5 Como ainda veremos, umas das operações de Marx será realizar uma “síntese” entre forma e conteúdo (fundamento e expressão dos fenômenos) que apareciam cindidas em Smith e que foram unilateralmente definidas em Ricardo. Outro elemento importante, e que ainda hoje nos ajuda a entender a tranquilidade com a qual Marx transita pelos resultados da Economia Política clássica, é a discussão apresentada por Ricardo já nas primeiras páginas dos seus Princípios sobre por que a utilidade (e mesmo o valor de uso) não é um tema relevante para reflexão. Primeiro, é óbvio que para um bem ter valor de troca ele deve ser útil, logo, a utilidade é indispensável para as mercadorias, mas disso não deriva ser ela determinante do valor. É usual se afirmar que a própria Ciência Econômica é a ciência que estuda a alocação eficiente de recursos escassos; porém, dentro do quadro colocado pela Economia Política clássica, e na crítica a esse 35 ECONOMIA POLÍTICA sistema teórico empreendida por Marx, isso não passa de uma compreensão “ingênua” (ou proveniente de má-fé, diria Marx) do objeto de análise. Ainda que, segundo Ricardo, o valor de troca tenha duas fontes – a escassez e a quantidade de trabalho –, ao se ter como objetivo analisar a reprodução da acumulação de capital, é indispensável reconhecer que a escassez não é tão relevante para a análise. Nas palavras de Ricardo: Sem dúvida, a maioria dos bens que são demandados é produzida pelo trabalho. E esses bens podem ser multiplicados não apenas num país, mas em vários, quase ilimitadamente, se estivermos dispostos a dedicar-lhes o trabalho necessário para obtê-los. Ao falar, portanto, das mercadorias, de seu valor de troca e das leis que regulam seus preços relativos, sempre nos referiremos somente àquelas mercadorias cuja quantidade pode ser aumentada pelo exercício da atividade humana, e em cuja produção a concorrência atua sem obstáculos (RICARDO, 1996, p. 24). Essa passagem não deve ser vista como uma colocação trivial ou ingênua proferida por um economista do início do século XIX. Como destaca Rubin (2014), essa é na realidade uma demonstração de profunda maturidade de pensamento, na medida em que delimita sua investigação a um quadro de desenvolvimento que pressupõe uma produção industrial de grande escala e de livre-concorrência (o que tende a expandir a variedade de bens reprodutíveis pelo trabalho humano). Outro avanço de Ricardo está em como ele responde às questões ligadas à reprodução determinada pela quantidade de trabalho despendido na produção. Por exemplo, quando nós examinamos o trabalho despendido, devemos considerar apenas o trabalho gasto diretamente na criação de um produto, ou devemos incluir todo o trabalho previamente despendido na manufatura (ferramentas, implementos, edificações etc.)? Essa pergunta, como aponta Rubin (2014), de fato questiona se o exame do trabalho despendido deve partir de seu aspecto subjetivo (direto) ou objetivo (mediado). A resposta adotada por Ricardo é que o valor deve ser examinado em seu aspecto objetivo, eliminando assim qualquer dúvida relacionada a esforços realizados no trabalho ou determinação de valor pela capacidade de comando de trabalho na esfera da circulação (mercado). Novamente, nos termos colocados por Ricardo, temos: Que este é realmente o fundamento do valor de troca de todas as coisas, à exceção daquelas que não podem ser multiplicadas pela atividade humana, eis uma doutrina de extrema importância na Economia Política; pois de nenhuma outra fonte brotam tantos erros nem tanta diferença de opinião, nesta ciência, quanto das ideias confusas que estão associadas à palavra valor. 36 Unidade I Se a quantidade de trabalho contida nas mercadorias determina o seu valor de troca, todo acréscimo nessa quantidade de trabalho deve aumentar o valor da mercadoria sobre a qual ela foi aplicada, assim como toda diminuição deve reduzi-lo (RICARDO, 1996, p. 25). Tal posição adotada por Ricardo não apenas o colocou contra a dualidade conceitual presente em Smith, levando-o a abdicar da busca de uma medida constante do valor (investigação aberta desde os escritores mercantilistas), como também abriu a possibilidade de se exporem exaustivas críticas à frágil Teoria da Oferta e da Demanda. Em seu sistema teórico, as mudanças quantitativas do valor (preço relativo, lembremos) das mercadorias são causalmente dependentes de mudanças na própria quantidade de trabalho despendido na produção. A relação entre oferta e demanda pode ter apenas um efeito temporário sobre o preço das mercadorias, sendo a produtividade do trabalho a causa última das mudanças de valor. Ainda nessa perspectiva, de acordo com o modo pelo qual o valor das mercadorias é determinado, não há uma relação entre a determinação do valor (dado na produção) e a forma pela qual o valor
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