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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE HISTÓRIA Rebeca Alcântara de Oliveira Resenha do texto: O ensino da História e a criação do fato, de Nicholas Davies. Disciplina: Didática do Ensino de História Docente: Antonio Guerra FORTALEZA 2020 RESENHA DAVIES, Nicholas. As Camadas Populares nos Livros de História do Brasil. In: PINSKY, Jaime (Org.). O Ensino de História e a Criação do Fato. São Paulo: Contexto, 2018, p. 93-104. PORQUE ESTUDAR A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA? O autor inicia seu raciocínio de maneira clara, com linguagem simples e objetiva tratando inicialmente uma tendência crescente na historiografia brasileira de resgatar o que teria sido essa participação das camadas populares. No entanto, apesar do grande engajamento acadêmico em produzir, Davies destaca o pouco impacto nos livros didáticos de História (sobretudo, os conservadores). Há uma barreira que filtra e documenta de forma parcial a história nos livros didáticos - a classe dominante-, para além do apagamento dessa participação nós percebemos também a tentativa de inclusão de heróis populares ao invés da real participação do povo. Cercado de problematizações, o autor salienta a importância da sensatez na hora de documentar e produzir sobre os fatos, inclusive para contrapor à história elitista e conservadora, isto porque é perceptível a exacerbação da "glória" dada a resistência à dominação e repressão das camadas "dominadas". Davies também esclarece que é importante falar e registrar sobre a apatia e passividade das camadas populares em determinados períodos da história brasileira, pois o que se deixa de fazer ou dizer é tão importante quanto o que se faz ou diz; é importante também não reduzir essa participação a uma coisa ou outra, pois o poder e força das camadas populares são diversos e contraditórios. Outro ponto esclarecedor do texto que nos chamou bastante atenção foi a forma como o autor nos mostra com simplicidade a necessidade de retratar a realidade em sua inteireza e não parcialmente, retratá-la sem heroicização de qualquer lado para que possamos compreender da melhor forma possível. O compromisso em retratar a realidade juntamente com a transformação social se alinha ao raciocínio do autor de que a representação do passado tem certa influência sobre o presente, estereótipos foram difundidos ao longo dos anos pela camada dominante, sendo assim, um aluno das camadas populares que aprende e 1 entende a participação popular de forma real terá maior possibilidade de atuar criticamente na sociedade. LIVROS E TEMAS ANALISADOS O Eurocentrismo A Europa como centro é uma característica comum que historicamente foi e ainda é retratada nos livros didáticos brasileiros. O foco totalmente voltado para fatos como a transição da Idade Média para a Moderna e a expansão marítima e comercial européia mostra que estes subentendem a inexistência de história humana no território que posteriormente seria chamado Brasil. É como se antes de 1500 não houvesse história ou existência indígena, quando muito, o autor nos mostra que no máximo são dedicadas algumas páginas ou linhas para os indígenas que são retratados com uma perspectiva folclórica, isto é, que reproduz o ponto de vista dos dominantes. Os nativos que são substituídos por fatos históricos europeus são retratados nos livros didáticos muito mais pelo "valor" contribuído para a formação do país do que como povos com valor em si; um exemplo claro é o uso do termo "descobrimento do Brasil", que evidencia claramente a narrativa parcial do lado dominante. Muitos historiadores usam como suposto argumento a falta de documentação sobre indígenas no século XVI, Davies rebate esse argumento mostrando que autores deste século já documentaram sobre o assunto e antropólogos atuais já constituíram produções baseadas nas tribos de hoje, não é por falta de dados, é por narrativa parcial que favorece um lado, o dominante. Introdução da Escravidão O Eurocentrismo continua predominando em outra parte da história brasileira: a escravidão, o modo como foi interpretado a introdução da Escravidão pelos autores dos livros didáticos mostram como se o interesse do colonizador europeu fosse suficiente para entender o que se passou no Brasil. As narrativas tratam do pólo dominante e mostra como justificativa principal os interesses mercantis metropolitanos, quando na verdade a introdução se deu por diversos fatores, dentre eles a desarticulação do povo negro que chegou aqui desenraizado e manipulável por não falar a língua dos outros e vir de outro lugar do continente africano. O autor desmascara dois constituintes consolidados na mentalidade brasileira sobre esse assunto: a) que a escravidão se deu somente por interesses mercantis lusos no tráfico de 2 seres humanos e b) a inadaptabilidade dos indígenas terem facilitado a adaptabilidade dos negros ao trabalho escravo nas lavouras. A primeira é verdade, de acordo, mas não foi a única razão, a principal foi o desenraizamento do povo negro e a manipulação, ou seja, o autor está usando uma camada popular para legitimar as justificativas da camada dominante. A segunda alternativa extremamente racista é refutada pelo autor que mostra que a exploração de indígenas continuou por séculos e que o povo só foi manipulado nos primeiros, houve luta e resistência de ambas as camadas populares que precisam ser ouvidas de modo real nos livros didáticos. Povoamento Nome descrito pelo autor como portador de alta carga ideológica, pois só é considerado povoamento apenas a sociedade colonial expansionista; os habitantes anteriores da terra não são considerados agentes de povoamento. Os termos corretos para essa narrativa eurocêntrica e parcial seriam "despovoamento" e "repovoamento": a ocupação do território tem uma noção errônea que subentende muitas coisas, dentre elas que antes do povoamento a terra estava vazia, quando na verdade a terra foi "despovoada" (massacraram os indígenas e ocuparam a terra deles) e "repovoadas" pelos europeus que trouxeram os africanos para ocupar o espaço com trabalho servil e escravo. O autor também levanta que houve choque com nativos (narrados nos contraditórios livros) e que estes, por sua vez, perderam a posse natural do território. A cafeicultura Período pouco abordado de forma histórico-social nos livros didáticos, voltando-se quase sempre para quadros econômicos que expõe vantagens quantitativas, poucos tiveram o cuidado e a importância de abordar o impacto social da cafeicultura no Brasil, que por sua vez trouxe a riqueza e a divisão dos territórios, mas não uma divisão que resultasse na melhoria das condições vida, visto que a concentração da riqueza estava na mão de poucos. IMPLICAÇÕES DA NEGAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA O autor conclui o texto falando que o objetivo foi mostrar o pouco ou nenhum espaço atribuído às camadas populares. Essas camadas que foram negadas e diluídas, ao contrário do pólo dominante, que foi e é ressaltado e exaltado nos diversos livros didáticos. O resultado 3 dessa pesquisa mostra que a negação da participação dessas camadas é anticientífica e sem fundamento real, um mero reflexo da vontade e interesse dos grupos dominantes. Davies nos mostra que os conflitos de classes reais explicam a evolução da história dentro desse contexto, e atribuir passividade à classe dominada é o mesmo que coisificar a massa e desumanizá-la. É necessário uma nova discussão, para que os alunos das classes populares não enxerguem que sua história não tem valor ou não são dignas de registro, mas que tome conhecimento de que é uma questão política e sua história tem valor, assimilando que o passado foi resultado de um conflito de interesses. CONCLUSÃO Concluo este trabalho indicando a leitura excelente desse texto para quem se interessar no presente tema, concordo com a maior parte da fala do autor, que soube explicar sua produção de forma crítica,simples, objetiva e clara. Que possamos ter mais autores falando das classes silenciadas nas escolas, de maneira real, para que possamos formar mentes cada vez mais críticas e conhecedoras do seu passado. 4
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