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Cap 10 A Tecnica de Rorschach no Diagnostico Preventivo do Suicidio

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10 
, A TÉCNICA DE RORSCHACH NO 
DIAGNOSTICO PREVENTIVO DO SUICÍDIO 
O artigo coloca em ~vidência a síndrome de Rorschach para suicídio, 
tentando dessa forma divulgar seus dados visando à prevenção de aciden-
tes que, muitas vezes, poderiam ser evitados desde que se tomassem a 
tempo as medidas necessárias. Nove sinais são apontados como indica-
dores da síndrome. O estudo de um caso ilustra o anteriormente relatado. 
1. INTRODUÇÃO 
Entre os casos por nós supervisionados para psicodiagnóstico, nos foi 
apresentado ultimamente o protocolo de uma mulher de 37 anos que evi-
denciou a síndrome característica de suicídio. 
Embora recomendássemos insistentemente que fosse rapidamente 
encaminhada para receber proteção, sob a forma de assistência psicoló-
gica, os fatos se sucederam de tal maneira que a paciente pôs termo à 
sua vida, tomando uma dose letal de soporíferos, antes que o psicólogo 
responsável pelo caso pudesse tomar uma providência 
Esse fato nos levou a pensar na necessidade de divulgar essa síndro-
me entre os especialistas, de tal forma que um número cada vez maior a 
conheça, ficando assim aptos para poderem ajudar seüs pacientes, colo-
cando-se em alerta e procurando fazer alguma coisa, imediatamente, toda 
vez que um certo número desses sinais característicos esteja presente 
no protocolo. 
2. HISTÓRICO 
Em trabalhos anteriores levantamos como características importan-
tes na técnica de Rorschach em relação ao psicodiagnóstico de suicídio 
os seguintes dados: a) baixo nível de auto-estima aliado a componentes 
Isabel Adrados 
auto-agressivos sugeridos por perceptos de ~s~aço em b~anc~ e ~ór';'ula 
vivencial introversiva; b) um protocolo co~ _sinais depress~vos, c) indicias 
de isolamento afetivo; d) traços de impuls1vidad~: potencial de agressivi-
dade suficientes para levar a termo a autode~truiçao. . . , 
Nosso estudo visa principalmente a focalizar aqueles mdividuos que, 
com estrutura de personalidade normal, mas po~adores ?e uma proble-
mática grave ou conflito por eles vive~ciado como ms~portavel, podem ser 
suicidas em potencial visto que, obv1a~en~e, os _p~c,entes portadores de 
depressão ou esquizofrênicos com tendenc1as suicidas costumam ser pro-
tegidos por um esquema da segurança montado de forma a impedir qual-
quer intento contra a própria vida. 
No último Congresso lnteramericano de Rorschach, o ?r. J~hn E. Exner, 
professor de psicologia e diretor da Trainin_g Cl~nic na Urnv_e~s~dade Norte-
Americana de Long lsland, fez uma comurncaçao sobre su1c1d10, tema que 
vem sendo objeto de suas pesquisas e sobre o qual vem trabalhando siste-
maticamente nos últimos anos, tendo conseguido isolar uma síndrome da 
qual constam como importantes os fatores a seguir relacionados. 
1. Respostas de "vista" (V, VF, FV) que corresponderiam na nossa nomen-
clatura às respostas FK, isto é, perceptos em que os elementos de som-
breado da mancha são utilizados para denotar dimensionalidade. Esses 
perceptos estariam correlacionados com uma afetividade prudente co-
medida com matizes depressivos. 
2. Respostas de forma-dimensão ou de perspectiva baseadas, unicamen-
te, na forma da mancha. Exner fez um estudo com 60 protocolos de 
indivíduos que num período de 90 dias após a aplicação do teste de 
Rorschach tentaram o suicídio, sendo que 18 deles consumaram sua 
tentativa. Os protocolos desses indivíduos apresentaram uma média de 
3: 1 p~rcep_tos_ (form~-dimensão) perante a 0,8 do grupo de referên-
cia n~o-ps1qu1~tnca. Foi levantado o postulado de que as respostas '.~ 
estariam relacionadas com os traços depressivos comuns nos suici-
das. Esse pos!ul~do resul~ou parcialmente correto já que O exam_e do 
grupo de referencia de pacientes esquizofrênicos revelou uma média de 
2,3 FD por protocolo, sendo que o grupo de pacientes esquizofrênicos 
revelou uma média de apelas 6,5 respostas FD. 
Esses d~~os le~aram J. ~xner a pensar que F estivesse relacionada 
com uma at1v1~ade 1ntr_?s~ect1va, levando em consideração, principalm_en-
te, que os pacientes nao-mternados, em virtude de sua rotina terapêutica, 
a~rese~tam tendência serem introspectivos, enquanto os depressivos 
sao estimulados para a mtrospecção por sua própria psicopatologia. 
122 
A intuição do Psicólogo - técnicas de abordagem com uso do Rorschach 
Três pesqui~a_s !oram realizadas para avaliar esse postulado e 495 pro-
tocolos forar:n d1v1d1dos em três grupos: a) foi constituído por aqueles casos 
em que a so_ma d~ perceptos Mera maior que a soma de e ponderada; b) 
esse gru~o ficou f1rma~o por aqueles em que a soma de M era igual à soma 
de C; c) finalmente tenamos um terceiro grupo em que a soma do M seria 
menor que a soma de C. Foi eliminado o grupo intermediário e comparados 
os outros dois com a média de perceptos FD. Quando a soma de M supe-
rava a C, a média de FD foi de 2,42; entretanto, para o outro grupo foi de 
o,93. A diferença entre ambos foi significativa ao nível de o, 1, ou seja, esse 
tipo de resposta realmente está correlacionado com a internalização. 
3. Respostas múltiplas reunindo num mesmo percepto cor e sombreado, 
ou seja, prazer e dor psíquica, ambivalência, emoções mescladas. 
4. Percentagem de F + % baixa. 
5. Escasso interesse humano. 
6. Lambda1 menor que 0,35 ou maior que 1,0. 
A percentagem muito baixa seria índice de labilidade emocional, e acima 
de 1,0 revelaria constrição emocional exagerada. 
7. Razão efetiva2 menor que 0,50. A média esperada foi calculada entre 
0,55 e o, 75. Quando inferior a 0,~5 significaria tendência a retra_ir-se aos 
estímulos afetivos, e acima de O, 75 tendência a envolver-se e ficar atra-
palhado nesses estímulos. , . . 
8. Índice de egocentrismo3 baixo reflete também o _md1ce d_e auto:estIma, 
sendo que abaixo de 0,30 seria baixo por exce~sIva cons_1dera?ªº pelos 
outros e pelos valores do mundo externo; muito alto ev1denc1a afasta-
mento dos outros tendência a isolamento. 
9. Perceptos de esp~ço em branco relacionados com oposicionismo, obs-
tinação, raiva. 
1 
E t f pura dividida pelo número de n endemos por lambda a proporção de respostas de orma ' 
respostas restantes 
2 E~te~demos por razão afetiva a proporção afetiva entre as três últimas lâminas e as sete 
Pnmerras. 
3 ~~tendemos por índice de egocentrismo as respostas de reflexos multiplicados por 3, mais o 
umero de respostas de pares: 3r + (2) = R. 
123 
Isabel Adrados 
Levand~ e'"'.1 consid:ração que a referida pac~~nte apresentava oito des. 
ses n?ve_ sinais, pod~na ter sido salva co~ _fac11ida~e s: as ~essoas res. 
ponsave1s por ela tivessem levado a seno o ps1cod1agnostico e s 
prognóstico, tomando as medidas preventivas eu 
3. ESTÜDO DE UM CASO 
Trata-se de uma mulher desquitada de 37 anos que se separou do 
marido cinco anos após o casamento. Dessa união ficou um filho atual-
mente com 11 anos que mora com os avós desde a época da separação 
dos pi;iis. 
A paciente estudou o secundário completo e fez o curso técnico de se-
cretariado. Na época do casamento tinha um bom ordenado, pois sendo 
filha de alemães falava e escrevia com perfeição o idioma dos pais, tendo 
um bom desempenho na companhia em que trabalhava. Por imposição do 
marido, saiu do emprego quando ficou grávida, reiniciando a vida profissio-
nal logo após a separação. 
Sofreu muito durante o tempo que durou o casamento, considerando o 
marido extremamente egoísta, agressivo, possessivo e dominador. Não se 
separou antes por causa dos pais que, por serem muito conservadores, 
não aceitavam o desquite. Após a separação, diante primeira tentativa de 
refazer sua vida afetiva com outro homem, os pais levaram o filho e resol-
veram criá-lo longe da paciente. A partir dessa data a paciente passou a 
viver em conflito; toda vez que iniciava alguma experiência afetiva, era do-
minada por forte sentimento de culpa. 
Nos dois anos que precederam sua morte sofria de úlcera estomacal e 
insônia. No trabalho era muito querida e respeitada, os vizinhos a conside-
ravam uma moça quieta e muito educada; nunca recebiavisitas do filho, os 
avós do menino tinham determinado que ela o visitasse uma vez por mês. 
Seu chefe achou que deveria procurar um psiquiatra, pois pensav~ 
que a úlcera era de origem nervosa. O psiquiatra por ela consultado sol~-
citou um psicodiagnóstico. A premente necessidade de ajuda e apoio psi-
cológico não foi satisfeita logo de imediato e a paciente se suic~dou, 
falecendo sem receber qualquer auxílio, pois na época morava sozinha, 
sem compartilhar com ninguém seu apartamento. Informou ao psicólo~o 
que tomou o protocolo de Rorschach, que sempre foi uma menina frá~il, 
primogênita de três irmãos, sendo os menores homens. Sofreu muito 
com a educação rígida dos pais, sonhava em casar para poder sair de 
casa. Na entrevista, revelou que achava o filho multo prevenido contra ela, 
influenciado pelos avós. 
124 
A intuição do Psicólogo té • - cnicas de abordagem com uso do Rorschach 
Técnica de Rorschach Inquérito p -D e v.u 
1 
10" Uma borboleta deteriorada, Por causa dos recortes das G meio destruída (50") asas F+ A V 
li 
35" Dois perfis São meio humanos meio Dd F+ Hd Uma planície, mais distante de animal ' 
uma capela e sobre ela A capela parece distante Ds FK (FD)+ Vista uma cruz por causa do tamanho 
Um foguete pronto para sair A fumaça tudo em volta e 0 Ds Cm. Kf+ Obj. soltando fogo e fumaça fogo embaixo 
(3'5") 
Ili 
25" Duas mulheres, são pretas, Parecem gêmeas, olham G MP+FC'+ H V estão inclinadas sobre alguma coisa 
algum objeto (4Ó") 
rv 
O homem monstro das Está deitado, morto, é G F+ (H) 
neves disforme, tem os pés 
grandes, os braços curtos, 
cabeça pequena 
No meio a coluna vertebral E parecida, tem o formato D F+ Ant. 
(1 '50") 
V 
15" Dois perfis de homem (35") Estão deitados, parecem Dd F+ Hd 
mortos 
'o 
VI 
52" Cristo Redentor, embaixo Parece uma estátua, os D F+KF'+ Arq. 
nuvens braços abertos 
Um caminho que se vai Nessa parte mais escura D FK- Arq. 
estreitando ao longe do centro 
Uma pele de animal (2'45") A forma das patas, o pêlo D Fc+ Ad V 
macio 
VII 
15" Duas garotinhas uma frente Parecem penteadas como D MP+Fc+ H 
à outra se olhando (28") rabo-de-cavalo 
VIII 
18" Um animal caminhando Parece uma doninha doente, D FM+ A V 
vai caminhando devagar 
FC'+ PI Um pinheiro, os galhos A cor esbranquiçada me D 
inclinados pelo peso da deu idéia de neve 
Ds F+ Ant. neve Esses traços no meio do 
Aqui no centro as costelas, branco 
a coluna vertebral (3'5") 
IX 
1 '10" Dois perfis de pessoa O feitio é parecido D F+ Hd 
grotesca 
Dds F+ Hd Parecem quatro olhos São quatro olhos muito 
(2'40") estranhos, estreitos, 
compridos 
X 
35" Uma raiz, foi o que restou de Pelo formato das raízes D F+ PI 
uma planta ou arbi.sto (1 '20") 
125 
Levantamento de dados 
R - 18 
G • 3 - 16% 
D • 9 - 50% 
Dd - 2 
Ds - 3 
Dds - 1 - 33% 
F + - 1 O - 100% - (90%) 
F - O 
F+ O 
I, F = 10 - 55% 
++M - 2 1 
+ FM - 2 G 
Cm - 1 
-+ FK - (FvV.FO) 
± KF - 2 
·++ Fc - 2 
++ FC' - 2 
Índice de afetividade 
6 X 100 _ S0º1 12 - /O 
Lambda 
1 X 1 00 = 1 ,2S% 
Índice de egocentrismo 
5 X 100 _ 2701 18 - /O 
Isabel Adrados 
Tp. (G) O Od! 
Tv. 2M: 1,5 C 
FM + m - Fc + e + C' 
2 4 
A- 3-16°/c 
H-2 º 
Hd - 4 
VIII + IX V + X100 = 33% 
Ant. - 2 
PI - 2 
Nat. 
FK + F + Fc x 100 = ??% 
R Arq. -2 V-4 
1 1 
Dd G 
Os 
Os 
IV V VI 
G Dd O 
O O 
O 
VII VIII IX X 
O O O D 
O Ods 
Os 
Fez o teste com interesse e tentando colaborar ao máximo. 
A paciente apresentou um protocolo breve, como costuma ser nos 
casos de deprimidos, e com sinais evidentes da síndrome de suicídio. 
O tipo de percepção por ela adotado, com ênfase no Dd, parece indi-
car um tipo de defesa compulsivo-obsessivo por uma formação reativa 
contra a hostilidade pelo isolamento afetivo. Não tinha vínculos afetivos 
fortes que a pudessem segurar, estimulando-a a continuar vivendo. A sua 
retração aos estímulos externos e o bloqueio afetivo nos alertam sobre 
sua solidão. Sofreu tanto que quando foi submetida à técnica de Rorschach 
tinha levantado uma barreira entre ela e o mundo, procurando agir com 
126 
> 
A intuição do Psicólogo - técnicas de abordagem com uso do Rorschach 
rigidez e expondo:~e o menos possível. De fato, a percentagem de F + % 
foi de 90 e somat1c~ de F% igual a 55% na nossa experiência, o F + % 
pode ser baixo ou muito alto na síndrome de suicídio; adotando uma atitu-
de de constrição emoci~nal exagerada tentava afastar-se de situações 
que provocassem emoçoes. Seus pensamentos eram ansiosamente con-
trolados e o relacionamento intelectualizado, mostrando-se reservada. 
Essa defesa racionalizada estava destinada também a bloquear os im-
pulsos rejeitados e ameaçadores. 
Em relação aos determinantes apresentou duas respostas FK: uma 
de perspectiva linear, chamada por Exner de "forma-dimensão" (FD), e 
outra de vista (V); ambas costumam estar presentes nos protocolos de 
suicídio em potencial. Os sinais depressivos estão presentes no baixo 
número de perceptos, no F + % elevado, na ausência de respostas de 
cor, na proporção invertida da fórmula que representa seus recursos em 
potencial (FM + m: Fc + c + C'), em que a ênfase recai justamente do lado 
direito, quando em 80% das pessoas a proporção se apresenta invertida. 
No paciente isso representa angústia, sofrimento, dor psíquica interio-
rizada, pois a fórmula vivencial de Rorschach se apresenta como intro-
versiva, reforçada essa introversão pelas duas respostas (FD e V). Isto é, 
o oposicionismo e a agressividade implícitos nos perceptos de espaço 
em branco se dirigem, de maneira anômala, para o núcleo da sua perso-
nalidade, ameaçando a integridade do ego. 
Possui um nível de auto-estirr)a baixo (índice de egocentrismo 27%), 
embora inteligente, capaz e profissionalmente aceita, colocava-se objeti-
vos muito pobres, conformando-se com muito pouco com receio de fra-
cassar (G: M = 3, 2). 
Examinando o lambda, muito alto, compreendemos que estreitou seu 
mundo, tendo do mesmo uma visão ''tipo túnel", cheia de amargura e 
sofrimento. A sua passividade e aparente aceitação da situação engana-
ram os especialistas que tinham a paciente sob sua responsabilidade. 
Entretanto, para a paciente, que era essencialmente passiva, como po-
demos verificar examinando suas respostas de movimento, envolvia me-
nor esforço anular-se, que lutar enfrentando os problemas. Portadora de 
uma perturbação do instinto de agressão, devia estar reprimindo a hosti-
lidade há longo tempo, dando lugar a manifestações psicossomáticas 
como a úlcera e a intensa carga de claro-escuro em relação ao número 
de respostas de cor e o número de Hd . 
. S~a única manifestação de agressividade foi indireta. Suicidando-se f tingiu não apenas os pais, como também todas as pessoas que de uma 
orma ou de outra com ela mantiveram contato. 
127 
· Isabel Adrados -
-
4~-CONCLUSÃO 
-. T?da ve~ que um pacien~e apr,esentear~ na técnica. de Rorschach _ 
srn?1s_ da srndrome _?e suic1?iº: e. con~em~n~e que se tomem medidos 
energ,cas de proteçao e assIstencIa ps1cologIca. as 
· A. paciente em estudo apresentava oito dos nove sinais relatados 
· , · d no InIcI0 este trabalho. 
1. Uma resposta de perspectiva, vista (V). 
2. Outra de forma-dimensão em-perspectiva linear (FD). 
3~ Três respostas múltiplas Cm. KF, M+FC' e M+Fc+~ ·que refletem a inte-
riorização da angústia. 
4. Lambda muito alto, 1, 25. 
5. Razão afetiva baixa, 50º/o. 
6. Índice de egocentrismo ou auto-estima muito- baixo O, 27. 
7. Respostas de espaço em branco em -n_úmero de quatro. 
8. Fórmula vivencial introversiva. 
5. SUMMARY 
The article points clearly to the suicide syndrome as defined by the 
Rorschach Test, attempting thus to indicate elements capable of preven-
ting accidents that could often be avoided if riecessary measures were 
taken in good time. Nine signs are cited as forming p·art of the syndrome. A 
case study illustrates the above.

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