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O Livro Pequeno do Humanismo

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O Livro 
Pequeno do 
Humanismo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RAMOS, David José Gonçalves. O Livro 
Pequeno do Humanismo. Belo Horizonte: 
Movimento Tabuleiro, 2021 
 
 
 
 
 
 
 
Dentro de mim você está morrendo todos os dias 01 
A Educação no Contexto Familiar de Extrema Violência: 
Reflexões a partir do cinema sobre Susan Wiley1 
10 
MISÉRIA 37 
Crime e Castigo de Sternberg: 
A beleza e a bondade na redenção de um homicida 
40 
Pedagogia da Ficção 43 
Conhecimento Biológico e Consciência Crítica 53 
Um breve diálogo entre Jacques Lacan e Robert Bradom 
a respeito da Intencionalidade Humana 
60 
Parentalidade, Conjugalidade e Filiação 66 
Afro Samurai: Violência e Cultura mundial (1999) 75 
Fracasso Infinito 86 
O Talaricado Profissional de Dom Tierro 96 
Paradigma do Heroísmo no Brasil: A Pequena Liga de Super-
Heróis de Sabará 
114 
Ostrogordo 140 
Ostrogordo II 156 
Dentro de mim você está 
morrendo todos os dias 
 
 
David José Gonçalves Ramos 
 
 
 
 
Introdução: 
 
O elefante está no centro da sala. Você é o sal da terra. Você tem o direito de emitir sua opinião? 
Claro, se você vive em uma democracia, se as pessoas preservam a lei e o próprio direito de 
eleger seus representantes. Ainda existem leis e processos criados no tempo do Regime Militar, no 
tempo dos Generais na Presidência da República. Não tenho muita coisa para dizer, pois não vivi 
aquele tempo, e nunca li nada a respeito, na escola não me ensinaram nada sobre isso, então não 
posso opinar. Chegou até as minhas mãos a liberdade, nem lutei por ela, ela me veio, quando me 
percebi como gente eu estava livre. Gosto da opinião de meus inimigos sobre mim. Os absurdos! 
Tirando os absurdos, há verdade. Não vou transitar em linguagem escatológica, em dívidas 
messiânicas (que Deus contraiu com seu povo). Como podemos analisar as trocas de acusações 
que acontecem em brigas nos relacionamentos amorosos? Como identificar a descoberta da 
verdade pelo método científico? A verdade resiste ao sujeito? O elefante no meio da sala se move, 
urina nos móveis, urra com aquela tromba, quebra os quadros das paredes com a cabeça, o 
elefante fica excitado e um jorro de sêmen é lançado pela casa. O que? Era piada, cara. Calma. A 
questão do elefante, e tals. Eu precisava conversar, e iniciei o assunto de uma forma pitoresca. 
Trata-se de uma reflexão sobre o passado, sobre o passado mental, sobre o conteúdo da memória, 
que remete aos seres humanos perigosos que trouxemos para nossas vidas. Os convites para 
assassinos, estelionatários, falsários, mentirosos, cruéis, aquele convite sem advertência. Coloque 
as três pessoas envolvidas em uma traição em salas diferentes, incomunicáveis, e faça as mesmas 
perguntas para elas. Escolha boas perguntas, e faça essas perguntas para as três pessoas 
separadamente. Ei, vai lá, faça as mesmas perguntas para cada um deles, observe as respostas. 
Faça as malditas perguntas, cara, e veja as respostas, e analise a diferença e a exatidão entre 
elas. É uma conta simples: uma traição tem três partes, ontologicamente. Você pensa em colher 
essas palavras? Foi por isso que eu fiquei sozinha todo esse tempo. Todo esse fuking tempo eu 
procurei terminar meus estudos, sozinha, sem sexo inclusive. Chorando a noite inteira por 
semanas. Com o rosto tranquilo durante o dia, meu trabalho não foi paralisado pela pandemia, e eu 
tinha que sorrir. Trabalhei todos esses meses sem poder deixar de fingir. Tudo isso foi antes de 
meu irmão sofrer o acidente, e sobre esse fato trágico falarei mais ao final desse texto. Inicialmente 
vou transcrever um pouco dos diálogos iniciais do que se configurou mais tarde como um 
acontecimento revelador, e ao mesmo tempo decisivo em minha vida, em minha existência. 
 
Essas são as palavras iniciais: 
 
Os dias que se seguem após a leitura de um livro bom são de respiração mais fina 
Os aparelhos celulares foram levados para serem estudados, 
E os corpos foram para o IML 
Retirar informação das pedras, Moisés bateu sua bengala nas pedras e elas falaram 
Você é um elo que tenho hoje com a pessoa que eu já fui um dia 
Era assim mesmo? A preparação para o jogo da sexta-feira não foi feita 
Os jogadores estavam de greve moço! 
É. Ficamos no portão até que deu as horas, e fomos embora 
Fato que ocorreu pela primeira vez quando estivemos nos olhando no espelho 
 
Você não era o cara do perdão, a pessoa do perdão você não era. 
Você queria sempre reparação. Para cada erro precisava de presentes 
Não era uma relação gratuita de amor, era um jogo de pagar o erro com a raiva 
No fundo era só um homem bonito ainda impressionado com a boa música dos anos 80 
 
Tinha aquele bom gosto para tantas coisas que faz supor comportamentos justos e sinceros 
Porém a convivência era conviver com muitas embalagens, tudo muito embaladinho 
A minha pretensão romântica foi fazer o bem melhor, aquela proteção para todos os mundos 
Qualquer invasão de pensamento e descontrole das contas 
Coisa simples, para dias simples. Mas durante as tempestades era o derretimento do caráter 
 
Se você viesse sem os véus que cobriam sua natureza eu não teria estado contido nem o minuto 
da fala pelas horas. Ao me perguntar as horas naquela tarde já era uma das tuas personagens 
internas na maquina de fazer mistérios sensuais que você é. 
 
Eu estou pensando em você, quando você vai até o espelho, eu sei, você olha seu próprio rosto, 
você diz que ainda está bem jovem. Você disse que participou de tudo, que tudo em tua vida você 
conseguiu com esforço desde criança. Você diz. 
 
Voce é a mulher virtuosa, visão de pluralidade, inflexível na hora de formar suas convicções. Era 
onde eu quebrava teu ritmo. Para que eu pudesse sobreviver, eu quebrava teu ritmo, aquele ritmo 
doente, aquele exagero, você me dizendo que me amava, e agindo ao contrário. É preciso medir --- 
minha pretensão romântica, era fazer o bem, o melhor, só que eu não me investigava. Não, não 
era mesmo assim. Você se olhava no espelho com o véu na cabeça. Naquele quarto desprovido de 
móveis. Quarto de defunto às quatro horas da tarde, o sol bêbado e maravilhoso entrando 
silencioso na ensolarada tarde tropical pela janela, ventando a brisa quente debaixo do abacateiro 
de tua casa, e você se olhando no espelho, buscando defeitos no próprio rosto, e não encontra 
nada! 
 
 
Todos nós estamos vendo a violência contra as mulheres aumentando. No século XXI, de 2000 a 
2020 foram mais de 600 mil mulheres assassinadas em situações domésticas de violência 
somando os mais de 5 mil municípios brasileiros, 600 mil mulheres mortas pelo. É o mesmo 
contingente de um grande exército. Um grande exército foi dizimado em 20 anos nas mais diversas 
situações, em geral na própria residência, na própria cama, esposas, mães, filhas, netas, 
sobrinhas, afilhadas, avós, sogras, noras, cunhadas, namoradas, amantes, conhecidas, basta o 
vinculo com o agressor e temos o feminicídio, aqueles corpos de mulheres, muitas vezes mutilados 
com facão, a arma mais comum. Eu queria ter forjado as estatísticas --- disse a Orientadora. 
Aquela Tese de Doutorado sobre a violência doméstica estava sem lugar ali. Estava sendo 
impactante resolver aquela situação. O auditório cheio de estudantes de Pós-Graduação, membros 
da Reitoria vieram ver, e aquela cena se armou. A Doutoranda se apresentou às 9:00hs como 
estava combinado para a defesa do trabalho de pesquisa em Psicologia. Mas, algo estava mudado 
no trabalho dela. A Orientadora da Tese estava em apuros, estava vermelhinha, era daquelas 
mulheres brancas que ficam vermelhinhas quando ficam nervosas, sabe? 
--- Sim. Eu tive uma amiga assim. --- respondi e continuei a comer o meu lanche: um misto quente 
de presunto e mussarela, tomando o refrigerante de maçã. Resolvi não comentar, resolvi não falar 
nada, apenas escutar. Era uma tarde linda,estávamos na Praça da Liberdade em Belo Horizonte, 
um lugar repleto de Palmeiras Imperiais plantadas pelo próprio Imperador do Brasil Dom Pedro II, 
vivas e lindas até hoje quase 130 anos depois. 
--- O teu café deve estar frio. Você nem tocou nele. --- ela me disse. Olhei para ela, aqueles olhos. 
Eu não sentia nada, te juro. Era só trama de pensamentos, só a mente maquinando, só os 
pensamentos ruins chegando sem pedir licença, até que uma voz gritou dentro de mim, me 
perguntando: --- “que horas você vai matar essa mulher?”. Eu me calei fundo. Era o pior 
pensamento que eu podia ter, era pensamento de ódio, gente ruim pensa nessas coisas todos os 
dias, todas as horas, e eu? Aquilo me veio, eu senti raiva daquela mulher na minha frente, ela 
estava falando exatamente sobre isso, sobre a defesa de tese da colega dela, eu fiquei 
assombrada com minhas ideias de violência, era anormal, aquilo em mim era anormal, eu olhai 
para a xicara de café, realmente tinha parado de lançar fumaça, lançar calor no mundo. Aquele 
café frio era melhor do que eu, melhor do que minha existência. Mas, eu queria afastar essas 
ideias, achar a razão da minha raiva sobre o que ela estava falando, ela falava sem parar, parecia 
que tinha ganhado alguma coisa com a amiga defendendo uma tese de doutorado em uma 
universidade particular da esquina. Eu não estava me reconhecendo, juro. Era um mau dia, era um 
dia ruim --- pensei. Mastiguei o que tinha abocanhado do misto quente, como a alma de criança em 
mim ainda estava viva deixei nos dentes a mussarela derretida como um chiclete fui esticando, abri 
um sorriso, eu estava passando por tudo aquilo, mas, alguma alegria de coisas simples sempre há. 
Basta mapear o mundo próximo. É como beber um copo de água bem lentamente, entende? 
--- Vai tomar o café frio assim mesmo? Uau, há há há, há. --- ela riu, tinha dentes perfeitos, 
perfeitos. 
--- Vou. Não me incomodo. O lanche estava bom, o café é só um aperitivo. Mas me diga, você 
atropelou o cachorro? --- perguntei, joguei a pergunta, olhei discretamente o relógio no braço 
esquerdo. Mais cinco minutos ainda. 
--- Não, eu desviei a moto. Mas eu voltei e mandei o dono do cachorro tomar no cú! Eu xinguei ele 
inteiro! Como pode abrir a garagem de uma vez e deixar o cachorro correr para a rua feito louco. 
Era pra servir de exemplo. Fiquei tão nervosa que tive de fumar um cigarro. --- ela disse. Então ela 
olhou para mim e falou: 
--- Por que você quer me matar? 
 
Era uma pergunta seca. Uma pergunta com vários sentidos. Eu dei de ombro. Era algo que uma 
mulher fala para outra as vezes. 
--- É uma coisa que uma mulher fala para outra as vezes, de brincadeira. 
--- Eu li teus pensamentos, eu sei o que você pensou a poucos segundos atrás que queria me 
matar, e depois ficou mudando de assunto para afastar o pensamento assassino. Não foi 
brincadeira. 
--- Você lê pensamentos? Mas que exótico! --- fui completamente irônica, deu para perceber? Eu 
estava zoando aquela maluca. Ler pensamentos? Isso é improvável e impossível. Me deu mais 
raiva dela ainda. 
--- Sim, eu leio pensamentos. --- ela disse. Falou com a boca cheia de um sorriso de sarcasmo, 
mas isso foi o suficiente. 
--- Olha, eu vou terminar nosso namoro. Não estou me sentido bem com você mais. Foi bom. Mas 
eu quero terminar agora. --- Isso saiu de mim, eu falei isso em um segundo de distração. Escapuliu. 
O rosto dela foi se transformando, de sorriso virou máscara de guerra em alguns segundos. Eu 
sabia o que estava por vir, eu sentia a violência brotando nela. Ela bufou feito um touro bravo. Eu 
estava esperando por aquilo, ah se estava! 
 
 
1. Grandes livros de Humanismo e Pequenos Livros de Humanismo 
 
Choveu forte naquele dia, esquecemos a briga, fomos para uma biblioteca, nos tempos da 
Pandemia de covid19 agendávamos a biblioteca, a Biblioteca Municipal recebia apenas 50 pessoas 
por dia, cada visitante tinha direito a 4 horas entre os livros. Chegamos, deixamos os guarda-
chuvas na entrada, um saguão enorme, poucos atendentes, o símbolo do Comunismo pregado na 
parede, ao lado de um Crucifixo cristão e de um símbolo da Umbanda. Era preciso representar 
todas as ideologias, era necessária essa aglomeração de ideologia, os símbolos na parede, era 
uma prova da inteligência humana em buscar saídas. As pessoas entravam e olhavam os símbolos 
artisticamente representados em imensas esculturas fixadas no alto do saguão da entrada da 
Biblioteca Municipal de Belo Horizonte. Todas as ideologias devem ser admitidas como recursos 
mentais humanos gastos em descobertas e soluções humanas, todas! 
--- Menos a Extrema-Direita --- respondi. Sabia que isso poderia provocar outra briga. Estávamos 
brigando demais, todo o tempo, em ciclos de brigas, por pequenas e médias razões. 
--- Você devia fumar menos roconha. Conheço teu discurso de „erva natural‟. Você chapada e 
dividida. Usa óculos escuro dentro da Biblioteca Municipal para esconder os olhos tremendamente 
avermelhados. E mentalmente você volta por instantes à adolescência perdida. Que gracinha! --- 
ela disse. Sem a mínima ética, sem o mínimo humanismo. Ser desumano, ela tinha ficado. Não me 
incomodei. Ajeitei os óculos escusos e fui para a estante de filosofia, ver alguma novidade da 
Filosofia da Ética. Me refugiar com algumas frases. 
 
 
2. O momento de maior tensão e tesão 
 
Agora é o momento de falar sobre o que aconteceu com meu irmão, vamos aos fatos: pensando 
que todos nós podemos morrer em qualquer luta, pensando que acontecimentos aleatórios podem 
envolver a morte de seres humanos, levando em conta que a vida é breve mas há um enorme 
investimento de dinheiro e de tempo para levar um ser humano à idade adulta, levando-se em 
conta todas essas eu estava explicando para ela que não havia mais a possibilidade de nos 
relacionarmos. Não era possível. 
--- mas por que você não quer mais? --- ela perguntou 
--- a medida protetiva é só um papel. Você é uma mulher agressiva e violenta. É por isso --- eu 
respondi. Eu estava com as mensagens de ameaças que ela tinha escrito, estavam em minha 
bolsa, eu reuni todos eles e estava disposta a jogar na cara dela com fúria. Aquelas palavras 
medonhas que ela escreveu para mim. No começo eu tive medo, mas depois comecei a sofrer com 
aquilo, 
--- me dê mais alguma chance. Me dê uma chance, me ajuda, eu te amo, fica comigo, por favor! --- 
ela disse. Chorava, não sabia se a justiça seria feita, dentro de mim eu já não sabia se amor se 
paga com amor. 
--- seria a morte. A morte está nos rondando, você não percebe? --- eu disse. Eu estava aflita 
naquela conversa. Combinamos um restaurante no centro da cidade, um lugar onde eu estivesse 
segura. E exatamente no momento em que estava dizendo aquilo, estava terminando mais uma 
vez, pela milésima vez eu estava terminando aquele relacionamento, que na verdade nem existia. 
Eu já tinha dito tantas vezes a ela. Nada na minha vida deu certo enquanto estávamos juntas, você 
sabe --- eu disse. Estava me sentindo cansada, era como se ela estivesse sugando minha energia, 
seus olhos verdes, seu nariz perfeito, era uma mulher linda, estava tentando segurar minhas mãos, 
me olhando com aqueles enormes olhos verdes lindos, aquela boca maravilhosa, me pedindo para 
reatarmos o relacionamento. Eu sofria por dentro, pois estaria fazendo outras coisas, mas estava 
esperando um alivio, esperando que fosse a última vez. Minha sensação era a de que aquela 
realidade se tornaria insuportável. Pois foi exatamente naquele momento daquela conversa que 
meu celular tocou. Não dei atenção, mas continuou tocando o insistente celular dentro da bolsa. Eu 
acho que minha mãe tinha educado a gente para ser submissos, eu e meu irmão. Eu me sentia 
submissa completamente. Naquele momento o celular tocou. Ela ficou nervosa imediatamente: 
--- sua nova namoradinha?! --- ela disse. Transformou instantaneamente os belíssimos olhos 
verdesem duas chamas com ódio, me olhando com fúria. Mas eu já comecei a ficar angustiada 
com aquilo, o celular tocava, eu nem sabia quem poderia ser, e já sentia o peso da culpa que 
aqueles olhos verdes, outrora muito amados, lançavam com fúria. Ela era uma mulher linda, mas 
quando ficava com raiva se transformava em um bicho feio do mato. 
--- atende essa merda logo! --- ela ordenou. Como um robô eu abri nervosa a bolsa e puxei como 
uma autômata o celular. 
--- toma logo esse café frio, sua vaca! --- ela ordenou gritando, as pessoas na lanchonete se 
voltaram para nós, para ver aquela baixaria, seria mais uma de centenas que eu vivi ao lado 
daquela mulher, outrora muito amável. Vamos fingir que nada aconteceu de novo? Ela dava ordens 
diferentes, mandava eu fazer coisas, tomar o café, calar a boca, eu peguei o celular, tremendo, ela 
me olhando com fúria, não adiantava mentir, não adiantava nada. Ela vinha como uma locomotiva 
de setecentas mil toneladas, e sabia ferir com as palavras. Eu peguei o celular tremendo, minha 
mente cheia de lágrimas de angustia, queria sumir, queria que tudo acabasse ali. A gente encontra 
uma pessoa para amar, depois de tanto sonho, depois de tanto amar, de tanto sonhar, e quando a 
gente encontra esse amor a gente se entrega. Eu tinha encontrado amor do lado daquela mulher, 
eu tinha amado aquela mulher. De repente tudo parecia um golpe, ela queria se encontrar comigo, 
ela queria reatar o relacionamento, depois de tantas brigas e ofensas, e de tantas agressões. 
Atendi o celular, ela me fritava com os olhos, verdes furiosos, a boca cheia de palavrões, eu tinha 
medo de apanhar dela, sempre tive, pois eu não conseguiria reagir. Eu a amava. Mas isso foi antes 
de tantas decepções, tantas escaladas de gritos. Tensão nervosa, duas mulheres juntas e durante 
a menstruação sempre azeda que ela tinha era mais o sofrimento. E eu a amava. Até então. Eu 
tinha brigado com minha família por causa dela, tinha saído de casa, minha família não aceitava. 
Meu irmão e minha mãe não aceitaram, meu pai, coitado, nunca aceitou. Mas eu a amava e vim 
com ela para longe, pelo amor. E agora era isso, aquela angustia de estar sob pressão dentro de 
uma lanchonete cheia de pessoas. Algumas estavam com pena de mim, eu sei, pois era nítida a 
violência verbal que eu estava sendo vítima. 
--- atende logo essa bosta menina, agora! --- ela gritou, os olhos verdes de esmeralda quase 
saíram das órbitas, a testa completamente enrugada. A cara de uma onça com ódio. Eu cedi, 
aceitei a ligação, coloquei o celular perto do ouvido, uma lágrima de medo desceu em meu rosto, 
eu sabia que iria apanha dela, ela estava furiosa, estava monstruosa de ciúmes e loucura. Eu me 
sentia caída no chão. Segurei o telefone, atendi a ligação, era minha mãe! Tapei a boca para evitar 
um gemido de desespero. 
--- mãe! --- eu disse, segurando as lágrimas, que bom, que difícil! Minha mãe não falava comigo há 
três anos, desde o dia que meu pai morreu. Eu já morava na capital, já tinha saído de casa, ele 
nunca aceitou mina sexualidade, nunca aceitou meu relacionamento, sempre sofreu, adoeceu, teve 
um derrame cerebral, ficou em estado vegetativo. Minha mãe julgou que eu tive culpa no 
adoecimento emocional de meu pai e se afastou de mim. A agora era aquela ligação assim do 
nada! 
--- essa puta que é tua mãe! --- ela disse com birra e rancor. --- manda ela tomar no cú, desliga 
essa porra de telefone celular e volta aqui pra nossa conversa! pra gente conversar que eu vou te 
dizer o que você vai fazer! Você vai voltar comigo, nós vamos voltar nossa relação e sermos 
felizes, você não vai estragar minha felicidade! Está escutando vaquinha burra! Está escutando? --- 
ela ia falando rápido, gritandof, eu estava cada vez mais nervosa, queria escutar minha mãe falar, 
não estava conseguindo escutar minha mãe falando, aquela mulher gritava comigo com aqueles 
olhos verdes arregalados, gritava pra eu desligar o telefone, me obrigada a xingar minha mãe, a 
insultar. Eu não estava aguentando mais, sentia que teria um colapso. Comecei a suar frio, quando 
um garçom veio até nossa mesa pedir que ela parasse com os gritos eu me levantei e corri para 
fora do estabelecimento. Deixei minha mochila, minha bolsa e meus livros para trás e corri. Corri e 
chorei, corri dela, corri como louca, não sei se ela veio atrás de mim, corri. Depois de correr muito e 
me perder na malha de prédios e ruas do centro de Belo Horizonte, me sentei debaixo de uma 
árvore e chorei muito. Sim, eu iria voltar o namoro com ela, eu aceito. Eu não aguento essa 
pressão. Vamos tentar de novo, essa é a sina da minha vida. Eu a amo, ela é linda, eu aceito todo 
esculacho, eu aceito ser o objeto dela. Eu não aguento a pressão. Vou bloquear o numero de 
telefone da minha mãe, vou me levantar e voltar ao restaurante --- eu pensei. Era o melhor. Parei 
de chorar, me senti até melhor. Me levantei, enxuguei as lágrimas e caminhei de volta ao 
restaurante. Meu Deus, tomada que ela esteja lá, tomara que ela me perdoe, tomara que não me 
bata, que fique boazinha --- eu pensei. Já não sentia que eu tinha auto estima, ou amor próprio, 
depois de alguns anos de relacionamento ela dominou minha vida, meu dinheiro era para ela 
gerenciar nossas economias, meu tempo era para ela, eu era a empregada de nossa casa, eu 
trabalhava fora e voltava para fazer as limpezas antes dela chegar. Eu era o bichinho dela, era 
propriedade dela, ela me vestia, ela escolhia as minhas roupas, ela me ensinava as coisas do 
mundo, ela parecia saber de tudo, ela tinha sempre respostas, ela era forte, e era muito ciumenta. 
Acho que era esse o defeito maior, ela não vencia o ciúme. Uma vez ela me surrou com socos nas 
costas e na barriga pelo jeito amável que tratei o entregador de pizza, ela tinha estragado muitos 
momentos especiais por causa dos ciúmes, ela me amava demais, ela dizia. Ela dizia que por mim 
matava e morria, que eu era tudo para ela que eu era todas as coisas na vida dela, eu era a filha 
dela, a mulher, a amante, a esposa, a irmã, a amiga, a parceira, ela me dizia isso. Ela me dizia que 
me amava. Quando ela era carinhosa comigo ela me chamava de coração, e me tratava bem, 
cuidava de mim, cuidava dos meus cabelos --- eu fui pensando nisso, cheguei até o restaurante de 
onde fugi. Entrei com vergonha. Eu era apenas uma menina de 27 anos mesmo. Como poderia ser 
diferente. Quando cheguei no restaurante ela já não estava, já tinha saído. Furiosa, com certeza. 
Louca de ódio. Hoje a noite eu apanharia, e depois ela faria amor comigo com fúria, transariamos 
com volúpia e violência, ela misturaria raiva com amor novamente, e eu sentiria o peso de suas 
mãos e de seus beijos. Era minha obrigação voltar até nosso apartamento, pedir desculpas, ela me 
trataria muito mal, ela me tratará muito mal! Mas eu mereço, sou uma idiota! --- eu acho mesmo 
que se não houver alguém me controlando minha vida será cheia de erros. Eu não presto mesmo, 
me sinto mal por dentro. Fiquei ali na lanchonete imaginando que ela voltaria, que estava me 
procurando. Fiquei quase duas horas ali, e nada dela voltar. Agora fiquei com medo. Acho que ela 
estava muito furiosa. De repente o celular toca. Achei que era minha mãe retomando a ligação que 
interrompi bruscamente. Mas não era minha mãe. Era ela. Me xingou, estava brava, mas me daria 
uma chance. Estava exigindo que eu fosse ao nosso apartamento imediatamente, ela estava lá me 
esperando para conversarmos. Desliguei o telefone, a angustia voltou gigante. Seria mais uma 
tarde e noite de brigas. Eu merecia todo aquele inferno, eu era uma mulher lixo de ser humano! --- 
isso ela me disse várias vezes. Fiquei um tempo sentada, sentindo o peito arder, o coração 
disparado. Eu estava mentalmente cansada. E não pude nem falar com minha mãe. O que minha 
mãe queria comigo? Por que tinha me ligado assim depois de tantos anos? 
 
 
 
 
3. Características da despedidaútil 
 
Deixei tudo para trás. Alguma coisa me disse que se eu retornasse ao aparentemente não viveria. 
Resolvi caminhar. Sem bolsa, sem documentos, fui caminhando, e caminhando. Resolvi buscar 
ajuda, caminhei muitos quilômetros, sem poder buscar ajuda, dormi na praça, caminhei, fui 
caminhando, e acabei chegando ao limite da cidade, e era apenas estradas e matos, eu estava 
acabada de tanto chorar, meus cabelos bagunçados, eu estava toda suada e mijada, eu estava 
com fome e cansada, mas eu estava com medo de morrer. Sim, era medo de morrer, era forte. No 
Brasil a cada 24 horas são dezenas de feminicídio, e hoje era a minha vez, eu sentia, era uma 
sensação tão exata como a sensação das horas do dia. Escureceu, eu caminhei no acostamento 
da rodovia, fui andando, favela, periferia, favela, periferia, favela e mato, depois mato, depois 
silêncio e rodovia, caminhões, grilos, rodovia, meus pés começaram a sangrar, era noite escura e 
eu continuei caminhando, foi quando cheguei no viaduto, um viaduto sobre um rio. Um rio grosso e 
fedorento. Resolvi pular lá dentro, e pulei. 
A Educação no Contexto Familiar de Extrema Violência:
Reflexões a partir do cinema sobre Susan Wiley1
David José Gonçalves Ramos2
Resumo:
Crianças extremamente negligenciadas no contexto do cárcere privado de seres humanos
é representação de níveis altos de degradação do Ethos, e o caso de Susan Wiley é
representativo tanto da complexa teia de fatores familiares que estabelecem tal vínculo
violento, quanto pelos questionamentos profundos da prática científica. Entretanto um
certo cinema foi realizado, o que atualiza a necessidade de reflexões sobre a abordagem
antropológica deste fenômeno, cativeiro humano, e sobre o alcance teórico dos modelos
epistemológicos.
Abstract: 
Extremely neglected children in the home prison context in human beings is representation
of high levels of Ethos degradation, and the case of Susan Wiley is representative of both
the complex web of family factors that establish the violent relationship, as the deep
questions of scientific practice. However some filming (footage) was done, which updates
the need for reflections on the anthropological approach of this phenomenon, human
captivity, and the theoretical spectrum of epistemological models.
Palavras chave: Susan Wiley, Cárcere Humano, Pedagogia, Humberto Maturana
1 Artigo desenvolvido junto à Universidade do Estado de Minas Gerais, apresentado como resultado de carga horária 
destinada à Pesquisa. Curso de Pedagogia, Faculdade de Educação. Belo Horizonte 2015.
2 Mestre em Filosofia, UFMG, CEFETMG. 
Há um capítulo do livro “Arvore do Conhecimento” de Humberto Maturana em que ele
analisa crianças selvagens, seres humanos que foram criados longe do convívio humano.
Ele trata do caso famoso entre os antropólogos, de Amala e Kamala, irmãs criadas por
lobos das matas indianas no início do século XX. Em sua reflexão sobre as
consequências que isolamento do sujeito, de uma cultura humana, provoca no cérebro,
Maturana buscava refletir sobre a necessidade que o cérebro humano tem da
comunicação interpessoal, e de como o sistema nervoso central humano demanda
interações sociais para se desenvolver. A abordagem que Humberto Maturana faz dos
casos de extrema violência linguística, no sentido da absoluta privação de linguagem
humana, ele faz referência à necessidade de vida cultural, de relacionamentos, para a
otimização da fisiologia do cérebro. Se uma família não reúne condições mínimas de
humanização, como no caso da família de Susan Wiley a representação desta situação
pode ser observada nos distúrbios da linguagem, no vazio da comunicação interior. Outra
dimensão desta extrema violência da linguagem, ou da absoluta falta dela, estão nos
casos de isolamento social extremo como nos casos das meninas criadas por lobos.
Humberto Maturana descreve o caso e faz referências à necessidade de estimulação
indireta sonoro-visual ao sistema nervoso central para as formas de experiências éticas.
Segundo ele, 
“(...) se separarmos um carneiro recém-nascido de sua mãe por algumas
horas, devolvendo-o em seguida, o animalzinho se desenvolverá de modo
aparentemente normal. Crescerá, caminhará, seguirá sua mãe sem revelar
nada de diferente, até que observemos suas interações contra outros filhotes
de carneiro. A brincadeira desses animais é correr e dar cabeçadas uns nos
outros. Mas o carneiro que separamos da mãe por poucas horas não participa.
Não sabe e não aprende a brincar, permanecendo separado e solitário. O que
lhe aconteceu? (…) De fato, durante as primeiras horas após o nascimento
dos carneiros, a mãe os lambe continuamente, passando a língua por todo seu
corpo. Ao separar o filhote da mãe, impedimos essa interação e tudo o que
acarreta em termos de estímulo tátil-visual e, provavelmente, de contatos
químicos de vários tipos. O experimento mostra como essas interações são
decisivas para a transformação estrutural do sistema nervoso, e suas
consequências aparentemente vão muito além do simples ato de lamber.”3
3 MATURANA, Humberto. A árvore do conhecimento. Campinas: Ed. Workshopsy, 1987. pág. 158.
O uso da analogia da demanda por relacionamentos que os filhotes de mamíferos
possuem é justa para o lugar epistemológico que penso ser útil para falar dos casos
extremos de violência e o contexto educacional, pedagógico, tanto no sentido do estudo
dos sujeitos estudados quanto para as possibilidades de uma didática para a reabilitação
da vítima. A perspectiva psicobiologista tem utilidade para a aceitação do ethos como
objetivo, do direito e da justiça; somos um tipo de ser vivo que precisa de condições
mínimas de sobrevivência em nossas relações com os outros. 
Maturana prossegue na análise e descreve as condições extremas para a operação do
sistema nervoso central, retrata a situação da falta da cultura e trata de como o sistema
nervoso tenta representar para si, mesmo fora do convívio humano, uma estrutura
elementar de funcionamento, estrutura que creio ter mantido viva mentalmente, mesmo
que em níveis elementares, a mente de Susan Wiley Genie, uma revisita contemporânea
à condição de privação das meninas que foram cuidadas e criadas por lobos, ainda que
os lobos tenham tido mais humanidade que os familiares humanos de Susan
“”(...) temos acesso a uma série de interações que podemos descrever como
“aleatórias” de um certo caminho de mudança estrutural que, no caso em questão,
mostrou-se patológico quando comparado ao curso normal. Tudo isso também se
aplica aos seres humanos, como foi demonstrado pelo caso dramático das duas
meninas de uma aldeia bengali ao norte da Índia que, em 1922, foram resgatadas
(ou arrancadas) de uma família de lobos que as havia criado em total isolamento de
qualquer contato humano. Uma das meninas tinha oito anos e a outra cinco. A
menor morreu pouco tempo depois de ser encontrada, e a outra sobreviveu mai dez
anos com outros órfãos com quem foi criada. Quando foram encontradas, as
meninas não sabiam andar sobre os pés, mas se moviam rapidamente de quatro. É
claro que não falavam, e seus rostos eram inexpressivos. Queriam comer apenas
carne crua, tinham hábitos noturnos, repeliam o contato humano e preferiam a
companhia dos cachorros e lobos. Ao ser resgatadas, estavam perfeitamente
saudáveis e não apresentavam nenhum sintoma de debilidade mental ou
desnutrição. Mas a separação da família lupina causou-lhes uma profunda
depressão que as levou à beira da morte, sendo que uma efetivamente morreu.”4
Maturana parece ter ficado desapontado com a reação científica das autoridades hindus
4 Idem. Pág. 159.
que retiraram as duas meninas de sua “família”. Ao contrário das meninas da Índia, a
criança norte-americana presa por seu pai estava numa condição de sobrevivêncialinguística destrutiva. A acolhida no seio da família de lobos, a admissão como membro da
matilha e sua sobrevivência foram estabilizadas por uma fisiologia sem personalidade,
nas crianças que os humanos nomearam por Amala e Kamala. Um indivíduo sem sujeito,
no caso das meninas criadas por lobos, e um caso de sujeito sem indivíduo no caso de
Susan, ou vice-versa. A Alcatea possibilitou a saúde mínima.
O que me levou ao estudo do caso de Susan Wiley foi inicialmente a observação de uma
série de documentários sobre a loucura. Excelentes áudio-visuais e filmes, com grande
qualidade artística e aporte científico pareciam dar grande credibilidade, e estão
disponíveis no portal Youtube. Dois desses documentários foram os que intrigaram muito
e provocaram um conjunto de perguntas sobre a vida em família dos portadores de
sofrimento mental e deficiências, o que me levou a imaginar o contexto de cárcere
domiciliar de crianças como um fator repetido na infância dos pacientes em históricos de
internação psiquiátrica: o documentário Stultifera navis5 (1987), de Clodoaldo Lino e o
documentário Em nome da razão: um filme sobre os porões da loucura6 (1979), de
Helvécio Ratton. 
O horror, o holocausto silencioso que milhões de seres humanos experimentaram em
suas histórias ao tomar contato com instituições psiquiátricas no Brasil é tamanho que
pode desfocar o ímpeto de uma pesquisa, uma vez que boa parte dos hábitos e
procedimento estruturados nesses locais são resultados de teorias científicas de suas
5 Documentário gravado na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, em 1987. Entrevistas com o filósofo e
dramaturgo Carlos Henrique Escobar, com os psicanalistas Joel Birman e Jurandir Freire, e com o psiquiatra Pedro
Gabriel Delgado. Direção: Clodoaldo Lino. Diretor assistente: Eduardo Medrado. Assistente de produção: Neli Castro.
Duração: 38 min. Grande Prêmio VHS, Melhor Roteiro e Melhor Sonorização no Vº VideoBrasil (1987). Prêmio de
Melhor Sonorização na II Jornada do Vídeo Independente de Fortaleza (1988). 
6 Documentário é todo filmado em preto e branco, mostrando o cotidiano dos pacientes internados no Hospital Colônia 
de Barbacena, Minas Gerais.
épocas. Nesse garimpo virtual encontrei o documentário sobre Susan Wiley, pois parte
dele e suas palavras-chave, se referem ao cuidado de crianças vítimas de violência, e
seus processos de internação em hospitais psiquiátricos infantis.
Influenciado pelas imagens, que me remetiam sempre ao início de leitura do texto de
Michael Foucault sobre a história da psiquiatria, e buscando nas ferramentas de pesquisa
audiovisual do Youtube, encontrei uma série de outros documentários sobre a luta
antimanicomial. O século XX foi rico em produzir saberes sobre as fronteiras mentais
humanas, os aspectos antropológicos de nossa cognição. Todo saber acumulado sobre o
comportamento humano produziu muita riqueza e poder, e também transformações
sociais como as operadas pelo movimento antimanicomial da década de 1970, que
encerrou o ciclo de terror dos grandes hospitais psiquiátricos do mundo ocidental, como o
foi, em terror e tamanho o grande hospital psiquiátrico de Barbacena em Minas Gerais. As
imagens recolhidas nesse corpo de documentos audiovisuais que mostram os maus-
tratos sofridos por milhões de seres humanos condenados pela loucura, ou, descritos
como sendo. As imagens da violência e do verdadeiro cárcere que é a reclusão de
pacientes no período de evolução das teorias psiquiátricas e das decisões
governamentais indicam que ha tal maneira violenta de lidar com portadores de
deficiências psíquicas, de impedimentos comunicacionais, ou mesmos portadores de
sintomas de natureza des-socializante. Com o retorno dos pacientes aos seus lares, com
a devida orientação e acompanhamento do estado, a luta manicomial no Brasil a partir da
década de 1990 consegue fechar os grandes hospitais, e revela o conflito de adaptação
de uma outra lógica; para os familiares de portadores de sofrimento mental e
necessidades especiais. O cárcere privado é uma prática que ´pode ser identificada em
vários casos de crianças portadoras de necessidades especiais, e deficiência mental, o
que faz pensar que o caso de Susan Wiley seja possível de ser encontrado e
reencontrado. Susan é um arquétipo antropomórfico pois participa da fronteira de algumas
graves limitações existenciais humanas: primeiro por ser diagnosticada aos 20 meses
como portadora de retardo mental, um diagnóstico que pesou sobre ela como uma
sentença, e segundo por possuir um pai psicótico e uma mãe deficiente visual e coagida
violentamente no cotidiano pelo marido. Ainda assim, o antropos de Susan se direciona
para o ethos, principalmente pela forma bem-humorada com que em geral, em todas as
filmagens ela se apresenta, diante do mundo a ela incognoscível. 
A documentação em torno do caso das meninas-lobo foi baseada em fotografias,
entrevistas e relatos colhidos de missionários cristãos. O caso ficou conhecido e muitos
estudos foram feitos posteriormente. A questão era saber em termos de um humanismo
se realmente foi ético retirar as meninas do convívio de sua família linguística e ao mesmo
tempo o fracasso da sociedade civilizada e acolher tais crianças ressocializáveis, que
morreram precocemente. Ou mesmo de estudar profundamente esses casos, há alguma
razão pedagógica. A questão é que um outro fenômeno social gera sujeitos extremamente
isolados: a violência. 
O caso de Susan foi documentado largamente por audiovisual, era uma nova etapa da
ciência, com a massividade da tecnologia do cinema para finalidades de estudos. Um
importante documentário sobre as crianças na fronteira da linguagem e da comunicação
humana é o curta Childrens of Darkness7 (1983), que mostra a realidade de hospitais
psiquiátricos para jovens, onde há o cuidado com crianças vítimas de extremas violências.
Também foi importante para a reflexão sobre a etnografia da violência infantil o
documentário Child of Range8 (1992), que conta a história da criança Beth Thomas vítima
de anos de cárcere e violência familiar. 
7 “Children of Darkness” foi indicado ao Oscar de 1983. Escrito e produzido por Richard Kotuk and Ara
Chekmayan. Disponível no site https://www.youtube.com/watch?v=tTCSfx47R1w
8 http://www.oddityworld.net/2014/07/what-actually-happened-to-beth-child-of.html
O documentário Footage of feral child 9 é um curta de 22 minutos, disponível na internet
para visualização e download, (o que o torna um arquivo da cultura, um registro
antropomórfico), nesse documentário Susan Wiley é o ecce homo, o representante da dor
maior da espécie que é a impossibilidade da linguagem. Segundo Habermas o direito
fundamental do sujeito é à linguagem, e Susan foi negligenciada nisso, e em si, é a maior
violência pois representa a impossibilidade de simbolizar o ato violento, simbolizar para
perceber as próprias agressões de que se é vítima, e, quando o cárcere domiciliar se
torna a impossibilidade da linguagem gera um dano de organização neuronal. Uma
domesticação violenta da criança, a comoção pela perda do ethos pode ser sentida na
diminuição dos vínculos sociais desses sujeitos vitimados. As imagens dos documentários
sobre a loucura, e sobre Susan são o elemento que provoca a sensação, dispõem a
possibilidade de se reviver em estímulos, as polêmicas, o fato, deixá-lo às portas da
percepção, da razão, e temos, gerar a linguagem suficiente para perceber os contornos, a
força da arte e de suas funções pedagógicas. 
No documentário Footage of feral child, baseado nas horas de filmagem do professor
David Rigler, do Hospital Infantil de Los Angeles, EUA, ha o transporte para a questão do
drama de Susan, em suas várias etapas, num quadrosilencioso que contém o que deve
ser a função do cinema; dar voz. O documentário Footage of feral child curiosamente não
tem sons, apenas os momentos em que Susan é a atriz principal de seu próprio filme o
áudio é acionado, e se pode entender o grave distúrbio de linguagem que ela portou: os
sons que ela emitia quando recolhida pelo hospital psiquiátrico infantil, sons de uma
antiguidade ancestral, talvez o som que as meninas selvagens da Índia emitiram em sua
brusca reintegração cultural. 
9"Secret of the Wild Child", vídeo de 2002, parte do documentário "Wild Child: The Story Of Feral Children". Todos os
dados significativos sobre o caso de Susan Wiley podem ser observados no site http://www.oac.cdlib.org/.
1. A educação encontra a violência
A educação encontra a violência como instrumento em suas origens; a agressão usada
como forma de educar pode ser observada em várias culturas. Erich Fromm no livro
Anatomia da Destrutividade humana pesquisou três tipos de formas sociais; as
sociedades pacíficas, as sociedades instáveis e as sociedades violentas. No capítulo
destinado a descrever as formas educacionais dessas sociedades ele atribui ao armazém
de hábitos, atitudes, moralidades, instituições pedagógicas de um grupo social, a raiz
social da violência. As raízes naturais da violência, da agressividade humana, nos
relacionamentos entre os próprios membros da espécie parece não remontar o
comportamento da linhagem de primatas da qual o ser humano é fruto; o ser humano não
herda em seu material genético a fúria que demonstra
“(...) Realmente, se a espécie humana tivesse aproximadamente o mesmo grau de
agressividade “inata” que os chimpanzés que moram no seu habitat natural,
viveríamos num mundo perfeitamente pacífico. Ao estudar a agressão entre os
animais e especialmente entre os primatas, é importante começar com uma
distinção em seu comportamento enquanto vivem em seu próprio habitat e em seu
comportamento sob cativeiro, ou seja, quando se acham, essencialmente, nos
jardins zoológicos. As observações mostram que os primatas no ambiente
selvagem exibem pouca agressão, enquanto presos nos jardins zoológicos podem
vir a mostrar excessiva carga de destrutividade.10”
O cativeiro humano, pela impessoalidade e destituição dos direitos básicos do indivíduo,
pela ação de violência de um algoz, pode ocasionar na vítima este distúrbio de
agressividade. Também distúrbios da sexualidade poderiam ser refletidos a partir da ideia
de que organizamos nossa libido e nossas energias relacionais pela vida cultural. Ao
recortar o tema da agressividade humana, como primata, em cativeiro cita o exemplo dos
Nazistas da Alemanha da primeira metade do século XX que consideravam a
possibilidade de domesticar certas variantes do Homo sapiens em razão da necessidade
de tutoria ética que eles, alemães, poderiam dar ao mundo. Erich Fromm prossegue:
10 FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. pág. 150.
“(...) o homem é o único mamífero assassino e sádico em ampla escala. Muitos
animais entram em conflito com sua própria espécie, mas lutam de maneira “não-
dilaceradora”, “não-destrutiva”. Os dados referentes aos mamíferos em geral e aos
primatas pré-humanos em particular não indicam a presença de uma “destrutividade”
inata, que se supõe que o homem tenha herdado deles.11”
Aparentemente o peso da tragédia de Susan recai sobre o pai violento. E a atividade
predatória deste pai, diante da mulher e da filha tem raízes na educação, no processo de
desenvolvimento da sublimação de suas razões internas, de sua afetividade. Pode ter
sido uma forma moderna de lidar com os loucos; a filha foi diagnosticada como doente
mental aos 20 meses, e os argumentos psiquiátricos, pediátricos, não poderiam ser
infalíveis a tal ponto. As frustrações cotidianas do homem urbano podem estar por trás do
traço cultural da específica forma de trancar no quarto um ser humano, impedir seu
movimento. Os manicômios registrados e documentados pelo Stultifera navis e Em nome
da Razão trazem a forma histórica de violentar o doente mental, no espaço público. A
violência ao doente mental poderia ser encarada como uma forma específica de educar
um espírito indomável pelo aconselhamento racional disponível.
Os Homens, o antropo, se desenvolvem em um tecido social sustentado por uma vida
urbana, a polis. Os processos de individuação nas sociedades industriais modernas
possibilitaram novos sujeitos; pelas instituições em que vivem, pelo tipo de trabalho que
vendem, onde vendem, como sobrevivem, que língua falam. A vida em populosas e
impessoais megalópoles tem rotina, rotinas, que passaram a ocupar o tempo de vida
desses sujeitos. Ha nesses centros urbanos instituições que podem recolher os indivíduos
perdidos nas fratrias e esfacelamento das formas familiares tradicionais. Assim surgem os
grandes manicômios do século XIX e XX, os complexos hospitalares, as escolas públicas,
os quartéis, os modernos sistemas prisionais. Educar o indivíduo na modernidade é
11 Ibdem.
habilitá-lo a pensar e decidir diante dos processos produtivos as melhores saídas para o
uso da sua força de trabalho, de seu intelecto, da energia resultante das sublimações e
privações que são impostas por quem decide, o poder. Segundo Michael Foucault a
violência é um dos condicionadores usados para a obtenção dos resultados
comportamentais dos sujeitos a serem educados na modernidade industrial. O estado
europeu, os estados industrializados no século XX empregaram a violência necessária
para reordenar indivíduos que não se tornaram sujeitos produtivos, ou mesmo indivíduos
que para produzir melhor são implicados em formas de coação violentas. A forma como
Foucault descreve os exercícios repetitivos a que soldados passaram para a modelagem
do uso das armas de batalha cada vez mais precisas e caras; humilhações, agressões,
pressões, mostra como a violência sistemática é incorporada às práticas educacionais no
século XX no exercito. A lógica da inclusão escolar dos portadores de deficiência mental,
por exemplo, no início do século XXI pode ser uma mostra de que uma razão mais
esclarecida direciona o desenvolvimento biológico da espécie humana, e do humanismo
de uma maneira menos violenta. 
No documentário Footage of feral child é possível ver a impaciência dos profissionais que
lidaram com Susan depois de sua saída do cativeiro, a impaciência pela sua reabilitação,
a aposta séria na força dos braços da ciência quando decidem resgatar os seres
humanos que devem ser reeducados. Como o caso das meninas selvagens hindus,
Susan foi atendida e estudada, de 1971 a 1975, num contexto diferente dos avanços que
existem em 2015, em todas as áreas, também na Pedagogia, nas metodologias e
didáticas de práticas educativas com portadores de necessidades especiais de educação,
com vítimas de traumas severos na infância, como talvez fosse a situação de Susan. Ao
receber o diagnóstico, Clark Wiley prende a filha num quarto.
 
“(...) o hospital era suposto ter uma ação direta sobre a doença: não apenas
permitir-lhe revelar sua verdade aos olhos do médico, mas produzi-la. O
hospital, lugar de eclosão da verdadeira doença. Supunha-se, de fato, que o
doente deixado em estado livre – em seu “meio”, em sua família, com seus
próximos, com seu regime, seus hábitos, seus preconceitos, suas ilusões – só
podia ser afetado por uma doença complexa, confusa, enredada, uma espécie de
doença contra a natureza. Sua própria natureza, suas características essenciais,
seu desenvolvimento específico iam poder, enfim, através do efeito da
hospitalização, torna-se realidade.12”
Quebrar a cara de um filho é um dever de um pai se a intenção é educar o sujeito para
quenão adquira hábitos não aceitos pela sociedade; a violência passou a ser legitimada
no campo da psiquiatria na forma das internações, lobotomias, medicações no início do
século XX. O presente artigo não trata da conceituação da violência, mas de uma
descrição da extrema violência e das possibilidades de humanização neste contexto. A
raiva sentida por Clarck Wiley, pai de Susan deve ter sido grande a ponto de iniciar um
cuidado obsessivo e destrutivo com a filha. Clark tinha tido ao todo quatro filhos. Dois
haviam sido mortos por falta de zelo familiar (uma das crianças foi esquecida recém-
nascida dentro de uma gaveta por Clark). As atitudes mortíferas do pai já estavam
declaradas na trajetória familiar. De alguma forma a cegueira de sua mãe, Irene Wiley foi
um condicionante trágico, e reúne a imagem de uma metáfora que representa o lugar da
mulher no lar de extrema violência paterna. A moralidade se transforma mediante os
sujeitos trazem suas identidades, as legitimam. As surras familiares, espetáculos em torno
de temas de repreensão exemplar, como a homossexualidade, por exemplo, não podem
ser evocadas como resolução doméstica dos desvios, não no século XXI porque a
homossexualidade já não tem o conteúdo simbólico que teve. Assim também a violência
contra a criança deficiente, bater nela para que ela surja, após a violência, como Homem.
Surja de uma lobotomia como Homem, ou da entorpeciação por substâncias químicas
como Homem, ou mesmo, se mantenha em cárcere e se mantenha o Homem, para o
agressor ter de quem roubar, sob agressões, o espírito. 
12 FOUCAULT, Michael. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria, psicanálise. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 2010. pág. 314-315, no artigo “A Casa dos Loucos”. Texto de 1975.
O cárcere domiciliar de crianças portadoras de deficiência mental é um ambiente
potencializador de agravamentos para essa própria deficiência, levando a criança
vitimada ao descompasso com sua idade cognitiva. O desenvolvimento do conceito de
distúrbios de desenvolvimento encontrou no século XX tentativas terapêuticas,
diagnósticas, interventivas por vezes destituídas do elemento de humanização necessário
para que, ao menos se possa observar, mesmo que isso proceda distinto da visão do
agressor, o limite de desenvolvimento imposto pelas atitudes violentas cotidianas. A
Professora Lucileide Colares em seu texto Cooperação e conflitos nos (des)caminhos dos
atores de proteção à infância vitimizada nos diz
“(...) crianças que haviam sido sacudidas até a morte e por muito tempo fatos
como este foram encarados como normais, banalizados pela constância no
cotidiano. A história nos lembra também que a falta de proteção jurídica à
criança foi um ato constante desde cotidiano. (…) A paz é conclamada a ter seu
lugar e a educação se torna alvo para ser o agente desta ação. A educação é
chamada a depor como sendo um problema que lhe compete, percebendo
enquanto uma situação cultural (...)13” 
0 caso de Susan Wiley nos faz refletir sobre a dimensão antropológica da violência como
fator decisivo na fundação do pensamento e da linguagem dos sujeitos vitimados. Nos
casos de distúrbios do desenvolvimento provocados pelo isolamento. O caso de Susan
então nos faz pensar que talvez o indivíduo não socializado não consegue produzir
pensamentos. Então Susan Wiley é um ser humano resultado de um experimento: o
isolamento extremo estruturado pelo pai: um ser humano é capaz de privar outro ser
humano da faculdade de pensar. A linguagem como expressão corporal comunicativa faz
parte da necessidade de sobrevivência humana em qualquer contexto social, ou fato
sociológico, portanto Susan me inquieta no sentido de retroceder ao que os antropólogos
13 COLARES, Lucileide. Cooperação e conflitos nos (des)caminhos dos atores de proteção à infância vitimizada.
Dissertação de Mestrado. UERJ\UEMG. Belo Horizonte, 2008. Biblioteca da Faculdade de Educação, UEMG. Pág. 43.
e os arqueólogos imaginaram otimistamente como início da possibilidade de pensamento:
a linguagem dos pais. A negativa do pai, Clarck Wiley de socializá-la, de dar-lhe a palavra
fez com que o corpo nada habitasse. Quando a polícia norte-americana foi até a
residência dos Wiley levar preso o pai de Susan, gerou-se um sinal de que a civilização
pretende punir legalmente a negativa do cuidado do pai em dar linguagem aos filhos.
Judith Greene no texto Pensamento e Linguagem afirma uma relação entre estes dois
sistemas intertraduzíveis é de esclarecimento conceitual mútuo: a linguagem como
estrutura para o pensamento, principalmente, eu entendo, para os sujeitos sociais que
precisam conhecer mais informações sobre os processos educativos humanos.
Professores são os atores sociais mais indicados em disseminar conhecimentos sobre o
pensamento e sobre a linguagem, e, no caso do Brasil, que é o espaço para onde quero
falar, e a especificidade de tratar do povo brasileiro é importante pois a violência
doméstica é uma marca da cultura brasileira, principalmente nos últimos séculos em
virtude das formas de família estabelecidas para os vários modelos de produção de
recursos sociais. Professores são pessoas que se relacionam com outras pessoas para
que estas aprendam algum conteúdo, pela observação, pela interação, pela ação didática.
Os professores ao estudarem antropologia da educação estão se preparando para
contabilizar logicamente todos os sistemas vivos e culturais presentes em seu trabalho, e
a criança vítima de cárcere extremo, quando liberta, tem que sinal da liberdade? No
espaço escolar? Há apenas uma única cena no documentário sobre Susan em que ela
aparece entrando, sozinha, no ônibus escolar vazio. 
O contexto familiar de extrema violência foi o objeto da pesquisa, e o desenvolvimento
teórico está voltado aqui para gerar um artigo, uma peça do jogo de quebra-cabeças do
entendimento do ser humano com a paisagem de uma ciência humanizadora, que a
ciência da educação passa montando, como o demiurgo de Platão, na velocidade dos
fatos, das ações e reflexões do saber do docente que lida com crianças vítimas de surras,
de prisões domiciliar, de cárcere doméstico, de trabalho escravo. Mas o sujeito definido
como problematizante é a criança vítima da extrema violência, são casos difíceis de se
documentar, mas como documenta Footage of feral child. Muitas crianças podem estar
silenciadas dessa forma no Brasil, da mesma forma que Susan. Uma primeira questão é
qual educação precisa a criança vitimada pela prisão e maus tratos em família? Seria
obrigação do estado, do direito, da justiça ou da lei? A segunda questão é sobre os
sujeitos, é sobre o tipo de auxílio pedagógico necessário para a socialização de uma
criança vitimada desse tipo de violência, como localizar as especificidades pedagógicas.
É preciso o recurso da conceituação inicialmente, e os conceitos mais importantes para
tratar o assunto da possibilidade de educar uma criança vítima de violência doméstica são
pensamento e linguagem, pois são os elementos mais profundos da experiência de
humanidade, negada sumariamente ao violentado é a linguagem, é a saúde do
pensamento. 
As cenas do bairro da cidade de Los Angeles em que Susan viveu seus 13 anos de
cativeiro são soturnas, silenciosas. A violência extrema é uma atitude humana de uma
linguagem instantânea, de uma radicalidade educativa imensa!, que associa pensamento
e linguagem, roubados do corpo do outro, projetando o poder de invasão e destruição da
força de vontade de um eu que não negocia seus interesses pela racionalidade mas com
o vazio de suas perdas pessoais, da sua saúde. A recursividade relacional proposta pela
violência é a de sempre menos saúde, é o que acontece educacionalmente, independe da
moral,do conteúdo da crença, e que pode ser, como na atitude do pai de Susan, um
sintoma. O realismo das teorias cognitivas da qualidade dos recursos didáticos
possibilitou práticas como a inclusão escolar, num ambiente de qualidade de acolhida e
interação, e quando a inclusão se volta para a criança violentada pelos pais, em
específico a criança vítima de cárcere na sua própria casa, é como lidar com um
condenado? Algo tem que ser libertado antes de que se ensine? A determinação da
essência individual depende de uma força externa, o ser humano não começa em si
mesmo, e essa filosofia é parte do ideário da educação, um ponto ético que fez com que
pessoas portadoras de deficiências mentais pudessem ser incorporadas à sociedade, à
escola. Por complexo que seja a deficiência, é a força externa estimuladora da linguagem
que vai interferir de forma determinante na existência humana. Parece que a filosofia da
educação teve mais dificuldade de lidar com indivíduos diferentes. 
Susan Wiley, menina norte-americana nascida em 1957, qual ser ela representa? Tantos
entraves cognitivos em uma pessoa tão simpática! Mas qual a razão de sobreviver ao
ocorrido sem uma grave depressão? E que objetivo há em ler um texto sobre educação
no contexto familiar de extrema violência? Como justificativa inicial há o fato de que saber
sobre a relação entre a violência sofrida e a reabilitação a ser conquistada é uma atitude
pró-ativa para o acolhimento de qualidade à criança vitimada. Talvez não fosse, no caso
de Susan a aquisição da língua escrita uma boa prioridade diante da necessidade de
estabelecimento de vínculos estáveis com outras crianças, tanto na escola como num
hospital. 
O tema do limite de aceitação dos pais para a deficiência mental de um filho é difícil. Um
pouco deste drama é documentado no vídeo Childrens of Darkness, que menciona as
dificuldades que haviam na aceitação da humanidade dos pacientes. Consciência e
pensamento são estruturas necessárias para o ensino da paz? O que haveria de ser
pacificado em Susan? E no pai dela? Susan tinha sido diagnosticada por um pediatra
como portadora de um retardo. Seu pai então a condicionou em um quarto. A descoberta
desse fato fez com que uma Universidade se interessasse em pesquisar como foi tal
solidão, qual a contribuição do retardo no desenvolvimento cognitivo de Susan, e o que foi
determinado pelo isolamento extremo?, ou, também a dúvida se Susan se tornou
impossibilitada de comunicação pelo próprio retardo ou pela experiência sociopata do pai.
Tomografias computadorizadas, disponíveis na década de 1970 em imagens
comparativas da estrutura cerebral de Susan com a de outras pessoas na idade dela
demonstram que as interdigitações, as nervuras da massa cefálica, aquilo que nos parece
labirintos e dobraduras, em Susan são muito menores, consideravelmente. A explicação
biologicista seria a de que as interações sociais são de alguma forma responsáveis por
experiências fisiológicas determinantes para o formato do cérebro com todas as
consequências motoras que isso possa dar. 
Durante 13 anos, apenas ele, o Pai, podia entrar no quarto de Susan, e ela, não podia sair
do quarto jamais. Quando resgatada pelas autoridades de pois de denúncia penal, ela foi
internada em um hospital de psiquiatria infantil com séria desnutrição, e, incapaz de
aprendizado. Durante 5 anos a Universidade tentou reverter os traumas da comunicação
passíveis de serem revertidos pela educação, sem sucesso. A radical dislexia de Susan
era caso de saúde, pois suas funções vitais foram encontradas graves. O pai de Susan,
sabedor da chegada da polícia, se suicida na hora em que as autoridades batem em sua
porta para levá-lo preso. Estes fatos, o suicídio do pai, o aprisionamento da filha e a mãe,
que fica cega, além de todas as especulações sobre as certezas das posições realistas
ou solipsistas na educação traz mais um ingrediente de nossa análise presente, a
psicanálise, uma ciência desenvolvida para descrever os traumas da relação entre o pai e
os filhos.
2. A perspectiva antropológica de um sujeito vítima de carcere domiciliar14
O texto desenvolvido pelos pesquisadores de Susan se chama “O desenvolvimento
linguístico de Genie”. Genie era o termo aplicado à Susan, e significa a personagem
mística que vive dentro de uma lâmpada, a espera de ser despertado com um toque de
mãos humanas. A referência se deve às expectativas que se criaram sobre o momento
em que Susan iria florescer como um gênio saindo da lâmpada. Uma tradução simples da
figura em inglês seria: 
“(...) este estudo acompanha o desenvolvimento linguístico de Genie, uma adolescente
que na maior parte de sua vida fora submetida a um grau de isolamento social e
depravação experimental sem paralelo nos relatórios de investigações científicas. Neste
caso, toca em questões de profundo interesse para Psicólogos, Filósofos e linguistas,
incluindo a relação entre cognição e linguagem, a interdependência ou autonomia dos
componentes da linguagem e das atitudes, as habilidades mentais, a língua íntima, os
estágios universais propostos na aprendizagem de línguas; a idade crítica para a
aquisição da linguagem e bases biológicas da linguagem.”
Este é o texto conclusivo da equipe de pesquisadores que se dedicaram aos estudos e
reabilitação de Susan Wiley, ligados à Universidade da Califórnia e ao Hospital
Psiquiátrico infantil de Los Angeles, que recebia crianças de várias condições sociais e
psíquicas, também crianças vítimas de abusos domésticos, violência doméstica. Crianças
chegam com vários níveis de retardos, queimaduras, agressões, e de alguma forma a
institucionalização era o serviço oferecido naquele momento histórico, na década de
1970. O Pesquisador que produziu a filmografia dos cuidados e da pesquisa sobre Susan
foi David Rigler, e o documentário Footage of feral child é baseado no material produzido
por ele, material de áudio e visuais criados durante os estudos lingüísticos-psicológico de
Genie (Susan). O material mostra uma variedade de pesquisadores, professores,
terapeutas e estudiosos que interagem com Genie. A filmagem de Rigler também
14 Os documentos estudados neste segundo tópico, sobre as perspectivas antropológicas do sujeito vítima de cárcere
privado podem ser encontrados na internet. O termo “humanos cativos” é utilizado para designar os sujeitos vítimas
deste tipo extremo de violência. Mais informações no site: http://captivehumans.com/susan-wiley/
documenta o comportamento de Genie durante sua reabilitação, a vida no lar adotivo, as
fases de testes e atividades cotidianas. Alguns destes materiais, devido a formatos de
vídeo e tecnologias obsoletas, ou a fragilidade dos meios de comunicação vão sendo
distanciados das formas digitais, e também de segurança, uma vez que o acesso é
restrito. O Estado norte-americano resolveu na década de 1990 recompor a imagem
pública de Susan Wiley do rótulo de retardada, menina-fera, selvagem, e outros. A partir
dos dados disponibilizados na internet podemos traçar alguns registro de acordo com os
seguintes aspectos:
–- as condições do cárcere
–- o suicídio do pai
–- a crise da pesquisa
–- a Susan que nunca veio
Em torno desses quatro assuntos separei algumas citações interessantes que pode ser
recolhidas na internet. O Acervo completo permanece na biblioteca da Universidade da
Califórnia. Muitos aspectos da pesquisa não estão disponíveis, nem no acervo tornado
público, fatos que se referem à sexualidade de Susan, ou a dados mais precisos sobre os
processos de adoção que ela viveu. Entre citações anônimas de internautas, em fóruns e
sites que abordaram o caso de Susan, também nos apropriamos de trechos do texto
conclusivo da junta de pesquisadores e transcrições de gravações de áudio dos principais
pesquisadoresenvolvidos
2.1. As condições do Cárcere
.O cativeiro de Susan foi em seu próprio quarto, em uma casa com dois quartos, sala,
banheiro, garagem, quintal, um espaço pequeno, herança da família do pai de Susan:
“A casa tinha dois quartos, era a herança de Clarck Wiley após a morte de sua mãe, Pérola, e
ele não permitia que ninguém dormisse no quarto velho da mãe, em vez disso a família tinha
que dormir em arranjos improvisados em outras partes da casa. Provavelmente nesse quarto
era o cárcere de Susan”. Clark tinha sido dito algo ao longo das linhas que Susan era, talvez,
fosse um pouco retardada e pode desenvolver-se lentamente e desenvolveram uma estranha
compulsão que ela deve ser "protegida" do mundo exterior. A idéia de Clark de proteção era
manter Susan fechada em seu quarto a maioria ou todo dia, e amarrada em uma camisa de
força durante a noite. Ela também foi às vezes ou muitas vezes amarrada a uma cadeira e
deixar assim durante horas, todos os dias, ou talvez até mesmo durante a noite. Susan ainda
usava fraldas, não podia falar, foi alimentada com uma dieta precárias e seu crescimento foi
atrofiado. Sua dieta incomum consistia em cereal quente, mel, leite e um ovo ocasional”.
Relato de 18 de novembro de 1970, jornal Arcádia Tribunal
“Foi relatado que, quando encontrada ela pesava 26 quilos e o tamanho correspondente ao de
uma criança de 7 a 8 anos de idade. A partir de anos de confinamento, seus músculos não
tinham desenvolvido normalmente, o que a levou a caminhar de uma maneira peculiar.
Susan só agora está aprendendo que há outras pessoas no mundo, parecia uma menina de
oito anos, subnutridas (25 quilos), estar ereto ela não podia, ela mal podia caminhar, A
história profundamente triste vem à luz com sua mãe quase cega Irene em 1970, e com ela na
idade de treze anos. A mãe com a filha fugiu da casa onde a família, mas especialmente
Susan, é aterrorizada por seu pai Clark Wiley. O mentalmente perturbado Wiley convencido
de que sua filha, que nasceu em 1957, é mentalmente retardada. Onde não há dúvida de que
sua filha Susan Wiley foi tão desumanamente tratada com crueldade que, e, portanto, esta
mentalmente severamente danificada. (…) O inferno. Wiley decidiu isolá-la do resto da
família: mãe Irene e John de seis anos de idade, irmão mais velho. Foi trancada em uma sala
escura, durante o dia, ela ficava nua em uma cadeira com uma panela debaixo para colher
fezes e urina. À noite, ela ficava selada em uma cama com arame em um saco de dormir.
Quando ela fazia barulho era espancada pelo pai. Não houve conversa com ela. Ela tinha
comida para bebé. O Pai teve o cuidado de dar comida, às vezes filho John levava o
alimento. Este último já foi muito aterrorizado por seu pai e estava com medo de falar com
sua irmã. Não há som, nenhum movimento, comida para bebé. E por dez anos. As
consequências foram desastrosas. Tudo isso aconteceu em Arcadia, Califórnia”.
Serviço Social do Los Angeles
“Irene estava quase cega, foi em busca de assistência pública para os cegos, trazendo Susan
junto com ela. Uma versão afirma que um assistente social observou a criança andando e se
comportando estranhamente, alertou seu próprio supervisor, que chamou a polícia. Uma
segunda versão diz que fundo anormal de Susan não foi descoberto até um agente de um
programa Estatal de visita social em 04 de novembro de 1970 desconfiar do comportamento
dos entrevistados. Logo após, e sem uma verdadeira razão para a falta de 'naturalidade' para o
cuidado da Susan, foram denunciados, tanto Clark e Irene, declarados acusados de abuso de
criança”. 
Postagem de internauta em vlog sobre o caso
"A casa estava completamente escura, todas as persianas estavam fechadas e não havia
brinquedos, roupas, não há nada que indique que uma criança de qualquer idade tenha vivido
lá. Quarto da criança era na parte de trás da casa com as janelas cobertas. O mobiliário do
quarto consistiu de uma gaiola com uma tampa, e um penico com algum tipo de dispositivo
de cintas caseiro."
Investigadores da Polícia que foram à residência de Susan
Novembro de 1970
2.2. O suicídio do Pai
A consciência de que não conseguiria explicar sua atividade com a filha durante os
últimos dez anos, ou um prosseguimento do delírio de proteção de sua filha, na prisão
que fez pra ela, levaram Clark Wiley a cometer o suicídio; a imprensa noticiava o
falecimento do Pai de Susan enquanto os carros policiais cercavam a casa-cativeiro
"Pouco antes de ele se apresentar em tribunal para ser acusado de abuso infantil. Clark se
deu um tiro e matou-se. E tinha 70 anos, e se matou em novembro 20 de 1970. O artigo
também afirma que Sra Wiley é de 50 anos de idade. O julgamento contra Irene continuou
até 15 de dezembro de 1970, quando o juiz Peter Smith, do Alhambra Municipal Tribunal,
rejeitou as acusações contra ela. "Smith, ao recusar-se a enviar o caso ao Superior Tribunal
para o julgamento disse que não havia nenhuma questão sobre o que aconteceu com essa
criança".” 
Valley News 
“Ela fez movimentos estranhos e parecia severamente autista. Ela não podia mastigar,
engolir era difícil. Ela cospe constantemente. Pouco tempo depois, ela foi internada no
Hospital Infantil de Los Angeles para realizar exames. Ficou estabelecido contra os pais
um processo, mas foi arquivado. A mãe Irene, foi absolvida. No dia do julgamento do pai,
ao saber o veredicto ele disparou uma bala na cabeça. Ele deixou um bilhete que dizia: "O
mundo nunca vai entender”.”
Serviço Social do Los Angeles
2.3. A crise da Pesquisa
O tempo entre o encontro do cativeiro, o recolhimento da criança e os primeiros cuidados
foi curto, e o Estado norte-americano teve que lidar com a séria diferença entre o estudo
científico de um ser humano em isolamento linguístico e a reabilitação e ressocialização;
“Normalmente, as pessoas de saúde mental não estão envolvidas nestes tipos de papéis
múltiplos, mas tenho de salientar o quão desesperada para nós foi para encontrar um
lugar que fosse apropriado, e lembro-me de fazer o compromisso, em minha mente, por
um período de três meses, o que obviamente foi prorrogado por muito mais tempo. E
Susan Wiley permaneceu conosco em nossa casa por quatro anos.” 
David Rigler
“O estudo decorreu de 1971 a 1975. Genie (Susan Wiley passou a ser apelidada de
“Genie” para tentar manter sua privacidade) falava apenas sentenças de duas palavras,
em seguida, três palavras. Em combinação com a linguagem de sinais, ela estava a pouco
mais comunicativa. O Estado não estava satisfeito com a produção científica do projeto.
Os Riglers (Casal de Pesquisadores, David e Marilyn que acolheram Susan em sua casa)
terminaram sua custódia depois de quatro anos. Genie tinha 18 anos, e voltou para sua
mãe (que agora tinha sido curada de sua cegueira com cirurgias). Mas Irene Wiley não
podia cuidar de Genie. Genie, portanto, foi para outro lar adotivo. E suas crises
começaram. Em 1977 ela entrou em outro lar adotivo. Dois anos depois, a história toma
uma sequela triste; o desajuste crescente da filha fez Irene Wiley sustentar uma acusação
contra a equipe de investigação. A privacidade de sua filha foi violada em sua opinião, os
pesquisadores tiveram o seu próprio desejo de fama científica, e deixaram prevalecer
sobre os interesses de Susan. Irene exigiu meio milhão de dólares. Apenas em 1992
terminou o processo com o indeferimento da ação judicial. Para a mãe, Susan havia sido
testada, examinada à exaustão. “Os cientistas têm sido muito ansiosos!”.”
Postagem de blog sobre o caso na internet
“Susan Genie foi colocada como uma filha adotiva na casa de David e Marilyn Rigler,
em 1971. David era um psicólogo do Hospital Infantil, e Marilyn era um estudante de
pós-graduação em desenvolvimento humano, que se tornaria o primeiro professor de
Genie. Havia nos círculos de estudos do Desenvolvimento humano psicólogos,
neurocientistas, linguistas, etc. a emoção necessáriasurgiu sobre Susan! Consideravam-
na como uma "criança lobo"; uma criança que creceu sem interagir com as pessoas. No
fundo a discussão ainda em curso é sobre se a língua é uma questão de construção
(Chomsky) ou de aprendizagem.”
Postagem de blog sobre o caso na internet
“O caso de Susan Wiley foi tão importante para a ciência de que o Governo dos EUA
financiou uma equipe para ajudar a responder às muitas perguntas colocadas. Os dois
cientistas primeiro na cena que se tornariam especialmente significativo na vida de
Genie foram psicólogo infantil Dr. James Kent e linguista Susan Curtiss. Nenhum
especialista havia encontrado negligência tão extrema como a realizada por Clark
Wiley para com sua filha. Durante 13 anos, ela tinha sofrido privação sensorial e social
grave em um quarto. Genie era tão sem contato humano, como se tivesse crescido em
estado selvagem. A adolescente era do tamanho de uma criança de seis anos e, pior de
tudo, ela nunca tinha sido ensinado a falar. A questão agora, ela iria aprender? O estudo
sobre Susan foi um problema difícil, porque simplesmente não se pode fazer
experimentos com crianças normais sobre a condição de cárcere. Os cientistas estão
dependentes do surgimento de casos tristes como o de Susan Wiley, ou outros de
crianças submetidas à extrema violência para entender os sujeitos envolvidos, pois a
violência doméstica é um fenômeno social complexo para se padronizar e criar
expectativas de comprovações teóricas e práticas. E a probabilidade de fama científica?
Muito grande naquela época para quem descobrisse o segredo da mente da nova
menina-lobo. Mas pesou também a compaixão por um ser humano encontrado em tais
condições. Havia tanto a compaixão quanto a ambição por parte dos cientistas, Genie
era a “ambição de pesquisa”, das descobertas sobre o ser humano no limite; ciências e
dinheiro integrados em um projeto de pesquisa do Hospital das Crianças, que foi
financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental.”
Postagem de blog sobre o caso na internet
2.4. A Susan que nunca veio
O pai de Susan, que tinha um histórico de sofrimento emocional, e participação na morte
de dois filhos, não encontrou alento na vinda de sua filha, que era uma criança escpecial,
para ele, Susan não veio como um ser normal. Os pesquisadores que a acolheram
imaginaram que de dentro de Susan sairia um novo ser humano redimido e linguístico,
capaz de no mínimo falar sobre sua experiência tão traumática, ou se reconhecer a si
mesmo, falar como um ser que possui um para-si. E para seus médicos e pesquisadores,
Susan não veio também. Parecia não sair nunca da trama de silêncio e dor que marcou
sua vida por mais de uma década.
2.4.1. A Susan que veio
“Ela foi mantida isolada em um quarto trancado; em uma cama cercada por fios à
noite e amarrada a uma cadeira pelo dia. Ela não podia andar normalmente, não
podia falar e teve reações anormais, tais como a incapacidade de mastigar os
alimentos, o silêncio compulsivo e comportamento sexual inadequado. Seu
nanismo quando retirada do cativeiro (25 quilos), seu crescimento conturbado, ela
nunca frequentou a escola, ela nunca aprendeu a falar. Ela foi encontrada em 1970,
com 13 anos, seus pais foram acusados, e seu pai cometeu suicídio. Seu caso foi
notável e emocionante”.
Postagem anônima na internet
“O nome é Caso Genie. Este não é o nome verdadeiro da pessoa, mas quando
pensamos sobre o que é um gênio, um gênio é uma criatura que sai de uma lâmpada,
emerge na sociedade humana. Nós assumimos que realmente não era uma criatura
que teve uma infância humana. Genie tinha uma postura fixa das mãos, com as
palmas sempre escondidas, como um pé de coelho estranho, e outras características
quase des-humanas, não-humanas. Genie constantemente cuspia. Ela cheirava muito
as coisas e arranhava. Ela mal falava ou fazia qualquer barulho. As indicações são de
que ela foi espancada por fazer barulho e, consequentemente, tinha aprendido,
basicamente, para não vocalizar. E ela realmente não vocalizava. Quando eu a
conheci, ela estava em silêncio a maior parte do tempo.
Susan Curtiss
2.4.2. Irene e Clark Wiley
“Clark Wiley e Irene Oglesby casaram-se no Condado de Los Angeles, em 28 de
setembro de 1944. Segundo muitos comentários dos leitores em vlogs e sites sobre o
ocorrido com Susan, Clark Wiley não gostava de crianças, e tinha participado da
morte de seus dois primeiros filhos, ambos mortos no primeiro ano de vida. Durante
todo seu casamento, Clark impôs sua vontade sobre Irene. Perto da cegueira, com
catarata, Irene teve muito medo. Clark e Irene tiveram quatro filhos no total, mas os
dois primeiros tinham morrido nas mãos de Clark. Seu primeiro filho Dorothy
nasceu 1948 desenvolveu algum tipo de doença típica da infância, então Clark a
envolveu em uma manta e colocou-a na gaveta de uma cômoda na garagem. A
criança morreu. O segundo filho, Robert nasceu no início de 1949 e morreu em 17
de setembro de 1949 "engasgada com suas próprias muco", como foi relatado.
Quando terceiro filho John nasceu em 1952. A mãe de Clark, Pérola Wiley
acreditando que o filho Clark era desequilibrado, levou John a viver com ela. Dois
anos mais tarde, em 29 de dezembro de 1958, enquanto Pérola e John estavam
passeando, a avó e o neto sofreram um atropelamento, e Perola foi morta por uma
caminhonete desgovernada que a arrastou pela rua. Isso enviou Clark ainda mais ao
fundo do poço. Ele culpou seu filho John para a morte de sua Pérola amada mãe.
Enquanto isso, Clark e Irene tiveram sua quarta e última criança Susan M Wiley, em
1957.”
Postagem de blog sobre o caso na internet
2.4.3. Pessoas estranhas 
“A família foi descrita como "pessoas estranhas", outros disseram "Eles nunca foram
em qualquer lugar, e nunca levaram as crianças em qualquer lugar, eles nunca falam
com ninguém. Às vezes vemos a criança sentada na varanda, como um fantasma de
hospital psiquiátrico. Entendemos que ela era mentalmente retardada." Irene e John
afirmaram em várias ocasiões que eles estavam apavorados com Clark, o pai da
família, e seu comportamento bizarro. John Wiley, irmão da menina apreendida pela
polícia relatou que muitas vezes se sentou no colo do pai enquanto este segurava
uma arma.” 
Relato de 16 de dezembro de 1970, jornal Arcadia Tribune
2.3.4. Nascer para o cotidiano simbolizado e simbolizável como intuição educativa 
“Nós realmente não sabiamos o que esperar, exceto que Genie necessitaria uma grande
quantidade de ajuda. E por outro lado, foi muito emocionante sentir que talvez
pudéssemos ajudá-la, e talvez ela pudesse ser reabilitada. O novo papel como pais
adotivos de Genie, foi o de ser subitamente responsável por uma criança que precisava de
supervisão em tempo integral. Também responsabilidade de terapia de Genie, tenta ajudá-
la a lidar com o horror de sua infância. E veio um momento em que ela poderia dizer,
"tempo difícil", e, por vezes, ela podia dizer o grau de como ela estava chateada ao acenar
um dedo, o que significava que ela estava muito chateada, ou tipo de acenando com a mão
que significava que ela estava chateada, mas não ia ser um grande negócio. Isso era algo
que eu estava preocupada: com o fato de que não pretendia tê-la para sempre, mas acolhê-
la durante a pesquisa. E isso era algo que falamos muito ativamente. E finalmente,
decidimos que, se pudéssemos dar-lhe um bom lar com muito amor e reabilitação dentro
dessa casa, carinho, guarda, e as coisas boas, que lhe daria a capacidade de lidar em
algum momento posterior, de modo que ela teria uma boa base e um lar estável, e este foi
o nosso raciocínio.”
Marilyn Rigler
.3. A reflexão no século XXI: das tramas imagéticas à virtualidade das soluções
O grande êxito da pesquisa sobre Susan realizada pela Universidade da Califórnia foi o
grande conjunto de documentos, dos mais diversos

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