Buscar

Técnicas de Pesquisa 2

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

/
DESCRIÇÃO
A importância da pesquisa de modelos qualitativo e quantitativo para a produção acadêmica. A
pesquisa de campo e a análise de dados nas abordagens quantitativa e qualitativa.
PROPÓSITO
Compreender as características da pesquisa de abordagens qualitativa e quantitativa, bem como
suas possíveis interfaces. Perceber que a análise de dados, proveniente da pesquisa de campo,
pode tornar-se instrumento eficaz na pesquisa acadêmica, em ambas as abordagens.
OBJETIVOS
/
MÓDULO 1
Distinguir pesquisa quantitativa de pesquisa qualitativa a partir da relevância da pesquisa de
campo para a produção acadêmica
MÓDULO 2
Reconhecer a importância da análise de dados para a pesquisa acadêmica no âmbito das
análises quantitativa e qualitativa
INTRODUÇÃO
DEPOIMENTO (PROFESSORA MIRIAN
GOLDENBERG)
Quando inicio um curso presencial de metodologia de pesquisa, noto no semblante de meus
alunos uma profunda desconfiança. Costumo perguntar sobre suas experiências anteriores com a
disciplina e, salvo raríssimas exceções, eles são unânimes em afirmar que a matéria foi muito
desinteressante em suas experiências anteriores. Com essa recepção, não é fácil iniciar um curso
de dezenas de horas, semanas ou meses. Ao final do curso, no entanto, sempre encontro alunos
entusiasmados, empolgados com seus projetos, e não raro com manifestações de carinho e
gratidão. Aqui quero compartilhar um pouco dessa experiência prazerosa em sala de aula e
mostrar que a pesquisa científica não é algo de apenas alguns eleitos, podendo ser exercida em
qualquer campo de estudo.
Metodologia científica é muito mais do que algumas regras de como fazer uma pesquisa; ela
auxilia a refletir e propicia um “novo” olhar sobre o mundo: um olhar científico, curioso, indagador e
/
criativo. Portanto, a pesquisa não se reduz a certos procedimentos metodológicos. A pesquisa
científica exige criatividade, disciplina, empatia, flexibilidade, humildade, interesse genuíno,
organização e sensibilidade, baseando‐se no confronto permanente entre o possível e o
impossível, entre o conhecimento e o desconhecimento.
Nenhuma pesquisa é totalmente controlável, com início, meio e fim previsíveis. A pesquisa é um
processo em que é impossível prever todas as etapas. O pesquisador está sempre em estado de
tensão porque sabe que seu conhecimento é parcial e limitado — o “possível” para ele. Nesse
mesmo sentido, não existe um único modelo de pesquisa. Neste tema veremos um dos caminhos
possíveis: aquele que tenho buscado seguir nas últimas quatro décadas e com diferentes
abordagens de acordo com o tema escolhido.
Todos os pesquisadores precisam estar abertos para um verdadeiro debate de ideias. É a
discussão dos nossos achados que pode contribuir para o amadurecimento de nosso trabalho. A
pesquisa científica exige um exercício permanente de crítica e autocrítica. Por isso, aceite o
estudo desse tema como um prazeroso desafio: um exercício para aprender a pensar
cientificamente, com clareza, criatividade, organização e, acima de tudo, sabor.
MÓDULO 1
 Distinguir pesquisa quantitativa de pesquisa qualitativa a partir da relevância da
pesquisa de campo para a produção acadêmica
CONSTRUINDO O PROBLEMA DA PESQUISA
Fazer uma pesquisa significa aprender a pôr ordem nas próprias ideias. Não importa tanto o tema
escolhido, mas a experiência de trabalho de pesquisa. Trabalhando‐se bem, não existe tema que
seja tolo ou pouco importante. A pesquisa deve ser entendida como uma ocasião singular para
fazer alguns exercícios que servirão por toda a vida. O trabalho de pesquisa deve ser instigante,
mesmo que o objeto não pareça ser tão interessante. O que o verdadeiro pesquisador busca é o
jogo criativo de aprender como pensar e olhar cientificamente.
/
 COMENTÁRIO
Aqui falamos em objeto da pesquisa e não objetivos. Em Metodologia Científica, o que
chamamos objeto da pesquisa é exatamente aquilo que será pesquisado. Já os objetivos de
uma pesquisa dependerão de muitos fatores, inclusive do tipo de objeto pesquisado.
 Fonte: fizkes | Shutterstock
QUALQUER TEMA OU ASSUNTO DA ATUALIDADE PODE SER
OBJETO DE UMA PESQUISA CIENTÍFICA.
É preciso ter estudado muito, possuir uma sólida bagagem teórica e muita experiência de
pesquisa para enxergar o que outros não conseguem ver. O pesquisador experiente descobre
assuntos que podem parecer banais e os transforma em pesquisas fecundas.
O desejo de reconhecimento não só leva o cientista a comunicar os seus resultados, mas também
o influencia na escolha de temas e métodos que tornem seu trabalho mais aceitável por seus
pares. Quanto maior a consciência de suas motivações, mais o pesquisador é capaz de evitar os
desvios (ou bias) próprios daqueles que trabalham com a ilusão de serem orientados apenas por
propósitos científicos.
Existe uma hierarquia de legitimidade dentro do campo científico traçada de acordo com os temas
que dão prestígio, recursos para a pesquisa, cargos universitários, publicações em editoras
prestigiadas etc. Assim, falar de “liberdade de escolha” nesse campo é desconsiderar as pressões
(evidentes ou sutis) às quais o pesquisador permanentemente se submete. Tendo consciência de
tais pressões, muitas dificuldades e contradições podem ser mais bem compreendidas na escolha
de um assunto e na sua formulação como um projeto de pesquisa.
/
Nessa “arte” de fazer pesquisa, o jogador precisa ter alguns atributos para poder entrar no campo
científico. Alguns podem ser vistos como internos, atributos pessoais que devem fazer parte do
indivíduo que deseja ser um pesquisador:
Clareza
Concentração
Criatividade
Curiosidade
Delicadeza
Disciplina
Empatia
Equilíbrio
Flexibilidade
Humildade
Iniciativa
Interesse real
Objetividade
Organização
Paciência
Paixão
Respeito ao entrevistado
Saber escutar
Tranquilidade
Outras qualidades podem ser chamadas de externas, porque dependem da formação científica do
pesquisador. São elas:
/
BOM DOMÍNIO DA TEORIA
DOMÍNIO DAS TÉCNICAS DE PESQUISA
/
ESCREVER BEM
EXPERIÊNCIA COM PESQUISA
/
RELACIONAR OS DADOS EMPÍRICOS COM A TEORIA
As principais etapas da pesquisa científica envolvem a concepção de um tema de estudo, a coleta
de dados, a apresentação de um relatório com os resultados e, em alguns casos, a aplicação dos
resultados. O passo inicial está ligado à formulação do problema e consequente definição do
objeto da pesquisa.
O primeiro passo é tornar o problema concreto e explícito mediante:
/
 
autor/shutterstock
Imersão sistemática no assunto
 
autor/shutterstock
Estudo da literatura existente
/
 
autor/shutterstock
Discussão com pessoas que acumularam experiência prática no campo de estudo
A boa resposta depende da boa pergunta. O pesquisador deve estar consciente da importância da
pergunta que faz e deve saber colocar as questões necessárias para o sucesso de sua pesquisa.
O pesquisador, ao escolher seu objeto de estudo, deve pensar em como:
 
PRIMEIRO PASSO
Identificar um tema preciso (recorte do objeto).
/
 
SEGUNDO PASSO
Escolher e organizar o tempo de trabalho.
 
TERCEIRO PASSO
Realizar a pesquisa bibliográfica (revisão da literatura).
/
 
QUARTO PASSO
Organizar e analisar o material selecionado.
 
Fonte:Shutterstock
QUINTO PASSO
Fazer com que o leitor compreenda o seu estudo e possa recorrer aos resultados caso queira dar
continuidade à pesquisa.
Para tanto, o objeto de estudo deve responder aos interesses do pesquisador e ter as fontes de
consulta acessíveis e de fácil manuseio. Quanto mais se recorta o tema, com mais segurança e
criatividade se trabalha. O estudo científico deve ser claro, interessante e objetivo, tanto para as
pessoas familiarizadas com o assunto quanto para as que não são. Muitos acadêmicos se perdem
/
em parágrafos herméticos que não são compreendidos nem pelos seus pares. O pesquisador não
precisa utilizar termos obscuros para se mostrar profundo. A profundidade e a seriedade do estudo
podem ser mais bem percebidasse o pesquisador utilizar uma linguagem compreensível para o
maior número de alunos e leitores.
A PESQUISA APRESENTA DIFERENTES FASES.
Veremos a seguir:
FASE EXPLORATÓRIA
A fase inicial, que pode ser chamada de exploratória, lembra uma “paquera” de dois adolescentes.
É o momento em que se tenta descobrir algo sobre o objeto de desejo, quem mais escreveu (ou
se interessou) sobre ele, como poderia haver uma aproximação, qual a melhor abordagem (ou
metodologia) dentre todas as possíveis para conquistar esse objeto.
FASE DE ELABORAÇÃO
Em seguida, vem a fase que equivale ao “namoro”, quando há maior compromisso e que exige um
conhecimento mais profundo, uma dedicação quase exclusiva ao objeto de paixão. É a fase de
elaboração do projeto de pesquisa, quando o estudioso mergulha profundamente no tema
estudado.
FASE DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
A terceira fase é o “casamento”, em que a pesquisa exige fidelidade, dedicação, atenção ao seu
cotidiano, que é feito de altos e baixos. O pesquisador deve resolver os problemas que vão
aparecendo, desde os mais simples (como se vestir para realizar as entrevistas) até os mais
cruciais (como garantir a verba para a execução da pesquisa).
FASE DE DIAGNÓSTICO
Por último, a fase de “separação”, em que o pesquisador precisa se distanciar do seu objeto para
escrever o relatório final da pesquisa. É o momento em que é necessário olhar o mais criticamente
possível para o objeto estudado, quando é preciso fazer rupturas, sugerir novas pesquisas. É o
momento de ver os defeitos e as qualidades do objeto amado.
javascript:void(0)
/
METODOLOGIA
Quando se fala de metodologia, trata-se de um caminho possível para a pesquisa científica.
O que determina a técnica escolhida é o problema que se quer trabalhar: só se escolhe o
caminho quando se sabe aonde quer chegar.
A importância da pesquisa na vida acadêmica
/
PESQUISA QUANTITATIVA X PESQUISA
QUALITATIVA
Durante muito tempo, as ciências se pautavam por um modelo quantitativo de pesquisa, em que a
veracidade de um estudo era constatada pela quantidade de pesquisados. Muitos pesquisadores,
no entanto, questionaram a representatividade e o caráter de objetividade com que a pesquisa
quantitativa se revestia.
É PRECISO ACEITAR O FATO DE QUE, MESMO NAS
PESQUISAS QUANTITATIVAS, A SUBJETIVIDADE DO
PESQUISADOR ESTÁ PRESENTE.
Na escolha do tema, dos entrevistados, no roteiro de perguntas, na bibliografia consultada e na
análise do material coletado, existe um autor, um sujeito que decide os passos a serem dados.
Na pesquisa qualitativa, a preocupação do pesquisador não é com a quantidade de indivíduos,
mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma
instituição, de uma trajetória etc.
/
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Arthimedes | Shutterstock
Ao se pensar nas origens da pesquisa qualitativa em ciências sociais, corre‐se o risco de se
perder em um caminho longo demais que, procurando as origens das origens, não chega jamais
ao fim. Poderia chegar a Heródoto (495 a.C.-425 a.C.) que, descrevendo a guerra entre a Pérsia
e a Grécia, dedicou-se a esboçar os costumes, as vestimentas, as armas, os barcos, os tabus
alimentares e as cerimônias religiosas dos persas e povos circunvizinhos.
HERÓDOTO
Uma boa reflexão sobre a importância de Heródoto nesse contexto, bem como um ótimo
exemplo de pesquisa podem ser encontrados no artigo O selvagem e a História: Heródoto e
a questão do Outro, de Klaas Woortmann. Pesquise-o na plataforma SciELO.
javascript:void(0)
/
 Fonte: sianstock | Shutterstock
 COMENTÁRIO
Não pretendendo fazer um caminho tão longo, mas, para situar a questão do uso de técnicas e
métodos qualitativos de pesquisa nas ciências sociais dentro de uma discussão mais ampla,
elucidaremos o debate entre a sociologia positivista e a sociologia compreensiva.
Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa em pesquisa se opõem ao pressuposto
que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, baseado no modelo de estudo
das ciências da natureza. Esses pesquisadores se recusam a legitimar seus conhecimentos por
processos quantificáveis que venham a se transformar em leis e explicações gerais. Afirmam que
as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria. Vamos
conhecê-los?
COMTE
Os pesquisadores qualitativistas recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social. O
fundador do positivismo, Augusto Comte (foto), defendia a unidade de todas as ciências e a
aplicação da abordagem científica na realidade social humana. Com base em critérios de
abstração, complexidade e relevância prática, Comte estabeleceu uma hierarquia das ciências, em
que a Matemática ocupava o primeiro lugar e a Sociologia ou “física social”, o último, precedida,
em ordem decrescente, por Astronomia, Física, Química e Biologia. Para Comte, cada ciência
javascript:void(0)
/
dependia do desenvolvimento da que a precedeu. Portanto, a Sociologia não poderia existir sem a
Biologia, que não existiria sem a Química, e assim por diante.
 
 Augusto Comte. Fonte: wikimedia.org
Segundo a perspectiva de que o objeto das ciências sociais deve ser estudado como o das
ciências físicas, a pesquisa é uma atividade neutra e objetiva, que busca descobrir regularidades
ou leis, em que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e
suas crenças contaminem a pesquisa.
DURKHEIM
/
 
 Émile Durkheim. Fonte: wikimedia.org
Émile Durkheim (foto), como Comte, preocupado com a ordem na sociedade e com a primazia da
sociedade sobre o indivíduo, também se posicionou a favor da unidade das ciências. Tomando “os
fatos sociais como coisas”, Durkheim (1985) defendia que o social é real e externo ao indivíduo,
ou seja, o fenômeno social, como o fenômeno físico, é independente da consciência humana e
verificável pela experiência dos sentidos e da observação.
Durkheim acreditava que os fatos sociais só poderiam ser explicados por outros fatos sociais, e
não por fatos psicológicos ou biológicos, como pretendiam alguns pensadores de seu tempo.
Defendendo a visão da ciência social como neutra e objetiva, na qual sujeito e objeto do
conhecimento estão radicalmente separados, Durkheim teve uma influência decisiva para que as
ciências sociais adotassem o método científico das ciências naturais.
DILTHEY
Na segunda metade do século passado, alguns pensadores, influenciados pelo idealismo de Kant,
reagiram criticamente ao modelo positivista de conhecimento aplicado às ciências sociais,
acreditando que o estudo da realidade social por meio de métodos de outras ciências poderia
destruir a própria essência dessa realidade, já que esquecia a dimensão de liberdade e
individualidade do ser humano.
javascript:void(0)
/
 
Fonte:Shutterstock
 Wilhelm Dilthey. Fonte: wikimedia.org
A sociologia compreensiva, distinguindo “natureza” de “cultura”, mostrou que era necessário, para
estudar os fenômenos sociais, um procedimento metodológico diferente daquele utilizado nas
ciências físicas e matemáticas. O filósofo alemão Wilhelm Dilthey (foto) foi um dos primeiros a
criticar o uso da metodologia das ciências naturais pelas ciências sociais, em função da diferença
fundamental entre seus objetos de estudo. Nas primeiras, os cientistas lidam com objetos externos
passíveis de serem conhecidos de forma objetiva, enquanto nas ciências sociais lidam com
emoções, valores, subjetividades. Essa diferença se traduz em diferenças nos objetivos e nos
métodos de pesquisa.
Para Dilthey, os fatos sociais não são suscetíveis de quantificação, já que cada um deles tem um
sentido próprio, diferente dos demais, e isso torna necessário que cada caso concreto seja
compreendido em sua singularidade. Portanto, as ciências sociais devem se preocupar com a
compreensão de casos particulares e não com a formulação de leis generalizantes, como fazem
as ciências naturais.
WEBER
javascript:void(0)
/
 
Fonte:Shutterstock Max Weber. Fonte: wikimedia.org
O maior representante da chamada sociologia compreensiva é Max Weber (foto). Para ele, o
principal interesse da ciência social era o comportamento significativo dos indivíduos engajados na
ação social, ou seja, o comportamento ao qual os indivíduos agregam significado considerando o
comportamento de outros indivíduos.
Os cientistas sociais, que pesquisam os significados das ações sociais de outros indivíduos e
deles próprios, são sujeito e objeto de suas pesquisas. Nessa perspectiva – que se opõe à visão
positivista de objetividade e de separação radical entre sujeito e objeto da pesquisa – é natural
que cientistas sociais se interessem por pesquisar aquilo que valorizam. Esses cientistas buscam
compreender os valores, as crenças, as motivações e os sentimentos humanos, compreensão que
só pode ocorrer se a ação for colocada dentro de um contexto de significado.
FUNDADOR DO POSITIVISMO
A origem do positivismo é atribuída ao francês Augusto Comte (1798-1857), autor dos
famosos Sistema de Filosofia Positiva (1830-1842) e Catecismo Positivista (1852), além de
javascript:void(0)
/
outras publicações. A relação que se estabelece entre a filosofia do francês Comte –
chamada de filosofia positiva ou positivismo – e as várias correntes denominadas de
"positivismo" baseia-se em diversas possibilidades: a primeira, claro, é a identidade de nome
em diversas situações; em seguida, alguns vínculos históricos (teóricos e políticos) entre
eles; por fim, mera extensão ou ampliação de sentido (LACERDA, 2009).
ÉMILE DURKHEIM
David Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo
social e filósofo francês. Formalmente, tornou a Sociologia uma ciência e, com Karl Marx
(1818-1883) e Max Weber (1864-1920), é comumente citado como o principal arquiteto da
ciência social moderna e pai da Sociologia.
WILHELM DILTHEY
Wilhelm Christian Ludwig Dilthey (1833‐1911) foi um filósofo hermenêutico, psicólogo,
historiador, sociólogo e pedagogo alemão. Dilthey lecionou Filosofia na Universidade de
Berlim.
MAX WEBER
Maximilian Karl Emil Weber (1864‐1920) foi um intelectual, jurista e economista alemão
considerado um dos fundadores da Sociologia. Seu irmão foi o também famoso sociólogo e
/
economista Alfred Weber.
PESQUISA DE CAMPO
A discussão apresentada anteriormente, que diferencia as ciências sociais das demais ciências
físicas, contextualiza o surgimento e o desenvolvimento das técnicas e dos métodos qualitativos
de pesquisa social.
LE PLAY
Frédéric Le Play (foto), contemporâneo de Comte, foi um dos primeiros a estudar a realidade
social dentro de uma perspectiva científica que considerava a observação direta, controlável e
objetiva da sociedade como o método mais adequado à pesquisa social. Em La Réforme Sociale
en France (1864), Le Play expõe o método das monografias, que se caracteriza por ser uma
técnica, ordenada e metódica, de observação direta da sociedade.
 
 Frédéric Le Play. Fonte: wikimedia.org
Trouxe de sua experiência de mineralogista, na qual estava habituado a colher amostras de
jazidas para serem analisadas, a preocupação de observar diretamente e analisar
javascript:void(0)
/
sistematicamente as famílias operárias localizadas nos diferentes países da Europa onde
pesquisou. De seus registros minuciosos e ordenados, resultou um conjunto de monografias
reunidas em Les ouvriers européens (1855).
MORGAN, BOAS E MALINOWSKI
No final do século XIX e início do século XX, os estudos dos antropólogos nas sociedades
chamadas então de “primitivas” foram determinantes para o desenvolvimento das técnicas de
pesquisa que permitem recolher diretamente observações e informações sobre a cultura nativa. As
sociedades estudadas diretamente por esses antropólogos eram sociedades sem escrita,
longínquas, isoladas, de pequenas dimensões, com reduzida especialização das atividades
sociais, tendo sido classificadas como “simples” ou “primitivas” em contraste com a organização
“complexa” das sociedades dos pesquisadores.
 
Fonte:Shutterstock
 Lewis Henry Morgan. Fonte: wikimedia.org
O primeiro antropólogo a conviver com os nativos foi o americano Lewis Henry Morgan (foto), um
dos mais expressivos representantes do pensamento evolucionista. Jurista de formação, em 1851
publicou The League of Hodénosaunee, or Iroquois, considerado o primeiro tratado científico de
etnografia.
javascript:void(0)
/
 
Fonte:Shutterstock
 Franz Boas. Fonte: wikimedia.org
 
Fonte:Shutterstock
 Bronislaw Malinowski. Fonte: wikimedia.org
/
Mas foram os trabalhos de campo de Franz Boas e Bronislaw Malinowski (respectivamente
retratados acima), entre 1883 e 1902, e, particularmente, a expedição às ilhas Trobriand, que
consagraram a ideia de que os antropólogos deveriam passar um longo período na sociedade que
estão estudando para encontrar e interpretar seus próprios dados, em vez de depender dos
relatos dos viajantes, como faziam os chamados “antropólogos de gabinete”.
Nos primeiros trinta anos do século XX, o trabalho de campo passou a orientar as pesquisas
antropológicas. Boas, um geógrafo de formação, crítico radical dos antropólogos evolucionistas,
ensinou que no campo tudo deveria ser anotado meticulosamente e que um costume só tem
significado se estiver relacionado ao seu contexto particular. Ensinou também o “relativismo
cultural”: o pesquisador deveria estudar as culturas com um mínimo de preconceitos etnocêntricos.
Para Boas, o que constitui o “gênio próprio” de um povo repousa sobre as experiências individuais
e, portanto, o objetivo do pesquisador é compreender a vida do indivíduo dentro da própria
sociedade em que vive.
A primeira experiência de campo de Malinowski foi em 1914, entre os mailu, na Melanésia.
Impedido de voltar à Inglaterra no início da Primeira Guerra Mundial, ele começou sua pesquisa
nas ilhas Trobriand, de 1915 a 1916, retornando em 1917 para viver com os nativos por mais um
ano. Essa longa convivência com os nativos teve uma influência decisiva na inovação do método
de pesquisa antropológica.
Malinowski demonstrou que o comportamento nativo não é irracional, mas se explica por uma
lógica própria que precisa ser descoberta pelo pesquisador. Colocou em prática a observação
participante, criando um modelo do que deve ser o trabalho de campo: o pesquisador, por meio de
uma estada de longa duração, deve mergulhar profundamente na cultura nativa, impregnando‐se
da mentalidade nativa. Deve viver, falar, pensar e sentir como os nativos.
Grande parte da renovação das ciências sociais se deve às influências (diretas ou indiretas) dos
métodos de pesquisa de Malinowski. Argonauts of the Western Pacific provocou uma verdadeira
ruptura metodológica na Antropologia, priorizando a observação direta e a experiência pessoal do
pesquisador no campo.
FRÉDÉRIC LE PLAY
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
/
Frédéric Le Play (1806-1882) teve uma grande influência no desenvolvimento da sociologia
aplicada devido às metodologias que propôs para estudar determinados fenômenos sociais;
considerava a família e o orçamento familiar fundamentais para estudar as condições sociais
da sociedade em que se encontravam.
LEWIS HENRY MORGAN
Lewis Henry Morgan (1818-1881) foi um antropólogo, etnólogo e escritor norte-americano.
Considerado um dos fundadores da antropologia moderna, fez pesquisa de campo entre os
iroqueses, de onde retirou material para sua reflexão sobre cultura e sociedade.
FRANZ BOAS
Franz Uri Boas (1858-1942) foi um antropólogo teuto-americano e um dos pioneiros da
antropologia moderna que tem sido chamado de "Pai da Antropologia Americana".
Estudando na Alemanha, Boas foi premiado com um doutorado em Física em 1881,
enquanto estudava Geografia.
BRONISLAW MALINOWSKI
Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942) foi um antropólogo polonês. É considerado um
dos fundadores da Antropologia social. Atuando na London School of Economics, fundoua
Escola Funcionalista. Suas grandes influências incluíam James Frazer e Ernst Mach.
/
Malinowski, considerado o pai do funcionalismo, acreditava que cada cultura tivesse como
função a satisfação das necessidades básicas dos indivíduos que a compõem, criando
instituições capazes de responder a essas necessidades. A análise funcional consiste em
verificar todo fato social do ponto de vista das relações de interdependência que ele mantém,
sincronicamente, com outros fatos sociais no interior de uma totalidade.
INOVAÇÃO DO MÉTODO DE PESQUISA
ANTROPOLÓGICA
Argonauts of the Western Pacific, publicado em 1922, é um verdadeiro tratado sobre o
trabalho de campo. A convivência íntima com os nativos passou a ser considerada o melhor
instrumento de que o antropólogo dispõe para compreender “de dentro” o significado das
lógicas particulares características de cada cultura.
 SAIBA MAIS
Boas foi o grande mestre da antropologia americana na primeira metade do século XX. Formou
toda uma geração de antropólogos importantes no campo, como Ralph Linton, Ruth Benedict e
Margaret Mead, considerados representantes da antropologia cultural americana, que utiliza
métodos e técnicas de pesquisa qualitativa somados a modelos conceituais próximos da
Psicologia e da Psicanálise.
RALPH LINTON
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
/
Ralph Linton (1893-1953) foi um respeitado antropólogo americano de meados do século
XX, particularmente lembrado por seus textos O Estudo do Homem e A Árvore da Cultura.
Uma das principais contribuições de Linton para a Antropologia foi definir uma distinção entre
status e papel.
RUTH BENEDICT
Ruth Benedict (1887-1948) foi uma antropóloga americana, iniciou sua graduação na
Universidade de Columbia em 1919. Lá, entrou em contato com Franz Boas e se tornou
PhD. Em 1923, tornou-se membro da mesma universidade. São de autoria de Boas muitos
trabalhos clássicos, inclusive Raça, Linguagem e Cultura – provavelmente o mais veemente
texto antirracista a surgir do mundo acadêmico em sua época.
MARGARET MEAD
Margaret Mead (1901-1978) foi uma antropóloga cultural norte-americana. Nasceu na
Pensilvânia, criada na localidade de Doylestown por um pai professor universitário e uma
mãe ativista social. Graduou-se no Barnard College em 1923 e fez doutorado na
Universidade de Columbia em 1929.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
/
1. SOBRE O CONCEITO DE PESQUISA ESTUDADO NESTE TEMA, É
CORRETO AFIRMAR, EXCETO:
A) A pesquisa não é uma ação isolada, mas uma oportunidade de fazer exercícios que servirão
por toda a vida.
B) O autêntico pesquisador compreende a pesquisa como um jogo que lhe proporciona a
criatividade e o desenvolvimento do olhar científico.
C) Ainda que o objeto não seja ou não pareça interessante, é preciso que o trabalho do
pesquisador seja instigante.
D) Não é qualquer tema ou assunto da atualidade que pode ser objeto de uma pesquisa científica.
E) Mesmo temas do cotidiano e banais, dependendo da experiência do pesquisador, podem se
tornar grandes e profundas pesquisas.
2. PARA ESTE PENSADOR, OS FATOS SOCIAIS SOMENTE PODEM SER
EXPLICADOS POR OUTROS FATOS SOCIAIS E NÃO POR EXPLICAÇÕES
PSICOLÓGICAS OU BIOLÓGICAS, DIFERENCIANDO-SE DE MUITOS
OUTROS PENSADORES DE SUA ÉPOCA. A ADOÇÃO DO MÉTODO
CIENTÍFICO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS TEM, COM CERTEZA, A SUA
INFLUÊNCIA DIRETA E DETERMINANTE. ESSE PENSADOR É:
A) Durkheim
B) Comte
C) Malinowski
D) Dilthey
E) Weber
GABARITO
1. Sobre o conceito de pesquisa estudado neste tema, é correto afirmar, exceto:
/
A alternativa "D " está correta.
 
Qualquer tema ou assunto da atualidade pode ser objeto de uma pesquisa científica. A pesquisa
não é uma ação isolada, mas uma oportunidade de fazer exercícios que servirão por toda a vida.
O autêntico pesquisador compreende a pesquisa como um jogo que lhe proporciona criatividade e
o desenvolvimento do olhar científico. Ainda que o objeto não seja ou não pareça interessante, é
preciso que o trabalho do pesquisador seja instigante. Mesmo temas do cotidiano e banais,
dependendo da experiência do pesquisador, podem se tornar grandes e profundas pesquisas.
2. Para este pensador, os fatos sociais somente podem ser explicados por outros fatos
sociais e não por explicações psicológicas ou biológicas, diferenciando-se de muitos
outros pensadores de sua época. A adoção do método científico nas ciências sociais tem,
com certeza, a sua influência direta e determinante. Esse pensador é:
A alternativa "A " está correta.
 
É fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma
coerção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade
dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independentemente de suas
manifestações individuais. O fato social é tudo o que se produz na e pela sociedade, ou ainda,
aquilo que interessa e afeta o grupo de alguma forma (DURKHEIM, 1985).
MÓDULO 2
 Reconhecer a importância da análise de dados para a pesquisa acadêmica no âmbito
das análises quantitativa e qualitativa
ANÁLISE DOS DADOS: DA FASE DA COLETA
À INTERPRETAÇÃO
/
Agora vamos nos aprofundar um pouco mais na pesquisa de campo e como ela acontece. Isso
possibilitará que você encontre a melhor metodologia para realizá-la quando estiver elaborando
seu próprio projeto de pesquisa ou mesmo já buscando os dados de seu objeto. Para isso,
continuaremos aproveitando a experiência antropológica citada.
Malinowski sugeriu três questões para o trabalho de campo:
 
Por meio do contato íntimo com a vida nativa, exaustivamente registrado no diário de campo,
Malinowski buscou as respostas dessas questões preocupando‐se em compreender o ponto de
vista nativo.
Para Malinowski, a Antropologia era o estudo segundo o qual, compreendendo o “primitivo”,
poderíamos chegar a compreender melhor a nós mesmos. A rica experiência de campo de
Malinowski, assim como suas propostas metodológicas, influenciaram decisivamente a aplicação
de técnicas e métodos de pesquisa qualitativa em ciências sociais.
/
 
Fonte:Shutterstock
 Malinowski em pesquisa de campo com nativos das Ilhas Trobriand. | Fonte: scihi.org
Na década de 1970, surge nos EUA, inspirada na ideia weberiana de que a observação dos fatos
sociais deve levar à compreensão (e não a um conjunto de leis), a antropologia interpretativa. Um
dos principais representantes da abordagem interpretativa é Clifford Geertz, que propõe um
modelo de análise cultural hermenêutico: o antropólogo deve fazer uma descrição em
profundidade (descrição densa) das culturas como “textos” vividos, como “teias de significados”
que devem ser interpretados.
De acordo com Geertz (1978), os “textos” antropológicos são interpretações sobre as
interpretações nativas, já que os nativos produzem interpretações de sua própria experiência.
Essa perspectiva se traduz em um permanente questionamento do antropólogo a respeito dos
limites de sua capacidade de conhecer o grupo que estuda, e na necessidade de expor, em seu
texto, suas dúvidas, perplexidades e os caminhos que levaram à sua interpretação, percebida
sempre como parcial e provisória.
CLIFFORD GEERTZ
javascript:void(0)
/
Clifford James Geertz (1926-2006) foi um antropólogo estadunidense, professor emérito da
Universidade de Princeton, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Seu trabalho no Institute
for Advanced Study de Princeton se destacou pela análise da prática simbólica no fato
antropológico.
Geertz inspirou a tendência atual da chamada antropologia reflexiva (ou pós‐interpretativa), que
propõe uma autorreflexão a respeito do trabalho de campo nos seus aspectos morais e
epistemológicos. Essa antropologia questiona a autoridade do texto antropológico e propõe que o
resultado da pesquisa não seja fruto da observação pura e simples, mas de um diálogo e de uma
negociação de pontos de vista entre pesquisador e pesquisados.
 
Fonte:Shutterstock
 Clifford Geertz. Fonte: wikimedia.org
Partindodo princípio de que o ato de compreender está ligado ao universo existencial humano, as
abordagens qualitativas não se preocupam em fixar leis para se produzir generalizações. Os
dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais
apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social. Contrapõem‐
se, assim, à incapacidade da estatística de dar conta dos fenômenos complexos e da
singularidade dos fenômenos que não podem ser identificados por meio de questionários
padronizados.
/
 ATENÇÃO
Enquanto os métodos quantitativos supõem uma população de objetos comparáveis, os métodos
qualitativos enfatizam as particularidades de um fenômeno em termos de seu significado para o
grupo pesquisado. É como um mergulho em profundidade dentro de um grupo “bom para pensar”
questões relevantes para o tema estudado.
 Fonet: GrAl | Shutterstock
O reconhecimento da especificidade das ciências sociais conduz à elaboração de um método que
permita o tratamento da subjetividade e da singularidade dos fenômenos sociais. Com esses
pressupostos básicos, a representatividade dos dados na pesquisa qualitativa em ciências sociais
está relacionada à sua capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a “descrição
densa” dos fenômenos estudados em seus contextos e não à sua expressividade numérica.
A quantidade é, então, substituída pela intensidade, pela imersão profunda — através da
observação participante por um longo período, das entrevistas em profundidade, da análise de
diferentes fontes que possam ser cruzadas — que atinge níveis de compreensão que não podem
ser alcançados por meio de uma pesquisa quantitativa.
O pesquisador qualitativo buscará casos exemplares que possam ser reveladores da cultura em
que estão inseridos. O número de pessoas é menos importante do que a insistência em enxergar
a questão sob várias perspectivas. Observar aspectos diferentes, sob enfoques diversos, pode
não só contribuir para reduzir o bias da pesquisa, como também propiciar uma compreensão mais
profunda do problema estudado.
/
 Fonte: IR Stone | Shutterstock
Grande parte dos problemas metodológicos da pesquisa qualitativa é decorrente da tentativa de
se ter como referência o modelo positivista das ciências naturais, não se levando em conta a
especificidade dos objetos de estudo das ciências sociais. Os dados qualitativos consistem em
descrições detalhadas de situações, com o objetivo de compreender os indivíduos em seus
próprios termos. Esses dados não são padronizáveis como os dados quantitativos, obrigando o
pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento de coletá‐los e analisá‐los.
Duas pesquisadoras destacam-se nesse cenário:
RUTH CARDOSO
 
Fonte:Shutterstock
/
 Ruth Cardoso. Fonte: wikimedia.org
Ruth Cardoso (1986) apontou para a falta de uma crítica teórico‐metodológica consistente no
campo das ciências sociais e para algumas das armadilhas e limitações das pesquisas
qualitativas. A autora descreve um “indisfarçado pragmatismo”, que dominou as ciências sociais
contemporâneas e desqualificou o debate sobre os compromissos teóricos que cada método
exige.
EUNICE DURHAM
 
Fonte:Shutterstock
 Eunice Durham. Fonte: wikimedia.org
Eunice Durham (1986) concorda com essa crítica e mostra a preocupação dos pesquisadores em
descobrirem uma aplicação imediata e direta dos resultados de sua pesquisa que beneficie a
população estudada. Sem deixar de ver como necessária a identificação do pesquisador com seu
objeto, porque sem ela é impossível a compreensão “de dentro”, Durham adverte para o risco de
se explicar a sociedade por meio das categorias “nativas”, sem uma análise científica sobre elas e
sem uma reflexão teórica e metodológica sobre a postura do cientista social.
javascript:void(0)
javascript:void(0)
/
RUTH CARDOSO
Na área da Antropologia, Ruth Cardoso (1930-2008) recebeu alguns títulos acadêmicos pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
Em 1952, formou-se em bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais, continuando, em
1959, o mestrado em Sociologia e, em 1972, concluindo o doutorado em Ciências Sociais.
Em 1988, obteve pós-doutorado pela Columbia University e New York University, em Nova
York, nos Estados Unidos.
EUNICE DURHAM
Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1954), instituição onde
também cursou o mestrado em Ciência Social (Antropologia Social) em 1964 e o doutorado
em Ciência Social (Antropologia Social) em 1967.
Aaron Cicourel e Mariza Peirano apresentam dois importantes alertas:
AARON CICOUREL
Aaron Victor Cicourel, professor emérito de Sociologia da Universidade da Califórnia, San
Diego, é especializado em Sociolinguística, comunicação médica, tomada de decisão e
socialização infantil. No início de sua carreira, ele foi intelectualmente influenciado por Alfred
Schütz (1899-1959), Erving Goffman (1922-1982) e Harold Garfinkel (1917-2011).
javascript:void(0)
javascript:void(0)
/
MARIZA PEIRANO
Formou-se em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1970. Em
1975, concluiu o mestrado em Antropologia Social na Universidade de Brasília, realizando
um estudo em uma comunidade na costa do Ceará. Em 1980, Mariza Peirano concluiu o
doutorado em Antropologia na Universidade de Harvard. Sua tese de doutorado, The
anthropology of Anthropology: the brazilian case, foi orientada por David Maybury-Lewis
(1929-2007).
 
Fonte: sociology.ucsd.edu
Cicourel (1980) já havia advertido para o perigo de o pesquisador ficar tão envolvido com o grupo
estudado que poderia se tornar um “nativo”, sem compreender as consequências desta
“conversão” para os objetivos da pesquisa, como, por exemplo, “tornar‐se cego para muitas
questões importantes cientificamente”. Cicourel aponta para as faltas de regras processuais claras
que definam o papel do pesquisador no campo desde o momento de sua inserção.
/
 
Fonte: wikimedia.org
Mariza Peirano (1995), em A favor da etnografia, afirma que não se pode ensinar a fazer pesquisa
de campo como se ensinam os métodos estatísticos, as técnicas de surveys (tipo de investigação
quantitativa, baseada principalmente na coleta de dados), a aplicação de questionário. A pesquisa
qualitativa depende da biografia do pesquisador, das opções teóricas, do contexto mais amplo e
das imprevisíveis situações que ocorrem no dia a dia da pesquisa.
LEIA MAIS
Um dos principais problemas a ser enfrentado na pesquisa qualitativa diz respeito à possível
contaminação dos seus resultados em função da personalidade do pesquisador e de seus
valores. O pesquisador interfere nas respostas do grupo ou do indivíduo que pesquisa. A
melhor maneira de controlar essa interferência é ter a consciência de como sua presença
afeta o grupo e até que ponto esse fato pode ser minimizado ou, inclusive, analisado como
dado da pesquisa.
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1983) enfatiza que a omissão de fatos, de ocorrências, de
detalhes pode ser tão significativa quanto a sua inclusão nos depoimentos. Para a autora, o
importante não é verificar se o entrevistado conhece ou não o fato, mas sim buscar saber por
javascript:void(0)
javascript:void(0)
/
que razão ele o havia esquecido, ou o havia ocultado, ou simplesmente dele não tivera
registro.
 
Fonte:Shutterstock
 Maria Isaura Pereira de Queiroz
MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018) foi uma socióloga brasileira e escritora
premiada com o Prêmio Jabuti de 1967. Reconhecida nacional e internacionalmente por
seus trabalhos com Ciências Sociais, foi professora da Universidade de São Paulo.
 RESUMINDO
/
O pesquisador deve estabelecer um difícil equilíbrio para não ir além do que pode perguntar, mas,
também, não ficar aquém do possível. Além disso, a memória é seletiva, a lembrança diz respeito
ao passado, mas se atualiza sempre a partir de um ponto do presente.
Aslembranças não são falsas ou verdadeiras, simplesmente contam o passado através dos olhos
de quem o vivenciou. Um trabalho de negociação e compromisso, como afirma Michael Pollak
(1896), que consiste em interpretar, ordenar ou rechaçar (temporária ou definitivamente) toda
experiência vivida de maneira a torná‐la coerente com uma identidade construída.
 
Fonte:Shutterstock
 Michael Pollak. Fonte: wikimedia.org
MICHAEL POLLAK
Michael Pollak (1948-1992) estudou Sociologia na Universidade de Linz e escreveu uma
tese sob a orientação de Pierre Bourdieu (1930-2002). Em 1982, trabalhou nas condições de
vida em campos de concentração e conduziu entrevistas com sobreviventes. Ele também
estudava o estilo de vida dos homossexuais. Em 1985, lançou a primeira pesquisa sobre
AIDS na França. No final da década de 1980, desenvolveu estudos sobre a história das
javascript:void(0)
/
tecnologias de pesquisa em colaboração com Alain Desrosières (1940-2013), com foco nas
pesquisas realizadas por Max Weber na Prússia Oriental.
 
Fonte:Shutterstock
 Paul Thompson. Fonte: wikimedia.org
Existem algumas qualidades essenciais que o pesquisador deve possuir para ter sucesso em suas
entrevistas: interesse real e respeito pelos seus pesquisados, flexibilidade e criatividade para
explorar novos problemas em sua pesquisa, capacidade de demonstrar compreensão e simpatia
por eles, sensibilidade para saber o momento de encerrar uma entrevista ou “sair de cena” e,
como lembra Paul Thompson (1992), principalmente, disposição para ficar calado e ouvir.
PAUL THOMPSON
Paul Thompson é professor aposentado de Sociologia da Universidade de Essex; é um dos
pioneiros da história oral na Grã-Bretanha e atualmente uma das autoridades mundiais na
reflexão e na utilização desse método para o registro histórico. Dirige a National Life Story
Collection, da Biblioteca Nacional de Londres.
javascript:void(0)
/
 ATENÇÃO
Thompson, ao analisar a situação de entrevista, afirma que quem não consegue parar de falar
nem resistir à tentação de discordar do informante e de impor suas próprias ideias, obterá
informações inúteis ou enganosas.
Howard Becker admite que, no lugar de procedimentos uniformes, prefere um modelo artesanal
de ciência, no qual cada pesquisador produz as teorias e técnicas necessárias para o trabalho que
está sendo feito.
HOWARD BECKER
Howard Saul Becker é um sociólogo norte-americano que fez grandes contribuições à
sociologia do desvio, sociologia da arte e sociologia da música. Becker também escreveu
extensivamente sobre estilos e metodologias de escrita sociológica. O livro de Becker,
Outsiders, de 1963, forneceu as bases para a teoria da rotulagem.
Becker (1997) alerta que a escolha das teorias que orientam a pesquisa também está
contaminada pelas preferências e dificuldades do pesquisador, já que uma organização ou um
grupo pode ser visto de muitas maneiras diferentes, nenhuma delas certa ou errada, visto que são
alternativas possíveis e talvez complementares. Não é possível formular regras precisas sobre as
técnicas de pesquisa qualitativa porque cada entrevista ou observação é única: depende do tema,
do pesquisador e de seus pesquisados.
javascript:void(0)
/
 
 Howard Becker. Fonte: wikimedia.org
A delimitação do objeto de estudo deve ser claramente explicitada pelo pesquisador para que
outros pesquisadores analisem as conclusões obtidas. A escolha do objeto está relacionada a um
problema central deste tipo de abordagem: a questão da representatividade do caso escolhido.
Ao contrário das pesquisas quantitativas, em que a representatividade se estabelece através de
procedimentos claros, não existem regras precisas para a escolha de um caso a ser estudado de
maneira aprofundada pelo cientista social. A exemplaridade de um indivíduo ou grupo e a
possibilidade de explorar um problema em profundidade em uma instituição ou família são alguns
dos motivos que levam à escolha do objeto de estudo. Essa escolha depende, fortemente, da
sensibilidade e experiência do pesquisador e não apenas de características objetivas do grupo
estudado.
O pesquisador deve:
/
 
Apresentar claramente as características do indivíduo, da organização ou do grupo que foram
determinantes para sua escolha, de tal forma que o leitor possa tirar suas próprias conclusões
sobre os resultados e a sua possível aplicação em outros grupos ou indivíduos em situações
similares.
 
Explicitar as dificuldades e os limites da pesquisa, as pessoas que o ajudaram em sua entrada no
campo (que são determinantes para a construção da identidade do pesquisador pelo grupo
estudado), as pessoas que se recusaram a dar entrevistas, as perguntas que não foram
respondidas pelos pesquisados, as contradições apresentadas, a (in)consistência das respostas,
possibilitando uma visão ampla do estudo e não apenas dos aspectos que “deram certo”.
O fato de ter uma convivência profunda com o grupo estudado pode contribuir para que o
pesquisador “naturalize” certas práticas e alguns comportamentos que deveria “estranhar” para
compreender. Malinowski chama a atenção para a “explosão de significados” no momento de
entrada no campo, em que cada fato observado na cultura nativa é significativo para o
pesquisador. O olhar que “estranha”, em um primeiro momento, passa a “naturalizar” em seguida e
torna‐se “cego” para dados valiosos.
/
É comum que pesquisadores se vejam em situações delicadas com o indivíduo ou grupo
pesquisado que extrapolam os limites da pesquisa, como pedido de dinheiro ou de favores,
convites inapropriados, telefonemas após o término da pesquisa etc. Todos esses problemas,
decorrentes do envolvimento intenso com o objeto de estudo, precisam ser administrados pelo
pesquisador para que sua pesquisa não fique comprometida.
QUANTO MAIS INTENSA A RELAÇÃO, MAIOR A NECESSIDADE
DE UM “DISTANCIAMENTO” DO PESQUISADOR, QUE TORNE
POSSÍVEL A SUA REFLEXÃO SOBRE CADA DIFICULDADE QUE,
COM CERTEZA, TERÁ DE ENFRENTAR.
 Fonte: Lucky Business | Shutterstock
 RESUMINDO
A questão do relacionamento entre pesquisador e objeto, da possível dependência ou disputa de
poder, é um dos maiores problemas que devem ser enfrentados. O pesquisador necessita ter bom
senso e criatividade para encaminhar as soluções para cada situação. A experiência e a
maturidade do pesquisador são fatores determinantes para que a pesquisa seja bem‐sucedida.
INTEGRAÇÃO DOS DADOS DA ANÁLISE
QUANTITATIVA E QUALITATIVA
/
Muitos pesquisadores que utilizam métodos de pesquisa qualitativos consideram que os surveys
apenas servem para dar legitimidade ao senso comum, visto que não contribuem para a
compreensão dos fenômenos sociais. Para esses cientistas sociais, os métodos quantitativos
simplificam a vida social limitando‐a aos fenômenos que podem ser enumerados. Afirmam que as
abordagens quantitativas sacrificam a compreensão do significado em troca do rigor matemático.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Kanjana Kawfang | Shutterstock
Max Weber acreditava que se podia tirar proveito da quantificação na Sociologia, desde que esse
método se mostrasse fértil para a compreensão de determinado problema e não obscurecesse a
singularidade dos fenômenos que não poderia ser captada por meio da generalização. Como
nenhum pesquisador tem condições para produzir um conhecimento completo da realidade,
diferentes abordagens de pesquisa podem projetar luz sobre distintas questões. É o conjunto de
diversos pontos de vista e de maneiras de coletar e analisar os dados (qualitativa e
quantitativamente) que permite uma ideia mais ampla e inteligível da complexidade de um
problema.
A integração da pesquisa quantitativa e qualitativa permite que o pesquisador faça um cruzamento
de suas conclusões de modo a ter maior confiança de que seus dados não são produto de um
procedimento específico ou de alguma situação particular. Ele não se limita ao que pode ser
/
coletado em uma entrevista: pode entrevistar repetidamente, pode aplicar questionários,pode
investigar diversas questões em diferentes ocasiões, pode utilizar fontes documentais e dados
estatísticos.
A MAIOR PARTE DOS PESQUISADORES EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ADMITE QUE NÃO HÁ UMA ÚNICA TÉCNICA, UM ÚNICO MEIO
VÁLIDO DE COLETAR OS DADOS EM TODAS AS PESQUISAS.
Há uma interdependência entre os aspectos quantificáveis e a vivência da realidade objetiva no
cotidiano. A escolha de trabalhar com dados estatísticos ou com um único grupo ou indivíduo, ou
com ambos, depende das questões levantadas e dos problemas que se quer resolver.
É o processo da pesquisa que determina as técnicas e os procedimentos necessários para as
respostas que se quer alcançar. Cada pesquisador deve estabelecer os procedimentos de coleta
de dados que sejam mais adequados para o seu objeto particular. O importante é ser criativo e
flexível para explorar todos os possíveis caminhos e não reificar a ideia positivista de que os
dados qualitativos comprometem a objetividade, a neutralidade e o rigor científico.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: shutter_o | Shutterstock
A combinação de metodologias diversas no estudo do mesmo fenômeno tem por objetivo
abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do objeto de estudo. Parte
/
de princípios que sustentam que é impossível conceber a existência isolada de um fenômeno
social. Enquanto os métodos quantitativos pressupõem uma população de objetos de estudo
comparáveis, que fornecerá dados que podem ser generalizáveis, os métodos qualitativos
poderão observar, diretamente, como cada indivíduo, grupo ou instituição experimenta,
concretamente, a realidade pesquisada.
A pesquisa qualitativa é útil para identificar os conceitos e as variáveis relevantes de situações que
podem ser estudadas quantitativamente. É inegável a riqueza que pode ser explorada nos casos
desviantes da “média” que ficam obscurecidos nos relatórios estatísticos. Também é evidente o
valor da pesquisa qualitativa para estudar questões difíceis de quantificar, como os sentimentos,
as motivações, as crenças e as atitudes individuais.
 COMENTÁRIO
A premissa básica da integração repousa na ideia de que os limites de um método poderão ser
contrabalançados pelo alcance de outro. Os métodos qualitativos e quantitativos, nessa
perspectiva, deixam de ser percebidos como opostos para serem vistos como complementares.
Um exemplo de integração de observação participante e survey é o estudo de Neuma Aguiar no
Cariri, uma região no sul do Ceará, sobre os modos de organização social da produção e na
transformação de três tipos de matéria‐prima.
NEUMA AGUIAR
Neuma Figueiredo de Aguiar possui graduação em História pela PUC-Rio (1960), mestrado
em Sociologia e Antropologia pela Boston University (1962), doutorado em Sociologia pela
Washington University (1969) e doutorado em Ciências pela University of Wisconsin-Madison
(2003). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em gênero e sociedade, atuando
principalmente nos seguintes temas: gênero e patriarcado, movimentos de mulheres,
estratificação e mobilidade social, sociologia internacional comparada e sociologia dos usos
do tempo.
javascript:void(0)
/
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Lesya Pogosskaya | Shutterstock
A pesquisadora procurou observar as atividades envolvidas na produção do milho, do barro e da
mandioca, assim como as representações elaboradas pelos próprios trabalhadores. Aguiar (1978)
afirma que os dados da observação participante são profundos na medida em que atingem
níveis de compreensão dos fatos sociais não alcançados pelos surveys. Por outro lado, os
dados dos surveys atingem um nível de mensuração que a observação participante não pode
atingir. A autora propõe que um modo de superar a dificuldade de generalização dos dados
qualitativos e a dificuldade de interpretação das correlações alcançadas pelos surveys seja tentar
integrar os dois métodos.
Para aumentar a variabilidade dos dados a fim de situar o fenômeno estudado em um contexto
mais abrangente, Aguiar propõe que as categorias relevantes, selecionadas por meio do processo
de observação participante, sejam empregadas de modo amplo e sistemático com a utilização do
questionário. Durante seis meses, a autora estudou, através da observação participante, duas
indústrias de produtos cerâmicos e duas indústrias de farinha de milho. Também recolheu, por
intermédio de entrevistas e documentos, dados sobre uma fábrica de fécula de mandioca que
havia fechado. Foram aplicados, depois disso, 250 questionários.
/
 ATENÇÃO
A autora afirma que a generalização não é o único objetivo de sua pesquisa, e que a observação
participante foi de fundamental importância para explorar o tema e levantar as hipóteses, para
questionar as categorias de seu vocabulário (que não foram compreendidas pelos trabalhadores),
para especificar os conceitos e as perguntas de seus questionários. Aguiar demonstra que a
combinação do survey com a observação participante possibilitou ir além das generalizações
sobre o processo de industrialização na região, e permitiu a compreensão das representações dos
trabalhadores sobre suas atividades.
DEPOIMENTO
Outro exemplo de integração de dados qualitativos e quantitativos é a minha pesquisa sobre
amantes de homens casados (GOLDENBERG, 1990). Fiz entrevistas em profundidade com oito
mulheres, em um primeiro estudo. Em seguida, entrevistei nove homens casados que refletiram
sobre as suas experiências extraconjugais. Por fim, realizei um estudo de caso, em que entrevistei
o homem casado, sua amante e toda a sua família (pai, mãe, duas irmãs e um irmão). Além
desses dados qualitativos, foram fundamentais para as minhas conclusões as análises
demográficas feitas por Elza Berquó, a partir dos dados do censo de 1980.
ELZA BERQUÓ
Elza é uma das fundadoras da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), da
qual foi presidente e na qual tem ativa participação. Também é membro da International
Union for the Scientific Study of Population, da Population Association of America e da
Associación Latinoamericana de Población.
javascript:void(0)
/
 
Berquó (1989) percebeu que, entre a população com mais de 65 anos, somente 32% das
mulheres estavam casadas enquanto 76% dos homens estavam casados. A maior mortalidade
dos homens — e o fato de o homem brasileiro se casar com mulheres mais jovens que ele — gera
esse desequilíbrio. As mulheres teriam, assim, chances iguais aos homens somente até os 30
anos, no máximo. Berquó levanta a hipótese de que no Brasil exista uma poligamia disfarçada, já
que as mulheres sem possibilidades de casamento acabam se unindo a homens casados.
Nesse caso, apenas para ilustrar, os dados quantitativos revelam uma realidade demográfica e as
entrevistas em profundidade retratam como cada mulher vivencia essa situação. É interessante
como minhas entrevistadas se queixam que “falta homem no mercado”, constatação que pode ser
facilmente verificada pelos dados do censo.
/
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Arthimedes | Shutterstock
Os dados do IBGE sobre idade, sexo e estado civil foram usados para pensar situações
complexas, não quantificáveis, como a situação de ser amante de um homem casado. Esses
dados ajudaram a interpretar o discurso e a compreender a situação de uma forma mais ampla.
Interpretados à luz da minha questão, concluo que as mulheres têm menos chances de casar e
essa pode ser uma possível explicação para a situação da amante. Sem os dados do IBGE,
poderia me restringir às explicações dos pesquisados: a ideia de que o fato de ser amante deve
corresponder a um tipo determinado de personalidade de mulher “que não se valoriza” ou que
“não quer compromisso”. A integração dos dados quantitativos e qualitativos permite verificar a
tensão existente entre a “escolha individual” e o “campo de possibilidades” das mulheres que são
amantes de homens casados.
 RESUMINDO
Mediante essa análise concreta, é possível demonstrar que a análise e a interpretaçãodos dados
quantitativos e qualitativos podem proporcionar uma melhor compreensão do problema estudado.
O conflito entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa é artificial. Cada vez mais os pesquisadores
/
estão descobrindo que devem utilizar todos os recursos e as técnicas existentes que possam
contribuir para o entendimento do problema estudado.
Pesquisa quantitativa x Pesquisa qualitativa
VERIFICANDO O APRENDIZADO
/
1. ESTE PENSADOR MARCOU A HISTÓRIA E A CONCEITUAÇÃO DA
PESQUISA AO APRESENTAR SUA TEORIA DE QUE É NO TRABALHO DE
CAMPO, NO CONTATO ÍNTIMO COM O COTIDIANO DOS NATIVOS, NA
VIVÊNCIA DIÁRIA E COM OS REGISTROS DE TODAS AS ATIVIDADES QUE
SERÁ POSSÍVEL OBTER AS RESPOSTAS PARA AS PRINCIPAIS QUESTÕES
QUE ENVOLVEM AS INTERROGAÇÕES ACERCA DA VIDA DOS NATIVOS.
ESSE PENSADOR É:
A) Durkheim
B) Comte
C) Malinowski
D) Dilthey
E) Weber
2. ESTE PENSADOR NÃO ACEITAVA A GENERALIZAÇÃO NA
COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS. POR ISSO, ELE AFIRMAVA QUE O
MÉTODO QUANTITATIVO DEFENDIDO PELO POSITIVISMO SOMENTE
PODERIA SER PROVEITOSO SE NÃO OBSCURECESSE A COMPREENSÃO.
AFIRMA ELE EM SEU LIVRO METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
(2001): “NÃO HÁ UM ‘AGIR RACIONAL’ SEM A EXPERIMENTAÇÃO DE
REGRAS REFERENTES AO DECURSO HISTÓRICO QUE APENAS PODEM
SER PERCEBIDAS E ELABORADAS MEDIANTE UMA ‘PERCEPÇÃO E
OBSERVAÇÃO OBJETIVANTES’. ESSE PENSADOR É:
A) Malinowski
B) Durkheim
C) Comte
D) Weber
E) Dilthey
/
GABARITO
1. Este pensador marcou a história e a conceituação da pesquisa ao apresentar sua teoria
de que é no trabalho de campo, no contato íntimo com o cotidiano dos nativos, na vivência
diária e com os registros de todas as atividades que será possível obter as respostas para
as principais questões que envolvem as interrogações acerca da vida dos nativos. Esse
pensador é:
A alternativa "C " está correta.
 
Para Malinowski, o trabalho de campo possibilita a compreensão do estado mais primitivo do
objeto de estudo. Malinowski influenciou decisivamente a pesquisa ao apresentar sua proposta
investigativa de campo com a aplicação de técnicas específicas de pesquisa, principalmente no
diário de campo, que deve conter o relato das observações. Ele é um dos representantes da
pesquisa qualitativa em ciências sociais.
2. Este pensador não aceitava a generalização na compreensão dos fenômenos. Por isso,
ele afirmava que o método quantitativo defendido pelo positivismo somente poderia ser
proveitoso se não obscurecesse a compreensão. Afirma ele em seu livro Metodologia das
Ciências Sociais (2001): “Não há um ‘agir racional’ sem a experimentação de regras
referentes ao decurso histórico que apenas podem ser percebidas e elaboradas mediante
uma ‘percepção e observação objetivantes’. Esse pensador é:
A alternativa "D " está correta.
 
Max Weber defendia a pesquisa qualitativa e, por isso, questionou a validade do método
positivista das metodologias das ciências sociais como uma física social capaz de compreender os
fenômenos sem generalizá-los.
CONCLUSÃO
/
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de finalizarmos, gostaria de trazer uma informação que talvez lhe ajude a compreender a
importância de tudo que aqui estudamos. Minha primeira experiência com pesquisa científica foi
em 1978, aos 21 anos, quando ingressei no Mestrado de Educação da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Após dois anos e meio defendi minha dissertação O deficiente auditivo
no mundo do trabalho: um estudo sobre a satisfação profissional. Com a pressão da minha
orientadora, que cobrava relatórios semanais, fui a primeira da turma a defender a dissertação.
É preciso registrar a importância dos nossos primeiros orientadores, que nos ensinam a pensar,
ter disciplina e escrever corretamente.
A minha verdadeira formação como pesquisadora, no entanto, iniciou-se dez anos depois, em
1988, com o meu doutoramento. Em um ambiente de intensas e calorosas discussões, de
professores e alunos brilhantes, encontrei solo fértil para começar a fazer pesquisa na área das
chamadas Ciências Humanas ou Ciências Sociais. Desde então, contagiada pelo vírus do “olhar
científico”, não consegui parar de pesquisar.
E é exatamente assim que você deve estar se sentindo! Ao trazer toda a reflexão feita em nosso
tema para a sua prática de estudante (e futuro pesquisador), você já deve identificar a seriedade
de uma pesquisa acadêmica e a importância da utilização de modelos qualitativos e quantitativos
– ou a integração deles – de acordo com objeto pesquisado e seus objetivos. E, quem sabe, já
esteja contagiado pelo brilho nos olhos, mantendo sempre acesa a chama do olhar científico.
REFERÊNCIAS
/
AGUIAR, N. Observação participante e “survey”: uma experiência de conjugação. In: A
aventura sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
BECKER, H. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Hucitec, 1997.
BERQUÓ, E. A família no século XXI. In: Ciência Hoje. v. 10, n. 58, outubro 1989.
CARDOSO, R. Aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do
método. In: A aventura antropológica. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1986.
CICOUREL, A. Teoria e método em pesquisa de campo. In: Desvendando máscaras sociais.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
DURHAM, E. A pesquisa antropológica com populações urbanas. In: A aventura
antropológica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional, 1985.
GEERTZ, E. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GOLDENBERG, M. A Out,/. Rio de Janeiro: Record, 1990.
LACERDA, G. B. Augusto Comte e o "positivismo" redescobertos. In: Revista de Sociologia e
Política, Curitiba, v. 1, n. 34, p. 319-343, out. 2009.
MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
PEIRANO, M. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
POLLAK, M. Le Témoignage In: Actes de la recherche en sciences sociales. L’illusion
biographique. v. 62-63, jun. 1986.
QUEIROZ, M. I. P. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva.
(Col. Textos, 4). São Paulo: CERU e FFLCH/USP, 1983.
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
EXPLORE+
/
A obra A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais (1997)
apresenta elementos importantes para o aprofundamento do conteúdo aqui apresentado.
Vale conferir.
Leia sobre Émile Durkheim, considerado o pai da Sociologia, no artigo que analisa seu
legado, 100 anos sem Durkheim. 100 anos com Durkheim, de R. Weiss e R. Benthien.
Leia sobre Wilhelm Dilthey no artigo que destaca o centenário de sua morte, Wilhelm Dilthey
em novas traduções, de L. Waizbort.
Conheça um pouco mais e a atualidade de Max Weber no artigo Apresentação: Max Weber,
hoje, de L. Waizbort.
Leia o artigo A família na obra de Frédéric Le Play, de T. Botelho, e saiba um pouco mais
sobre o sociólogo Frédéric Le Play e seu método de pesquisa.
No artigo O parentesco como consciência humana, de P. Gow, conheça um dos principais
conceitos do antropólogo Lewis H. Morgan.
Conheça uma pesquisa realizada a partir da fundamentação teórica de Franz Boas e
Bronislaw Malinowski no artigo A questão alimentar na trajetória do pensamento
antropológico clássico, de L. Santos.
Para saber mais sobre a importância de Ralph Linton, Ruth Benedict e Margaret Mead, leia o
texto Cultura e Personalidade, de R. Oliven.
Leia sobre a perspectiva de Clifford Geertz no texto Pode realmente haver uma ciência
natural da ação humana?, de S. Oliveira.
Conheça a importância de Ruth Cardoso e Eunice Durham no artigo Ruth Corrêa Leite
Cardoso, de Gilberto Velho, publicado em 2008 na Revista DADOS (IESP-UERJ).
No artigo Pesquisa Etnográfica com crianças: participação, voz e ética, de R. Marchi, é
possível perceber a contribuição de Aaron Cicourel e Mariza Peirano.
/
Conheça um pouco mais do trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz, no artigo Amizade
e memória: Maria Isaura Pereira de Queiroz e Roger Bastide,de G. Villas Boas.
Leia o artigo Memória, esquecimento, silêncio, de Michael Pollak, sociólogo e historiador
austríaco, e conheça um pouco mais sobre um importante conceito: memória.
Em seu artigo História Oral e contemporaneidade, o sociólogo britânico Paul Thompson
desenvolve esse importante conceito em sua produção acadêmica.
A resenha do livro Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos, de
Howard Becker (1928), realizada por C. Lima, mostra como o sociólogo norte-americano
preocupa-se com a temática da produção científica e escrita acadêmica.
Em seu trabalho Qual a contribuição dos métodos quantitativos em Ciências Sociais para o
conhecimento da sociedade brasileira?, apresentado no XXV Encontro Anual da ANPOCS, a
pesquisadora Neuma Aguiar já se preocupava com a integração entre a abordagem
quantitativa e a qualitativa.
CONTEUDISTA
Mirian Goldenberg
 CURRÍCULO LATTES
javascript:void(0);

Continue navegando