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Resenha: "Pontuações Sobre a Angústia nas Estruturas Neurótica e Psicótica", de Sonia Leite

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Pedro Mansur
	Universidade Federal Fluminense	
Resenha do texto “Pontuações Sobre a Angústia nas Estruturas Neurótica e Psicótica”, de Sonia Leite
	O texto "Pontuações Sobre a Angústia nas Estruturas Neurótica e Psicótica" é estruturado ao redor de uma pergunta principal: se, na neurose, a angústia sinal produz o recalque, poderia-se afirmar que a angústia real produz a foraclusão? Sonia Leite compara então os conceitos de angústia na obra lacaniana e freudiana para tentar responder a essa pergunta.
	A autora primeiramente retoma a diferença conceituada por Freud entre angústia automática (ou real) e angústia sinal. Para isso, retorna aos primórdios da obra freudiana, onde o autor dedica-se à discussão acerca das neuroses de angústia que compunham, ao lado da neurastenia e da hipocondria, o que chamava de “quadro das neuroses atuais”. Freud aponta que "a neurose de angústia é acompanhada por um decréscimo da libido sexual, ou desejo psíquico" em um escrito de 1895 e que o mecanismo das neuroses de angústia devia ser procurado em deflexões da excitação sexual somática da esfera psíquica; assim Freud estabelece sua primeira teoria da angústia. O texto em questão já apontava para a relação entre ausência de desejo e aparecimento de angústia.
	Já para Lacan, "a angústia aparece na medida em que o orgasmo se desliga do campo da demanda do Outro". Identificando na obra freudiana uma clara distinção entre gozo e desejo, Lacan acredita que a angústia seja provocada pelo fato de o objeto fálico ser (de)posto, ficando fora do jogo do gozo.
	A partir do encontro clínico com as psiconeuroses, da descoberta do complexo de Édipo e, subsequentemente, do tema da culpa, Freud reelabora seu conceito de angústia em seu texto "Inibição, sintoma e angústia", de 1926. Nesse texto, Freud articula a angústia ao desamparo e a conceitua como um estado afetivo de grande desprazer, que é liberado seja automaticamente - numa vivência traumática - seja como um sinal que possibilite ao eu um preparo para que acione o princípio de prazer-desprazer e evite que se reexperimente essa vivência. Freud marca a insuficiência de se referir ao prazer e ao desprazer quantitativamente, alegando que esses dependem também de um fator qualitativo. 
	Nesse mesmo artigo, o autor defende que é a angústia que produz o recalque, e não o contrário - invertendo a forma como pensava até então. Portanto, a angústia sinal seria reproduzida como um estado afetivo "de conformidade com uma imagem mnêmica já existente", que apontaria para a presença de traumas anteriores que teriam ocorrido antes da formação do superego.
	Vê-se então que há um fator histórico que faz da angústia sinal uma espécie de reprodução ou reação a uma experiência primitiva perigosa - cujo protótipo é o trauma do nascimento. A angústia surge, portanto, como reação a um perigo que se reproduz quando um estado de perigo se repete.
	Para Lacan, "a angústia é um afeto que não engana" e Freud vê uma dupla origem desse afeto: uma como consequência de um momento traumático - que geraria a angústia automática - e outra como sinal que prepara o eu para a repetição de tal estado - gerando a angústia sinal. Percebe-se então que o eu é o lugar da angústia. Sonia Leite nesse momento do texto destaca a importância do recalque originário enquanto linha divisória entre as estruturas neurótica e psicótica e como condição da própria existência da angústia sinal.
	Em seu estudo, Lacan enfatiza que a angústia é sempre sinal do real. Podemos ver que para a perspectiva freudiana a angústia se relaciona à falta de um objeto enquanto Lacan afirma que a angústia não se dá sem objeto. Para Freud, a angústia se relaciona à falta de um objeto amado e/ou investido, destacando que a ausência da imagem mnêmica do objeto pode se transformar em angústia, ao passo que a criança, em seu desamparo, "descobre, pela experiência, que um objeto externo perceptível pode pôr termo à situação perigosa".
	Lacan, por outro lado, enfatiza a função mediana da angústia entre o gozo e o desejo. Retomando o esquema óptico, o mesmo afirma que nem todo investimento feito pela criança passa por uma imagem especular possível, fazendo com que o que resta a ser investido inscreva-se como falta. Nesse momento, o falo institui-se como significante da falta e, não podendo ser representado, é efetivamente cortado da imagem especular. Esse corte constitui a castração e a queda do objeto a. 
	Constituindo-se no lugar do Outro, sob a forma primária do significante, o sujeito mítico do gozo - como nomeia Lacan - transforma a emissão do grito em apelo, em resposta à castração do Outro. O que resta a esse processo é chamado de objeto a, necessário para que haja a dialética que na neurose vai se expressar pela fantasia enquanto na psicose se expressará pelo delírio.
	 O objeto a é o objeto perdido, que sobra da operação subjetiva. A angústia portanto é marcada pela emergência do objeto a e pelo desaparecimento do objeto constituído imaginariamente, causando um desmoronamento da imagem especular, que será reconstruída mediante o acesso do sujeito ao simbólico. Em 1933, Freud refere-se ao objeto da angústia da seguinte maneira: "o que é temido, o que é o objeto da angústia é invariavelmente a emergência de um momento traumático, que não pode ser liquidado seguindo as normas do princípio do prazer".
	Nesse momento a autora se questiona acerca da angústia automática, ou real, nomeada por Freud e propõe que Lacan tenha substituído a ideia freudiana por uma experiência de encontro do real. Assim a autora afirma que a foraclusão secundária é induzida pela foraclusão originária, experiência de um excesso irrepresentável e traumático, e pela impossibilidade do sujeito de sair do lugar de objeto do gozo do Outro devido à ausência do recalque originário, baseando-se no pensamento lacaniano que toma a psicose como modelo primário em relação à neurose. Na psicose, com a foraclusão do Nome-do-Pai, não há espelho possível. O momento da repetição da foraclusão aponta para um reencontro sem contorno do real traumático, que poderá depois ser recoberto pelo delírio.
	A autora fecha o texto propondo que talvez essa perspectiva justifique o por quê de Freud ter retomado a discussão sobre vida pulsional em 1933 pensando na angústia sinal como preparadora do eu para o seu encontro com a pulsão de morte, e pontua: "Por um lado, a angústia sinal estando a serviço do princípio de prazer é o que sinaliza a tendência do psiquismo em direção a algo irrepresentável e, por outro, a angústia automática - encontro do real - talvez signifique um outro nome para a pulsão de morte.”

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