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Manual Jurídico da Escravidão do Império - André Barreto Campello

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Copyright	©	2018	by	Paco	Editorial
Direitos	desta	edição	reservados	à	Paco	Editorial.
Nenhuma	parte	desta	obra	pode	ser	apropriada	e
estocada	em	sistema	de	banco	de	dados	ou	processo
similar,	em	qualquer	forma	ou	meio,	seja	eletrônico,
de	fotocópia,	gravação,	etc.,	sem	a	permissão	da
editora	e/ou	autor.
Revisão:	Taíne	Barriveira
Capa:	Carlos	Henrique	Campello
Projeto	Gráfico:	Matheus	Alexandro
Edição	em	Versão	Impressa:	2018
Edição	em	Versão	Digital:	2018
Comitê	Editorial	para	Publicações	de	Direito:
Prof.	Dr.	Leonardo	Da	Rocha	De	Souza;	Prof.	Dr.
Luciano	Vaz	Ferreira;	Prof.	Dr.	Marcio	Rodrigo
Delfim;	Profa.	Dra.	Kelly	Cardoso	Da	Silva	e	Profa.
Dra.	Terezinha	Damian	Antônio
Dados	Internacionais	de	Catalogação	na	Publicação	(CIP)
Campello,	André	Barreto
Manual	jurídico	da	escravidão	:	Império	do	Brasil	/	André	Barreto	Campello.	-	1.	ed.	-	Jundiaí,	[SP]	:	Paco,	2018.
Recurso	digital
Formato:	ePub
Requisitos	do	sistema:	Multiplataforma
ISBN	978-85-4621-208-8
1.	Direito	-	História.	I.	Título.
CDD:	34(09)
Conselho	Editorial
Profa.	Dra.	Andrea	Domingues	(UNIVAS/MG)
(Lattes)
Prof.	Dr.	Antonio	Cesar	Galhardi	(FATEC-SP)
(Lattes)
Profa.	Dra.	Benedita	Cássia	Sant’anna
(UNESP/ASSIS/SP)	(Lattes)
Prof.	Dr.	Carlos	Bauer	(UNINOVE/SP)	(Lattes)
Profa.	Dra.	Cristianne	Famer	Rocha	(UFRGS/RS)
(Lattes)
Prof.	Dr.	José	Ricardo	Caetano	Costa	(FURG/RS)
(Lattes)
Prof.	Dr.	Luiz	Fernando	Gomes	(UNISO/SP)	(Lattes)
Profa.	Dra.	Milena	Fernandes	Oliveira
(UNICAMP/SP)	(Lattes)
Prof.	Dr.	Ricardo	André	Ferreira	Martins
(UNICENTRO-PR)	(Lattes)
Prof.	Dr.	Romualdo	Dias	(UNESP/RIO	CLARO/SP)
(Lattes)
Profa.	Dra.	Thelma	Lessa	(UFSCAR/SP)	(Lattes)
Prof.	Dr.	Victor	Hugo	Veppo	Burgardt
(UNIPAMPA/RS)	(Lattes)
Prof.	Dr.	Eraldo	Leme	Batista	(UNIOESTE-PR)
(Lattes)
Prof.	Dr.	Antonio	Carlos	Giuliani	(UNIMEP-
Piracicaba-SP)	(Lattes)
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4771296D1
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Paco	Editorial
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Ed.	Altos	do	Anhangabaú,	2º	Andar,	Salas	11,	12	e
21
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Telefones:	55	11	4521.6315
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Aos	meus	amores,	fonte	da	minha	inspiração,
que	dão	brilho	ao	meu	passado	e
iluminam	o	meu	futuro,	Márcia,	Márcia	Stella	e	Lucas
Emmanuel.
Aos	meus	 pais	Carlos	 Francisco	 e	Maria	 Sinhá	 que,
pela	 educação	 e	 pelos	 ensinamentos,	 demonstraram
que	o	trabalho	é	a	força	transformadora	da	existência
humana.
Aos	irmãos	Carlos	Henrique	e	Marcia	Luiza,	amigos
para	toda	a	minha	vida.
	
SUMÁRIO
Prefácio
Prólogo
Introdução
Escravidão:	eliminando	equívocos
Justificativa	e	objetivos
Reanimando	um	direito	morto
Construindo	o	Manual	Jurídico	da	Escravidão
Capítulo	1.	A	Escravidão	como	herança
Origens	da	Escravidão	na	América	Portuguesa.
Compreendendo	 a	 dimensão	 da	 escravidão	 na
sociedade	brasileira
Capítulo	 2.	 A	 Constituição	 de	 1824	 e	 a
Escravidão:	 uma	 Constituição	 nascida	 de	 um
trauma
1.	A	Ascenção	da	Constituinte	de	1823
2.	A	queda	da	Assembleia	Constituinte
3.	O	nascimento	da	Constituição	de	1824
4.	 A	 implícita	 referência	 à	 escravidão	 na
Constituição	de	1824
5.	O	escravo	e	a	cidadania	brasileira
6.	A	liberdade	e	o	direito	à	alforria
Capítulo	3.	Tráfico	e	escravidão:	dois	aspectos	de
uma	sombria	realidade
1.	 A	 evolução	 dos	 tratados	 internacionais,	 a
legislação	 lusitana	 e	 a	 questão	 do	 tráfico	 de
escravos
2.	 A	 independência	 do	 Brasil	 e	 o	 Tráfico	 de
Escravos
3.	 Tráfico	 de	 escravos	 e	 os	 tratados
internacionais	firmados	pelo	Império	do	Brasil
4.	Interlúdio:	a	Abdicação	de	D.	Pedro
5.	A	Lei	de	7	de	novembro	de	1831,	a	 lei	para
inglês	ver:	a	ilegalidade	da	escravidão
6.	O	Bill	Aberdeen	e	o	impasse	Diplomático
7.	A	Lei	Eusébio	de	Queirós	e	o	fim	do	tráfico
internacional	de	escravos
8.	O	Tráfico	interprovincial	de	escravos
Capítulo	4.	Estatuto	Civil	do	Escravo
1.	Natureza	Jurídica	do	escravo
2.	O	 status	do	 escravo	na	 legislação	brasileira:
persona	e	res
3.	Escravo	e	Patrimônio
4.	A	Alforria	e	as	Cartas	de	Liberdade
5.	 A	 ingratidão:	 precariedade	 da	 liberdade
concedida
6.	 Lei	 do	 Ventre-Livre:	 direito	 à
alforria:indenização	assegurada	ao	senhor
7.	Ações	de	Liberdade
8.	O	escravo:	família	e	herança
9.	O	Escravo	como	agente	e	objeto	de	relações
do	direito	civil
Capítulo	5.	O	Escravo	e	o	Direito	penal	material	e
processual
1.	 O	 escravo	 como	 inimigo:	 um	 problema	 de
segurança	pública
2.	O	Direito	Penal	do	Inimigo
3.	O	grande	medo:	o	espectro	da	revolta	escrava
4.	O	Direito	Penal	e	Processual	penal	aplicado
ao	escravo
4.1	A	Lei	Penal	e	o	escravo
4.2	Das	penas	aplicadas	aos	escravos
4.2.1	A	pena	de	açoitação
4.2.2	A	pena	de	morte
4.2.3	O	debate	acerca	da	comutação	da	pena
de	morte	ou	de	açoitação	na	pena	de	galés
5.	A	pena	de	morte	e	a	Lei	nº	04,	de	10	de	junho
de	1855
Capítulo	 6.	 A	 Administração	 da	 Opressão:	 o
controle	de	escravos	no	Império	do	Brasil
1.	 A	 escravidão	 e	 a	 descentralização	 da
violência
2.	 Impossibilidade	 de	 se	 criar	 uma	 estrutura
administrativa	 centralizada	 para	 controlar	 o
elemento	servil
3.	As	Personagens	da	Opressão
3.1	O	Capitão	do	Mato
3.2	O	Feitor
3.3	O	Carrasco
Capítulo	7.	O	caminho	para	a	Abolição
1.	A	Abolição	como	uma	conquista
2.	 Os	 Fundos	 emancipatórios	 e	 o	 sistema	 de
matrícula	dos	escravos
3.	O	desmoronamento	do	sistema	escravista
4.	A	Lei	Áurea
Conclusão.	“Vós	que	aqui	entrais,	abandonai	toda
a	esperança.”
Referências
PREFÁCIO
Gostaria	 de	 dizer	 que	 me	 senti	 extremamente	 honrado	 com	 o
convite	feito	pelo	colega	André	Campello	para	prefaciar	o	seu	livro.
Quero	 deixar	 claro	 que	 tinha	 conhecimento	 que	 o	 André
Campello	 era	 um	 pesquisador	 meticuloso.	 Como	 exemplo,	 posso
citar	 o	 seu	 Manual	 do	 Contribuinte,	 publicado	 pelo	 Sindicato
Nacional	dos	Procuradores	da	Fazenda	Nacional	–	Sinprofaz,	já	em
segunda	 edição,	 o	 qual	 demandou	 uma	 pesquisa	 acurada	 e	 uma
linguagem	 clara,	 pois	 é	 obra	 voltada	 não	 para	 o	 profissional	 do
Direito,	mas	sim	para	o	contribuinte.
No	 que	 se	 refere	 especificamente	 ao	 Manual	 Jurídico	 da
Escravidão,	posso	afirmar	com	toda	certeza	que	é	obra	na	qual	foi
realizada	 uma	 pesquisa	 profunda	 sobre	 o	 tema	 da	 escravidão,
procurando	 esclarecer	 pontos	 sempre	 e	 talvez	 propositalmente
obscuros	da	História	do	Brasil	sobre	o	tema.
Como	 exemplo	 de	 alguns	 pontos	 da	 história	 que	 foram
devidamente	 esclarecidas	 pelo	 autor,	 podemos	 citar	 a	Lei	 de	 7	 de
novembro	 de	 1831,	 que	 teria	 finalizado	 o	 tráfico	 internacional	 de
escravos.	Como	o	Manual	deixa	 evidente,	 isso	 infelizmente	não	 é
verdade.	 Conhecido	 esse	 diploma	 legal	 como	 a	 “Lei	 para	 Inglês
Ver”,	eis	que	surgiu	como	resposta	à	exigência	da	Inglaterra	de	que
se	 encerrasse	 o	 tráfico	 negreiro.	 Todavia,	 o	 tráfico	 internacional
ainda	perdurou	por	muito	tempo,	tendo	sido	contrabandeados	para	o
Brasilentre	 os	 anos	 de	 1830	 e	 1852,	 um	 número	 estimado	 de
646.315	africanos.
Dadas	as	explicações	do	Manual,	vemos	que,	de	 fato,	somente
com	 o	 advento	 da	 Lei	 nº	 581,	 de	 04	 de	 setembro	 de	 1850,
conhecida	 como	 Lei	 Euzébio	 de	Queiroz,	 o	 odioso	 tráfico	 teve	 o
seu	fim.
Outra	falácia	desmentida	no	Manual	é	de	que	a	partir	da	Lei	do
Ventre-Livre	não	nasceriam	mais	escravos	no	Brasil:	continuaram	a
nascer	 crianças	 filhas	 de	 escravas,	 que	 permaneceram	 como
escravos	por	toda	a	sua	existência.
Da	 mesma	 forma,	 a	 Lei	 dos	 Sexagenários	 não	 alforriou	 de
forma	 automática	 todos	 os	 escravos	 que	 alcançavam	 a	 idade	 de
sessenta	anos.	O	parágrafo	10o,	do	art.	3o,	da	Lei	nº	3.270,	de	28	de
setembro	de	1885,	previa	que	como	forma	de	indenização	ao	senhor
de	escravos,	o	cativo	deveria	trabalhar	por	mais	três	anos	antes	de
se	tornar	liberto.
O	 livro	 também	 apresenta	 um	 minucioso	 estudo	 sobre	 a
legislação	que	amparou	o	regime	escravagista,	como	as	Ordenações
e	a	Constituição	de	1824.
Um	ponto	 também	abordado	é	 sobre	quem,	na	 realidade,	mais
lucrava	com	a	escravidão.	Muitos	responderiam	que	seria	o	senhor
de	 escravos	 que	 afinal	 os	 utilizava	 na	 agricultura.	 Na	 verdade,	 a
escravidão	 era	 extremamente	 lucrativa	 para	 aquele	 personagem
mais	 abjeto	 da	 sua	 cadeia	 produtiva,	 se	 é	 que	 podemos	 nos
expressar	desta	forma,	que	era	a	figura	do	traficante	de	escravos.
O	 sétimo	 capítulo	 nos	 traz	 uma	 análise	 sobre	 a	 atuação	 de
personagens	 constantemente	 citados	 nos	 romances	 de	 época	 do
Brasil	quando	tratam	do	tema	da	escravidão:	o	capitão	do	mato,	o
feitor	e	o	carrasco.	Vale	ressaltar	que	ao	contrário	do	que	acontece
nas	 sociedades	 mais	 avançadas,	 no	 qual	 o	 monopólio	 da	 força
ficava	 a	 cargo	 do	 Estado,	 na	 sociedade	 escravocrata,	 tal	 fato	 não
ocorria.
O	 Estado,	 para	 procurar	 coibir	 insurreições	 dos	 escravos,
permitia	 que	 agentes	 públicos,	 semipúblicos	 ou	 privados
exercessem	a	violência.	Tal	arranjo	não	poderia	nunca	dar	certo.	O
que	existia	costumeiramente	era	o	emprego	excessivo	da	violência
por	parte	desses	agentes	paraestatais.
Por	último,	não	 se	pode	deixar	de	citar	que	o	autor	demonstra
com	todas	as	letras	o	horror	que	era	a	escravidão	no	Brasil.	Horror
para	uma	sociedade	que	não	sabia	viver	sem	a	presença	da	servidão
e,	principalmente,	um	terror	indescritível	para	aqueles	que	sofreram
na	própria	pele	a	privação	da	liberdade,	pelo	simples	fato	de	serem
negros.
Infelizmente,	a	nódoa	da	escravidão	que	se	espalhou	sobre	este
país	por	388	anos,	ainda	não	se	extinguiu.	Medidas	como	as	cotas
nas	 universidades	 públicas	 são	 paliativos	 que	 ainda	 não
conseguiram	resgatar	a	dívida	que	a	 sociedade	brasileira	 tem	para
com	os	milhões	de	indivíduos	escravizados	e	seus	descentes.
Conclui-se	 que	 o	Manual	 Jurídico	 da	 Escravidão	 é	 uma	 obra
séria,	escrita	em	linguagem	fácil,	que	poderá	ser	utilizado	tanto	pelo
estudante,	 quanto	 pelo	 pesquisador	 da	 escravidão	 no	 Brasil,
qualquer	 que	 seja	 a	 sua	 perspectiva,	 independente	 da	 área
acadêmica	a	qual	pertença.
Rio	de	Janeiro,	08	de	janeiro	de	2018
Sérgio	Luís	de	Souza	Carneiro
Procurador	da	Fazenda	Nacional
Mestre	em	Direito
Apaixonado	estudioso	da	História
PRÓLOGO
Há	130	anos,	a	então	Regente	do	Império	do	Brasil,	a	princesa
Isabel,	 declarou	 extinta	 a	 escravidão	 no	 Brasil.	 Entretanto,	 essa
nebulosa	mácula	 que	 aflige	 nossa	 história	 ainda	 está	 longe	 de	 ser
dissipada.	 Ao	 leitor	 apresenta-se,	 então,	 o	 Manual	 Jurídico	 da
Escravidão:	 uma	 obra	 que	 permite	 ter	 o	 primeiro	 contato	 com	os
institutos	 que	 conferiam	 fundamento	 à	 estrutura	 de	 opressão	 dos
negros	durante	o	Império	do	Brasil.
A	 escravidão	 não	 era	 apenas	 uma	 relação	 de	 força	 de	 um
indivíduo	(ou	grupo	social)	sobre	outro,	mas	um	fenômeno	social
legitimado,	pois	se	amparava	no	ordenamento	jurídico	brasileiro	em
vigor	durante	o	século	XIX.	Ela	representava	o	verdadeiro	alicerce
jurídico	 da	 sociedade	 brasileira,	 pois	 todas	 as	 relações	 sociais
estavam	 contaminadas	 pela	 sua	 nódoa.	 Nesse	 sentido,	 o	Manual
busca	 enfrentar	 questões,	 sob	 o	 ponto	 de	 vista	 jurídico,
apresentando	 a	 servidão	 negra	 como	 ela	 realmente	 era	 encarada
pela	sociedade	brasileira	do	século	XIX:
O	 escravo	 era	 uma	 coisa	 ou	 uma	 pessoa?	 Ele	 poderia	 ser
processado	 criminalmente?	 Seria	 possível	 o	 cativo	 adquirir
patrimônio	ou	constituir	uma	família?	E	a	sua	herança?
O	 senhor	 poderia,	 legalmente,	 aplicar	 castigos	 aos	 seus
escravos?	Poderia	o	proprietário	aplicar	uma	penalidade	de	morte?
O	escravo	poderia	processar	o	seu	senhor?
O	escravo	era	cidadão	do	Império?	Se	ele	não	era	um	cidadão,	o
Brasil	estaria	a	escravizar	estrangeiros?	Existia	no	Brasil	o	crime	de
redução	à	condição	análoga	de	escravos?
A	sociedade	brasileira	tinha	“medo”	dos	escravos?	Os	escravos
aceitavam	passivamente	o	seu	cativeiro?	Como	era	a	legislação	que
buscava	 conter	 o	 medo	 de	 uma	 insurreição	 escrava	 como	 a	 do
Haiti?
Afinal,	quando	se	iniciou	a	escravidão	no	Brasil?	A	Constituição
do	 Império	 recepcionou	 a	 escravidão?	 Qual	 a	 legislação	 que
regulamentava	o	assunto?	Existia	um	Código	Negro	no	país?
Como	 poderia	 um	 escravo	 postular	 judicialmente	 a	 sua
liberdade?	Qual	a	ação	e	como	era	o	seu	processamento?	O	escravo
poderia	 constituir	 um	 representante?	 Um	 escravo	 depois	 de
alforriado	poderia	ser	reescravizado?
O	que	foi	a	lei	para	inglês	ver?	Por	que	a	maioria	dos	escravos
do	Brasil,	na	década	de	1870,	estavam	sendo	mantidos	ilegalmente
nas	senzalas?	Por	que	 foi	 tão	complicado	acabar	com	o	 tráfico	de
escravos?	Portugal	aboliu	a	escravidão	no	século	XVIII?
Como	se	organizavam	as	estruturas	administrativas	da	opressão?
O	 Estado	 interferia	 em	 tudo?	 O	 carrasco	 era	 um	 cargo	 público?
Feitores	poderiam	ser	escravos?	Os	capitães	do	mato	poderiam	ser
agentes	públicos?
Como	foi	a	marcha	para	a	Abolição	da	escravidão?	A	Lei	Áurea
realmente	“libertou”	os	escravos?	Qual	o	efetivo	alcance	das	Leis
do	Ventre	Livre	e	do	Sexagenário?
Transcorrido	mais	 de	 século	 desde	 o	 advento	 da	 Lei	Áurea,	 a
sociedade	 brasileira	 ainda	 busca	 uma	 forma	 para	 cicatrizar	 as
feridas	 deixadas	 por	 mais	 de	 trezentos	 anos	 de	 escravismo.	 O
Manual	Jurídico	da	Escravidão	pretende	trazer	ao	leitor	a	dinâmica
jurídica	do	sistema,	permitindo	compreender	o	que	foi	a	escravidão
no	 Império	 do	 Brasil,	 para	 que	 se	 possa	 também	 entender	 a
realidade	de	exclusão	que	nos	rodeia.
Dante	Alighieri,	o	poeta	de	Florença,	na	sua	 tenebrosa	viagem
aos	 confins	 do	 Inferno,	 somente	 de	 lá	 saiu	 quando	 alcançou	 a
redenção	 ao	 conhecer	 a	 verdadeira	 natureza	 do	 mal.	 O
conhecimento	o	libertou.	Esse	é	o	propósito	do	Manual	Jurídico	da
Escravidão.	 Portanto,	 leitor,	 estamos	 ingressando	 no	 coração	 das
trevas	 e	 lhe	 convidamos	 a	 trafegar	 em	 outro	mundo,	 em	 um	 país
totalmente	diferente	do	nosso,	mas	estranhamente	familiar,	no	qual
esse	 fruto	 da	 maldade	 humana	 era	 elemento	 constitutivo	 da
paisagem.
INTRODUÇÃO
Muito	 já	 se	 escreveu,	 pesquisou,	 filmou	 e	 encenou	 sobre	 a
escravidão	 negra	 no	 Brasil,	 mas,	 por	 incrível	 que	 pareça,	 o	 tema
ainda	é	conhecido	muito	superficialmente.	Para	suprir	essa	lacuna,
apresenta-se	ao	leitor	o	Manual	Jurídico	da	Escravidão:	uma	obra
que	 propõe	 o	 primeiro	 contato	 com	 os	 institutos	 que	 conferiam
fundamento	 à	 estrutura	 de	opressão	dos	negros	 durante	 o	 Império
do	Brasil.	Pretende-se	revelar	que	o	cativeiro	não	era	apenas	uma
relação	de	 força	de	um	 indivíduo	 (ou	grupo	 social)	 sobre	outro,
mas	 um	 fenômeno	 social	 legitimado,	 pois	 se	 amparava	 no
ordenamento	jurídico	brasileiro	em	vigor	durante	o	século	XIX.
Se	o	contrato	de	trabalho,	previsto	na	atual	Consolidação	da	Lei
do	Trabalho1,	pode	ser	compreendido	como	o	fundamento	jurídico
das	 relações	 econômicas	 da	 sociedade	 brasileira,	 moldando-a;	 a
escravidão	ganha	uma	dimensãomuito	maior2.
De	fato,	deve-se	ter	em	mente	que	a	escravidão	representava	o
verdadeiro	alicerce	jurídico	da	sociedade	brasileira,	pois	todas	as
relações	 sociais	 estavam	 por	 ela	 contaminadas3.	 Os	 poderes	 e
deveres	que	uma	das	partes	possuía	nesse	horrível	 tipo	de	 relação
eram	 muito	 mais	 profundos,	 alcançando	 até	 os	 mais	 básicos
aspectos	 da	 vida	 dos	 escravos,	 submetidos	 ao	 exercício	 do	 poder
senhorial4.
Em	síntese,	o	que	se	apresenta	é	a	uma	obra	que	permite	estudar
a	escravidão	sob	a	perspectiva	do	direito	posto	e	vigente	no	século
XIX.	 O	 Manual	 Jurídico	 da	 Escravidão	 pretende	 permitir	 a
compreensão	do	estranho,	sombrio,	sangrento	e	infame	universo	de
um	instituto	jurídico	que	estava	em	vigor	no	Brasil	até	13	de	maio
de	1888	e	cuja	sinistra	sombra	ainda	espreita	a	sociedade	brasileiro
no	século	XXI5.
Escravidão:	eliminando	equívocos
Estudar	 o	 instituto	 jurídico6	 da	 escravidão	 negra,	 em	 um
primeiro	momento,	pode	parecer	uma	atividade	estranha,	pois	ele	é
geralmente	retratado,	pelos	meios	massivos	de	comunicação,	como
uma	relação	de	aplicação	da	força,	com	ou	sem	crueldade.	Isto	é,	a
escravidão,	 para	 muitos,	 é	 vista	 como	 um	 fenômeno	 de	 pura
submissão	 de	 um	 ser	 humano	 ao	 poder	 senhorial	 –	 no	 caso	 da
experiência	 brasileira	 no	 século	 XIX,	 do	 negro	 africano7	 –,
transformado	em	uma	“coisa”,	em	um	“objeto”.
Nesse	 sentido,	 a	 escravidão	 é	 enxergada	 apenas	 como	 um
fenômeno	 fático	 (percebido	 apenas	 vagamente	 sob	 nuances
sociológicas	ou	econômicas),	que	existia	no	Brasil	do	século	XIX,	e
foi	simplesmente	extinto	por	meio	da	Lei	nº	3.353,	de	13	de	maio
de	 1888,	 promulgada	 pela	 Princesa	 Isabel,	 conhecida	 como	 a
“Redentora”.	Trata-se	de	uma	visão	absolutamente	equivocada.	Não
é	possível	resumir	assim	a	questão,	pois	a	escravidão	era	amparada
por	 uma	 legislação	 que	 inclusive	 a	 constitucionalizava,	 de	 forma
oblíqua8.
Igualmente	 distorcida	 é	 a	 perspectiva	 de	 que	 a	 escravidão	 era
passivamente	 aceita	 pelos	 escravos9,	 urbanos	 ou	 rurais,	 e	 que	 tais
relações	 se	 assentavam	 em	 um	 ambiente	 de	 cordialidade	 entre
senhores	 e	 servos,	 sempre	 de	 forma	 paternalista	 ou	 de	 franca	 e
respeitosa	camaradagem.	Longe	disso,	a	escravidão	era	uma	relação
social	 que,	 por	 meio	 de	 sua	 violência	 (potencial	 ou	 efetiva,	 mas
sempre	 presente),	 brutalizava	 toda	 a	 sociedade,	 tornando-a	 quase
insensível	 a	 um	 problema	 que	 atingia	 milhões	 de	 indivíduos	 que
viviam	no	cativeiro,	muitas	vezes	ilicitamente.
Por	fim,	também	incorreta	é	a	visão	de	que	não	havia	um	direito
positivo	 que	 possibilitasse	 a	 construção	 de	 fundamentos	 jurídicos
para	 a	 relação	 de	 propriedade	 sobre	 outro	 ser	 humano.	 Nunca
houve,	de	 fato,	um	Código	Negro	no	Brasil10,	 como	em	vigor	 em
outras	localidades	da	América11,	 isto	é,	um	diploma	jurídico	único
que	viesse	a	regulamentar	o	sistema	de	trabalho	escravo,	o	tráfico,
os	 órgãos	 administrativos,	 bem	 como	 os	 castigos,	 estabelecendo
sanções	 e	multas	pelo	 seu	descumprimento12.	 Entretanto,	 isso	 não
significa	 que	 não	 existia	 um	 arcabouço	 jurídico	 que	 viesse	 a
regulamentar	 as	 complexas	 situações	 decorrentes	 das	 relações
humanas	 presentes	 na	 exploração	 da	 mão	 de	 obra	 escrava,	 bem
como	seus	conflitos13.
Em	última	análise,	a	escravidão	era	uma	relação	de	poder	que,
para	se	legitimar,	encontrava	seus	alicerces	no	Direito	positivo.	Ao
se	estudar	as	relações	de	trabalho	que	se	baseavam	no	emprego	do
elemento	servil,	nota-se	que,	para	as	autoridades	públicas	e	para	os
proprietários,	 havia	 um	 receio	 constante	 de	 que	 a	 classe	 oprimida
viesse	 a	 insurgir-se	 contra	 aqueles	 que	 possuíam	 os	 meios	 de
produção	 e	 contra	 o	 Poder	 público14.	 No	 caso	 da	 escravidão,	 o
receio	 era	 intensificado	 porque	 a	 violência	 estava	 umbilicalmente
ligada	à	sua	prática,	logo,	a	questão	da	segurança	pública	e	o	temor
de	rebeliões	sempre	acompanharam	a	sua	história.
Justificativa	e	objetivos
Quando	 estudante,	 nos	 bancos	 da	 Faculdade	 de	 Direito	 do
Recife,	um	dos	nossos	professores	nos	falou	que	todo	docente	que,
na	 sua	 primeira	 aula,	 viesse	 a	 discorrer	 sobre	 a	 justificativa	 da
disciplina	que	iria	ministrar,	na	verdade,	implicitamente	dizia	que	o
conteúdo	 não	 possuía	 nenhuma	 importância.	 Evidente	 que	 se
tratava	 de	 uma	 brincadeira	 para	 chamar	 a	 atenção	 dos	 alunos,
entretanto,	 o	Manual	 Jurídico	 da	 Escravidão	 poderia	 iniciar	 da
mesma	 forma,	 pois	 o	 estudo	 da	 Escravidão	 guarda	 consigo	 uma
relevância	 manifesta,	 sendo	 assunto	 imprescindível	 para
compreender	a	história	do	nosso	país15.
Não	obstante	o	 tema	escolhido,	essa	obra,	entretanto,	 tem	uma
proposta	 um	 pouco	 diferente:	 não	 almeja	 falar	 apenas	 sobre	 a
escravidão.	Com	o	Manual,	pretende-se	estudar	a	escravidão	sob	a
perspectiva	jurídica,	apresentando	o	tema	de	forma	sistematizada.	O
leitor	 poderia,	 então,	 indagar:	 qual	 a	 razão	 para	 estudar	 um
complexo	 de	 normas	 jurídicas	 que	 buscavam	 regular	 uma	 odiosa
relação	humana	baseada	na	força	do	homem	sobre	o	homem?
Por	 mais	 estranho	 que	 possa	 parecer,	 a	 escravidão	 não	 era
apenas	 uma	 relação	 de	 força.	 O	 direito	 brasileiro	 legitimava	 e
também	buscava	 assegurar	 que	 o	 sistema	 escravista	 continuasse	 a
ser	a	relação	jurídica	base	do	sistema	produtivo	do	século	XIX.
Portanto,	 tal	 relação	 humana	 possuía	 seus	 alicerces	 em	 um
ordenamento	 jurídico	 que	 permitia	 que	 milhões	 de	 homens	 e
mulheres	fossem	privados	dos	seus	mais	básicos	direitos:	a	própria
vida,	bem	como	a	sua	dignidade	e	liberdade.
Tal	pretensão,	por	si	só	já	justificaria	a	elaboração	de	uma	obra
acerca	 da	 escravidão	 no	 Brasil.	 Entretanto,	 como	 dito,	 o	Manual
Jurídico	 da	 Escravidão	 tem	 uma	 finalidade	 diferente.	 Para	 se
escrever	 sobre	 a	 escravidão,	 de	 forma	 completa,	 exigiria-se	 a
elaboração	de	um	verdadeiro	 tratado	 sobre	 o	 assunto,	 com	vários
tomos,	não	apenas	pela	bibliografia	existente16,	mas	sobretudo	pelo
período	de	tempo	e	a	complexidade	do	assunto17.	Entretanto,	nosso
objetivo	 é	 fornecer	 as	 primeiras	 linhas	 para	 que	 o	 leitor	 possa
compreender	a	escravidão	negra	sob	a	perspectiva	jurídica.
O	Manual	 Jurídico	 da	 Escravidão	 é	 uma	 obra	 de	 História	 do
Direito	 que	 apresenta	 ao	 leitor,	 de	 forma	 simples	 e	 sistematizada,
mas	não	superficial,	a	estrutura	do	instituto	jurídico	da	Escravidão.
A	sua	preocupação	é	realizar	uma	exposição	compreensível,	a	ponto
de	 que	 o	 leitor	 possa	 visualizar	 não	 apenas	 as	 relações	 de	 poder
entre	o	escravo	e	o	senhor,	mas	também	como	o	direito	brasileiro,
durante	 o	 Império	 do	 Brasil,	 regulamentava	 tal	 relação	 jurídica.
Para	 tanto,	 serão	 evidenciados,	 além	 dos	 mencionados	 alicerces
jurídicos,	 a	 sua	 dinâmica,	 a	 fim	 de	 que	 seja	 possível	 conhecer	 o
regime	 jurídico	 da	 escravidão,	 bem	 como	 a	 natureza	 jurídica	 do
escravo,	tanto	no	âmbito	civil	quanto	no	penal18.
Não	se	prescindirá	de	estudar	os	principais	fatos	históricos,	que
muitas	 vezes	 servem	 de	 fonte	 do	 direito19,	 mas	 o	 foco	 será	 o
ordenamento	 jurídico	 brasileiro	 positivado	 durante	 o	 Império	 do
Brasil.	Por	essa	razão,	um	estudo	sistêmico	do	Direito	brasileiro	do
período	 não	 se	 fará	 apenas	 com	 vagas	 referência	 às	 normas:	 elas
serão	 transcritas	 para	 que	 o	 leitor	 possa	 tirar	 suas	 próprias
conclusões.
Similarmente,	 serão	 apresentadas,	 quando	 possível,	 as
perspectivas	 dadas	 pelos	 doutrinadores	 da	 época	 acerca	 dos
institutos	 jurídicos	então	vigentes,	além	de	atos	administrativos	de
interpretação	 oficial	 da	 legislação	 imperial.	 Por	meio	 da	 presente
obra,	 portanto,	 o	 leitor	 contemporâneo	 poderá	 facilmente
compreender	 não	 apenas	 como	 era	 a	 regulação	 jurídica	 da
escravidão,	mas	também	vislumbrar	a	evolução	do	instituto.
Reanimando	um	direito	morto
Evidente	que	o	maior	risco	em	um	estudo	de	história	do	direito	é
incorrerem	 anacronismo20,	 ou	 seja,	 observar	 e	 interpretar	 as
normas	 jurídicas	 com	 uma	mentalidade	 diferente	 daquela	 em	 que
tais	 institutos	 vigoraram.	Por	 outro	 lado,	 o	 fascínio	 de	 se	 realizar
um	 estudo	 sobre	 história	 do	 direito	 reside	 no	 fato	 de	 que	 ao	 se
retomar	 a	 legislação	 de	 um	 ordenamento	 jurídico	 que	 não	 mais
vigora,	 em	 verdade,	 o	 pesquisador	 se	 depara	 com	 a	 alma	 de	 uma
sociedade	que	não	mais	existe.	Seu	trabalho	é	como	reanimar,	com
um	sopro,	um	ser	que	não	mais	vive,	observando	como	ele	reage	e
se	movimenta,	quais	são	seus	objetivos,	suas	visões	de	mundo,	seus
traumas.
Com	 o	 estudo	 das	 formas	 jurídicas,	 busca-se	 enxergar	 o
cotidiano	e	compreender	como	uma	sociedade	tutela	seus	principais
valores	e	como	pretende	defender	e	efetivar	os	direitos	assegurados,
cristalizados	 nas	 suas	 normas	 jurídicas.	 Sem	 dúvidas	 esse	 ato	 de
reconstrução	da	dinâmica	jurídica	é	uma	atividade	artificial,	já	que
os	 integrantes	 daquela	 sociedade,	 sobre	 a	 qual	 incidiam	 aquele
ordenamento	estudado,	não	se	encontram	presentes.	Portanto,	para
o	estudo	desse	direito	deve-se	buscar	a	doutrina,	a	opinio	iuris,	de
contemporâneos	 que	 pudessem	 nos	 explicar	 a	 dinâmica	 daquele
sistema.
De	outro	modo,	o	direito	não	pode	ser	compreendido	como	um
fenômeno	isolado	no	tempo	e	no	espaço.	Não	pode	ser	vislumbrado
como	um	amontoado	de	normas	que	não	estão	relacionadas	com	os
valores,	 as	visões	de	mundo	e	as	expectativas	de	um	grupo	social
(que	o	cria	e	é	por	ele	governado),	em	determinado	momento	da	sua
história21.	A	percepção	desse	fenômeno	fica	mais	evidente	quando
se	estuda	o	direito	contemporâneo,	pois,	de	certo	modo,	vive-se	sob
a	égide	dessas	normas	e	se	consegue	compreender	os	institutos	e	o
seu	 alcance,	 sendo	 possível	 vislumbrar	 como	 as	 normas	 se
relacionam	para	construir	um	sistema	jurídico.
Os	 indivíduos	 que	 integram	 a	 nossa	 sociedade,	 por	 exemplo,
sejam	ou	não	operadores	do	Direito,	percebem	as	normas	jurídicas,
isto	é,	há	uma	mínima	compreensão	dos	principais	limites	impostos
pelo	 ordenamento	 a	 suas	 condutas,	 inferindo	 também	 os	 direitos
que	 lhe	 são	 assegurados.	 Em	 outras	 palavras,	 por	 se	 viver	 sob	 o
império	do	direito,	é	possível	senti-lo;	consegue-se	perceber	a	sua
dinâmica.
Para	o	operador	do	Direito,	ao	se	ler	as	grandes	obras	jurídicas,
ao	 conversar	 com	 os	 demais	 colegas,	 ao	 trocar	 informações	 na
faculdade,	ao	se	defrontar	com	a	jurisprudência	dos	Tribunais	ou	ao
se	atualizar	com	as	informações	colhidas	na	internet,	fica	manifesta
a	 vivacidade	 do	 ordenamento	 jurídico	 que	 está	 em	 vigor.
Entretanto,	quanto	mais	se	recua	no	tempo,	ao	se	estudar	o	direito
do	passado,	algo	começa	a	desaparecer:	a	percepção	de	“vida”	das
normas	 começa	 a	 se	 esvair.	 Não	 se	 detecta,	 com	mais	 facilidade
como	 as	 normas	 se	 organizavam,	 como	 era	 construído	 o	 sistema
jurídico,	qual	era	o	seu	alcance	e	a	sua	aplicação.
Para	 exemplificar:	 por	 constar	 nos	 livros	 dos	 grandes	 autores
clássicos,	como	Aníbal	Bruno22,	compreende-se	como	era	aplicado
o	Código	 Penal23,	 quando	 dos	 primeiros	 anos	 da	 sua	 origem,	 em
194024.	Ainda	se	é	possível	perceber	a	sua	essência	e	a	sua	conexão
com	 o	 direito	 penal	 atual25,	 pois,	 além	 desse	 diploma	 legal	 ainda
vigorar26,	 houve	 a	 constante	 aplicação,	 sem	 rupturas,	 desde	 a	 sua
criação,	com	a	evolução	da	interpretação	das	suas	normas,	tomando
por	 base	 as	 inúmeras	 constituições	 vigentes,	 em	 cada	 um	 dos
períodos	históricos27.
Em	outras	palavras,	um	leitor	que	viesse	a	desejar	fazer	a	leitura
do	 Código	 Penal,	 na	 sua	 redação	 original,	 não	 estranharia	 o	 seu
conteúdo,	pois	se	trata	de	diploma	legal	que	ainda	guarda	pontos	de
contato	com	o	pensamento	jurídico	contemporâneo	e	com	a	própria
sociedade	 brasileira,	 em	 alguns	 de	 seus	 aspectos,	 apesar	 de	 tal
Código	ser	datado	da	década	de	1940.
Voltando	mais	no	tempo,	ao	ingressar	no	turbulento	século	XIX,
o	leitor	passa	a	enxergar	um	tumultuado	período	histórico,	no	qual
o	 Império	 do	 Brasil	 se	 envolveu	 em	 diversos	 conflitos	 externos
(guerra	 da	 Cisplatina	 e	 Guerra	 do	 Paraguai),	 e	 passou	 por	 sérios
riscos	 de	 fragmentação,	 de	 norte	 a	 sul	 da	 Nação,	 com	 a
Confederação	do	Equador,	a	Balaiada	no	Maranhão,	a	Cabanagem
no	 Grão-Pará	 e	 a	 Guerra	 dos	 Farrapos,	 apenas	 para	 citar	 alguns
exemplos.	É	possível	que,	para	o	leitor,	as	leis	de	tal	período	até	se
assemelhem	 à	 legislação	 de	 civilizações	 desaparecidas,	 como	 o
Código	de	Hamurabi,	da	Babilônia28,	 em	face	do	seu	exotismo	(e
da	estranha	forma	de	se	apresentar),	não	guardando,	aparentemente,
nenhum	contato	com	o	nosso	direito	atual29.
De	 fato,	 ao	 se	 estudar	 o	 direito	 brasileiro	 desse	 período
histórico,	 o	 leitor	 se	 defronta	 com	 obstáculos	 que	 devem	 ser
transpostos.	 O	 primeiro	 deles	 é	 que	 alguns	 dos	 parâmetros
interpretativos	 contemporâneos	 não	 se	 conectam	 às	 estruturas	 do
Brasil	imperial,	isto	é,	a	doutrina	jurídica	não	cria	pontos	de	enlace
imediatos	entre	o	direito	brasileiro	atual	e	o	que	estava	em	vigor	no
século	XIX.
O	 segundo	 empecilho	 reside	 no	 fato	 de	 que	 estudar	 o	 direito
vigente	no	Império	do	Brasil	é	se	deparar	com	normas	jurídicas	que
foram	 criadas	 para	 reger	 uma	 sociedade	 que	 possui	 significativas
diferenças	 econômicas	 e	 culturais	 em	 relação	 ao	 Brasil
contemporâneo.	Portanto,	as	bases	para	compreensão	não	podem	se
fundamentar	 em	 valores	 vigentes	 atualmente,	 pois	 as	 categorias
lógico-jurídicas	que	regiam	o	direito	brasileiro	no	Império	do	Brasil
são	 demasiadamente	 distintas	 das	 que	 vigoram	 –	 a	 começar	 pela
inexistência	 de	 um	 Código	 Civil,	 pela	 manutenção	 do	 odioso
instituto	jurídico	da	escravidão	como	alicerce	do	trabalho	produtivo
e	pelo	fato	de	que	o	Império	era	um	Estado	unitário	sui	generis30.
Adverte-se	 também	 que,	 assim	 como	 no	 estudo	 do	 direito
romano31,	 não	 se	 pode	 vislumbrar	 o	 Império	 do	 Brasil	 como	 um
conjunto	 monolítico	 de	 normas,	 inalteradas	 no	 tempo.	 Estudar	 o
direito	 do	 Império	 do	 Brasil	 desperta	 o	 interesse	 por	 conhecer	 a
evolução	 das	 perspectivas	 da	 sociedade	 brasileira,	 a	 qual	 tentava,
após	 a	 independência,	 construir	 uma	 nação	 continental,	 sendo
possível	 perceber	 o	 nascer	 de	 algumas	 das	 estruturas	 do	 Brasil
contemporâneo.
Construindo	o	Manual	Jurídico	da	Escravidão
No	estudo	realizado,	tenta-se	sistematizar	o	conhecimento	à	luz
de	algumas	das	categorias	lógicas	contemporâneas	para	que	o	leitor
possa	 compreender	 o	 direito	 vigente	 naquele	 período32.	 Assim
como	 nas	 obras	 de	 direito	 romano33,	 faz-se	 uma	 tentativa	 de	 se
apresentar,	 didaticamente,	 aos	 operadores	 jurídicos	 como	 era	 a
estrutura	e	a	aplicação	do	direito	em	uma	sociedade	que	existiu	há
quase	 dois	 séculos.	 Evidente	 que	 não	 se	 busca	 cair	 no	 erro	 do
anacronismo,	 mas	 apenas	 utilizar	 as	 ferramentas	 dadas	 pela
moderna	 ciência	 do	 estudo	 do	 Direito	 para	 entender	 a	 realidade
passada,	segundo	os	valores	da	sociedade	brasileira	do	século	XIX.
Tal	método	é	necessário,	pois,	evidentemente,	não	seria	possível
apenas	 estudar	 o	 direito	 do	 passado	 com	 os	 olhos	 dos	 homens
daquele	período,	afinal	tanto	o	leitor	dessa	obra	quanto	o	seu	autor,
integram	 a	 sociedade	 brasileira	 do	 início	 do	 século	XXI,	 ou	 seja,
pertencem	a	outro	contexto	histórico34.	Por	essa	razão,	ao	longo	do
Manual	 Jurídico	 da	 Escravidão,	 buscou-se	 estudar	 o	 Direito
imperial	 do	 Brasil	 à	 luz	 das	 interpretações	 dos	 doutrinadores	 do
século	 XIX.	 As	 suas	 visões	 e	 os	 seus	 ensinamentos	 acerca	 do
ordenamento	 jurídico	 serviram	 de	 ponto	 de	 partida	 para	 nossas
reflexões.
Não	 nos	 furtamos	 de	 tentar	 adequar	 os	 institutos	 com	 a
tecnologia	linguística	do	direto	contemporâneo,	sobretudo	a	fim	de
decifrar	 as	 disposições	 legais	 estabelecidas,	 além	 de	 também
adaptarmos	 a	 linguagem	 utilizada	 naqueleperíodo	 histórico	 às
regras	ortográficas	atuais.	Dito	isso,	a	obra	se	inicia,	no	seu	capítulo
primeiro,	com	a	análise	e	o	estudo	da	recepção	da	escravidão	pela
legislação	 imperial,	 analisando	 as	 razões	 que	 justificaram	 a
manutenção	desse	maligno	instituto	no	Brasil.
Passa-se,	 a	 seguir,	 no	 capítulo	 segundo,	 a	 um	 estudo	 do
traumático	nascimento	da	Constituição	de	1824,	surgida	das	cinzas
da	 Assembleia	 Constituinte	 de	 1823,	 bem	 como	 das	 normas
constitucionais	 que	 conferiam	 fundamento	 para	 a	 existência	 da
escravidão	no	Brasil.
O	 estudo	 do	 tráfico	 de	 escravos	 está	 no	 âmago	 do	 Manual
Jurídico	 da	 Escravidão,	 no	 terceiro	 capítulo.	 Nele,	 podemos
vislumbrar	a	tendência	da	legislação	internacional	de	abolir	o	abjeto
transporte	interoceânico	de	seres	humanos,	e	respectiva	evolução	da
legislação	 brasileira,	 levando	 à	 promulgação	 da	 Lei	 Euzébio	 de
Queirós,	de	1850.	É	no	quarto	capítulo	em	que	se	analisa	o	estatuto
civil	do	escravo	e	a	possibilidade	da	prática	de	atos	da	vida	civil,
desde	antes	do	advento	da	Lei	do	Ventre	Livre,	em	1871.
A	aplicação	da	lei	penal	sobre	os	cativos	é	estudada	no	capítulo
quinto,	no	qual	se	busca	demonstrar	que	o	elemento	servil	era	visto
como	 um	 problema	 de	 segurança	 pública,	 o	 que	 deu	 causa	 à
construção	de	uma	legislação	para	oprimir	tal	inimigo.	Por	isso,	no
capítulo	sexto,	foi	elaborado	um	estudo	acerca	da	administração	da
opressão	sobre	os	escravos,	a	fim	de	controlá-los	e	manter	o	status
quo	(o	abominável	sistema	escravista)	íntegro,	analisando	as	figuras
do	capitão	do	mato,	do	feitor	e	do	carrasco.
O	caminho	para	Abolição	da	escravidão	foi	narrado	no	capítulo
sétimo,	com	a	análise	do	nascimento	do	movimento	abolicionista,	o
advento	das	Leis	do	Ventre	Livre	(1871)	e	do	Sexagenário	(1885),
dos	 problemas	 que	 decorreram	 da	 aplicação	 desses	 diplomas,	 do
desmoronamento	do	sistema	escravista	e,	por	fim,	do	processo	para
surgimento	da	Lei	Áurea.
Esse	 é	 o	 plano	 do	Manual	 Jurídico	 da	 Escravidão,	 que	 nada
mais	 é	 que	 um	 ponto	 de	 partida	 para	 o	 leitor	 retirar	 o	 véu	 que
encobre	a	verdade	sobre	a	sociedade	brasileira	do	século	XIX,	e	o
permita	adentrar	no	inferno	do	mundo	escravocrata.	Portanto,	leitor,
aqui	 se	 ingressa	no	 coração	das	 trevas35:	 uma	viagem	ao	 sombrio
universo	 da	 escravidão	 brasileira	 é	 um	 convite	 para	 trafegar	 em
outro	 mundo,	 em	 um	 país	 totalmente	 diferente	 do	 nosso,	 mas
estranhamente	familiar,	no	qual	esse	fruto	da	maldade	humana	era
um	elemento	da	paisagem.
Bem-vindo	ao	Brasil	do	século	XIX.
Notas
1.	Decreto-Lei	nº	5.452,	de	1º	de	maio	de	1943.
2.	 “[…]	 ambiguidade	 singular	 em	 que	 vivia	 uma	 sociedade	 na	 qual	 os
trabalhadores	 eram	 também	 mercadorias”	 (Florentino,	 Manolo;	 Goes,	 José
Roberto.	A	 paz	 das	 senzalas:	 famílias	 escravas	 e	 tráfico	 Atlântico,	 Rio	 de
Janeiro,	c.1790-c.1850.	São	Paulo:	Editora	Unesp,	2017,	p.	17).
3.	“[…]	A	propriedade	escrava	era	altamente	disseminada	pelo	tecido	social,	o
que	 significa	 que	 camadas	 variadas	 da	 população	 se	 encontravam
comprometidas	com	a	escravidão,	não	importando	a	extensão	de	suas	posses”
(Florentino,	 Manolo;	 Goes,	 José	 Roberto.	 A	 paz	 das	 senzalas:	 famílias
escravas	 e	 tráfico	 Atlântico,	 Rio	 de	 Janeiro,	 c.1790-c.1850.	 São	 Paulo:
Editora	Unesp,	2017,	p.	45).
4.	 Silva	 Junior,	Waldomiro	 Lourenço	 da.	História.	 Direito	 e	 Escravidão:	 a
legislação	 escravista	 no	 Antigo	 Regime	 Ibero-Americano.	 São	 Paulo:
Annablume,	2013,	p.	40.
5.	 “A	 escravidão	 teve,	 entre	 nós,	 uma	 duração	 de	 quase	 quatro	 séculos	 –
quatro	 vezes	 mais,	 portanto,	 do	 que	 a	 experiência	 do	 trabalho	 livre”
(Florentino,	 Manolo;	 Goes,	 José	 Roberto.	 A	 paz	 das	 senzalas:	 famílias
escravas	 e	 tráfico	 Atlântico,	 Rio	 de	 Janeiro,	 c.1790-c.1850.	 São	 Paulo:
Editora	Unesp,	2017,	p.	35).
6.	“As	 normas	 objetivas	 contêm	 um	mandamento,	 ou	 uma	 diretriz,	 visando
regular	 determinadas	 relações	 de	 fato.	 Mas,	 as	 normas	 não	 são	 criadas	 ao
acaso,	 nem	 vivem	 dispersas	 isoladamente,	 nem	 são	 tampouco,	 apenas
justapostas	ou	aglomeradas	em	quadros	artificiais;	 ao	contrário,	um	nexo	as
une	e	coordena	em	direção	a	um	fim	comum,	transformando-as	em	um	todo
lógico.	Ora,	o	conjunto	de	normas	coordenadas	em	direção	a	um	fim	comum	e
as	 relações	 que	 elas	 visam	 regular,	 constituem	 o	 instituto	 jurídico”	 (Ráo,
Vicente.	 O	 direito	 e	 a	 vida	 dos	 direitos.	 São	 Paulo:	 Editora	 Revista	 dos
Tribunais,	1999,	p.	228).
7.	A	escravidão	do	índio	já	havia	sido	proibida	no	Brasil	desde	o	advento	da
Lei	de	1º	de	abril	de	1680,	ratificada	pela	Lei	de	6	de	junho	de	1755,	para	o
Grão-Pará	 e	 Maranhão,	 sendo	 ampliada	 para	 todo	 o	 restante	 da	 América
lusitana	 em	 1758	 (Freitas,	Décio.	Escravidão	 de	 índios	 e	 negros	 no	Brasil.
Porto	Alegre:	EST/ICP,	1980,	p.	15	e	17).
8.	 Moraes,	 Evaristo	 de.	 A	 Campanha	 Abolicionista:	 1879-1888.	 Brasília:
Editora	Universidade	de	Brasília,	1986,	p.	372.
9.	“Não	se	imagine	que	a	categoria	social	abrangida	sob	o	termo	genérico	de
‘escravos’	formasse	um	conjunto	homogêneo.	[…]	havia	o	violento	desprezo
dos	crioulos	pelos	nativos	da	África,	havia	o	sentimento	de	superioridade	dos
mulatos	 que,	 por	 terem	 sangue	 branco,	 se	 isolavam	 dos	 demais	 escravos,	 e
havia	 ainda	 a	 hostilidade	 por	 vezes	 insopitável	 entre	 escravos	 de	 diferentes
nações	 africana”	 (Freitas,	 Décio.	 Palmares:	 a	 guerra	 dos	 escravos.	 Rio	 de
Janeiro:	Edições	Graal,	1982,	p.	31-32).
10.	A	escravidão	do	índio	já	havia	sido	proibida	no	Brasil	desde	o	advento	da
Lei	de	1º	de	abril	de	1680,	ratificada	pela	Lei	de	6	de	junho	de	1755,	para	o
Grão-Pará	 e	 Maranhão,	 sendo	 ampliada	 para	 todo	 o	 restante	 da	 América
lusitana	em	1758.
11.	 Como	 o	Code	Noir	 francês	 de	 1685:	 “uma	 coletânea	 de	 regulamentos,
compilados	 até	 o	 presente,	 concernentes	 ao	 governo,	 à	 administração	 da
justiça,	à	polícia,	à	disciplina	e	ao	comércio	de	negros	nas	colônias	francesas”
(Silva	 Júnior,	Waldomiro	Lourenço	 da.	História,	Direito	 e	 Escravidão.	 São
Paulo:	Annablume:	Fapesp,	2013,	p.	155).
12.	As	razões	para	 tanto	podem	ser	estudadas	na	excelente	análise	em	Silva
Júnior,	Waldomiro	Lourenço	da.	História,	Direito	 e	Escravidão.	 São	 Paulo:
Annablume:	Fapesp,	2013,	p.	153-160.
13.	Teixeira	de	Freitas	nas	suas	Consolidações	das	Leis	Civis	omite	as	normas
que	 regiam	 a	 escravidão,	 não	 porque	 elas	 não	 existissem	 no	 Brasil,	 mas
porque	representavam	uma	indignidade	para	o	país,	ou	seja,	não	queria	ser	o
autor	indiretamente	de	um	abominável	Código	Negro	que	viesse	a	consolidar
tais	odiosas	regras:	“Cumpre	advertir	que	não	há	um	só	lugar	do	nosso	texto,
onde	se	trate	de	escravos.	Temos,	é	verdade,	a	escravidão	entre	nós;	mas	esse
mal	é	uma	exceção	que	lamentamos,	condenada	a	extinguir-se	em	época	mais
ou	 menos	 remota,	 façamos	 também	 uma	 exceção,	 um	 capítulo	 avulso	 na
reforma	 das	 nossas	 Leis	 civis;	 não	 as	 maculemos	 com	 disposições
vergonhosas,	 que	 não	 podem	 servir	 para	 a	 posteridade;	 fique	 o	 estado	 de
liberdade	 sem	 o	 seu	 correlativo	 odioso.	 As	 leis	 concernentes	 à	 escravidão
(que	 não	 são	 muitas)	 serão	 pois	 classificadas	 à	 parte	 e	 formarão	 o	 nosso
Código	 negro”	 (Freitas,	Augusto	 Teixeira	 de.	Consolidação	 das	 Leis	 Civis.
Brasília:	Senado,	2003,	p.	XXXVIII).
14.	Muito	similar	ao	que	ocorria	com	a	preocupação	dos	capitalistas	do	século
XIX	 em	 face	 do	 proletariado	 que	 trabalhava	 nas	 fábricas	 insalubres,	 por
exemplo,	em	Manchester,	na	Inglaterra	(Huberman,	Leo.	História	da	Riqueza
do	Homem.	Rio	de	Janeiro:	Editora	Guanabara,	1986,	p.	185-194).
15.	Moura,	Clóvis.	Dicionário	da	escravidão	negra	no	Brasil.	São	Paulo:	Ed.
USP,	2004,	p.	206.
16.	 Para	 observar	 a	 dimensão	 e	 o	 volume	 de	 obras	 e	 estudos	 acerca	 da
escravidão,	 com	diferentes	 abordagens,	 sugere-se,	 como	ponto	 de	 partida,	 a
leitura	de	Gaspar,	Lúcia.	O	negro	no	Brasil:	uma	contribuiçãobibliográfica.
Recife:	Fudaj/Editora	Massangana,	1994.
17.	Malheiro,	Agostinho	Marques	Perdigão.	A	escravidão	no	Brasil,	v.	1.	Rio
de	Janeiro:	Typografia	Nacional,	1867,	p.	14.
18.	“[…]	a	 relevância	do	 estudo	do	direito	para	 a	 interpretação	histórica	de
uma	determinada	sociedade	pode	ser	ajuizada	pela	noção	de	que	ele	nomeia,
qualifica	e	hierarquiza	todo	divórcio	entre	a	ação	do	indivíduo	e	o	princípio
fundamental	 dessa	 sociedade”	 (Silva	 Júnior,	 Waldomiro	 Lourenço	 da.
História,	Direito	e	Escravidão.	São	Paulo:	Annablume:	Fapesp,	2013,	p.	15).
19.	Para	Savigny:	“Fonte	substancial	do	direito,	pois,	é	a	consciência	comum
do	povo,	que	dá	origem	e	 legitimidade	às	normas	 lógicas	que,	dela,	a	 razão
extrai”	(In:	Ráo,	Vicente.	O	direito	e	a	vida	dos	direitos.	São	Paulo:	Editora
Revista	dos	Tribunais,	1999,	p.	249).	Para	uma	crítica	acerca	da	ambiguidade
e	 outros	 problemas	 decorrentes	 dessa	 expressão,	 ver	 Ferraz	 Junior,	 Tércio
Sampaio.	Introdução	ao	Estudo	do	Direito:	técnica,	decisão,	dominação.	São
Paulo:	Atlas,	2008,	p.	192.	“Por	fontes	do	direito	havemos	de	compreender	os
focos	 ejetores	 de	 regras	 jurídicas,	 isto	 é,	 os	 órgãos	 habilitados	 pelo	 sistema
para	produzirem	normas,	numa	organização	escalonada,	bom	como	a	própria
atividade	desenvolvida	por	esses	entes,	 tendo	em	vista	a	criação	de	normas.
[…]	 não	 basta	 a	 existência	 do	 órgão,	 devidamente	 constituído,	 tornando-se
necessária	 sua	 atividade	 segundo	 as	 regras	 aqui	 previstas	 no	 ordenamento
[devido	processo	 legislativo]”	 (Carvalho,	Paulo	de	Barros.	Curso	de	Direito
Tributário.	São	Paulo:	Saraiva,	2012,	p.	79).
20.	 Utilizar	 a	 perspectiva	 ou	 os	 conceitos	 de	 uma	 época,	 para	 analisar	 os
eventos	 de	 um	 outro	 período	 histórico.	 Vocábulo	 que	 surgiu	 na	 língua
francesa,	 no	 século	 XVI,	 anachronisme,	 o	 qual	 derivou	 do	 idioma	 grego,
anakhronismós,	 de	 anakhronizomai,	 “o	 ato	 de	 colocar	 algo	 fora	 do	 seu
adequado	 tempo	 correspondente”	 (Viaro,	 Mário	 Eduardo.	 Por	 trás	 das
palavras:	 Manual	 de	 etimologia	 do	 português.	 São	 Paulo:	 Globo,	 2004,	 p.
244).
21.	 Ferreira,	 Luís	 Pinto.	Teoria	Geral	 do	 Estado,	 v.	 1.	 São	 Paulo:	 Saraiva,
1975,	p.	31.
22.	Bruno,	Aníbal.	Direito	Penal,	parte	geral:	 introdução,	norma	penal,	 fato
punível.	5.	ed.	Rio	de	Janeiro:	Forense,	2003,	t.	I,	p.	106.
23.	Decreto-Lei	nº	2.848,	de	7	de	dezembro	de	1940.
24.	“Art.	361	–	Este	Código	entrará	em	vigor	no	dia	1º	de	 janeiro	de	1942”
(Código	Penal	de	1940).
25.	Apesar	da	reforma	da	sua	parte	geral	e	de	inúmeros	dispositivos	da	parte
especial.
26.	Trata-se,	de	forma	simplificada,	da	aptidão	que	uma	determinada	 lei,	ou
diploma	 normativo,	 tem	 para	 produzir	 efeitos.	 Ou	 seja,	 a	 lei	 existe	 e	 pode
viger,	isto	é,	já	pode	ser	executada.	(Silva,	de	Plácido	e.	Vocabulário	Jurídico.
Atualizadores:	Nagib	Slaibi	Filho	e	Gláucia	Carvalho.	Rio	de	Janeiro:	Editora
Forense,	2006,	p.	1485).
27.	Constituições	de	1937,	de	1946,	de	1967/69	e	de	1988.
28.	 “Na	 Assíria,	 Pérsia	 e	 Babilônia	 houve	 um	 célebre	 rei	 Hamurabi	 que
promulgou	 notável	 Código,	 […]	 considerado	 o	mais	 antigo	 conhecido	 (XII
Século	antes	de	Cristo)	com	282	parágrafos	ou	Leis,	sendo	uma	compilação
do	 Direito	 Público	 e	 Privado	 compreendendo	 matérias	 processual,	 penal,
administrativa,	civil	e	comercial	[…]”	(Valladão,	Haroldo.	História	do	direito
especialmente	do	direito	brasileiro.	Rio	de	 Janeiro:	Freitas	Bastos,	 1977,	 p.
37).
29.	 Em	 verdade,	 o	 direito	 colonial	 brasileiro,	 por	 exemplo,	 possuía	 uma
estrutura	muita	diversa	da	nossa,	que,	para	o	nosso	olhar,	poderia	se	assimilar
ao	 completo	 caos,	 como	 fala	 Caio	 Prado	 Júnior:	 “um	 amontoado	 que	 nos
parecerá	inteiramente	desconexo,	de	determinações	particulares	e	casuísticas,
de	regras	que	se	acrescentam	umas	às	outras	sem	obedecerem	a	plano	algum
de	 conjunto”	 (Silva	 Júnior,	 Waldomiro	 Lourenço	 da.	 História,	 Direito	 e
Escravidão.	São	Paulo:	Annablume:	Fapesp,	2013,	p.	154).
Eis	um	exemplo:	“[…]	o	regimento	de	17	de	dezembro	de	1548	–	base	do
segundo	sistema	de	administração	colonial	–	vigorou	por	mais	de	um	século,
servindo	a	 todos	os	 sucessores	de	Thomé	de	Souza	até	1677.	Com	o	 tempo
esse	 regimento	 foi	 complementado	 por	 ordenações	 avulsas,	 como	 cartas
régias,	 alvarás	 e	 provisões.	 Elas	 cresceram	 a	 tal	 ponto	 que	 em	 1677	 foi
preciso	 consolidá-las	 num	 outro	 regimento	 que	 foi	 outorgado	 a	 Roque	 da
Costa	 Barreto	 (23-1-1677)”	 (Valladão,	 Haroldo.	 História	 do	 direito
especialmente	do	direito	brasileiro.	Rio	de	 Janeiro:	Freitas	Bastos,	 1977,	 p.
78).
30.	 Essa	 natureza	 unitária	 do	 Império	 é	 reafirmada	 por	 um	 dos	 grandes
constitucionalistas	 de	 época:	 “A	 divisão	 do	 Império	 em	 províncias,	 qual
existia	ao	tempo	em	que	foi	promulgada	a	nossa	lei	fundamental,	assim	como
a	 atual,	 não	 é	 nem	 devia	 ser	 de	 ordem	 constitucional;	 não	 são	 Estados
distintos,	 ou	 federados,	 sim	 circunscrições	 territoriais,	 unidade	 locais,	 ou
parciais	de	uma	si	e	mesma	unidade	geral.	[…]	Por	isso	mesmo	que	o	Império
é	um	e	único,	que	ele	não	é	dividido	em	províncias	senão	no	sentido	a	fim	de
distribuir	 convenientemente	 os	 órgãos	 da	 administração,	 de	 modo	 que	 em
toda	a	extensão	do	país	haja	centros	adequados	e	próximos	para	o	serviço	e
bem-ser	 dos	 respectivos	 habitantes	 […]”	 (Bueno,	 José	 Antônio	 Pimenta.
Marquês	 de	 São	 Vicente.	 Organização	 e	 introdução	 de	 Eduardo	 Kugelmas.
São	Paulo:	Ed.	34,	2002,	p.	88).	O	Ato	Adicional	de	1834,	que	 reformou	a
Constituição	de	1824,	conferindo	atribuições	às	Assembleias	Provinciais,	 as
quais	foram	revistas	posteriormente	pela	Lei	nº	105,	de	12	de	maio	de	1840
(Bonavides,	 Paulo	 e	 Andrade,	 Paes	 de.	História	 Constitucional	 do	 Brasil.
Brasília:	OAB	Editora,	2008,	p.	123-126).
31.	Alves,	José	Carlos	Moreira.	Direito	Romano,	v.	1.	10.	ed.	Rio	de	Janeiro:
Forense,	1995,	p.	67-74.
32.	“O	problema	basilar	da	historiografia	jurídica	se	encontra	na	ordenação	do
material;	 isto	 é,	 na	 imposição	 de	 uma	 sequência	 inteligível,	 e	 de	 conexões
significantes,	 a	 uma	 série	 de	 informações	 e	 de	 fatos	 que	 são	 conhecidos	ou
‘levantados’	através	de	pesquisas”	(Saldanha,	Nelson.	Historiografia	jurídica	e
concepção	 histórica	 do	 direito.	 Estudos	 Universitários:	 Revista	 da
Universidade	Federal	de	Pernambuco,	Recife,	n.	1/2,	p.	60,	jan./jun.	1975).
33.	 Cretella	 Junior,	 José.	 Curso	 de	 direito	 romano:	 o	 direito	 romano	 e	 o
direito	civil	brasileiro.	18.	ed.	Rio	de	Janeiro:	Forense,	1995,	p.	19-20.	Este
mesmo	método	é	utilizado	pelos	autores	quando	se	busca	a	compreensão	do
direito	 romano	 (Correia,	 Alexandre	 e	 Sciascia,	 Gaetano.	Manual	 de	 direito
romano.	5.	ed.	Rio	de	Janeiro:	Sadegra/Livros	cadernos	Ltda,	1996,	p.	32).
34.	 “Quando	 o	 estudioso	 moderno	 trata	 de	 normas	 ou	 de	 textos	 arcaicos,
situa-os	 em	 articulações	 que	 refletem	 a	 arquitetônica	 do	 direito	 tal	 como	 é
concebido	 e	 vivido	 em	 seu	 tempo:	 assim	os	 assiriólogos	 ao	 separar	 normas
administrativas	 das	 normas	 processuais	 dentro	 de	 códigos	 encontrados	 em
tabletas”	(Saldanha,	Nelson.	Historiografia	 jurídica	e	concepção	histórica	do
direito.	 Estudos	 Universitários:	 Revista	 da	 Universidade	 Federal	 de
Pernambuco,	Recife,	n.	1/2,	p.	61,	jan./jun.	1975).
35.	Nas	palavras	de	Rui	Barbosa:	“Se	Dante	Alighieri	tivesse	vivido	no	século
XVIII,	colocaria	o	vértice	dos	sofrimentos	inexprimíveis,	o	círculo	íntimo	do
seu	 Inferno	 no	 porão	 de	 uma	 embarcação	 negreira,	 num	 desses	 núcleos	 de
suplícios	infindos	que	apenas	poderia	descrever	a	poesia	sinistra	da	loucura;
numa	dessas	gemônias	 flutuantes,	ninhos	de	abutres	humanos	que	a	mão	da
mais	 perversa	 das	malfeitorias	 espargiu	 durante	 trezentos	 anos	 no	Atlântico
[…]”	(Lima,	Manuel	de	Oliveira.	O	Movimento	da	Independência:	o	Império
brasileiro	(1821-1889).	São	Paulo:	Melhoramentos,	p.	405).
Capítulo	1
A	Escravidão	como	herança
Origensda	Escravidão	na	América	Portuguesa.
Compreendendo	a	dimensão	da	escravidão	na
sociedade	brasileira
Imagine-se	 voltar	 no	 tempo	 para	 o	 início	 do	 século	 XIX,	 na
zona	da	mata	da	conflagrada	Província	de	Pernambuco,	assolada36
por	duas	revoltas	em	menos	de	uma	década37.	Sob	o	sol	inclemente
dos	 trópicos,	 estaria	 em	 uma	 viagem	 no	 lombo	 de	 um	 equino,
saindo	 da	 capital	 da	 província,	 a	 Cidade	 do	 Recife38,	 no	 litoral,
pouco	depois	das	revoltas	de	1824,	para	a	Villa	de	Goyanna,	mais
ao	 norte,	 no	 interior,	 distando	 pouco	 mais	 de	 60	 quilômetros,
armado	e	acompanhado	de	outros	indivíduos	(já	que	existia	risco	de
roubos)39.
Galopando	 pelas	 quentes	 e	 verdejantes	 paisagens	 bucólicas
tropicais	das	paragens	brasileiras,	nas	grandes	fazendas,	estavam	os
escravos40,	 na	 sua	 miserável	 labuta	 diária41.	 Talvez,	 em	 um
momento	de	reflexão,	você	se	perguntasse	se	isso	sempre	foi	assim:
a	escravidão	sempre	existiu	no	mundo?
Essa	 pergunta	 poderia	 ser	 respondida	 pela	 Bíblia	 cristã.	 Na
época	de	Adão	e	Eva	e	dos	seus	primeiros	descendentes,	não	havia
escravidão.	 Entretanto,	 com	 base	 nos	 versículos	 de	 5	 a	 9,	 do
capítulo	6,	da	Carta	de	São	Paulo	aos	Efésios42,	 já	ouvira	o	padre
admoestar	os	fiéis	a	tratar	bem	seus	escravos,	bem	como	sabia	que
o	santo	católico	havia	recomendado	aos	escravos	que	fossem	bons
para	com	os	seus	“donos”.
Após	 tais	 primeiros	 pensamentos,	 o	 cidadão	 do	 Império	 do
Brasil,	nosso	personagem,	iria	reformular	a	sua	pergunta:	quando	a
escravidão	 surgiu	no	Brasil?	Possivelmente,	ninguém	saberia	 com
precisão43.	Para	oferecer	a	resposta	adequada	deveria	existir	alguém
que	 conhecesse	 bem	a	 legislação	 lusitana,	 o	 que	 seria	 improvável
no	grupo	de	viajantes.	 Imaginando	o	espírito	pouco	letrado	desses
homens,	possivelmente,	com	pouca	polidez,	alguém	responderia	em
tom	de	brincadeira:	“que	ele	deixasse	de	pensar	besteira,	pois	isso
sempre	 existiu!44	 Ou	 será	 que	 ele	 queria	 ocupar	 o	 lugar	 desses
negros?”.
A	 resposta,	 apesar	 de	 bruta,	 toca	 no	 ponto	 correto:	 ao	 menos
para	 a	 América	 lusitana,	 à	 luz	 da	 legislação	 da	 Metrópole,	 a
escravidão	 sempre	 existiu45.	 E	 o	 Império	 do	 Brasil	 recebeu	 a
escravidão	como	algo	natural46.
O	 cativeiro	 de	 milhões	 de	 africanos	 era	 apenas	 mais	 um	 dos
elementos	das	vastas	paisagens	bucólicas	que	integravam	o	imenso
território	da	Nação	governada	pelo	Defensor	Perpétuo	do	Brasil,	D.
Pedro	 I47.	 Naturalmente,	 o	 corpo	 legal	 da	 escravidão	 no	 Novo
Mundo	adquiriu	características	distintas	daquelas	de	Portugal,	mas
se	não	se	desprezava	a	legislação	anterior48,	não	se	criou	um	código
específico	para	regulamentar	tal	relação49.
Apesar	 de	 a	 legislação	 de	 D.	 Alfonso	 X,	 o	 Sábio50,	 manter	 a
escravidão,	recepcionando-a	do	Código	de	Justiniano	(que	a	previa
como	uma	 forma	de	 evitar	 a	morte	 dos	 indivíduos	 capturados	 em
guerras51),	declarava	a	não	naturalidade	dessa	relação,	assegurando
a	 manumissão	 (o	 direito	 à	 alforria).	 As	 posteriores	 Ordenações
Afonsinas52	 e	 Manuelinas	 também	 tratavam	 o	 cativo	 de	 forma
similar53.
Todavia,	 existia	 uma	peculiaridade:	 o	 cativo	 a	 que	 se	 referiam
tais	 legislações	 eram	 os	 mouros	 capturados	 nas	 guerras	 de
Reconquista	 e	 na	 posterior	 expansão	 ultramarina,	 em	 terras
controladas	pelo	Islã54,	ou	seja,	era	o	infiel	aprisionado,	que	poderia
aceitar	 a	 fé	 cristã,	 e	 que	 também	 poderia	 ser	 alforriado55.	 O
tratamento	 dispensado	 ao	 mouro	 submetido	 era	 o	 de	 servo56,	 a
transição	ocorreu	posteriormente.
As	Ordenações	Filipinas,	de	160357	 surgiram	como	o	diploma
legislativo	mais	 próximo	 das	 realidades	 do	Novo	Mundo	 e	 da
exploração	mercantilista	das	riquezas	naturais	das	colônias58.	O
vocábulo	 “servo”	 aparece	 totalmente	 substituído	 por	 “escravo”,
relacionado	 apenas	 aos	 africanos59:	 “[…]	 escravo,	 a	 partir	 da
colonização	 das	 terras	 ultramarinas,	 refere-se	 a	 uma	 realidade
objetivamente	 distinta	 da	 que	 recobre	 o	 mouro	 cativo,	 servo	 ou
“escravo”	metropolitano”60.
Nesse	 diploma	 legal,	 as	 normas	 sobre	 escravidão	 estavam
agrupadas	 no	 Livro	 IV	 (direito	 civil	 substantivo)	 e	 no	 Livro	 V
(direito	 penal	 e	 processual	 criminal)	 das	 Ordenações	 Filipinas,
portanto:
[…]	 a	 legislação	 relacionada	 à	 escravidão,	 de
subordinada	 ao	 campo	 da	 religião,	 passaria	 a	 ser
integrada	 aos	 campos	 relativos	 ao	 comércio	 e	 ao
direito	penal.	[…]	A	transição	do	cativeiro	mouro	(de
caráter	passageiro,	pertencente	à	esfera	eclesiástica	e
com	 importância	 diminuta	 na	 reprodução	 da	 base
material	 da	 sociedade	 portuguesa)	 para	 a	 escravidão
negra	 (de	 caráter	 durável,	 pertencente	 às	 esferas
comercial	e	penal,	e	basilar	na	sustentação	da	empresa
colonial)	enquanto	objetos	legislativos	fica	muito	bem
demonstrada.61
Dentro	 dessa	 visão	 mercantil	 da	 escravidão,	 o	 Título	 XVII,
Livro	IV,	das	Ordenações	Filipinas,	concedia	ao	escravo	africano	a
natureza	de	coisa	comercializável,	reduzindo-o	a	um	mero	bem,	que
poderia	 ser	 transferido	 de	 um	 proprietário	 para	 outro,	mediante	 o
negócio	 jurídico	 da	 compra	 e	 venda62.	 A	 desumanização	 do
escravo63	 era	 tamanha	 que,	 nos	 parágrafos	 desse	 Título	 havia	 a
regulamentação	 de	 eventuais	 vícios	 redibitórios	 no	 contrato	 de
compra	 e	 venda	 do	 escravo,	 além	 de	 outros	 que	 pudessem	 vir	 a
contaminar	o	referido	negócio	jurídico:
Qualquer	pessoa,	que	comprar	algum	escravo	doente
de	 tal	 enfermidade,	 que	 lhe	 tolha	 servir-se	 dele,	 o
poderá	 enjeitar	 a	 quem	 lho	 vendeu,	 provando	que	 já
era	 doente	 em	 seu	 poder	 de	 tal	 enfermidade,	 com
tanto	que	cite	ao	vendedor	dentro	de	seis	meses	o	dia,
que	o	escravo	lhe	for	entregue.	[…]
Se	o	 escravo	 tiver	 cometido	algum	delito,	 pelo	qual,
sendo-lhe	provado,	mereça	pena	de	morte,	e	ainda	não
for	 livre	 por	 sentença,	 e	 o	 vendedor	 ao	 tempo	 da
venda	 e	 não	 declarar,	 poderá	 o	 comprador	 enjeitá-lo
dentro	de	seis	meses,	contados	da	maneira,	que	acima
dissemos.	 E	 o	 mesmo	 será,	 se	 o	 escravo	 tivesse
tentado	matar-se	por	si	mesmo	com	aborrecimento	da
vida,	e	sabendo-o	o	vendedor,	o	não	declarasse.64
Como	 exposto,	 a	 exploração	 colonial	 transformou	 o	 mundo	 e
gerou	 uma	 nova	 forma	 de	 regulamentar	 a	 escravidão,	 a	 qual
passou	a	ser	considerada	pelas	Metrópoles	europeias	como	um	dos
elementos	centrais	para	a	colonização	do	Novo	Mundo65.	Portanto,
seria	 estranho	 que,	 no	 ato	 da	 Independência,	 o	 Estado	 Imperial
Brasileiro	não	recepcionasse	toda	a	legislação	colonial,	juntamente
com	a	relação	jurídica	que	servia	de	base	para	a	manutenção	do	seu
sistema	produtivo,	a	escravidão66.
Por	 essa	 razão,	 ao	 se	 declarar	 a	 independência	 do	Brasil,	 Sua
Majestade	Imperial	recepcionou,	também,	toda	a	legislação	colonial
que	 mantinha	 em	 cativeiro,	 naquela	 época,	 aproximadamente
1.140.000	 escravos,	 dentro	 de	 um	 universo	 de	 3.690.000	 de
indivíduos	no	 território	da	nova	Nação,	ou	seja,	aproximadamente
31%	da	população	da	Nação67.
O	 Império	 não	 herdou	 apenas	 a	 estrutura	 econômico-social
vigente	durante	a	colônia,	mas	 também	a	 legislação	metropolitana
portuguesa,	recepcionada	pela	Lei	de	20	de	outubro	de	182368:
Art.	 1.º	 As	 Ordenações,	 Leis,	 Regimentos,	 Avaras,
Decretos,	 e	 Resoluções	 promulgadas	 pelos	 Reis	 de
Portugal,	e	pelas	quais	o	Brasil	se	governava	até	o	dia
25	 de	 Abril	 de	 1821,	 em	 que	 Sua	 Majestade
Fidelíssima,	 atual	 Rei	 de	 Portugal,	 e	 Algarves,	 se
ausentou	 desta	 Corte;	 e	 todas	 as	 que	 foram
promulgadas	daquela	 data	 em	diante	 pelo	Senhor	D.
Pedro	 de	 Alcântara,	 como	 Regente	 do	 Brasil,	 em
quanto	 reino,	e	como	Imperador	Constitucional	dele,
desde	 que	 se	 erigiu	 em	 Império,	 ficam	 em	 inteiro
vigor	na	parte,	em	que	não	tiverem	sido	revogadas,
para	por	elas	se	regularem	os	negócios	do	interior
deste	 Império,	 enquanto	 se	 não	 organizar	 um	 novo
Código,	ou	não	forem	especialmente	alteradas.
Nafalta	 de	 um	 Código69,	 os	 atos	 da	 vida	 civil	 deveriam	 ser
regidos	 pelo	 Livro	 IV,	 das	 Ordenações	 Filipinas,	 que	 tratava
especificamente	desse	tema,	mas	que	não	possuía	ponto	de	contato
com	 a	 sociedade	 brasileira	 do	 século	 XIX,	 pois	 esse	 diploma
legislativo	havia	sido	criado	durante	a	União	Ibérica70.	A	recepção71
dessa	 estrutura	 jurídica	 obsoleta	 foi	 objeto	 de	 comentários	 pelo
Conselheiro	Joaquim	Ribas:
O	 último	 [trabalho	 legislativo	 português],	 que	 ainda
até	hoje	se	acha	em	vigor,	foi	começado	no	reinado	de
Felipe	 II	de	Espanha	e	 I	de	Portugal,	 e	concluída	no
seguinte,	 sendo	 sancionado	 e	 publicado	pelo	Alv.	 de
11	de	 Janeiro	de	1603.	Em	consequência,	 porém,	da
elevação	 da	 casa	 de	 Bragança	 ao	 trono	 de	 Portugal,
entende-se	 necessário	 revalidar	 estas	 Ordenações,	 e
para	este	fim	expediu	D.	João	IV	a	lei	de	29	de	janeiro
de	1643,	que	revogou	todas	as	legislações	anteriores	a
ela,	 [salvo	 algumas	 exceções]	 […].	Dos	 cinco	 livros
das	 Ordenações	 Filipinas	 quase	 que	 só	 o	 4º	 é
destinado	 à	 teoria	 do	 direito	 civil.	 Mas	 os	 seus
preceitos,	 além	 de	 minimamente	 deficientes,	 e
formulados	 sem	 ordem,	 não	 estão	 ao	 par	 das
necessidades	 da	 sociedade	 atual	 e	 dos	 progressos
da	ciência	jurídica.72
A	nova	Nação	passou	a	ser	regida	por	um	documento	legislativo
que,	na	data	da	sua	independência,	já	possuía	mais	de	200	anos	de
existência73.	E	o	pior,	tal	diploma	legal	e	a	legislação	superveniente
mantinham	a	escravidão.	O	processo	de	Independência	não	buscou
alterar	 os	 elementos	 naquilo	 que	 era	 fundamental:	 a	 escravidão
como	base	das	relações	econômicas74.
A	escravidão	sempre	foi,	ao	menos	para	a	América	lusitana,	um
elemento	 natural	 na	 paisagem,	 como	 em	 uma	 pintura	 de
Rugendas75:	 ela	 era	 o	 alicerce	 sobre	 o	 qual	 se	 erigia	 toda	 a
construção	 da	 riqueza76	 e	 financiamento	 para	 a	 manutenção	 da
estrutura	 burocrática	 lusitana77.	 Junto	 com	 a	 imensidão	 do	 seu
território,	a	ignominiosa	escravidão	serviu	para	a	edificação	da
nova	Nação.
Apresentado	 o	 cenário	 em	 que	 o	 Império	 do	 Brasil	 nasceu,	 é
necessário	que	seja	estudado	o	golpe	de	Estado	dado	por	D.	Pedro	I,
que	 fragilizou	 sua	 figura	pública,	 e	do	qual	nasceu	a	Constituição
de	1824.
Notas
36.	 Além	 da	 Revolução	 pernambucana	 de	 1817	 e	 da	 Confederação	 do
Equador	de	1824,	ainda	houve	em	Recife,	em	1º	de	junho	e	em	dezembro	de
1822,	 levantes	 populares,	 com	 participação	 militar.	 Em	 fevereiro	 de	 1823,
aconteceu	 a	 “Pedrosada”,	 que	 tentou	 instituir	 “uma	 ditadura	 populista
efêmera”	na	Província.	Tais	movimentos	 foram	rapidamente	debelados,	mas
demonstravam	que	as	insatisfações	locais	estavam	em	efervescência,	prontas
para	 explodir	 em	 1824	 (Azevedo,	 Jorge	 Duarte	 de.	Portugal	 e	 Brasil:	 dos
Afonsinos	aos	Bragança.	Brasília:	Senado	Federal,	2008,	p.	357-356).
37.	 Sugere-se	 a	 leitura	 da	 obra	 de	 Mello,	 Evaldo	 Cabral	 de.	 A	 outra
independência:	o	federalismo	pernambucano	de	1817	a	1824.	Rio	de	Janeiro:
Editora	34,	2004,	p.	235,	no	qual	fica	retratada	a	intranquilidade	da	região.
38.	A	antiga	Vila	de	Santo	Antônio	do	Recife.
39.	 Goulart,	 José	 Alípio.	 Da	 fuga	 ao	 suicídio:	 aspectos	 da	 rebeldia	 dos
escravos	no	Brasil.	Rio	de	Janeiro:	Conquista,	1972,	p.	77-108.
40.	 Cumpre,	 desde	 já,	 registrar	 que	 os	 escravos	 no	 Brasil	 não	 eram
compreendidos	 como	 uma	massa	 uniforme.	 Além	 das	 diferenças	 existentes
decorrentes	de	cada	uma	das	terras	africanas	de	onde	eles	eram	provenientes,
havia	uma	classificação	no	que	se	refere	ao	nível	de	aculturamento.	O	escravo
nascido	 na	 África	 era	 denominado	 de	 ladino;	 se	 no	 Brasil,	 chamava-se	 de
crioulo	(Luna,	Luís.	O	Negro	na	Luta	contra	a	Escravidão.	Brasília:	Editora
Cátedra,	1976,	p.	47).
“Boçal	significava,	naquele	tempo	e	em	relação	a	escravos,	que	ele	ainda
não	 sabia	 falar	 a	 língua	 portuguesa”	 (Moraes,	 Evaristo	 de.	 A	 Campanha
Abolicionista:	1879-1888.	Brasília:	Editora	Universidade	de	Brasília,	1986,	p.
368).	“Ladino”	seria	o	negro	africano	catequizado	e	que	já	conhecia	a	língua
portuguesa,	bem	como	as	regras	básicas	da	sociedade	brasileira	(Mamigonian,
Beatriz	G.	Africanos	 livres:	a	abolição	do	 tráfico	de	escravos	no	Brasil.	São
Paulo:	Companhia	das	Letras,	2017,	p.	17).
41.	 Freitas	 dá	 uma	 interpretação	 um	 pouco	 diferente	 a	 esses	 termos:
“Chamavam-se	‘ladinos’	os	escravos	dotados	de	aptidão	para	certos	misteres
especializados.	 […]	 Ordinariamente,	 um	 escravo	 ladino	 valia	 por	 quatro
boçais	 e,	 entre	 os	 ladinos,	 dava-se	 preferência	 aos	 já	 nascidos	 no	 Brasil,
chamados	de	‘crioulos’”	(Freitas,	Décio.	Palmares:	a	guerra	dos	escravos.	Rio
de	Janeiro:	Edições	Graal,	1982,	p.	32).
Importante	 fazer	 breve	 anotação	 acerca	 da	 abolição	 da	 escravidão
indígena:	a	lei	de	1º	de	abril	de	1680,	extremamente	ineficaz,	criou	uma	falsa
expectativa	 de	 liberdade	 para	 os	 cativos	 indígenas,	 razão	 pela	 qual	 houve
muita	 pressão	 política	 para	 a	 sua	 revogação.	 Houve	 regulamentações	 que
retiraram	também	a	eficácia	desse	diploma	legal,	criando	regimes	de	trabalho
forçado	para	os	índios.	Pela	Lei	de	6	de	junho	de	1755,	que	alcançava	apenas
o	Estado	do	Grão-Pará	e	Maranhão	foi	abolida	a	escravidão	no	seu	território,
a	qual	foi	estendida	para	o	restante	da	América	lusitana	por	meio	de	Alvará	de
1758.	O	resgate	dos	indígenas	passou	a	ser	feito	também	às	custas	da	Fazenda
real	 (Bandeira,	 Alípio;	 Miranda,	 Manoel	 da	 Costa.	 A	 situação	 do	 Índio
perante	a	Legislação	Antiga	e	Moderna	in	A	Cidadania	no	Brasil:	o	índio	e	o
escravo	 negro	 (Brasília,	 1988,	Ministério	 do	 Interior,	 p.	 11-38).	 No	 que	 se
refere	aos	índios,	devemos	registrar	que,	o	Império	do	Brasil	permaneceu	em
guerra	 contra	 algumas	 tribos	 até	 1831,	 na	 atual	 região	 Sudeste:	 “[…]	 no
Império,	a	lei	de	27	de	outubro	de	1831	derrogou	a	Carta	Régia	de	13	de	maio
de	 1808	 que	 mandava	 fazer	 guerra	 aos	 Botucudos	 e	 obrigava	 os	 índios
prisioneiros	 de	 S.	 Paulo	 e	 Minas	 Gerais	 a	 servirem	 durante	 15	 anos	 aos
milicianos	 que	 os	 apreendessem.	A	mesma	 lei	 libertava	 todos	 os	 selvagens
escravos	e	mandava	aplicar-lhes	as	Ordenações	Filipinas,	L.1.º,	Tit.	88	ou	seja
o	Regimento	dos	Órfãos.	Vieram	depois	o	Decreto	de	3	de	junho	de	1833	e	o
Decreto	n.	143	de	15	de	março	de	1842,	art.	4.º,	n.	12,	entregando	aos	Juízes
de	Órfãos	a	administração	dos	bens	dos	índios”	(Campello,	Francisco	Barreto
Rodrigues.	A	legislação	fóssil	do	brasil	e	a	menoridade	dos	selvagens.	Revista
Praedicatio,	v.	2,	p.	1,	2010).	Para	uma	visão	geral	da	escravidão	 indígena:
Sampaio,	Aluysio	Mendonça.	Senhores	e	Escravos:	a	escravidão	indígena	no
Brasil.	São	Paulo:	Carthago	e	Forte,	1994.
42.	“Escravos,	obedeçam,	com	medo	e	respeito	àqueles	que	são	seus	nos	aqui
na	 terra.	Façam	isso	com	sinceridade,	como	se	estivessem	fazendo	a	Cristo.
[…]	 Donos	 de	 escravos,	 tratem	 os	 seus	 escravos	 com	 respeito	 e	 parem	 de
ameaça-los	com	castigos.	Lembrem	que	vocês	e	seus	escravos	pertencem	ao
mesmo	Senhor,	que	está	no	céu,	o	qual	trata	a	todos	igualmente”.
43.	O	primeiro	desembarque	de	negros	escravos	em	Portugal,	acredita-se	que
tenha	ocorrido	em	1442,	transportados	por	um	indivíduo	chamado	de	Antônio
Gonçalves.	 Eram	 40	 escravos	 transportados	 da	África	Ocidental.	 Para	mais
detalhes,	ver	Malheiro,	Agostinho	Marques	Perdigão.	A	Escravidão	no	Brasil:
ensaio	histórico-jurídico-social:	africanos,	v.	III.	Rio	de	Janeiro:	Typographia
Nacional,	1867,	p.	2.
44.	“Em	 quase	 todas	 as	 regiões	 do	Brasil	 a	 escravidão	 negra	 era	 o	 aspecto
mais	 característico,	 tanto	 do	 panorama	 rural	 quanto	 do	 urbano.	 Os
portugueses	 tinham	 sido	 os	 primeiros	 pioneiros	 da	 agricultura	 em	 grande
escala	 (fazendas)	 no	 Novo	Mundo	 e	 a	 escravidão	 era	 a	 pedra-de-toque	 da
economia	e	da	sociedade	agrícola”	(Bethell,	Leslie.	A	abolição	do	tráfico	de
escravos	 no	 Brasil:	 a	 Grã-Bretanha,	 o	 Brasil	 e	 a	 questão	 do	 tráficode
escravos.	Rio	de	Janeiro:	Expressão;	São	Paulo:	Ed.	da	USP,	1976,	p.	16).
45.	Estrada,	Osório	Duque.	A	Abolição.	Brasília:	Edições	do	Senado	Federal,
2005,	 p.	 27.	 Em	 1549,	 com	Tomé	 de	 Sousa,	 vieram	 para	 a	Bahia	 escravos
importados	da	África,	mas	há	notícias	que	já	em	1542	já	houve	requisição	de
importação	 de	 negros	 para	 a	 Capitania	 de	 Pernambuco,	 por	 Duarte	 Coelho
(Luna,	Luís.	O	Negro	na	Luta	contra	a	Escravidão.	Brasília:	Editora	Cátedra,
1976,	p.	35).
46.	 Lima,	Manuel	 de	 Oliveira.	O	Movimento	 da	 Independência:	 o	 Império
brasileiro	(1821-1889).	São	Paulo:	Melhoramentos,	p.	404.
47.	Título	recebido	e	aceito	por	D.	Pedro	I	em	maio	de	1822	(Vianna,	Hélio.
História	do	Brasil,	v.	2.	6.	ed.	São	Paulo:	Melhoramentos,	1967,	p.	64).
48.	Silva	 Junior,	Waldomiro	Lourenço	da.	História.	Direito	 e	Escravidão:	a
legislação	 escravista	 no	 Antigo	 Regime	 Ibero-Americano.	 São	 Paulo:
Annablume,	2013,	p.	45.
49.	Silva	 Junior,	Waldomiro	Lourenço	da.	História.	Direito	 e	Escravidão:	a
legislação	 escravista	 no	 Antigo	 Regime	 Ibero-Americano.	 São	 Paulo:
Annablume,	 2013,	 p.	 35.	 O	 direito	 francês	 produziu	 um	 diploma	 jurídico
específico	 para	 regulamentar	 a	 relação	 escravista,	 Le	 Code	 Noir,	 em	 duas
versões,	a	de	1685	e	a	de	1724.
50.	 As	 Siete	 Partidas,	 consolidação	 de	 legislação	 organizada	 entre	 1263	 a
1265,	 por	D.	Afonso	X,	 o	 Sábio	 (rei	 de	Castela	 e	 Leão,	 entre	 1221-1284),
assim	dispunha	sobre	“los	 siervos”,	no	 seu	 título	21,	Lei	nº	1,	 explicando	a
origem	 da	 servidão,	 a	 razão	 da	 sua	 existência	 e	 os	 seus	 tipos:	 “Ley	 1:
Servidumbre,	 es	 postura,	 o	 establecimiento	 que	 hicieron	 antiguamente	 las
gentes,	 por	 la	 cual	 los	 hombres,	 que	 eran	 naturalmente	 libres,	 se	 hacían
siervos	y	se	sometían	a	señorío	de	otro	contra	razón	de	naturaleza.	Y	siervo
tomó	este	nombre	de	una	palabra	que	es	llamada	en	latín	servare,	que	quiere
tanto	decir	en	romance	como	guardar:	Y	esta	guarda	fue	establecida	por	los
emperadores,	 pues	 antiguamente	 a	 todos	 cuantos	 cautivaban,	 matábanlos,
mas	los	emperadores	tuvieron	por	bien	y	mandaron	que	no	los	matasen,	mas
que	 los	guardasen	y	se	sirvieren	de	ellos.	Y	hay	 tres	maneras	de	siervos:	 la
primera	es	la	de	los	que	cautivan	en	tiempo	de	guerra	siendo	enemigos	de	la
fe;	la	segunda	es	de	los	que	nacen	de	las	siervas;	la	tercera	es	cuando	alguno
que	es	libre	se	deja	vender	[…]”.
Por	 sua	vez,	 no	 título	29,	 nas	Leis	 nº	 01	 e	03,	 assim	dispunha	 sobre	os
cativos	 infiéis,	 que	 passavam	 a	 servidão	 pelo	 seu	 estado	 de	 prisioneiros	 de
guerra,	mas	que	poderiam	obter	a	sua	liberdade:	“Mas	cautivos	son	llamados
por	 derecho	 aquellos	 que	 caen	 en	 prisión	 de	 hombres	 de	 otra	 creencia;	 y
estos	 lo	matan	después	que	 los	 tienen	presos	por	desprecio	que	 tienen	a	 su
ley,	o	los	atormentan	con	muy	crudas	penas,	o	se	sirven	de	ellos	como	siervos
metiéndolos	a	tales	servicios	que	querrían	antes	la	muerte	que	la	vida;	y	sin
todo	esto	no	son	señores	de	lo	que	tienen	pagándolo	a	aquellos	que	les	hacen
todos	estos	males,	o	 los	venden	cuando	quieren.	Por	 lo	que	por	 todas	estas
cuitas	 y	 por	 otras	 muchas	 que	 sufren,	 son	 llamados	 con	 derecho	 cautivos,
porque	esta	es	la	mayor	pena	que	los	hombres	pueden	tener	en	este	mundo.
[…]	Ley	3:	Sacar	los	hombres	de	cautiverio	es	cosa	que	place	mucho	a	Dios
porque	es	obra	de	piedad	y	de	merced,	y	está	bien	en	este	mundo	a	los	que	lo
hacen.	 […]”	 (Disponível	 em:	 <https://goo.gl/TR04c>.	 Acesso	 em:	 6	 dez.
2017).
Para	 mais	 detalhes,	 ver	 Drescher,	 Seymour.	 Abolição:	 uma	 história	 da
escravidão	 e	 do	 antiescravismo.	 Tradução	 de	Antônio	 Penalves	Rocha.	 São
Paulo:	Unesp,	2011,	p.	15-16.
51.	Malheiro,	Agostinho	Marques	Perdigão.	A	escravidão	no	Brasil,	v.	1.	Rio
de	Janeiro:	Typografia	Nacional,	1867,	p.	191.
52.	“Ordenações	Afonsinas.	O	primeiro	monumento	legislativo	foi	o	Código
Afonsino	ou	as	Ordenações	Afonsinas,	promulgadas	por	D.	Afonso,	em	1446,
a	 primeira	 grande	 codificação	 moderna	 […]”,	 consolidando	 a	 legislação
anterior	e	sistematizando-a	em	livros,	além	de	criar	um	“famigerado”	livro	de
com	 previsão	 de	 penas	 cruéis	 (Livro	 V)	 para	 o	 caso	 de	 infrações	 penais
(Valladão,	Haroldo.	História	 do	 direito	 especialmente	 do	 direito	 brasileiro.
Rio	de	Janeiro:	Freitas	Bastos,	1977,	p.	70).
53.	Silva	 Junior,	Waldomiro	Lourenço	da.	História.	Direito	 e	Escravidão:	a
legislação	 escravista	 no	 Antigo	 Regime	 Ibero-Americano.	 São	 Paulo:
Annablume,	 2013,	 p.	 37,	 53	 e	 54.	 As	Ordenações	Manuelinas	 foram	 “[…]
organizadas	 pelo	 célebre	 jurista	 português	 Antonio	 Gouvea,	 que	 estudou	 e
lecionou	 na	 França,	 Toulouse,	Grenoble	 e	Valença,	mantinha	 o	 sistema	 das
Ordenações	 Afonsinas,	 mas	 apareceu	 mais	 condensado,	 e	 representou	 uma
primeira	 vitória	 do	 romanismo	 e,	 sobretudo,	 do	 fortalecimento	 do	 poder
absoluto,	desaparecendo	antigas	 liberdades.	 […]	As	Ordenações	Manuelinas
[1511-1603]	vigoraram	no	Brasil	logo	após	a	descoberta”	(Valladão,	Haroldo.
História	do	direito	especialmente	do	direito	brasileiro.	Rio	de	Janeiro:	Freitas
Bastos,	1977,	p.	70-71).
54.	 Registre-se	 que	 esse	 aprisionamento	 era	 considerado	 um	 ato	 de
misericórdia	para	com	os	capturados,	os	quais	poderiam	se	converter	também
ao	 cristianismo	 (Gerson,	 Brasil.	 A	 escravidão	 no	 império.	 Rio	 de	 Janeiro:
Pallas,	1975,	p.	1-2).	Nas	palavras	de	Joaquim	Nabuco:	“[…]	os	portugueses
puderam	fazer	de	seus	inimigos	os	seus	primeiros	cativos.	Mas	esse	cativeiro
foi	sempre	muito	temperado;	havia	uma	necessidade	a	que	ele	tinha	de	ceder,
a	 necessidade	 da	 permuta	 dos	 cativos	 mouros	 de	 Portugal	 pelos	 cativos
portugueses	 do	 Marrocos”	 (Nabuco,	 Joaquim.	 A	 escravidão.	 Recife:
Fundaj/Editora	Massangana,	1988,	p.	111).
55.	 Pretendia-se	 também	 que	 o	 capturado	 fosse	 objeto	 do	 benefício	 do
resgate,	 seja	 por	meio	 de	 pagamento	 ou	 de	 troca	 de	 prisioneiros,	 o	 que	 os
livraria	da	morte	certa	(Malheiro,	Agostinho	Marques	Perdigão.	A	Escravidão
no	 Brasil:	 ensaio	 histórico-jurídico-social:	 africanos,	 v.	 III.	 Rio	 de	 Janeiro:
Typographia	Nacional,	1867,	p.	2).
56.	Ord.	Af.	L.	2.º	tit.	99	e	seguintes;	Ord.	Fil.	L.	4.º	tit.	11	§	4.º,	tit.	83	§	4.º,
tit.	 85,	 tit.	 88	 §	 16.	 –	 O	Alv.	 do	 1.º	 de	 junho	 de	 1641,	 porém,	 proibiu	 ter
escravos	 mouros;	 o	 que	 prova	 que	 eles	 existiam	 e	 eram	 tolerados	 até	 essa
época.
57.	Valladão,	Haroldo.	História	do	direito	especialmente	do	direito	brasileiro.
Rio	de	Janeiro:	Freitas	Bastos,	1977,	p.	77.
58.	“Código	produzido	em	fins	do	século	XVI,	em	Portugal,	como	reforma	às
Ordenações	Manuelinas,	ele	 já	 teria	nascido,	em	1603,	ultrapassado.	 […]	as
Ordenações	 são	 a	 reunião,	 em	 um	 corpo	 legislativo,	 de	 dispositivos
manuelinos	 subsequentes,	 sem	a	 reformulação	das	normas.	Algumas,	que	 já
haviam	 caído	 em	 desuso,	 permaneciam	 no	 código,	 no	 começo	 do	 século
XVII.	 Imaginem	 só	 esse	mesmo	 código	 sendo	 usado	 em	meados	 do	 século
XIX,	numa	sociedade	completamente	diferente!”	(Grinberg,	Keila.	Liberata:
a	lei	da	ambiguidade:	as	ações	de	liberdade	da	Corte	de	Apelação	do	Rio	de
Janeiro	no	século	XIX.	Rio	de	Janeiro:	Relume-Dumará,	1994,	p.	87).
59.	Silva	 Junior,	Waldomiro	Lourenço	da.	História.	Direito	 e	Escravidão:	a
legislação	 escravista	 no	 Antigo	 Regime	 Ibero-Americano.	 São	 Paulo:
Annablume,	2013,	p.	54.
60.	Lara	Ribeiro	apud	Silva	Junior,	Waldomiro	Lourenço	da.	História.	Direito
e	Escravidão:	a	legislação	escravista	no	Antigo	Regime	Ibero-Americano.	São
Paulo:	Annablume,	2013,	p.	55.
“É	digno	de	nota	que	essa	compilação	legislativa	não	se	ocupava	apenas
de	 escravos	 negros	 ou	 mouros,	 porém,	 igualmente,	 de	 escravos	 brancos,
situação	 bastante	 familiar	 no	 Portugal	 do	 século	 XVI,	 sobretudo	 nos
mosteiros	e	conventos”	(Freitas,	Décio.	Palmares:	a	guerra	dos	escravos.	Rio
de	Janeiro:	Edições	Graal,	1982,	p.	28-29).
61.	Silva	 Junior,	Waldomiro	Lourenço	 da.	História.Direito	 e	 Escravidão:	 a
legislação	 escravista	 no	 Antigo	 Regime	 Ibero-Americano.	 São	 Paulo:
Annablume,	2013,	p.	55.
62.	Segundo	a	doutrina	de	direito	civil,	os	negócios	jurídicos	são	os	“[…]	atos
jurídicos	strictu	sensu	em	que	é	elemento	essencial	a	vontade	[…]	Quanto	ao
negócios	 jurídicos,	 em	 todos	 eles	 é	 essencial	 o	 elemento	 volitivo;	 daí	 ser
sempre	 exigida	 capacidade	 e	 a	 ausência	de	vícios	de	vontade.	Nos	 suportes
fáticos,	há,	necessariamente	e	em	primeira	plana,	o	elemento	volitivo,	porém
há	 também	 outros	 elementos”	 (Miranda,	 Pontes	 de.	 Tratado	 de	 Direito
Privado,	v.	2.	Campinas:	Bookseller,	2000,	p.	468-469).	Ou	seja,	são	os	atos
jurídicos	nos	quais	a	manifestação	de	vontade	das	partes	pode	delinear	os	seus
principais	 contornos,	 como	 em	 um	 contrato	 de	 compra	 e	 venda,	 no	 qual	 o
preço,	 prazo,	 objeto,	 forma	 de	 pagamento	 etc.	 são	 definidos	 pelas	 próprias
partes.
63.	Nas	 palavras	 de	Perdigão	Malheiro:	 “Desde	que	o	 homem	é	 reduzido	 à
condição	de	coisa,	sujeito	ao	poder	de	um	outro,	é	havido	por	morto,	privado
de	todos	os	direitos,	e	não	tem	representação	alguma,	como	já	havia	decido	o
Direito	Romano”	 (Malheiro,	Agostinho	Marques	Perdigão.	A	escravidão	no
Brasil,	 v.	 1.	Rio	 de	 Janeiro:	Typografia	Nacional,	 1867,	 p.	 16).	Em	 sentido
contrário,	 ver	 Nabuco,	 Joaquim.	 A	 escravidão.	 Recife,	 Fundaj/Editora
Massangana,	1988.
64.	 Freitas,	Décio.	Escravidão	 de	 índios	 e	 negros	 no	 Brasil.	 Porto	 Alegre:
EST/ICP,	1980,	p.	26.
65.	 Luna,	 Luís.	 O	 Negro	 na	 Luta	 contra	 a	 Escravidão.	 Brasília:	 Editora
Cátedra,	1976,	p.	89.
66.	 “A	 economia	 do	 Império,	 como	 antes	 a	 da	 Colônia,	 baseava-se	 na
exploração	do	trabalho	escravo.	[…]	Tudo	girava	em	torno	do	braço	escravo,
do	sustento	barato,	não	exigindo	outra	conservação	além	de	alguns	côvados
da	 fazenda	 ordinária	 e	 parcas	 rações	 de	 carne	 seca	 e	 farinha	 de	mandioca”
(Luna,	Luís.	O	Negro	na	Luta	contra	a	Escravidão.	Brasília:	Editora	Cátedra,
1976,	p.	89).
67.	Moura,	Clóvis.	Dicionário	da	escravidão	negra	no	Brasil.	São	Paulo:	Ed.
USP,	2004,	p.	318	e	Costa,	Emília	Viotti	da.	A	Abolição.	São	Paulo:	Global,
2001,	p.	25.
68.	Valladão,	Haroldo.	História	do	direito	especialmente	do	direito	brasileiro.
Rio	de	Janeiro:	Freitas	Bastos,	1977,	p.	108	e	Grinberg,	Keila.	Liberata:	a	lei
da	 ambiguidade:	 as	 ações	 de	 liberdade	 da	 Corte	 de	 Apelação	 do	 Rio	 de
Janeiro	no	século	XIX.	Rio	de	Janeiro:	Relume-Dumará,	1994,	p.	95.
69.	A	Constituição	de	1824,	no	seu	inciso	XVIII,	do	art.	179,	estabelecia	que
o	 Estado	 brasileiro	 deveria	 criar	 um	 código	 civil	 e	 criminal	 para	 o	 país,
baseados	na	justiça	e	equidade.	Entretanto,	o	Império	do	Brasil	nunca	chegou
a	 codificar	 o	 seu	 direito	 civil,	 apesar	 de	 várias	 tentativas	 com	 base	 nos
anteprojetos	de	Nabuco	de	Araújo	e	Teixeira	de	Freitas.	Esse	último	chegou	a
elaborar	 uma	Consolidação	das	Leis	Civis,	 que	 serviria	 de	ponto	de	partida
para	o	futuro	código	civil,	a	qual	passou	a	ter	força	de	lei,	após	aprovação	do
Imperador,	 por	meio	 do	Aviso	 de	 24	 de	 dezembro	 de	 1858.	 Por	 sua	 vez,	 o
código	criminal	do	 império	 foi	promulgado	com	o	advento	da	Lei	de	16	de
dezembro	 de	 1830.	 A	 Lei	 de	 29	 de	 novembro	 de	 1832	 instituiu	 o	 Código
Criminal	do	Império	(Valladão,	Haroldo.	História	do	direito	especialmente	do
direito	brasileiro.	 Rio	 de	 Janeiro:	 Freitas	 Bastos,	 1977,	 p.	 128-130).	Nosso
Código	Comercial	foi	 instituído	pela	Lei	nº	556,	de	25	de	junho	de	1850,	e,
em	seguida,	passou	a	vigorar	o	Regulamento	nº	737,	de	25	de	novembro	de
1850,	 que	 fixava	 o	 processo	 comercial.	 A	 Consolidação	 da	 lei	 processual
elaborada	por	Antônio	Joaquim	Ribas	tornou-se	obrigatória	pela	Resolução	de
28	de	dezembro	de	1876	(Paula,	Jônatas	Luiz	Moreira	de.	História	do	Direito
Processual	Brasileiro:	das	origens	lusas	à	escola	crítica	do	processo.	Barueri,
Manole,	p.	239).
70.	De	1580	a	1640.	Com	o	“desaparecimento”	do	impetuoso	e	jovem	El-Rei
D.	Sebastião	–	o	Desejado	(nascido	em	20	de	janeiro	de	1554,	no	dia	do	santo
que	 lhe	daria	nome)	–,	com	24	anos	de	 idade,	na	batalha	de	Alcácer	Quibir
(“grande	 fortaleza”),	 em	4	 de	 agosto	 de	 1578,	 as	 coroas	 ibéricas	 se	 uniram
(após	a	Guerra	de	Sucessão	Portuguesa),	passando	o	Rei	Filipe	II	da	Espanha
a	 ser	 também	 o	 soberano	 do	 império	 lusitano,	 inclusive	 das	 possessões
ultramarinas	 (Godoy,	Marco	Honório	de.	Dom	Sebastião	no	Brasil:	 fatos	da
cultura	e	da	comunicação	em	tempo/espaço.	São	Paulo:	Perspectiva:	Fapesp,
2005,	p.	24-56).
71.	O	 fenômeno	 da	 recepção	 das	 leis	 pode	 ser	 assim	 conceituado:	 “É	 certo
que	 o	 poder	 constituinte	 originário	 dá	 início	 à	 ordem	 jurídica.	 Isso,	 porém,
significa	 que	 todos	 os	 diplomas	 infraconstitucionais	 perdem	 vigor	 com	 o
advento	 de	 uma	 nova	 Constituição?	 Uma	 resposta	 positiva	 inviabilizaria	 a
ordem	 jurídica.	 Por	 isso	 se	 entende	 que	 aquelas	 normas	 anteriores	 à
Constituição,	que	são	com	elas	compatíveis	no	seu	conteúdo,	continuam	em
vigor.	Diz-se	que,	nesse	caso,	opera	o	fenômeno	da	recepção,	que	corresponde
a	 uma	 revalidação	 das	 normas	 que	 não	 desafiam,	 materialmente,	 a	 nova
Constituição”	 (Mendes,	 Gilmar	 Ferreira	 e	 Branco,	 Paulo	 Gustavo	 Gonet.
Curso	de	Direito	Constitucional.	São	Paulo:	Saraiva,	2001,	p.	123).
Em	 outras	 palavras:	 “[…]	 Recepção.	 Ou	 princípio	 da	 continuidade	 da
legislação	 ordinária,	 segundo	 o	 qual	 a	 nova	 Constituição	 revoga	 a	 ordem
constitucional	anterior,	mas	aceita	ou	“recebe”	as	normas	anteriores	que	com
ela	não	sejam	incompatíveis	quanto	ao	objeto	ou	conteúdo,	ainda	que	a	forma
dos	 atos	 legislativos	 anteriores	 sofra	 alteração	 no	 seu	modo	 de	 elaboração”
(Silva,	de	Plácido	e.	Vocabulário	Jurídico.	Atualizadores:	Nagib	Slaibi	Filho
e	Gláucia	Carvalho.	Rio	de	Janeiro:	Editora	Forense,	2006,	p.	1161).
Evidentemente,	não	poderia	o	nascente	 Império	do	Brasil	 rejeitar	 toda	a
legislação	 portuguesa	 anterior,	 a	 qual	 regia	 todos	 os	 aspectos	 da	 vida	 dos
indivíduos	 até	 a	 data	 da	 independência.	 Seria	 implantado	 um	 caos	 no	 país,
uma	verdadeira	“terra	sem	lei”.	Por	essa	razão,	o	imperador,	por	meio	da	Lei
de	 20	 de	 outubro	 de	 1823,	 determinou	 que	 a	 legislação	 anterior	 fosse
recepcionada.
72.	 Ribas,	 Conselheiro	 Joaquim.	 Direito	 Civil	 Brasileiro.	 Rio	 de	 Janeiro:
Editora	Rio,	1982,	p.	76.
73.	 O	 direito	 romano	 era	 aplicável,	 mas	 apenas	 de	 forma	 excepcional,	 de
forma	subsidiária,	por	 força	de	“Lei	da	Boa	Razão”	 (§	10º	da	Lei	de	18	de
agosto	 de	 1769),	 sem	 que	 pudesse	 alterar	 o	 “espírito”	 da	 lei	 nacional:	 “Do
primeiro	 período	 deste	 §	 parece	 deduzir-se	 que	 as	 regras	 de	 interpretar	 as
Leis,	extraídas	dos	Textos	de	Direito	Romano,	são	ineptas	para	a	interpretação
das	Leis	Pátrias.	Mas	não	é	isto	o	que	a	Lei	quis	dizer:	dos	Corpos	de	Direito
Romano	 podem	 extrair-se	 regras	 gerais	 da	 interpretação	 das	 Leis,	 dos
contratos,	e	últimas	vontades,	tão	conformes	à	boa	razão,	como	as	que	[Hugo]
Grócio,	 e	 os	 mais	 cultores	 do	 Direito	 Natural	 têm	 ensinado	 nos	 tempos
modernos.	 […]	 foi	 por	 isso	 que	 a	 nossa	 Lei	 repreendendo	 este	 erro,
determinou	que	 as	Leis	Pátrias	 nunca	 fossem	ampliadas,	 ou	 limitadas	 pelas
Leis	 Romanas;	 só	 se	 estas	 ampliações,	 ou	 limitações	 necessariamente	 se
deduzissem	do	espirito	das	mesmas	Leis	Pátrias,	significado	ou	pelas	próprias
palavras	delas,	ou	pela	identidade	de	razão,	e	força	de	compreensão”	(Telles,
José	 Homem	Côrrea.	Comentários	 à	 Lei	 da	 Boa	 Razão	 em	 data	 de	 18	 de
agosto	de	1769.	Lisboa:	Typographia	de	Maria	da	Madre	de	Deus,	1865,	p.
67-68).	Nesse	sentido:	“Visando	evitar	os	abusos	decorrentes	da	praxe,	a	Lei
da	 Boa	 Razão	 determinou	 que	 as	 restrições	 se	 deduzissem	 do	 espírito	 das
mesmas	 Leis	 Pátrias,	 ou	 significado	 pelas	 próprias	 palavras	 delas,	 ou	 pela
identidade	de	razão,	e	força	de	compreensão	[…]”	(Pousada,	Estevan	Lo	Ré.
Preservação

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