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O Livro Pequeno do Humanismo RAMOS, David José Gonçalves. O Livro Pequeno do Humanismo. Belo Horizonte: Movimento Tabuleiro, 2021 Dentro de mim você está morrendo todos os dias 01 A Educação no Contexto Familiar de Extrema Violência: Reflexões a partir do cinema sobre Susan Wiley1 10 MISÉRIA 37 Crime e Castigo de Sternberg: A beleza e a bondade na redenção de um homicida 40 Pedagogia da Ficção 43 Conhecimento Biológico e Consciência Crítica 53 Um breve diálogo entre Jacques Lacan e Robert Bradom a respeito da Intencionalidade Humana 60 Parentalidade, Conjugalidade e Filiação 66 Afro Samurai: Violência e Cultura mundial (1999) 75 Fracasso Infinito 86 O Talaricado Profissional de Dom Tierro 96 Paradigma do Heroísmo no Brasil: A Pequena Liga de Super- Heróis de Sabará 114 Ostrogordo 140 Ostrogordo II 156 Dentro de mim você está morrendo todos os dias David José Gonçalves Ramos Introdução: O elefante está no centro da sala. Você é o sal da terra. Você tem o direito de emitir sua opinião? Claro, se você vive em uma democracia, se as pessoas preservam a lei e o próprio direito de eleger seus representantes. Ainda existem leis e processos criados no tempo do Regime Militar, no tempo dos Generais na Presidência da República. Não tenho muita coisa para dizer, pois não vivi aquele tempo, e nunca li nada a respeito, na escola não me ensinaram nada sobre isso, então não posso opinar. Chegou até as minhas mãos a liberdade, nem lutei por ela, ela me veio, quando me percebi como gente eu estava livre. Gosto da opinião de meus inimigos sobre mim. Os absurdos! Tirando os absurdos, há verdade. Não vou transitar em linguagem escatológica, em dívidas messiânicas (que Deus contraiu com seu povo). Como podemos analisar as trocas de acusações que acontecem em brigas nos relacionamentos amorosos? Como identificar a descoberta da verdade pelo método científico? A verdade resiste ao sujeito? O elefante no meio da sala se move, urina nos móveis, urra com aquela tromba, quebra os quadros das paredes com a cabeça, o elefante fica excitado e um jorro de sêmen é lançado pela casa. O que? Era piada, cara. Calma. A questão do elefante, e tals. Eu precisava conversar, e iniciei o assunto de uma forma pitoresca. Trata-se de uma reflexão sobre o passado, sobre o passado mental, sobre o conteúdo da memória, que remete aos seres humanos perigosos que trouxemos para nossas vidas. Os convites para assassinos, estelionatários, falsários, mentirosos, cruéis, aquele convite sem advertência. Coloque as três pessoas envolvidas em uma traição em salas diferentes, incomunicáveis, e faça as mesmas perguntas para elas. Escolha boas perguntas, e faça essas perguntas para as três pessoas separadamente. Ei, vai lá, faça as mesmas perguntas para cada um deles, observe as respostas. Faça as malditas perguntas, cara, e veja as respostas, e analise a diferença e a exatidão entre elas. É uma conta simples: uma traição tem três partes, ontologicamente. Você pensa em colher essas palavras? Foi por isso que eu fiquei sozinha todo esse tempo. Todo esse fuking tempo eu procurei terminar meus estudos, sozinha, sem sexo inclusive. Chorando a noite inteira por semanas. Com o rosto tranquilo durante o dia, meu trabalho não foi paralisado pela pandemia, e eu tinha que sorrir. Trabalhei todos esses meses sem poder deixar de fingir. Tudo isso foi antes de meu irmão sofrer o acidente, e sobre esse fato trágico falarei mais ao final desse texto. Inicialmente vou transcrever um pouco dos diálogos iniciais do que se configurou mais tarde como um acontecimento revelador, e ao mesmo tempo decisivo em minha vida, em minha existência. Essas são as palavras iniciais: Os dias que se seguem após a leitura de um livro bom são de respiração mais fina Os aparelhos celulares foram levados para serem estudados, E os corpos foram para o IML Retirar informação das pedras, Moisés bateu sua bengala nas pedras e elas falaram Você é um elo que tenho hoje com a pessoa que eu já fui um dia Era assim mesmo? A preparação para o jogo da sexta-feira não foi feita Os jogadores estavam de greve moço! É. Ficamos no portão até que deu as horas, e fomos embora Fato que ocorreu pela primeira vez quando estivemos nos olhando no espelho Você não era o cara do perdão, a pessoa do perdão você não era. Você queria sempre reparação. Para cada erro precisava de presentes Não era uma relação gratuita de amor, era um jogo de pagar o erro com a raiva No fundo era só um homem bonito ainda impressionado com a boa música dos anos 80 Tinha aquele bom gosto para tantas coisas que faz supor comportamentos justos e sinceros Porém a convivência era conviver com muitas embalagens, tudo muito embaladinho A minha pretensão romântica foi fazer o bem melhor, aquela proteção para todos os mundos Qualquer invasão de pensamento e descontrole das contas Coisa simples, para dias simples. Mas durante as tempestades era o derretimento do caráter Se você viesse sem os véus que cobriam sua natureza eu não teria estado contido nem o minuto da fala pelas horas. Ao me perguntar as horas naquela tarde já era uma das tuas personagens internas na maquina de fazer mistérios sensuais que você é. Eu estou pensando em você, quando você vai até o espelho, eu sei, você olha seu próprio rosto, você diz que ainda está bem jovem. Você disse que participou de tudo, que tudo em tua vida você conseguiu com esforço desde criança. Você diz. Voce é a mulher virtuosa, visão de pluralidade, inflexível na hora de formar suas convicções. Era onde eu quebrava teu ritmo. Para que eu pudesse sobreviver, eu quebrava teu ritmo, aquele ritmo doente, aquele exagero, você me dizendo que me amava, e agindo ao contrário. É preciso medir --- minha pretensão romântica, era fazer o bem, o melhor, só que eu não me investigava. Não, não era mesmo assim. Você se olhava no espelho com o véu na cabeça. Naquele quarto desprovido de móveis. Quarto de defunto às quatro horas da tarde, o sol bêbado e maravilhoso entrando silencioso na ensolarada tarde tropical pela janela, ventando a brisa quente debaixo do abacateiro de tua casa, e você se olhando no espelho, buscando defeitos no próprio rosto, e não encontra nada! Todos nós estamos vendo a violência contra as mulheres aumentando. No século XXI, de 2000 a 2020 foram mais de 600 mil mulheres assassinadas em situações domésticas de violência somando os mais de 5 mil municípios brasileiros, 600 mil mulheres mortas pelo. É o mesmo contingente de um grande exército. Um grande exército foi dizimado em 20 anos nas mais diversas situações, em geral na própria residência, na própria cama, esposas, mães, filhas, netas, sobrinhas, afilhadas, avós, sogras, noras, cunhadas, namoradas, amantes, conhecidas, basta o vinculo com o agressor e temos o feminicídio, aqueles corpos de mulheres, muitas vezes mutilados com facão, a arma mais comum. Eu queria ter forjado as estatísticas --- disse a Orientadora. Aquela Tese de Doutorado sobre a violência doméstica estava sem lugar ali. Estava sendo impactante resolver aquela situação. O auditório cheio de estudantes de Pós-Graduação, membros da Reitoria vieram ver, e aquela cena se armou. A Doutoranda se apresentou às 9:00hs como estava combinado para a defesa do trabalho de pesquisa em Psicologia. Mas, algo estava mudado no trabalho dela. A Orientadora da Tese estava em apuros, estava vermelhinha, era daquelas mulheres brancas que ficam vermelhinhas quando ficam nervosas, sabe? --- Sim. Eu tive uma amiga assim. --- respondi e continuei a comer o meu lanche: um misto quente de presunto e mussarela, tomando o refrigerante de maçã. Resolvi não comentar, resolvi não falar nada, apenas escutar. Era uma tarde linda,estávamos na Praça da Liberdade em Belo Horizonte, um lugar repleto de Palmeiras Imperiais plantadas pelo próprio Imperador do Brasil Dom Pedro II, vivas e lindas até hoje quase 130 anos depois. --- O teu café deve estar frio. Você nem tocou nele. --- ela me disse. Olhei para ela, aqueles olhos. Eu não sentia nada, te juro. Era só trama de pensamentos, só a mente maquinando, só os pensamentos ruins chegando sem pedir licença, até que uma voz gritou dentro de mim, me perguntando: --- “que horas você vai matar essa mulher?”. Eu me calei fundo. Era o pior pensamento que eu podia ter, era pensamento de ódio, gente ruim pensa nessas coisas todos os dias, todas as horas, e eu? Aquilo me veio, eu senti raiva daquela mulher na minha frente, ela estava falando exatamente sobre isso, sobre a defesa de tese da colega dela, eu fiquei assombrada com minhas ideias de violência, era anormal, aquilo em mim era anormal, eu olhai para a xicara de café, realmente tinha parado de lançar fumaça, lançar calor no mundo. Aquele café frio era melhor do que eu, melhor do que minha existência. Mas, eu queria afastar essas ideias, achar a razão da minha raiva sobre o que ela estava falando, ela falava sem parar, parecia que tinha ganhado alguma coisa com a amiga defendendo uma tese de doutorado em uma universidade particular da esquina. Eu não estava me reconhecendo, juro. Era um mau dia, era um dia ruim --- pensei. Mastiguei o que tinha abocanhado do misto quente, como a alma de criança em mim ainda estava viva deixei nos dentes a mussarela derretida como um chiclete fui esticando, abri um sorriso, eu estava passando por tudo aquilo, mas, alguma alegria de coisas simples sempre há. Basta mapear o mundo próximo. É como beber um copo de água bem lentamente, entende? --- Vai tomar o café frio assim mesmo? Uau, há há há, há. --- ela riu, tinha dentes perfeitos, perfeitos. --- Vou. Não me incomodo. O lanche estava bom, o café é só um aperitivo. Mas me diga, você atropelou o cachorro? --- perguntei, joguei a pergunta, olhei discretamente o relógio no braço esquerdo. Mais cinco minutos ainda. --- Não, eu desviei a moto. Mas eu voltei e mandei o dono do cachorro tomar no cú! Eu xinguei ele inteiro! Como pode abrir a garagem de uma vez e deixar o cachorro correr para a rua feito louco. Era pra servir de exemplo. Fiquei tão nervosa que tive de fumar um cigarro. --- ela disse. Então ela olhou para mim e falou: --- Por que você quer me matar? Era uma pergunta seca. Uma pergunta com vários sentidos. Eu dei de ombro. Era algo que uma mulher fala para outra as vezes. --- É uma coisa que uma mulher fala para outra as vezes, de brincadeira. --- Eu li teus pensamentos, eu sei o que você pensou a poucos segundos atrás que queria me matar, e depois ficou mudando de assunto para afastar o pensamento assassino. Não foi brincadeira. --- Você lê pensamentos? Mas que exótico! --- fui completamente irônica, deu para perceber? Eu estava zoando aquela maluca. Ler pensamentos? Isso é improvável e impossível. Me deu mais raiva dela ainda. --- Sim, eu leio pensamentos. --- ela disse. Falou com a boca cheia de um sorriso de sarcasmo, mas isso foi o suficiente. --- Olha, eu vou terminar nosso namoro. Não estou me sentido bem com você mais. Foi bom. Mas eu quero terminar agora. --- Isso saiu de mim, eu falei isso em um segundo de distração. Escapuliu. O rosto dela foi se transformando, de sorriso virou máscara de guerra em alguns segundos. Eu sabia o que estava por vir, eu sentia a violência brotando nela. Ela bufou feito um touro bravo. Eu estava esperando por aquilo, ah se estava! 1. Grandes livros de Humanismo e Pequenos Livros de Humanismo Choveu forte naquele dia, esquecemos a briga, fomos para uma biblioteca, nos tempos da Pandemia de covid19 agendávamos a biblioteca, a Biblioteca Municipal recebia apenas 50 pessoas por dia, cada visitante tinha direito a 4 horas entre os livros. Chegamos, deixamos os guarda- chuvas na entrada, um saguão enorme, poucos atendentes, o símbolo do Comunismo pregado na parede, ao lado de um Crucifixo cristão e de um símbolo da Umbanda. Era preciso representar todas as ideologias, era necessária essa aglomeração de ideologia, os símbolos na parede, era uma prova da inteligência humana em buscar saídas. As pessoas entravam e olhavam os símbolos artisticamente representados em imensas esculturas fixadas no alto do saguão da entrada da Biblioteca Municipal de Belo Horizonte. Todas as ideologias devem ser admitidas como recursos mentais humanos gastos em descobertas e soluções humanas, todas! --- Menos a Extrema-Direita --- respondi. Sabia que isso poderia provocar outra briga. Estávamos brigando demais, todo o tempo, em ciclos de brigas, por pequenas e médias razões. --- Você devia fumar menos roconha. Conheço teu discurso de „erva natural‟. Você chapada e dividida. Usa óculos escuro dentro da Biblioteca Municipal para esconder os olhos tremendamente avermelhados. E mentalmente você volta por instantes à adolescência perdida. Que gracinha! --- ela disse. Sem a mínima ética, sem o mínimo humanismo. Ser desumano, ela tinha ficado. Não me incomodei. Ajeitei os óculos escusos e fui para a estante de filosofia, ver alguma novidade da Filosofia da Ética. Me refugiar com algumas frases. 2. O momento de maior tensão e tesão Agora é o momento de falar sobre o que aconteceu com meu irmão, vamos aos fatos: pensando que todos nós podemos morrer em qualquer luta, pensando que acontecimentos aleatórios podem envolver a morte de seres humanos, levando em conta que a vida é breve mas há um enorme investimento de dinheiro e de tempo para levar um ser humano à idade adulta, levando-se em conta todas essas eu estava explicando para ela que não havia mais a possibilidade de nos relacionarmos. Não era possível. --- mas por que você não quer mais? --- ela perguntou --- a medida protetiva é só um papel. Você é uma mulher agressiva e violenta. É por isso --- eu respondi. Eu estava com as mensagens de ameaças que ela tinha escrito, estavam em minha bolsa, eu reuni todos eles e estava disposta a jogar na cara dela com fúria. Aquelas palavras medonhas que ela escreveu para mim. No começo eu tive medo, mas depois comecei a sofrer com aquilo, --- me dê mais alguma chance. Me dê uma chance, me ajuda, eu te amo, fica comigo, por favor! --- ela disse. Chorava, não sabia se a justiça seria feita, dentro de mim eu já não sabia se amor se paga com amor. --- seria a morte. A morte está nos rondando, você não percebe? --- eu disse. Eu estava aflita naquela conversa. Combinamos um restaurante no centro da cidade, um lugar onde eu estivesse segura. E exatamente no momento em que estava dizendo aquilo, estava terminando mais uma vez, pela milésima vez eu estava terminando aquele relacionamento, que na verdade nem existia. Eu já tinha dito tantas vezes a ela. Nada na minha vida deu certo enquanto estávamos juntas, você sabe --- eu disse. Estava me sentindo cansada, era como se ela estivesse sugando minha energia, seus olhos verdes, seu nariz perfeito, era uma mulher linda, estava tentando segurar minhas mãos, me olhando com aqueles enormes olhos verdes lindos, aquela boca maravilhosa, me pedindo para reatarmos o relacionamento. Eu sofria por dentro, pois estaria fazendo outras coisas, mas estava esperando um alivio, esperando que fosse a última vez. Minha sensação era a de que aquela realidade se tornaria insuportável. Pois foi exatamente naquele momento daquela conversa que meu celular tocou. Não dei atenção, mas continuou tocando o insistente celular dentro da bolsa. Eu acho que minha mãe tinha educado a gente para ser submissos, eu e meu irmão. Eu me sentia submissa completamente. Naquele momento o celular tocou. Ela ficou nervosa imediatamente: --- sua nova namoradinha?! --- ela disse. Transformou instantaneamente os belíssimos olhos verdesem duas chamas com ódio, me olhando com fúria. Mas eu já comecei a ficar angustiada com aquilo, o celular tocava, eu nem sabia quem poderia ser, e já sentia o peso da culpa que aqueles olhos verdes, outrora muito amados, lançavam com fúria. Ela era uma mulher linda, mas quando ficava com raiva se transformava em um bicho feio do mato. --- atende essa merda logo! --- ela ordenou. Como um robô eu abri nervosa a bolsa e puxei como uma autômata o celular. --- toma logo esse café frio, sua vaca! --- ela ordenou gritando, as pessoas na lanchonete se voltaram para nós, para ver aquela baixaria, seria mais uma de centenas que eu vivi ao lado daquela mulher, outrora muito amável. Vamos fingir que nada aconteceu de novo? Ela dava ordens diferentes, mandava eu fazer coisas, tomar o café, calar a boca, eu peguei o celular, tremendo, ela me olhando com fúria, não adiantava mentir, não adiantava nada. Ela vinha como uma locomotiva de setecentas mil toneladas, e sabia ferir com as palavras. Eu peguei o celular tremendo, minha mente cheia de lágrimas de angustia, queria sumir, queria que tudo acabasse ali. A gente encontra uma pessoa para amar, depois de tanto sonho, depois de tanto amar, de tanto sonhar, e quando a gente encontra esse amor a gente se entrega. Eu tinha encontrado amor do lado daquela mulher, eu tinha amado aquela mulher. De repente tudo parecia um golpe, ela queria se encontrar comigo, ela queria reatar o relacionamento, depois de tantas brigas e ofensas, e de tantas agressões. Atendi o celular, ela me fritava com os olhos, verdes furiosos, a boca cheia de palavrões, eu tinha medo de apanhar dela, sempre tive, pois eu não conseguiria reagir. Eu a amava. Mas isso foi antes de tantas decepções, tantas escaladas de gritos. Tensão nervosa, duas mulheres juntas e durante a menstruação sempre azeda que ela tinha era mais o sofrimento. E eu a amava. Até então. Eu tinha brigado com minha família por causa dela, tinha saído de casa, minha família não aceitava. Meu irmão e minha mãe não aceitaram, meu pai, coitado, nunca aceitou. Mas eu a amava e vim com ela para longe, pelo amor. E agora era isso, aquela angustia de estar sob pressão dentro de uma lanchonete cheia de pessoas. Algumas estavam com pena de mim, eu sei, pois era nítida a violência verbal que eu estava sendo vítima. --- atende logo essa bosta menina, agora! --- ela gritou, os olhos verdes de esmeralda quase saíram das órbitas, a testa completamente enrugada. A cara de uma onça com ódio. Eu cedi, aceitei a ligação, coloquei o celular perto do ouvido, uma lágrima de medo desceu em meu rosto, eu sabia que iria apanha dela, ela estava furiosa, estava monstruosa de ciúmes e loucura. Eu me sentia caída no chão. Segurei o telefone, atendi a ligação, era minha mãe! Tapei a boca para evitar um gemido de desespero. --- mãe! --- eu disse, segurando as lágrimas, que bom, que difícil! Minha mãe não falava comigo há três anos, desde o dia que meu pai morreu. Eu já morava na capital, já tinha saído de casa, ele nunca aceitou mina sexualidade, nunca aceitou meu relacionamento, sempre sofreu, adoeceu, teve um derrame cerebral, ficou em estado vegetativo. Minha mãe julgou que eu tive culpa no adoecimento emocional de meu pai e se afastou de mim. A agora era aquela ligação assim do nada! --- essa puta que é tua mãe! --- ela disse com birra e rancor. --- manda ela tomar no cú, desliga essa porra de telefone celular e volta aqui pra nossa conversa! pra gente conversar que eu vou te dizer o que você vai fazer! Você vai voltar comigo, nós vamos voltar nossa relação e sermos felizes, você não vai estragar minha felicidade! Está escutando vaquinha burra! Está escutando? --- ela ia falando rápido, gritandof, eu estava cada vez mais nervosa, queria escutar minha mãe falar, não estava conseguindo escutar minha mãe falando, aquela mulher gritava comigo com aqueles olhos verdes arregalados, gritava pra eu desligar o telefone, me obrigada a xingar minha mãe, a insultar. Eu não estava aguentando mais, sentia que teria um colapso. Comecei a suar frio, quando um garçom veio até nossa mesa pedir que ela parasse com os gritos eu me levantei e corri para fora do estabelecimento. Deixei minha mochila, minha bolsa e meus livros para trás e corri. Corri e chorei, corri dela, corri como louca, não sei se ela veio atrás de mim, corri. Depois de correr muito e me perder na malha de prédios e ruas do centro de Belo Horizonte, me sentei debaixo de uma árvore e chorei muito. Sim, eu iria voltar o namoro com ela, eu aceito. Eu não aguento essa pressão. Vamos tentar de novo, essa é a sina da minha vida. Eu a amo, ela é linda, eu aceito todo esculacho, eu aceito ser o objeto dela. Eu não aguento a pressão. Vou bloquear o numero de telefone da minha mãe, vou me levantar e voltar ao restaurante --- eu pensei. Era o melhor. Parei de chorar, me senti até melhor. Me levantei, enxuguei as lágrimas e caminhei de volta ao restaurante. Meu Deus, tomada que ela esteja lá, tomara que ela me perdoe, tomara que não me bata, que fique boazinha --- eu pensei. Já não sentia que eu tinha auto estima, ou amor próprio, depois de alguns anos de relacionamento ela dominou minha vida, meu dinheiro era para ela gerenciar nossas economias, meu tempo era para ela, eu era a empregada de nossa casa, eu trabalhava fora e voltava para fazer as limpezas antes dela chegar. Eu era o bichinho dela, era propriedade dela, ela me vestia, ela escolhia as minhas roupas, ela me ensinava as coisas do mundo, ela parecia saber de tudo, ela tinha sempre respostas, ela era forte, e era muito ciumenta. Acho que era esse o defeito maior, ela não vencia o ciúme. Uma vez ela me surrou com socos nas costas e na barriga pelo jeito amável que tratei o entregador de pizza, ela tinha estragado muitos momentos especiais por causa dos ciúmes, ela me amava demais, ela dizia. Ela dizia que por mim matava e morria, que eu era tudo para ela que eu era todas as coisas na vida dela, eu era a filha dela, a mulher, a amante, a esposa, a irmã, a amiga, a parceira, ela me dizia isso. Ela me dizia que me amava. Quando ela era carinhosa comigo ela me chamava de coração, e me tratava bem, cuidava de mim, cuidava dos meus cabelos --- eu fui pensando nisso, cheguei até o restaurante de onde fugi. Entrei com vergonha. Eu era apenas uma menina de 27 anos mesmo. Como poderia ser diferente. Quando cheguei no restaurante ela já não estava, já tinha saído. Furiosa, com certeza. Louca de ódio. Hoje a noite eu apanharia, e depois ela faria amor comigo com fúria, transariamos com volúpia e violência, ela misturaria raiva com amor novamente, e eu sentiria o peso de suas mãos e de seus beijos. Era minha obrigação voltar até nosso apartamento, pedir desculpas, ela me trataria muito mal, ela me tratará muito mal! Mas eu mereço, sou uma idiota! --- eu acho mesmo que se não houver alguém me controlando minha vida será cheia de erros. Eu não presto mesmo, me sinto mal por dentro. Fiquei ali na lanchonete imaginando que ela voltaria, que estava me procurando. Fiquei quase duas horas ali, e nada dela voltar. Agora fiquei com medo. Acho que ela estava muito furiosa. De repente o celular toca. Achei que era minha mãe retomando a ligação que interrompi bruscamente. Mas não era minha mãe. Era ela. Me xingou, estava brava, mas me daria uma chance. Estava exigindo que eu fosse ao nosso apartamento imediatamente, ela estava lá me esperando para conversarmos. Desliguei o telefone, a angustia voltou gigante. Seria mais uma tarde e noite de brigas. Eu merecia todo aquele inferno, eu era uma mulher lixo de ser humano! --- isso ela me disse várias vezes. Fiquei um tempo sentada, sentindo o peito arder, o coração disparado. Eu estava mentalmente cansada. E não pude nem falar com minha mãe. O que minha mãe queria comigo? Por que tinha me ligado assim depois de tantos anos? 3. Características da despedidaútil Deixei tudo para trás. Alguma coisa me disse que se eu retornasse ao aparentemente não viveria. Resolvi caminhar. Sem bolsa, sem documentos, fui caminhando, e caminhando. Resolvi buscar ajuda, caminhei muitos quilômetros, sem poder buscar ajuda, dormi na praça, caminhei, fui caminhando, e acabei chegando ao limite da cidade, e era apenas estradas e matos, eu estava acabada de tanto chorar, meus cabelos bagunçados, eu estava toda suada e mijada, eu estava com fome e cansada, mas eu estava com medo de morrer. Sim, era medo de morrer, era forte. No Brasil a cada 24 horas são dezenas de feminicídio, e hoje era a minha vez, eu sentia, era uma sensação tão exata como a sensação das horas do dia. Escureceu, eu caminhei no acostamento da rodovia, fui andando, favela, periferia, favela, periferia, favela e mato, depois mato, depois silêncio e rodovia, caminhões, grilos, rodovia, meus pés começaram a sangrar, era noite escura e eu continuei caminhando, foi quando cheguei no viaduto, um viaduto sobre um rio. Um rio grosso e fedorento. Resolvi pular lá dentro, e pulei. A Educação no Contexto Familiar de Extrema Violência: Reflexões a partir do cinema sobre Susan Wiley1 David José Gonçalves Ramos2 Resumo: Crianças extremamente negligenciadas no contexto do cárcere privado de seres humanos é representação de níveis altos de degradação do Ethos, e o caso de Susan Wiley é representativo tanto da complexa teia de fatores familiares que estabelecem tal vínculo violento, quanto pelos questionamentos profundos da prática científica. Entretanto um certo cinema foi realizado, o que atualiza a necessidade de reflexões sobre a abordagem antropológica deste fenômeno, cativeiro humano, e sobre o alcance teórico dos modelos epistemológicos. Abstract: Extremely neglected children in the home prison context in human beings is representation of high levels of Ethos degradation, and the case of Susan Wiley is representative of both the complex web of family factors that establish the violent relationship, as the deep questions of scientific practice. However some filming (footage) was done, which updates the need for reflections on the anthropological approach of this phenomenon, human captivity, and the theoretical spectrum of epistemological models. Palavras chave: Susan Wiley, Cárcere Humano, Pedagogia, Humberto Maturana 1 Artigo desenvolvido junto à Universidade do Estado de Minas Gerais, apresentado como resultado de carga horária destinada à Pesquisa. Curso de Pedagogia, Faculdade de Educação. Belo Horizonte 2015. 2 Mestre em Filosofia, UFMG, CEFETMG. Há um capítulo do livro “Arvore do Conhecimento” de Humberto Maturana em que ele analisa crianças selvagens, seres humanos que foram criados longe do convívio humano. Ele trata do caso famoso entre os antropólogos, de Amala e Kamala, irmãs criadas por lobos das matas indianas no início do século XX. Em sua reflexão sobre as consequências que isolamento do sujeito, de uma cultura humana, provoca no cérebro, Maturana buscava refletir sobre a necessidade que o cérebro humano tem da comunicação interpessoal, e de como o sistema nervoso central humano demanda interações sociais para se desenvolver. A abordagem que Humberto Maturana faz dos casos de extrema violência linguística, no sentido da absoluta privação de linguagem humana, ele faz referência à necessidade de vida cultural, de relacionamentos, para a otimização da fisiologia do cérebro. Se uma família não reúne condições mínimas de humanização, como no caso da família de Susan Wiley a representação desta situação pode ser observada nos distúrbios da linguagem, no vazio da comunicação interior. Outra dimensão desta extrema violência da linguagem, ou da absoluta falta dela, estão nos casos de isolamento social extremo como nos casos das meninas criadas por lobos. Humberto Maturana descreve o caso e faz referências à necessidade de estimulação indireta sonoro-visual ao sistema nervoso central para as formas de experiências éticas. Segundo ele, “(...) se separarmos um carneiro recém-nascido de sua mãe por algumas horas, devolvendo-o em seguida, o animalzinho se desenvolverá de modo aparentemente normal. Crescerá, caminhará, seguirá sua mãe sem revelar nada de diferente, até que observemos suas interações contra outros filhotes de carneiro. A brincadeira desses animais é correr e dar cabeçadas uns nos outros. Mas o carneiro que separamos da mãe por poucas horas não participa. Não sabe e não aprende a brincar, permanecendo separado e solitário. O que lhe aconteceu? (…) De fato, durante as primeiras horas após o nascimento dos carneiros, a mãe os lambe continuamente, passando a língua por todo seu corpo. Ao separar o filhote da mãe, impedimos essa interação e tudo o que acarreta em termos de estímulo tátil-visual e, provavelmente, de contatos químicos de vários tipos. O experimento mostra como essas interações são decisivas para a transformação estrutural do sistema nervoso, e suas consequências aparentemente vão muito além do simples ato de lamber.”3 3 MATURANA, Humberto. A árvore do conhecimento. Campinas: Ed. Workshopsy, 1987. pág. 158. O uso da analogia da demanda por relacionamentos que os filhotes de mamíferos possuem é justa para o lugar epistemológico que penso ser útil para falar dos casos extremos de violência e o contexto educacional, pedagógico, tanto no sentido do estudo dos sujeitos estudados quanto para as possibilidades de uma didática para a reabilitação da vítima. A perspectiva psicobiologista tem utilidade para a aceitação do ethos como objetivo, do direito e da justiça; somos um tipo de ser vivo que precisa de condições mínimas de sobrevivência em nossas relações com os outros. Maturana prossegue na análise e descreve as condições extremas para a operação do sistema nervoso central, retrata a situação da falta da cultura e trata de como o sistema nervoso tenta representar para si, mesmo fora do convívio humano, uma estrutura elementar de funcionamento, estrutura que creio ter mantido viva mentalmente, mesmo que em níveis elementares, a mente de Susan Wiley Genie, uma revisita contemporânea à condição de privação das meninas que foram cuidadas e criadas por lobos, ainda que os lobos tenham tido mais humanidade que os familiares humanos de Susan “”(...) temos acesso a uma série de interações que podemos descrever como “aleatórias” de um certo caminho de mudança estrutural que, no caso em questão, mostrou-se patológico quando comparado ao curso normal. Tudo isso também se aplica aos seres humanos, como foi demonstrado pelo caso dramático das duas meninas de uma aldeia bengali ao norte da Índia que, em 1922, foram resgatadas (ou arrancadas) de uma família de lobos que as havia criado em total isolamento de qualquer contato humano. Uma das meninas tinha oito anos e a outra cinco. A menor morreu pouco tempo depois de ser encontrada, e a outra sobreviveu mai dez anos com outros órfãos com quem foi criada. Quando foram encontradas, as meninas não sabiam andar sobre os pés, mas se moviam rapidamente de quatro. É claro que não falavam, e seus rostos eram inexpressivos. Queriam comer apenas carne crua, tinham hábitos noturnos, repeliam o contato humano e preferiam a companhia dos cachorros e lobos. Ao ser resgatadas, estavam perfeitamente saudáveis e não apresentavam nenhum sintoma de debilidade mental ou desnutrição. Mas a separação da família lupina causou-lhes uma profunda depressão que as levou à beira da morte, sendo que uma efetivamente morreu.”4 Maturana parece ter ficado desapontado com a reação científica das autoridades hindus 4 Idem. Pág. 159. que retiraram as duas meninas de sua “família”. Ao contrário das meninas da Índia, a criança norte-americana presa por seu pai estava numa condição de sobrevivêncialinguística destrutiva. A acolhida no seio da família de lobos, a admissão como membro da matilha e sua sobrevivência foram estabilizadas por uma fisiologia sem personalidade, nas crianças que os humanos nomearam por Amala e Kamala. Um indivíduo sem sujeito, no caso das meninas criadas por lobos, e um caso de sujeito sem indivíduo no caso de Susan, ou vice-versa. A Alcatea possibilitou a saúde mínima. O que me levou ao estudo do caso de Susan Wiley foi inicialmente a observação de uma série de documentários sobre a loucura. Excelentes áudio-visuais e filmes, com grande qualidade artística e aporte científico pareciam dar grande credibilidade, e estão disponíveis no portal Youtube. Dois desses documentários foram os que intrigaram muito e provocaram um conjunto de perguntas sobre a vida em família dos portadores de sofrimento mental e deficiências, o que me levou a imaginar o contexto de cárcere domiciliar de crianças como um fator repetido na infância dos pacientes em históricos de internação psiquiátrica: o documentário Stultifera navis5 (1987), de Clodoaldo Lino e o documentário Em nome da razão: um filme sobre os porões da loucura6 (1979), de Helvécio Ratton. O horror, o holocausto silencioso que milhões de seres humanos experimentaram em suas histórias ao tomar contato com instituições psiquiátricas no Brasil é tamanho que pode desfocar o ímpeto de uma pesquisa, uma vez que boa parte dos hábitos e procedimento estruturados nesses locais são resultados de teorias científicas de suas 5 Documentário gravado na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, em 1987. Entrevistas com o filósofo e dramaturgo Carlos Henrique Escobar, com os psicanalistas Joel Birman e Jurandir Freire, e com o psiquiatra Pedro Gabriel Delgado. Direção: Clodoaldo Lino. Diretor assistente: Eduardo Medrado. Assistente de produção: Neli Castro. Duração: 38 min. Grande Prêmio VHS, Melhor Roteiro e Melhor Sonorização no Vº VideoBrasil (1987). Prêmio de Melhor Sonorização na II Jornada do Vídeo Independente de Fortaleza (1988). 6 Documentário é todo filmado em preto e branco, mostrando o cotidiano dos pacientes internados no Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais. épocas. Nesse garimpo virtual encontrei o documentário sobre Susan Wiley, pois parte dele e suas palavras-chave, se referem ao cuidado de crianças vítimas de violência, e seus processos de internação em hospitais psiquiátricos infantis. Influenciado pelas imagens, que me remetiam sempre ao início de leitura do texto de Michael Foucault sobre a história da psiquiatria, e buscando nas ferramentas de pesquisa audiovisual do Youtube, encontrei uma série de outros documentários sobre a luta antimanicomial. O século XX foi rico em produzir saberes sobre as fronteiras mentais humanas, os aspectos antropológicos de nossa cognição. Todo saber acumulado sobre o comportamento humano produziu muita riqueza e poder, e também transformações sociais como as operadas pelo movimento antimanicomial da década de 1970, que encerrou o ciclo de terror dos grandes hospitais psiquiátricos do mundo ocidental, como o foi, em terror e tamanho o grande hospital psiquiátrico de Barbacena em Minas Gerais. As imagens recolhidas nesse corpo de documentos audiovisuais que mostram os maus- tratos sofridos por milhões de seres humanos condenados pela loucura, ou, descritos como sendo. As imagens da violência e do verdadeiro cárcere que é a reclusão de pacientes no período de evolução das teorias psiquiátricas e das decisões governamentais indicam que ha tal maneira violenta de lidar com portadores de deficiências psíquicas, de impedimentos comunicacionais, ou mesmos portadores de sintomas de natureza des-socializante. Com o retorno dos pacientes aos seus lares, com a devida orientação e acompanhamento do estado, a luta manicomial no Brasil a partir da década de 1990 consegue fechar os grandes hospitais, e revela o conflito de adaptação de uma outra lógica; para os familiares de portadores de sofrimento mental e necessidades especiais. O cárcere privado é uma prática que ´pode ser identificada em vários casos de crianças portadoras de necessidades especiais, e deficiência mental, o que faz pensar que o caso de Susan Wiley seja possível de ser encontrado e reencontrado. Susan é um arquétipo antropomórfico pois participa da fronteira de algumas graves limitações existenciais humanas: primeiro por ser diagnosticada aos 20 meses como portadora de retardo mental, um diagnóstico que pesou sobre ela como uma sentença, e segundo por possuir um pai psicótico e uma mãe deficiente visual e coagida violentamente no cotidiano pelo marido. Ainda assim, o antropos de Susan se direciona para o ethos, principalmente pela forma bem-humorada com que em geral, em todas as filmagens ela se apresenta, diante do mundo a ela incognoscível. A documentação em torno do caso das meninas-lobo foi baseada em fotografias, entrevistas e relatos colhidos de missionários cristãos. O caso ficou conhecido e muitos estudos foram feitos posteriormente. A questão era saber em termos de um humanismo se realmente foi ético retirar as meninas do convívio de sua família linguística e ao mesmo tempo o fracasso da sociedade civilizada e acolher tais crianças ressocializáveis, que morreram precocemente. Ou mesmo de estudar profundamente esses casos, há alguma razão pedagógica. A questão é que um outro fenômeno social gera sujeitos extremamente isolados: a violência. O caso de Susan foi documentado largamente por audiovisual, era uma nova etapa da ciência, com a massividade da tecnologia do cinema para finalidades de estudos. Um importante documentário sobre as crianças na fronteira da linguagem e da comunicação humana é o curta Childrens of Darkness7 (1983), que mostra a realidade de hospitais psiquiátricos para jovens, onde há o cuidado com crianças vítimas de extremas violências. Também foi importante para a reflexão sobre a etnografia da violência infantil o documentário Child of Range8 (1992), que conta a história da criança Beth Thomas vítima de anos de cárcere e violência familiar. 7 “Children of Darkness” foi indicado ao Oscar de 1983. Escrito e produzido por Richard Kotuk and Ara Chekmayan. Disponível no site https://www.youtube.com/watch?v=tTCSfx47R1w 8 http://www.oddityworld.net/2014/07/what-actually-happened-to-beth-child-of.html O documentário Footage of feral child 9 é um curta de 22 minutos, disponível na internet para visualização e download, (o que o torna um arquivo da cultura, um registro antropomórfico), nesse documentário Susan Wiley é o ecce homo, o representante da dor maior da espécie que é a impossibilidade da linguagem. Segundo Habermas o direito fundamental do sujeito é à linguagem, e Susan foi negligenciada nisso, e em si, é a maior violência pois representa a impossibilidade de simbolizar o ato violento, simbolizar para perceber as próprias agressões de que se é vítima, e, quando o cárcere domiciliar se torna a impossibilidade da linguagem gera um dano de organização neuronal. Uma domesticação violenta da criança, a comoção pela perda do ethos pode ser sentida na diminuição dos vínculos sociais desses sujeitos vitimados. As imagens dos documentários sobre a loucura, e sobre Susan são o elemento que provoca a sensação, dispõem a possibilidade de se reviver em estímulos, as polêmicas, o fato, deixá-lo às portas da percepção, da razão, e temos, gerar a linguagem suficiente para perceber os contornos, a força da arte e de suas funções pedagógicas. No documentário Footage of feral child, baseado nas horas de filmagem do professor David Rigler, do Hospital Infantil de Los Angeles, EUA, ha o transporte para a questão do drama de Susan, em suas várias etapas, num quadrosilencioso que contém o que deve ser a função do cinema; dar voz. O documentário Footage of feral child curiosamente não tem sons, apenas os momentos em que Susan é a atriz principal de seu próprio filme o áudio é acionado, e se pode entender o grave distúrbio de linguagem que ela portou: os sons que ela emitia quando recolhida pelo hospital psiquiátrico infantil, sons de uma antiguidade ancestral, talvez o som que as meninas selvagens da Índia emitiram em sua brusca reintegração cultural. 9"Secret of the Wild Child", vídeo de 2002, parte do documentário "Wild Child: The Story Of Feral Children". Todos os dados significativos sobre o caso de Susan Wiley podem ser observados no site http://www.oac.cdlib.org/. 1. A educação encontra a violência A educação encontra a violência como instrumento em suas origens; a agressão usada como forma de educar pode ser observada em várias culturas. Erich Fromm no livro Anatomia da Destrutividade humana pesquisou três tipos de formas sociais; as sociedades pacíficas, as sociedades instáveis e as sociedades violentas. No capítulo destinado a descrever as formas educacionais dessas sociedades ele atribui ao armazém de hábitos, atitudes, moralidades, instituições pedagógicas de um grupo social, a raiz social da violência. As raízes naturais da violência, da agressividade humana, nos relacionamentos entre os próprios membros da espécie parece não remontar o comportamento da linhagem de primatas da qual o ser humano é fruto; o ser humano não herda em seu material genético a fúria que demonstra “(...) Realmente, se a espécie humana tivesse aproximadamente o mesmo grau de agressividade “inata” que os chimpanzés que moram no seu habitat natural, viveríamos num mundo perfeitamente pacífico. Ao estudar a agressão entre os animais e especialmente entre os primatas, é importante começar com uma distinção em seu comportamento enquanto vivem em seu próprio habitat e em seu comportamento sob cativeiro, ou seja, quando se acham, essencialmente, nos jardins zoológicos. As observações mostram que os primatas no ambiente selvagem exibem pouca agressão, enquanto presos nos jardins zoológicos podem vir a mostrar excessiva carga de destrutividade.10” O cativeiro humano, pela impessoalidade e destituição dos direitos básicos do indivíduo, pela ação de violência de um algoz, pode ocasionar na vítima este distúrbio de agressividade. Também distúrbios da sexualidade poderiam ser refletidos a partir da ideia de que organizamos nossa libido e nossas energias relacionais pela vida cultural. Ao recortar o tema da agressividade humana, como primata, em cativeiro cita o exemplo dos Nazistas da Alemanha da primeira metade do século XX que consideravam a possibilidade de domesticar certas variantes do Homo sapiens em razão da necessidade de tutoria ética que eles, alemães, poderiam dar ao mundo. Erich Fromm prossegue: 10 FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. pág. 150. “(...) o homem é o único mamífero assassino e sádico em ampla escala. Muitos animais entram em conflito com sua própria espécie, mas lutam de maneira “não- dilaceradora”, “não-destrutiva”. Os dados referentes aos mamíferos em geral e aos primatas pré-humanos em particular não indicam a presença de uma “destrutividade” inata, que se supõe que o homem tenha herdado deles.11” Aparentemente o peso da tragédia de Susan recai sobre o pai violento. E a atividade predatória deste pai, diante da mulher e da filha tem raízes na educação, no processo de desenvolvimento da sublimação de suas razões internas, de sua afetividade. Pode ter sido uma forma moderna de lidar com os loucos; a filha foi diagnosticada como doente mental aos 20 meses, e os argumentos psiquiátricos, pediátricos, não poderiam ser infalíveis a tal ponto. As frustrações cotidianas do homem urbano podem estar por trás do traço cultural da específica forma de trancar no quarto um ser humano, impedir seu movimento. Os manicômios registrados e documentados pelo Stultifera navis e Em nome da Razão trazem a forma histórica de violentar o doente mental, no espaço público. A violência ao doente mental poderia ser encarada como uma forma específica de educar um espírito indomável pelo aconselhamento racional disponível. Os Homens, o antropo, se desenvolvem em um tecido social sustentado por uma vida urbana, a polis. Os processos de individuação nas sociedades industriais modernas possibilitaram novos sujeitos; pelas instituições em que vivem, pelo tipo de trabalho que vendem, onde vendem, como sobrevivem, que língua falam. A vida em populosas e impessoais megalópoles tem rotina, rotinas, que passaram a ocupar o tempo de vida desses sujeitos. Ha nesses centros urbanos instituições que podem recolher os indivíduos perdidos nas fratrias e esfacelamento das formas familiares tradicionais. Assim surgem os grandes manicômios do século XIX e XX, os complexos hospitalares, as escolas públicas, os quartéis, os modernos sistemas prisionais. Educar o indivíduo na modernidade é 11 Ibdem. habilitá-lo a pensar e decidir diante dos processos produtivos as melhores saídas para o uso da sua força de trabalho, de seu intelecto, da energia resultante das sublimações e privações que são impostas por quem decide, o poder. Segundo Michael Foucault a violência é um dos condicionadores usados para a obtenção dos resultados comportamentais dos sujeitos a serem educados na modernidade industrial. O estado europeu, os estados industrializados no século XX empregaram a violência necessária para reordenar indivíduos que não se tornaram sujeitos produtivos, ou mesmo indivíduos que para produzir melhor são implicados em formas de coação violentas. A forma como Foucault descreve os exercícios repetitivos a que soldados passaram para a modelagem do uso das armas de batalha cada vez mais precisas e caras; humilhações, agressões, pressões, mostra como a violência sistemática é incorporada às práticas educacionais no século XX no exercito. A lógica da inclusão escolar dos portadores de deficiência mental, por exemplo, no início do século XXI pode ser uma mostra de que uma razão mais esclarecida direciona o desenvolvimento biológico da espécie humana, e do humanismo de uma maneira menos violenta. No documentário Footage of feral child é possível ver a impaciência dos profissionais que lidaram com Susan depois de sua saída do cativeiro, a impaciência pela sua reabilitação, a aposta séria na força dos braços da ciência quando decidem resgatar os seres humanos que devem ser reeducados. Como o caso das meninas selvagens hindus, Susan foi atendida e estudada, de 1971 a 1975, num contexto diferente dos avanços que existem em 2015, em todas as áreas, também na Pedagogia, nas metodologias e didáticas de práticas educativas com portadores de necessidades especiais de educação, com vítimas de traumas severos na infância, como talvez fosse a situação de Susan. Ao receber o diagnóstico, Clark Wiley prende a filha num quarto. “(...) o hospital era suposto ter uma ação direta sobre a doença: não apenas permitir-lhe revelar sua verdade aos olhos do médico, mas produzi-la. O hospital, lugar de eclosão da verdadeira doença. Supunha-se, de fato, que o doente deixado em estado livre – em seu “meio”, em sua família, com seus próximos, com seu regime, seus hábitos, seus preconceitos, suas ilusões – só podia ser afetado por uma doença complexa, confusa, enredada, uma espécie de doença contra a natureza. Sua própria natureza, suas características essenciais, seu desenvolvimento específico iam poder, enfim, através do efeito da hospitalização, torna-se realidade.12” Quebrar a cara de um filho é um dever de um pai se a intenção é educar o sujeito para quenão adquira hábitos não aceitos pela sociedade; a violência passou a ser legitimada no campo da psiquiatria na forma das internações, lobotomias, medicações no início do século XX. O presente artigo não trata da conceituação da violência, mas de uma descrição da extrema violência e das possibilidades de humanização neste contexto. A raiva sentida por Clarck Wiley, pai de Susan deve ter sido grande a ponto de iniciar um cuidado obsessivo e destrutivo com a filha. Clark tinha tido ao todo quatro filhos. Dois haviam sido mortos por falta de zelo familiar (uma das crianças foi esquecida recém- nascida dentro de uma gaveta por Clark). As atitudes mortíferas do pai já estavam declaradas na trajetória familiar. De alguma forma a cegueira de sua mãe, Irene Wiley foi um condicionante trágico, e reúne a imagem de uma metáfora que representa o lugar da mulher no lar de extrema violência paterna. A moralidade se transforma mediante os sujeitos trazem suas identidades, as legitimam. As surras familiares, espetáculos em torno de temas de repreensão exemplar, como a homossexualidade, por exemplo, não podem ser evocadas como resolução doméstica dos desvios, não no século XXI porque a homossexualidade já não tem o conteúdo simbólico que teve. Assim também a violência contra a criança deficiente, bater nela para que ela surja, após a violência, como Homem. Surja de uma lobotomia como Homem, ou da entorpeciação por substâncias químicas como Homem, ou mesmo, se mantenha em cárcere e se mantenha o Homem, para o agressor ter de quem roubar, sob agressões, o espírito. 12 FOUCAULT, Michael. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria, psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. pág. 314-315, no artigo “A Casa dos Loucos”. Texto de 1975. O cárcere domiciliar de crianças portadoras de deficiência mental é um ambiente potencializador de agravamentos para essa própria deficiência, levando a criança vitimada ao descompasso com sua idade cognitiva. O desenvolvimento do conceito de distúrbios de desenvolvimento encontrou no século XX tentativas terapêuticas, diagnósticas, interventivas por vezes destituídas do elemento de humanização necessário para que, ao menos se possa observar, mesmo que isso proceda distinto da visão do agressor, o limite de desenvolvimento imposto pelas atitudes violentas cotidianas. A Professora Lucileide Colares em seu texto Cooperação e conflitos nos (des)caminhos dos atores de proteção à infância vitimizada nos diz “(...) crianças que haviam sido sacudidas até a morte e por muito tempo fatos como este foram encarados como normais, banalizados pela constância no cotidiano. A história nos lembra também que a falta de proteção jurídica à criança foi um ato constante desde cotidiano. (…) A paz é conclamada a ter seu lugar e a educação se torna alvo para ser o agente desta ação. A educação é chamada a depor como sendo um problema que lhe compete, percebendo enquanto uma situação cultural (...)13” 0 caso de Susan Wiley nos faz refletir sobre a dimensão antropológica da violência como fator decisivo na fundação do pensamento e da linguagem dos sujeitos vitimados. Nos casos de distúrbios do desenvolvimento provocados pelo isolamento. O caso de Susan então nos faz pensar que talvez o indivíduo não socializado não consegue produzir pensamentos. Então Susan Wiley é um ser humano resultado de um experimento: o isolamento extremo estruturado pelo pai: um ser humano é capaz de privar outro ser humano da faculdade de pensar. A linguagem como expressão corporal comunicativa faz parte da necessidade de sobrevivência humana em qualquer contexto social, ou fato sociológico, portanto Susan me inquieta no sentido de retroceder ao que os antropólogos 13 COLARES, Lucileide. Cooperação e conflitos nos (des)caminhos dos atores de proteção à infância vitimizada. Dissertação de Mestrado. UERJ\UEMG. Belo Horizonte, 2008. Biblioteca da Faculdade de Educação, UEMG. Pág. 43. e os arqueólogos imaginaram otimistamente como início da possibilidade de pensamento: a linguagem dos pais. A negativa do pai, Clarck Wiley de socializá-la, de dar-lhe a palavra fez com que o corpo nada habitasse. Quando a polícia norte-americana foi até a residência dos Wiley levar preso o pai de Susan, gerou-se um sinal de que a civilização pretende punir legalmente a negativa do cuidado do pai em dar linguagem aos filhos. Judith Greene no texto Pensamento e Linguagem afirma uma relação entre estes dois sistemas intertraduzíveis é de esclarecimento conceitual mútuo: a linguagem como estrutura para o pensamento, principalmente, eu entendo, para os sujeitos sociais que precisam conhecer mais informações sobre os processos educativos humanos. Professores são os atores sociais mais indicados em disseminar conhecimentos sobre o pensamento e sobre a linguagem, e, no caso do Brasil, que é o espaço para onde quero falar, e a especificidade de tratar do povo brasileiro é importante pois a violência doméstica é uma marca da cultura brasileira, principalmente nos últimos séculos em virtude das formas de família estabelecidas para os vários modelos de produção de recursos sociais. Professores são pessoas que se relacionam com outras pessoas para que estas aprendam algum conteúdo, pela observação, pela interação, pela ação didática. Os professores ao estudarem antropologia da educação estão se preparando para contabilizar logicamente todos os sistemas vivos e culturais presentes em seu trabalho, e a criança vítima de cárcere extremo, quando liberta, tem que sinal da liberdade? No espaço escolar? Há apenas uma única cena no documentário sobre Susan em que ela aparece entrando, sozinha, no ônibus escolar vazio. O contexto familiar de extrema violência foi o objeto da pesquisa, e o desenvolvimento teórico está voltado aqui para gerar um artigo, uma peça do jogo de quebra-cabeças do entendimento do ser humano com a paisagem de uma ciência humanizadora, que a ciência da educação passa montando, como o demiurgo de Platão, na velocidade dos fatos, das ações e reflexões do saber do docente que lida com crianças vítimas de surras, de prisões domiciliar, de cárcere doméstico, de trabalho escravo. Mas o sujeito definido como problematizante é a criança vítima da extrema violência, são casos difíceis de se documentar, mas como documenta Footage of feral child. Muitas crianças podem estar silenciadas dessa forma no Brasil, da mesma forma que Susan. Uma primeira questão é qual educação precisa a criança vitimada pela prisão e maus tratos em família? Seria obrigação do estado, do direito, da justiça ou da lei? A segunda questão é sobre os sujeitos, é sobre o tipo de auxílio pedagógico necessário para a socialização de uma criança vitimada desse tipo de violência, como localizar as especificidades pedagógicas. É preciso o recurso da conceituação inicialmente, e os conceitos mais importantes para tratar o assunto da possibilidade de educar uma criança vítima de violência doméstica são pensamento e linguagem, pois são os elementos mais profundos da experiência de humanidade, negada sumariamente ao violentado é a linguagem, é a saúde do pensamento. As cenas do bairro da cidade de Los Angeles em que Susan viveu seus 13 anos de cativeiro são soturnas, silenciosas. A violência extrema é uma atitude humana de uma linguagem instantânea, de uma radicalidade educativa imensa!, que associa pensamento e linguagem, roubados do corpo do outro, projetando o poder de invasão e destruição da força de vontade de um eu que não negocia seus interesses pela racionalidade mas com o vazio de suas perdas pessoais, da sua saúde. A recursividade relacional proposta pela violência é a de sempre menos saúde, é o que acontece educacionalmente, independe da moral,do conteúdo da crença, e que pode ser, como na atitude do pai de Susan, um sintoma. O realismo das teorias cognitivas da qualidade dos recursos didáticos possibilitou práticas como a inclusão escolar, num ambiente de qualidade de acolhida e interação, e quando a inclusão se volta para a criança violentada pelos pais, em específico a criança vítima de cárcere na sua própria casa, é como lidar com um condenado? Algo tem que ser libertado antes de que se ensine? A determinação da essência individual depende de uma força externa, o ser humano não começa em si mesmo, e essa filosofia é parte do ideário da educação, um ponto ético que fez com que pessoas portadoras de deficiências mentais pudessem ser incorporadas à sociedade, à escola. Por complexo que seja a deficiência, é a força externa estimuladora da linguagem que vai interferir de forma determinante na existência humana. Parece que a filosofia da educação teve mais dificuldade de lidar com indivíduos diferentes. Susan Wiley, menina norte-americana nascida em 1957, qual ser ela representa? Tantos entraves cognitivos em uma pessoa tão simpática! Mas qual a razão de sobreviver ao ocorrido sem uma grave depressão? E que objetivo há em ler um texto sobre educação no contexto familiar de extrema violência? Como justificativa inicial há o fato de que saber sobre a relação entre a violência sofrida e a reabilitação a ser conquistada é uma atitude pró-ativa para o acolhimento de qualidade à criança vitimada. Talvez não fosse, no caso de Susan a aquisição da língua escrita uma boa prioridade diante da necessidade de estabelecimento de vínculos estáveis com outras crianças, tanto na escola como num hospital. O tema do limite de aceitação dos pais para a deficiência mental de um filho é difícil. Um pouco deste drama é documentado no vídeo Childrens of Darkness, que menciona as dificuldades que haviam na aceitação da humanidade dos pacientes. Consciência e pensamento são estruturas necessárias para o ensino da paz? O que haveria de ser pacificado em Susan? E no pai dela? Susan tinha sido diagnosticada por um pediatra como portadora de um retardo. Seu pai então a condicionou em um quarto. A descoberta desse fato fez com que uma Universidade se interessasse em pesquisar como foi tal solidão, qual a contribuição do retardo no desenvolvimento cognitivo de Susan, e o que foi determinado pelo isolamento extremo?, ou, também a dúvida se Susan se tornou impossibilitada de comunicação pelo próprio retardo ou pela experiência sociopata do pai. Tomografias computadorizadas, disponíveis na década de 1970 em imagens comparativas da estrutura cerebral de Susan com a de outras pessoas na idade dela demonstram que as interdigitações, as nervuras da massa cefálica, aquilo que nos parece labirintos e dobraduras, em Susan são muito menores, consideravelmente. A explicação biologicista seria a de que as interações sociais são de alguma forma responsáveis por experiências fisiológicas determinantes para o formato do cérebro com todas as consequências motoras que isso possa dar. Durante 13 anos, apenas ele, o Pai, podia entrar no quarto de Susan, e ela, não podia sair do quarto jamais. Quando resgatada pelas autoridades de pois de denúncia penal, ela foi internada em um hospital de psiquiatria infantil com séria desnutrição, e, incapaz de aprendizado. Durante 5 anos a Universidade tentou reverter os traumas da comunicação passíveis de serem revertidos pela educação, sem sucesso. A radical dislexia de Susan era caso de saúde, pois suas funções vitais foram encontradas graves. O pai de Susan, sabedor da chegada da polícia, se suicida na hora em que as autoridades batem em sua porta para levá-lo preso. Estes fatos, o suicídio do pai, o aprisionamento da filha e a mãe, que fica cega, além de todas as especulações sobre as certezas das posições realistas ou solipsistas na educação traz mais um ingrediente de nossa análise presente, a psicanálise, uma ciência desenvolvida para descrever os traumas da relação entre o pai e os filhos. 2. A perspectiva antropológica de um sujeito vítima de carcere domiciliar14 O texto desenvolvido pelos pesquisadores de Susan se chama “O desenvolvimento linguístico de Genie”. Genie era o termo aplicado à Susan, e significa a personagem mística que vive dentro de uma lâmpada, a espera de ser despertado com um toque de mãos humanas. A referência se deve às expectativas que se criaram sobre o momento em que Susan iria florescer como um gênio saindo da lâmpada. Uma tradução simples da figura em inglês seria: “(...) este estudo acompanha o desenvolvimento linguístico de Genie, uma adolescente que na maior parte de sua vida fora submetida a um grau de isolamento social e depravação experimental sem paralelo nos relatórios de investigações científicas. Neste caso, toca em questões de profundo interesse para Psicólogos, Filósofos e linguistas, incluindo a relação entre cognição e linguagem, a interdependência ou autonomia dos componentes da linguagem e das atitudes, as habilidades mentais, a língua íntima, os estágios universais propostos na aprendizagem de línguas; a idade crítica para a aquisição da linguagem e bases biológicas da linguagem.” Este é o texto conclusivo da equipe de pesquisadores que se dedicaram aos estudos e reabilitação de Susan Wiley, ligados à Universidade da Califórnia e ao Hospital Psiquiátrico infantil de Los Angeles, que recebia crianças de várias condições sociais e psíquicas, também crianças vítimas de abusos domésticos, violência doméstica. Crianças chegam com vários níveis de retardos, queimaduras, agressões, e de alguma forma a institucionalização era o serviço oferecido naquele momento histórico, na década de 1970. O Pesquisador que produziu a filmografia dos cuidados e da pesquisa sobre Susan foi David Rigler, e o documentário Footage of feral child é baseado no material produzido por ele, material de áudio e visuais criados durante os estudos lingüísticos-psicológico de Genie (Susan). O material mostra uma variedade de pesquisadores, professores, terapeutas e estudiosos que interagem com Genie. A filmagem de Rigler também 14 Os documentos estudados neste segundo tópico, sobre as perspectivas antropológicas do sujeito vítima de cárcere privado podem ser encontrados na internet. O termo “humanos cativos” é utilizado para designar os sujeitos vítimas deste tipo extremo de violência. Mais informações no site: http://captivehumans.com/susan-wiley/ documenta o comportamento de Genie durante sua reabilitação, a vida no lar adotivo, as fases de testes e atividades cotidianas. Alguns destes materiais, devido a formatos de vídeo e tecnologias obsoletas, ou a fragilidade dos meios de comunicação vão sendo distanciados das formas digitais, e também de segurança, uma vez que o acesso é restrito. O Estado norte-americano resolveu na década de 1990 recompor a imagem pública de Susan Wiley do rótulo de retardada, menina-fera, selvagem, e outros. A partir dos dados disponibilizados na internet podemos traçar alguns registro de acordo com os seguintes aspectos: –- as condições do cárcere –- o suicídio do pai –- a crise da pesquisa –- a Susan que nunca veio Em torno desses quatro assuntos separei algumas citações interessantes que pode ser recolhidas na internet. O Acervo completo permanece na biblioteca da Universidade da Califórnia. Muitos aspectos da pesquisa não estão disponíveis, nem no acervo tornado público, fatos que se referem à sexualidade de Susan, ou a dados mais precisos sobre os processos de adoção que ela viveu. Entre citações anônimas de internautas, em fóruns e sites que abordaram o caso de Susan, também nos apropriamos de trechos do texto conclusivo da junta de pesquisadores e transcrições de gravações de áudio dos principais pesquisadoresenvolvidos 2.1. As condições do Cárcere .O cativeiro de Susan foi em seu próprio quarto, em uma casa com dois quartos, sala, banheiro, garagem, quintal, um espaço pequeno, herança da família do pai de Susan: “A casa tinha dois quartos, era a herança de Clarck Wiley após a morte de sua mãe, Pérola, e ele não permitia que ninguém dormisse no quarto velho da mãe, em vez disso a família tinha que dormir em arranjos improvisados em outras partes da casa. Provavelmente nesse quarto era o cárcere de Susan”. Clark tinha sido dito algo ao longo das linhas que Susan era, talvez, fosse um pouco retardada e pode desenvolver-se lentamente e desenvolveram uma estranha compulsão que ela deve ser "protegida" do mundo exterior. A idéia de Clark de proteção era manter Susan fechada em seu quarto a maioria ou todo dia, e amarrada em uma camisa de força durante a noite. Ela também foi às vezes ou muitas vezes amarrada a uma cadeira e deixar assim durante horas, todos os dias, ou talvez até mesmo durante a noite. Susan ainda usava fraldas, não podia falar, foi alimentada com uma dieta precárias e seu crescimento foi atrofiado. Sua dieta incomum consistia em cereal quente, mel, leite e um ovo ocasional”. Relato de 18 de novembro de 1970, jornal Arcádia Tribunal “Foi relatado que, quando encontrada ela pesava 26 quilos e o tamanho correspondente ao de uma criança de 7 a 8 anos de idade. A partir de anos de confinamento, seus músculos não tinham desenvolvido normalmente, o que a levou a caminhar de uma maneira peculiar. Susan só agora está aprendendo que há outras pessoas no mundo, parecia uma menina de oito anos, subnutridas (25 quilos), estar ereto ela não podia, ela mal podia caminhar, A história profundamente triste vem à luz com sua mãe quase cega Irene em 1970, e com ela na idade de treze anos. A mãe com a filha fugiu da casa onde a família, mas especialmente Susan, é aterrorizada por seu pai Clark Wiley. O mentalmente perturbado Wiley convencido de que sua filha, que nasceu em 1957, é mentalmente retardada. Onde não há dúvida de que sua filha Susan Wiley foi tão desumanamente tratada com crueldade que, e, portanto, esta mentalmente severamente danificada. (…) O inferno. Wiley decidiu isolá-la do resto da família: mãe Irene e John de seis anos de idade, irmão mais velho. Foi trancada em uma sala escura, durante o dia, ela ficava nua em uma cadeira com uma panela debaixo para colher fezes e urina. À noite, ela ficava selada em uma cama com arame em um saco de dormir. Quando ela fazia barulho era espancada pelo pai. Não houve conversa com ela. Ela tinha comida para bebé. O Pai teve o cuidado de dar comida, às vezes filho John levava o alimento. Este último já foi muito aterrorizado por seu pai e estava com medo de falar com sua irmã. Não há som, nenhum movimento, comida para bebé. E por dez anos. As consequências foram desastrosas. Tudo isso aconteceu em Arcadia, Califórnia”. Serviço Social do Los Angeles “Irene estava quase cega, foi em busca de assistência pública para os cegos, trazendo Susan junto com ela. Uma versão afirma que um assistente social observou a criança andando e se comportando estranhamente, alertou seu próprio supervisor, que chamou a polícia. Uma segunda versão diz que fundo anormal de Susan não foi descoberto até um agente de um programa Estatal de visita social em 04 de novembro de 1970 desconfiar do comportamento dos entrevistados. Logo após, e sem uma verdadeira razão para a falta de 'naturalidade' para o cuidado da Susan, foram denunciados, tanto Clark e Irene, declarados acusados de abuso de criança”. Postagem de internauta em vlog sobre o caso "A casa estava completamente escura, todas as persianas estavam fechadas e não havia brinquedos, roupas, não há nada que indique que uma criança de qualquer idade tenha vivido lá. Quarto da criança era na parte de trás da casa com as janelas cobertas. O mobiliário do quarto consistiu de uma gaiola com uma tampa, e um penico com algum tipo de dispositivo de cintas caseiro." Investigadores da Polícia que foram à residência de Susan Novembro de 1970 2.2. O suicídio do Pai A consciência de que não conseguiria explicar sua atividade com a filha durante os últimos dez anos, ou um prosseguimento do delírio de proteção de sua filha, na prisão que fez pra ela, levaram Clark Wiley a cometer o suicídio; a imprensa noticiava o falecimento do Pai de Susan enquanto os carros policiais cercavam a casa-cativeiro "Pouco antes de ele se apresentar em tribunal para ser acusado de abuso infantil. Clark se deu um tiro e matou-se. E tinha 70 anos, e se matou em novembro 20 de 1970. O artigo também afirma que Sra Wiley é de 50 anos de idade. O julgamento contra Irene continuou até 15 de dezembro de 1970, quando o juiz Peter Smith, do Alhambra Municipal Tribunal, rejeitou as acusações contra ela. "Smith, ao recusar-se a enviar o caso ao Superior Tribunal para o julgamento disse que não havia nenhuma questão sobre o que aconteceu com essa criança".” Valley News “Ela fez movimentos estranhos e parecia severamente autista. Ela não podia mastigar, engolir era difícil. Ela cospe constantemente. Pouco tempo depois, ela foi internada no Hospital Infantil de Los Angeles para realizar exames. Ficou estabelecido contra os pais um processo, mas foi arquivado. A mãe Irene, foi absolvida. No dia do julgamento do pai, ao saber o veredicto ele disparou uma bala na cabeça. Ele deixou um bilhete que dizia: "O mundo nunca vai entender”.” Serviço Social do Los Angeles 2.3. A crise da Pesquisa O tempo entre o encontro do cativeiro, o recolhimento da criança e os primeiros cuidados foi curto, e o Estado norte-americano teve que lidar com a séria diferença entre o estudo científico de um ser humano em isolamento linguístico e a reabilitação e ressocialização; “Normalmente, as pessoas de saúde mental não estão envolvidas nestes tipos de papéis múltiplos, mas tenho de salientar o quão desesperada para nós foi para encontrar um lugar que fosse apropriado, e lembro-me de fazer o compromisso, em minha mente, por um período de três meses, o que obviamente foi prorrogado por muito mais tempo. E Susan Wiley permaneceu conosco em nossa casa por quatro anos.” David Rigler “O estudo decorreu de 1971 a 1975. Genie (Susan Wiley passou a ser apelidada de “Genie” para tentar manter sua privacidade) falava apenas sentenças de duas palavras, em seguida, três palavras. Em combinação com a linguagem de sinais, ela estava a pouco mais comunicativa. O Estado não estava satisfeito com a produção científica do projeto. Os Riglers (Casal de Pesquisadores, David e Marilyn que acolheram Susan em sua casa) terminaram sua custódia depois de quatro anos. Genie tinha 18 anos, e voltou para sua mãe (que agora tinha sido curada de sua cegueira com cirurgias). Mas Irene Wiley não podia cuidar de Genie. Genie, portanto, foi para outro lar adotivo. E suas crises começaram. Em 1977 ela entrou em outro lar adotivo. Dois anos depois, a história toma uma sequela triste; o desajuste crescente da filha fez Irene Wiley sustentar uma acusação contra a equipe de investigação. A privacidade de sua filha foi violada em sua opinião, os pesquisadores tiveram o seu próprio desejo de fama científica, e deixaram prevalecer sobre os interesses de Susan. Irene exigiu meio milhão de dólares. Apenas em 1992 terminou o processo com o indeferimento da ação judicial. Para a mãe, Susan havia sido testada, examinada à exaustão. “Os cientistas têm sido muito ansiosos!”.” Postagem de blog sobre o caso na internet “Susan Genie foi colocada como uma filha adotiva na casa de David e Marilyn Rigler, em 1971. David era um psicólogo do Hospital Infantil, e Marilyn era um estudante de pós-graduação em desenvolvimento humano, que se tornaria o primeiro professor de Genie. Havia nos círculos de estudos do Desenvolvimento humano psicólogos, neurocientistas, linguistas, etc. a emoção necessáriasurgiu sobre Susan! Consideravam- na como uma "criança lobo"; uma criança que creceu sem interagir com as pessoas. No fundo a discussão ainda em curso é sobre se a língua é uma questão de construção (Chomsky) ou de aprendizagem.” Postagem de blog sobre o caso na internet “O caso de Susan Wiley foi tão importante para a ciência de que o Governo dos EUA financiou uma equipe para ajudar a responder às muitas perguntas colocadas. Os dois cientistas primeiro na cena que se tornariam especialmente significativo na vida de Genie foram psicólogo infantil Dr. James Kent e linguista Susan Curtiss. Nenhum especialista havia encontrado negligência tão extrema como a realizada por Clark Wiley para com sua filha. Durante 13 anos, ela tinha sofrido privação sensorial e social grave em um quarto. Genie era tão sem contato humano, como se tivesse crescido em estado selvagem. A adolescente era do tamanho de uma criança de seis anos e, pior de tudo, ela nunca tinha sido ensinado a falar. A questão agora, ela iria aprender? O estudo sobre Susan foi um problema difícil, porque simplesmente não se pode fazer experimentos com crianças normais sobre a condição de cárcere. Os cientistas estão dependentes do surgimento de casos tristes como o de Susan Wiley, ou outros de crianças submetidas à extrema violência para entender os sujeitos envolvidos, pois a violência doméstica é um fenômeno social complexo para se padronizar e criar expectativas de comprovações teóricas e práticas. E a probabilidade de fama científica? Muito grande naquela época para quem descobrisse o segredo da mente da nova menina-lobo. Mas pesou também a compaixão por um ser humano encontrado em tais condições. Havia tanto a compaixão quanto a ambição por parte dos cientistas, Genie era a “ambição de pesquisa”, das descobertas sobre o ser humano no limite; ciências e dinheiro integrados em um projeto de pesquisa do Hospital das Crianças, que foi financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental.” Postagem de blog sobre o caso na internet 2.4. A Susan que nunca veio O pai de Susan, que tinha um histórico de sofrimento emocional, e participação na morte de dois filhos, não encontrou alento na vinda de sua filha, que era uma criança escpecial, para ele, Susan não veio como um ser normal. Os pesquisadores que a acolheram imaginaram que de dentro de Susan sairia um novo ser humano redimido e linguístico, capaz de no mínimo falar sobre sua experiência tão traumática, ou se reconhecer a si mesmo, falar como um ser que possui um para-si. E para seus médicos e pesquisadores, Susan não veio também. Parecia não sair nunca da trama de silêncio e dor que marcou sua vida por mais de uma década. 2.4.1. A Susan que veio “Ela foi mantida isolada em um quarto trancado; em uma cama cercada por fios à noite e amarrada a uma cadeira pelo dia. Ela não podia andar normalmente, não podia falar e teve reações anormais, tais como a incapacidade de mastigar os alimentos, o silêncio compulsivo e comportamento sexual inadequado. Seu nanismo quando retirada do cativeiro (25 quilos), seu crescimento conturbado, ela nunca frequentou a escola, ela nunca aprendeu a falar. Ela foi encontrada em 1970, com 13 anos, seus pais foram acusados, e seu pai cometeu suicídio. Seu caso foi notável e emocionante”. Postagem anônima na internet “O nome é Caso Genie. Este não é o nome verdadeiro da pessoa, mas quando pensamos sobre o que é um gênio, um gênio é uma criatura que sai de uma lâmpada, emerge na sociedade humana. Nós assumimos que realmente não era uma criatura que teve uma infância humana. Genie tinha uma postura fixa das mãos, com as palmas sempre escondidas, como um pé de coelho estranho, e outras características quase des-humanas, não-humanas. Genie constantemente cuspia. Ela cheirava muito as coisas e arranhava. Ela mal falava ou fazia qualquer barulho. As indicações são de que ela foi espancada por fazer barulho e, consequentemente, tinha aprendido, basicamente, para não vocalizar. E ela realmente não vocalizava. Quando eu a conheci, ela estava em silêncio a maior parte do tempo. Susan Curtiss 2.4.2. Irene e Clark Wiley “Clark Wiley e Irene Oglesby casaram-se no Condado de Los Angeles, em 28 de setembro de 1944. Segundo muitos comentários dos leitores em vlogs e sites sobre o ocorrido com Susan, Clark Wiley não gostava de crianças, e tinha participado da morte de seus dois primeiros filhos, ambos mortos no primeiro ano de vida. Durante todo seu casamento, Clark impôs sua vontade sobre Irene. Perto da cegueira, com catarata, Irene teve muito medo. Clark e Irene tiveram quatro filhos no total, mas os dois primeiros tinham morrido nas mãos de Clark. Seu primeiro filho Dorothy nasceu 1948 desenvolveu algum tipo de doença típica da infância, então Clark a envolveu em uma manta e colocou-a na gaveta de uma cômoda na garagem. A criança morreu. O segundo filho, Robert nasceu no início de 1949 e morreu em 17 de setembro de 1949 "engasgada com suas próprias muco", como foi relatado. Quando terceiro filho John nasceu em 1952. A mãe de Clark, Pérola Wiley acreditando que o filho Clark era desequilibrado, levou John a viver com ela. Dois anos mais tarde, em 29 de dezembro de 1958, enquanto Pérola e John estavam passeando, a avó e o neto sofreram um atropelamento, e Perola foi morta por uma caminhonete desgovernada que a arrastou pela rua. Isso enviou Clark ainda mais ao fundo do poço. Ele culpou seu filho John para a morte de sua Pérola amada mãe. Enquanto isso, Clark e Irene tiveram sua quarta e última criança Susan M Wiley, em 1957.” Postagem de blog sobre o caso na internet 2.4.3. Pessoas estranhas “A família foi descrita como "pessoas estranhas", outros disseram "Eles nunca foram em qualquer lugar, e nunca levaram as crianças em qualquer lugar, eles nunca falam com ninguém. Às vezes vemos a criança sentada na varanda, como um fantasma de hospital psiquiátrico. Entendemos que ela era mentalmente retardada." Irene e John afirmaram em várias ocasiões que eles estavam apavorados com Clark, o pai da família, e seu comportamento bizarro. John Wiley, irmão da menina apreendida pela polícia relatou que muitas vezes se sentou no colo do pai enquanto este segurava uma arma.” Relato de 16 de dezembro de 1970, jornal Arcadia Tribune 2.3.4. Nascer para o cotidiano simbolizado e simbolizável como intuição educativa “Nós realmente não sabiamos o que esperar, exceto que Genie necessitaria uma grande quantidade de ajuda. E por outro lado, foi muito emocionante sentir que talvez pudéssemos ajudá-la, e talvez ela pudesse ser reabilitada. O novo papel como pais adotivos de Genie, foi o de ser subitamente responsável por uma criança que precisava de supervisão em tempo integral. Também responsabilidade de terapia de Genie, tenta ajudá- la a lidar com o horror de sua infância. E veio um momento em que ela poderia dizer, "tempo difícil", e, por vezes, ela podia dizer o grau de como ela estava chateada ao acenar um dedo, o que significava que ela estava muito chateada, ou tipo de acenando com a mão que significava que ela estava chateada, mas não ia ser um grande negócio. Isso era algo que eu estava preocupada: com o fato de que não pretendia tê-la para sempre, mas acolhê- la durante a pesquisa. E isso era algo que falamos muito ativamente. E finalmente, decidimos que, se pudéssemos dar-lhe um bom lar com muito amor e reabilitação dentro dessa casa, carinho, guarda, e as coisas boas, que lhe daria a capacidade de lidar em algum momento posterior, de modo que ela teria uma boa base e um lar estável, e este foi o nosso raciocínio.” Marilyn Rigler .3. A reflexão no século XXI: das tramas imagéticas à virtualidade das soluções O grande êxito da pesquisa sobre Susan realizada pela Universidade da Califórnia foi o grande conjunto de documentos, dos mais diversos
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