Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CONTRATO DE DOAÇÃO (arts. 538-564, CC) Conceito: negócio jurídico por meio do qual o doador transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o donatário, sem a presença de qualquer remuneração. Aceite: “Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo”. Como o dispositivo menciona que o doador “pode” fixar prazo para que o donatário declare se aceita ou não a liberalidade, percebe-se que a aceitação não é essencial ao ato. Aliás, eventual silêncio do doador traz a presunção relativa (iuris tantum) de aceitação. Dispensa-se a aceitação expressa quando se tratar de doação pura feita em favor de absolutamente incapaz, hipótese prevista no art. 543 do CC/2002. Tal dispensa protege o interesse do incapaz, pois a doação pura só pode beneficiá-lo. A aceitação tácita pode resultar do silêncio do interessado, mas também pode ser revelada pelo comportamento do donatário que se mostrar incompatível com a intenção de recusa. Como exemplo, pode ser citada a conduta do donatário que não aceita expressamente o imóvel, mas recolhe o Imposto de Transmissão Inter Vivos, nos termos da Súmula 328 do STF, que estabelece ser legítima a incidência de tal tributo na doação de imóvel. A aceitação ainda poderá ser tácita na hipótese em que a doação for feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não podendo ser impugnada por falta de aceitação, e só ficando sem efeito se o casamento não se realizar (art. 546 do CC). Nessa situação, a celebração do casamento gerará a presunção de aceitação, não podendo ser arguida a sua falta. Por outro lado, havendo doação com encargo, é imprescindível que o donatário a aceite de forma expressa e consciente (art. 539, parte final, do CC). Vícios redibitórios e evicção: o doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem está sujeito às consequências da evicção ou dos vícios redibitórios (art. 552 do CC). Encargos: o donatário é obrigado a executar os encargos da doação, caso tenham sido instituídos em benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral. Se o encargo foi instituído em favor do doador ou de terceiro, ambos poderão exigir judicialmente o seu cumprimento em caso de mora. Se de interesse geral for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução depois da morte do doador, se este não tiver feito. Natureza jurídica: - contrato consensual, que tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes. - comutativo, pois as partes já sabem de imediato quais são as prestações. - formalidades em sentido genérico, o contrato pode ser assim classificado: a)A doação será formal e solene no caso de doação de imóvel com valor superior a 30 salários mínimos. b)A doação será formal e não solene nos casos envolvendo imóvel com valor inferior ou igual a 30 salários ou bens móveis (arts. 108 e 541 do CC). Nos dois casos não é necessária escritura pública (contrato não solene), mas sim escrito particular, o que faz com que o contrato seja formal. Classificação: - Quanto à presença de elementos acidentais Os elementos acidentais de um contrato ou negócio jurídico estão no plano de sua eficácia (terceiro degrau da Escada Ponteana). São eles: a)Condição – subordina a eficácia do contrato a um evento futuro e incerto. b)Termo – subordina a eficácia do contrato a um evento futuro e certo. c)Encargo ou modo – ônus introduzido no ato de liberalidade. A doação pura ou simples é aquela feita por mera liberalidade ao donatário, sem lhe impor qualquer contraprestação, encargo ou condição. Ademais, a doação condicional é aquela em que a eficácia do contrato está subordinada à ocorrência de um evento futuro e incerto, caso da doação a nascituro (art. 542 do CC), daquela realizada em contemplação de casamento futuro (propter nuptias – art. 546 do CC) e da doação com cláusula de reversão (art. 547 do CC), que ainda serão estudadas. A doação a termo, por sua via, é aquela cuja eficácia do ato está subordinada à ocorrência de um evento futuro e certo. A título de exemplo, é possível se estipular que um bem permaneça com um donatário por um determinado lapso temporal, oportunidade em que será transmitido a outro. Por fim, a doação modal ou com encargo é aquela gravada com um ônus, havendo liberalidade somente no valor que exceder o ônus (art. 540 do CC). Não sendo atendido o encargo cabe a revogação da doação, como forma de resilição unilateral. A título de exemplo, alguém doa um terreno a outrem para que o donatário construa em parte dele um asilo. - Doação remuneratória A doação remuneratória é aquela feita em caráter de retribuição por um serviço prestado pelo donatário, mas cuja prestação não pode ser exigida pelo último. Isso porque, caso fosse exigível, a retribuição deveria ser realizada por meio do pagamento, uma das formas de extinção das obrigações. Em regra, não constitui ato de liberalidade, havendo remuneração por uma prestação de serviços executada pelo donatário. A título de exemplo, imagine-se o caso de uma doação de um automóvel feita ao médico que salvou a vida do doador. Somente haverá liberalidade na parte que exceder o valor do serviço prestado, conforme dispõe o art. 540 do Código Civil em vigor, cabendo análise caso a caso. - Doação contemplativa ou meritória Também de acordo com o que consta no art. 540 do CC, a doação contemplativa é aquela feita em contemplação a um merecimento do donatário. Exemplo típico pode ocorrer no caso de alguém que doa vários livros a um professor famoso, pois aprecia o seu trabalho, constando esse motivo no instrumento contratual. - Doação a nascituro Prevê o art. 542 do CC que “a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”. O nascituro, aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu (infans conceptus), poderá receber a doação, mas a sua aceitação deverá ser manifestada pelos pais ou pelo curador incumbido de cuidar dos seus interesses, nesse último caso, com autorização judicial. A aceitação por parte do representante legal do nascituro está no plano da validade do contrato. Além disso, a eficácia do contrato depende do nascimento com vida do donatário, havendo uma doação condicional, segundo o entendimento majoritário. - Doação sob forma de subvenção periódica Trata-se de uma doação de trato sucessivo, em que o doador estipula rendas a favor do donatário (art. 545 do CC). Por regra, terá como causa extintiva a morte do doador ou do donatário, mas poderá ultrapassar a vida do doador, havendo previsão contratual nesse sentido. - Doação em contemplação de casamento futuro (doação propter nuptias) De acordo com o art. 546 do CC, a doação propter nuptias é aquela efetuada em contemplação de casamento futuro com pessoa certa e determinada. Trata-se de uma doação condicional, havendo uma condição suspensiva, pois o contrato não gera efeitos enquanto o casamento não se realizar. - Doação de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges Nos termos do art. 544 do CC, as doações de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importam em adiantamento do que lhes cabe por herança. Houve relevantes alterações do dispositivo, pois o art. 1.171 do CC/1916 previa que “a doação de pais aos filhos importa em adiantamento da legítima”. Além da inclusão dos demais ascendentes e descendentes, foi também incluído o cônjuge, que é herdeiro necessário pelo Código Civil de 2002 (art. 1.845 do CC/2002), podendo concorrer com os descendentes na herança (art. 1.829, I, do CC/2002). Em complemento, o dispositivo não utiliza mais o termo “legítima”, mas “herança”. Apesar da última alteração, o objetivo é a proteção dessa legítima, queé a quota que cabe aos herdeiros necessários. - Doação com cláusula de reversão A doação com cláusula de reversão (ou cláusula de retorno) é aquela em que o doador estipula que os bens doados voltem ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário (art. 547 do CC). Trata-se esta cláusula de uma condição resolutiva expressa, demonstrando o intento do doador de beneficiar somente o donatário e não os seus sucessores, sendo, portanto, uma cláusula intuitu personae que veda a doação sucessiva. - Doação conjuntiva A doação conjuntiva é aquela que conta com a presença de dois ou mais donatários (art. 551 do CC), presente uma obrigação divisível. Em regra, incide uma presunção relativa (iuris tantum) de divisão igualitária da coisa em quotas iguais entre os donatários. Entretanto, o instrumento contratual poderá trazer previsão em contrário. Por regra, não há direito de acrescer entre os donatários na doação conjuntiva. Dessa forma, falecendo um deles, sua quota será transmitida diretamente a seus sucessores e não ao outro donatário. Mas o direito de acrescer pode estar previsto no contrato (direito de acrescer convencional) ou na lei (direito de acrescer legal). - Doação manual Conforme no presente capítulo foi demonstrado, a doação de bem móvel de pequeno valor pode ser celebrada verbalmente, desde que seguida da entrega imediata da coisa (tradição). Essa é a regra constante do art. 541, parágrafo único, do CC, que traz a denominada doação manual. A doação é um contrato consensual em que se exige a forma escrita, por regra. Porém, a doação manual constitui exceção a essa regra, pois tem aperfeiçoamento com a entrega da coisa (contrato real). Estamos tratando novamente dessa forma de doação para fins didáticos, para que o estudioso não se esqueça dessa modalidade contratual. - Doação inoficiosa Segundo o art. 549 do CC, é nula a doação quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Essa doação, que prejudica a legítima (quota dos herdeiros necessários), é denominada doação inoficiosa. - Doação universal Nula é a doação de todos os bens, sem a reserva do mínimo para a sobrevivência do doador (art. 548 do CC). Essa doação, que é vedada expressamente pela lei – sendo, por isso, uma hipótese de nulidade textual, nos termos do art. 166, inc. VII, primeira parte, do CC –, é denominada doação universal. - Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice Enuncia o art. 550 do Código Civil em vigor que é anulável a doação do cônjuge ao seu cúmplice, desde que proposta ação anulatória pelo outro cônjuge ou pelos seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. O dispositivo merece críticas e comentários, pois apresenta uma série de problemas. Primeiro, tal proibição tem por alcance somente as pessoas casadas, não se aplicando às solteiras, separadas ou divorciadas, que podem dispor de seus bens livremente aos seus companheiros, desde que a doação não seja inoficiosa ou passível de declaração de nulidade ou anulação por outra razão. Diante da proteção constitucional das entidades familiares, deve-se entender que o dispositivo não se aplica se o doador viver com o donatário em união estável (doação à companheira ou companheiro). Assim entendeu a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento anterior ao Código Civil de 2002 (RSTJ 62/193 e RT 719/258). Esse entendimento deve ser aplicado aos casos de ser o doador casado, mas separado de fato, judicial ou extrajudicialmente (art. 1.723, § 1.º, do CC), mesmo sendo o donatário o pivô da separação. - Doação a entidade futura A lei possibilita a doação a uma pessoa jurídica que ainda não exista, condicionando a sua eficácia à regular constituição da entidade, nos termos do art. 554 do CC em vigor. Se a entidade não estiver constituída no prazo de dois anos contados da efetuação da doação, caducará essa doação. A utilização da expressão “caducará” pelo dispositivo deixa claro que o prazo referido no dispositivo é decadencial. REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO A revogação pode se dar por dois motivos, quais sejam, por ingratidão do donatário ou pela inexecução do encargo ou modo (art. 555 do CC). Primeiramente, quanto à ingratidão, esta envolve matéria de ordem pública. Tanto isso é verdade, que o art. 556 da codificação privada em vigor proíbe a renúncia prévia ao direito de revogar a doação por ingratidão. Se houver cláusula nesse sentido, tal disposição será nula, mantendo-se o restante do contrato (princípio da conservação contratual). De qualquer modo, mesmo sendo nula a cláusula de renúncia, o doador pode abrir mão desse direito, não o exercendo no prazo fixado em lei, já que se trata de um direito potestativo. O art. 557 do CC/2002 traz um rol de situações que podem motivar a revogação por ingratidão, a saber: a)Se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele. b)Se cometeu contra ele ofensa física. c)Se o injuriou gravemente ou o caluniou. d)Se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava (desamparo quanto aos alimentos). De acordo com a lei, em alguns casos não é admitida a revogação da doação por ingratidão, a saber (art. 564 do CC): a)Doações puramente remuneratórias, salvo na parte que exceder o valor do serviço prestado pelo donatário ao doador. b)Doações modais com encargo já cumprido, também diante do seu caráter oneroso. c)Doações relacionadas com cumprimento de obrigação natural ou incompleta, como, por exemplo, gorjetas, dívidas de jogo não regulamentado, entre outras, por serem inexigíveis (são os casos de “Schuld sem Haftung”). d)Doações propter nuptias, feitas em contemplação de determinado casamento. O prazo para a revogação da doação consta no art. 559 do CC, cuja redação merece transcrição, para os aprofundamentos necessários: “Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor”.
Compartilhar