Buscar

Uma Teoria do Direito Administrativo - Gustavo Binenjom

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 383 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 383 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 383 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UMA TEORIA DO DIREITO 
ADMINISTRATIVO 
Direitos Fundamentais, Democracia 
e Constitucionalização 
' • 
Gustavo Binenbojm 
Professor Adjunto de Direito Administrativo da Faculdade de Direito 
da UERJ. Doutor e Mestre em Direito Público, UERJ. Master of Laws 
(LL.M.), Yale Law School (EUA). Professor dos cursos de pós-graduação 
da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ). Professor da Escola da 
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Procurador do 
Estado, advogado e parecerista no Rio de Janeiro. 
UMA TEORIA DO DIREITO 
ADMINISTRATIVO 
Direitos Fundamentais, Democracia 
e Constitucionalização 
3ª Edição 
Revista e Atualizada 
RENOVAR 
Aio de Janeiro 
2014 
Todos os direitos reservados à 
LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. 
MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJ 
CEP: 20011-901 -Tel.: (21) 2531-2205 - Fax: (21) 2531-2135 
FILIAL RJ: Tels.: (21) 2589-1863 / 2580-8596 - Fax: (21) 2589-1962 
www.editorarenovar.com.br SAC: 0800-221863 
© 2014 by Livraria Editora Renovar Ltda. 
Conselho Editorial: 
Arnaldo Lopes Süssekind -Presidente (in memoriam) 
Antonio Celso Alves Pereira 
Caio Tácito (in memoriam) 
Carlos Alberto Menezes Direito (in memoriam) 
Celso de Albuquerque Mello (in memoriam) 
Gustavo Binenbojm 
Gustavo Tepedino 
Lauro Gama 
Luís Roberto Barroso 
Luiz Edson Fachin 
Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. 
Manoel Vargas 
Nadia de Araujo 
Nelson Eizirik 
Ricardo Lobo Torres 
Ricardo Pereira Lira 
Sergio Campinho 
Capa: Sheila Neves 
Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. 
1318 
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 
Binenbojm, Gustavo 
B242t Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democra­
cia e constitucionalização. - 3ª ed. revista e atualizada -Rio de Janeiro: 
Renovar, 2014. 
ISBN 978-85-7147-860-2 
1. Direito administrativo - Brasil. I. Título. 
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98) 
Impresso no Brasil 
Printed in Brazil 
CDD 346.810922 
Para Letícia, 
em cujos olhos vive o amor. 
Para Laura e Beatriz, 
nosso amor em forma de gente. 
SUMÁRIO 
NOTA À 3ª EDIÇÃO ................... .................... .................................... XI 
NOTA À 2ª EDIÇÃO ........................................................................ XIII 
PREFÁCIO (Luís Roberto Barroso) ... . .. . . . .................... ...................... XIX 
APRESENTAÇÃO ......................... . . . . .............. . . . . . .... . . .......... ..... ........ ..... l 
PRIMEIRA PARTE: 
OBJETO DA INVESTIGAÇÃO. 
CAPÍTULO 1 -A CRISE DOS PARADIGMAS DO DIREITO 
ADMINISTRATIVO . .......... ............................... ........ . . . .................. 9 
1.1. A outra história do direito administrativo : do pecado 
autoritário original à constituição de uma dogmática a serviço 
dos donos do poder . ......... ........... ...... . . . . ............... . . . . ......................... 9 
1.2. A evolução contraditória do direito administrativo: a dogmática 
administrativista no divã ........ ........... . ..... ......... ........... . . . . ................ 1 7 
1.3. Delimitando o objeto da investigação: a crise dos paradigmas 
do direito administrativo brasileiro . . . ...... ............ . . . ......... ................ 23 
1.3 .1. A noção de paradigma adotada: um acordo semântico ............... 26 
1.3.2. Da supremacia do interesse público ao dever de 
proporcionalidade: a crise da ideia de regime jurídico 
administrativo ..... ..... . .. . . ..... .............. . . . ........................... ................. 29 
I.3.3. Da legalidade como vinculação positiva à lei ao princípio da 
juridicidade administrativa: a crise da lei administrativa .... . . . . . ...... 34 
1.3.4. Da dicotomia ato vinculado versus ato discricionário à teoria 
dos graus de vinculação à juridicidade: a crise da 
discricionariedade administrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 
1.3.5. Do Executivo unitário à Administração Pública policêntrica: 
a crise da estrutura administrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 
SEGUNDA PARTE: 
PREMISSAS TEÓRICAS. 
CAPÍTULO II - DIREITOS FUNDAMENTAIS E 
DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTOS 
ESTRUTURANTES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE 
DIREITO. O NEOCONSTITUCIONALISMO E A 
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
ADMINISTRATIV0 ..................................................................... 49 
II. l . Direitos fundamentais e democracia como fundamentos de 
legitimidade e elementos estruturantes do Estado democrático 
de direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 
II.2. A Constituição no centro do sistema jurídico: 
neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
II.3. O papel decisivo dos marcos constitucionais dos direitos 
fundamentais e da democracia no delineamento dos novos 
paradigmas do direito administrativo: a constitucionalização do 
direito administrativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 
II.3.1. As dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais 
e a Administração Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 
II.3.2. A democracia e a Administração Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 
TERCEIRA PARTE: 
A MUDANÇA DE PARADIGMAS PROPOSTA. 
CAPÍTULO III - DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO 
INTERESSE PÚBLICO AO DEVER DE 
PROPORCIONALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 83 
III. l. A dicotomia interesse público versus interesses privados ao 
longo da história . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 
III.2. O princípio da supremacia do interesse público, segundo a 
doutrina brasileira. Uso histórico do princípio como 
instrumento de exercício arbitrário da discricionariedade ............. 89 
III.3. A desconstrução do princípio da supremacia do interesse 
público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 
III.4. A posição intermediária de Luís Roberto Barroso . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . 103 
III.5. A constitucionalização do Direito Administrativo e o dever 
de ponderação proporcional como fator de legitimação e 
princípio reitor da atividade administrativa. O Estado 
democrático de direito como Estado de ponderação .. . . ... . . . . . . . . ... . 105 
III.6. Ponderação constitucional, legislativa, administrativa e judicial .. . 1 11 
III. 7. A proporcionalidade e as normas instituidoras de privilégios 
para a Administração . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 
III.8. A proporcionalidade e as normas restritivas de direitos 
individuais . .................................................................................... 121 
CAPÍTULO IV -A CRISE DA LEI: DA LEGALIDADE 
COMO VINCULAÇÃO POSITIVA À LEI AO PRINCÍPIO 
DA JURIDICIDADE ADMINISTRATIVA . . . ... . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 31 
IV. l. O desprestígio do legislador e a crise da lei formal: um 
fenômeno universal . . . .. . . . ... . . .. . . . . . . . . . . ... . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 1 3 1 
IV.2. Os caminhos da legalidade administrativa: os sentidos da 
vinculação da Administração à juridicidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 14 2 
IV.3. A pluralidade de fontes do direito administrativo 
contemporâneo: constituição, lei, regulamento presidencial e 
regulamento setorial. A sistemática constitucional brasileira 
após a Emenda Constitucional nº 32/2001 .................................. 149 
IV.3. 1 . A lei. Formas de manifestação da legalidade. Reservas de lei . . . . 153 
IV.3.2. Os regulamentos. Suas espécies e a sistemática introduzida 
pela Emenda Constitucional n" 32/2001 ................ . .. .................. 1 59 
IV.4. A atividade administrativa contra legem: ponderações entre 
legalidade, moralidade, proteção da confiança legítima e da 
boa-fé e eficiência. Convalidação, invalidação prospectiva e 
invalidação retroativa à luz do princípio da juridicidade 
administrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ... ... . . .. . . . . . . . . . . . . 1 83 
CAPÍTULO V -DA DICOTOMIA ATO VINCULADO 
VERSUS ATO DISCRICIONÁRIO À TEORIA DOS 
GRAUS DE VINCULAÇÃO À JURIDICIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 
V. l. A discricionariedade administrativa como espaço de livre 
decisão externo ao direito . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . ... . 207 
V.2. A teoria dos elementos do ato administrativo: controle dos 
elementos vinculados do ato discricionário .................................. 213 
V.3. A emergência da teoria dos princípios: o estreitamento 
(parcial ou total) do âmbito de discricionariedade por 
incidência dos princípios da Administração Pública . . . . . . . ... ........ ... 219 
V.4. Conceitos jurídicos indeterminados, espaços de apreciação 
administrativa e princípios constitucionais ................................... 22 5 
V.5. Discricionariedade administrativa, conceitos jurídicos 
indeterminados e controle judicial: critérios para uma teoria 
jurídico-funcionalmente adequada ....... . . . . . . . . ........... ..................... 2 40 
CAPÍTULO VI -DO EXECUTIVO UNITÁRIO À 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POLICÊNTRICA . . . . . . . . . . . . ...... 257 
VI. l. A emergência das autoridades administrativas independentes: 
do Executivo unitário à Administração policêntrica .... . . ............... 2 5 7 
VI.2. As características gerais das agências independentes: as 
dimensões de sua autonomia reforçada .... . . . . . ... . . . . ........................ 269 
VI. 3. Contextualizando as agências independentes nos Estados 
Unidos e no Brasil: mão e contramão ............... . . . . . . . . . .. . . ...... ......... 280 
VI.4. As tensões entre a regulação independente e o Estado 
democrático de direito ... . . ......... . . . . . . . .................. . . . . . . . . . . . . . .............. 288 
VI. 4 . 1 . A sucessão democrática e as agências reguladoras 
independentes: registros históricos da experiência brasileira ....... 289 
VI.4.2 Propostas de aprimoramento do arranjo institucional das 
agências reguladoras no Brasil ..... . . . . ...... . . . .. . . . . . ....... ........... . . . . . . . . . . . . 2 9 2 
VI.4.2. 1 . Em relação ao princípio da legalidade: rejeição à tese da 
deslegalização .............. . . . . ........ . . . . . ............. . . ........... ................... . . .. 292 
VI.4.2.2. Em relação ao sistema de freios e contrapesos: controles 
ancilares do Executivo e do Legislativo . . . .. . . . . . . .... . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306 
VI.4.2.3. Em relação ao dito déficit democrático: controle social e 
legitimação pelo procedimento .... . . . . . . . . . . ................. . . . . . . .. . ............. 31 O 
VI. 5. Agências independentes, direitos fundamentais e democracia . 31 7 
CAPÍTULO VII -SÍNTESE CONCLUSIVA ... . .. . . . . . .................... 323 
VII. l. Proposições objetivas ............................... .... . ................... . . ..... . . 323 
VII.2. Encerramento ...... . . . . . . .......... . . . . . .............. . . . .. . . ................ . . . . . . .. . . . 335 
NOTA À 3ª EDIÇÃO 
Submeto aos estudiosos e operadores do direito a 3ª edição de 
Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, de­
mocracia e constitucionalização. Não se cuida de livro novo . Trata­
se da mesma obra, revista e atualizada, no entanto, à luz das inova­
ções legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais dos últimos anos. 
Sou grato a todos quantos leram e puderam extrair algum 
proveito do livro; à Editora Renovar, na pessoa do querido Osmun­
do Lima, pela coragem de ter lançado, há quase uma década, a 1 ª 
edição deste trabalho; e, por último, mas não menos importante, 
aos jovens e brilhantes advogados Francisco Defanti e Renato To­
ledo, cuja devoção ao trabalho de pesquisa tornou possível a atua­
lização do texto. 
ltaipava (RJ), primavera de 20 1 3 . 
Gustavo Binenbojm 
NOTA À 2ª EDIÇÃO 
Sobre iconoclastas e seu destino 
No epílogo de What Should Legal Analysis Become, Roberto 
Mangabeira Unger se utiliza de uma parábola para perscrutar a 
relação dos juristas com o direito . A parábola remonta à aliança de 
Deus com Abraão, e seu conteúdo essencial : a ruptura com toda 
forma de idolatria, e a busca de um mundo de justiça e redenção. 
As grandes religiões monoteístas desenvolveram seus sistemas de 
crenças a partir de códigos de condutas, em honra ao compromisso 
original . As normas prescritas pela religião seriam, assim, como que 
a realização do pacto firmado com Deus. Ocorre que, sob diferen­
tes contextos e circunstâncias, a obediência cega aos códigos pode 
representar, ela própria, uma forma de idolatria. Adorar as nor­
mas, como se elas fossem atemporais, pode significar o descumpri­
mento da aliança na sua essência: um compromisso ético contínuo 
de superação das injustiças nunca integralmente realizado . Esta a 
única norma atemporal. 
Eis o ponto . Os iconoclastas de ontem podem ter-se tornado os 
idólatras de hoje . O direito não deve ser contemplado pelos juristas 
como uma revelação dos sábios do passado. No seu emaranhado de 
conceitos e categorias - produto acidentado de disputas de poder 
ou consensos imperfeitos - o fenômeno jurídico é apenas um pre­
cipitado histórico daquilo que seria, em termos contrafáticos, sua 
vocação ou inspiração original . Cabe-nos a tarefa constante de 
reavaliá-lo criticamente e imaginar novas formas de libertação e 
desenvolvimento. 
Esta a concepção com que foi pensado este livro, magistralmen­
te captada, para meu gáudio, pela pena ilustre de Carlos Ari Sund­
feld, na quarta capa da presente edição: 
"Mudam normas, mudam idéias, muda o mundo; e nosso direi­
to administrativo, muda? Para alguns, não pode mudar: eles 
crêem na atemporalidade do passado. Mas muitos não querem 
a teoria jurídica como religião; estou com eles. Ao conhecer 
este livro de Gustavo Binenbojm, brilhante professor da Facul­
dade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 
levei-o a meus alunos: aqui há um olhar sincero sobre a expe­
riência jurídica contemporânea, aqui se questionam certezas e 
há idéias a debater. Um livro que vale. 
Gustavo contesta o valor, afirmado pela geração anterior de 
administrativistas, do princípio da supremacia do interesse pú­
blico sobre o privado. Ele está com a razão, a meu ver. Em caso 
de conflito entre interesses, o desafio prático é decidir qual 
deles deve prevalecer. Depois da decisão, é fácil dizer que o 
interesse pelo qual se optou é o interesse público, e o outro o 
privado . Só que nossa tarefa não é descrever as coisas depois 
de resolvidas; é ajudar na solução . De que adianta dizer: "o 
interesse público deve ser preferido", se o problema é justa­
mente saber qual dos interesses é o "público"? O tal princípio, 
além de inútil - por não ajudar na resposta - pode ser muito, 
muito perigoso, se combinado com a presunção autoritária de 
que vontade do Estado é sinônimo de interesse público.Essa 
presunção não é compatível com o regime constitucional, pois 
o respeito aos direitos individuais tem de ser compromisso do 
próprio Estado, mas anda solta por aí, assombrando - e Gusta­
vo faz o alerta de que, mesmo involuntariamente, o velho 
princípio da supremacia a mantém viva. 
O livro trata de outras questões teóricas : da legalidade admi­
nistrativa, da dicotomia vinculação x discricionariedade e da 
superação da Administração unitária. São temas fundamentais 
da agenda dos publicistas, que se tornaram mais complexos e 
sobre os quais as idéias mudaram muito nas últimas décadas . A 
contribuição de Gustavo Binenbojm para sua compreensão é 
relevante e precisa ser conhecida." 
Para minha surpresa e alegria, a primeira edição deste livro 
esgotou-se rapidamente, merecendo a honra da leitura, reflexão e 
crítica de grande parte do pensamento jurídico nacional . Entre 
alguns enxovalhas públicos furiosos - que mais me divertiram que 
aborreceram - e diversas manifestações generosas de adesão, penso 
que a obra tem se prestado à função para ,que foi concebida: a de 
funcionar como catalisadora do debate sobre as significativas 
transformações por que passa o direito público em geral, e o direito 
administrativo, em particular. 
Os ecos das propostas teóricas desenvolvidas no livro podem 
ser encontrados em trabalhos de diversos publicistas brasileiros. A 
doutrina encontra-se dividida entre aqueles que propugnam pela 
desconstrução1 do princípio da supremacia do interesse público e 
aqueles outros que advogam a necessidade de sua reconstrução.2 
Em ambos os casos, todavia, os autores concordam em que, nos 
Estados constitucionais e democráticos, não há mais espaço para a 
defesa da prevalência a priori e descontextualizada dos interesses 
de caráter difuso ou coletivo sobre os direitos individuais. O con­
ceito de interesse público deixa de ser compreendido como um 
dado, definido a partir da lógica da autoridade estatal, passando a 
ser construído mediante juízos de ponderação formulados dialogi­
camente por legisladores, administradores e juízes. 
Também no que se refere a outros aspectos do trabalho, como 
a revisão da velha concepção de legalidade administrativa e o reen-
V., dentre outros, Humberto Ávila, Repensando o "Princípio da Supremacia do Interesse 
Público sobre o Particular"; Daniel Sarmento, Interesses Públicos vs. Interesses Privados na 
Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, Paulo Ricardo Schier, Ensaio sobre a 
Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o Regime Jurídico dos Direitos Fundamen­
tais; Alexandre Aragão, A "Supremacia do Interesse Público" no Advento do Estado de Direito 
e na Hennenêutica do Direito Público Contemporâneo, todos in Daniel Sarmento (organiza­
dor), Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Suprema­
cia do Interesse Público, 2006. Também no sentido da inexistência do princípio, Marçal 
Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, 2005, p. 45/ 46; Diogo de Figueiredo Moreira 
Neto, Novos Paradigmas do Direito Administrativo, 2008. 
2 V. Luís Roberto Barroso, O Estado Contemporâneo, os Direitos Fundamentais e a 
Redefinição da Supremacia do Interesse Público, in Daniel Sarmento (organizador), Interes­
ses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interes­
se Público, 2006; Alice Gonzalez Borges, Supremacia do Interesse Público: desconstrução ou 
reconstrução? in Revista de Direito do Estado (RDE) nº 3, jul./set. 2006, p. 137/153. 
quadramento da noção de discricionariedade, a literatura e a juris­
prudência pátrias têm manifestado reconhecimento. A atualização 
do texto contempla já diversas decisões das Cortes judiciárias, 
inclusive do Supremo Tribunal Federal, acolhendo entendimentos 
esposados na obra. Foram igualmente acrescentados e comentados 
os desenvolvimentos institucionais acerca da temática das agências 
reguladoras, submetidas a intensas críticas e alvo de projetos de 
reforma nos últimos anos. 
Desejo registrar minha gratidão àqueles que tornam minha vida 
possível . Ao editor e querido amigo, Osmundo Lima Araújo, pela 
sua seriedade e generosidade . Aos amigos Lauro Gama Junior, 
Flávio Carvalho Britto, André Cyrino e Alice Voronoff, minha 
família profissional, por me permitirem buscar o melhor de mim e 
deles mesmos. A Daniel Sarmento, Caio Mário da Silva Pereira 
Neto, Cláudio Pereira de S ouza Neto, Carlos Ari Sundfeld, Ana 
Paula de Barcellos, Alexandre Aragão e Patrícia Baptista, pela ami­
zade e interlocução prazerosa. Por fim, aos amores da minha vida, 
simplesmente por amá-las desde sempre e para sempre: Leticia, 
Laura e Beatriz. 
Rio de Janeiro, inverno de 2008 . 
Gustavo Binenbojm 
PREFÁCIO 
A caminho de um direito 
administrativo constitucional3 
1 . Sobre o autor e seu orientador 
Este livro contém a última etapa formal da carreira acadêmica 
e docente de Gustavo Binenbojm. Nele se consubstancia a tese 
com a qual obteve o título merecido de doutor em direito público, 
com nota máxima, distinção e louvor. E isso o torna, automati­
camente, professor adjunto4. Aqui se completa, portanto, um rito 
de passagem, um daqueles momentos a partir dos quais a vida já 
não será mais a mesma. Daqui por diante, todos os caminhos serão 
próprios, sem orientadores, bancas e interferências externas . É, 
simultaneamente, um instante de libertação e de solidão na vida 
de um estudioso. Pessoalmente, celebro este momento com orgu­
lho e com nostalgia. 
Por mais de dez anos, Gustavo Binenbojm desenvolveu sua 
carreira acadêmica e profissional próximo a mim. Na graduação, 
foi meu aluno, monitor e estagiário . Após a formatura, tornou-se 
3 O título deste prefácio se inspira no artigo de Maria Celina Bodin de Moraes, "A 
caminho de um direito civil constitucional", Revista de Direito Civil 65:23, 1991, que foi 
um dos marcos acadêmicos da constitucionalização do direito civil. 
4 A titularidade, possível, previsível, não é um cargo de carreira e sujeita-se a circunstân­
cias diversas da burocracia universitária. 
advogado em meu escritório e foi meu orientando de mestrado e 
de doutorado. Ao longo desse período, foi aprovado no concurso 
para Procurador do Estado do Rio de Janeiro e foi admitido no 
programa de LL.M. da Faculdade de Direito da Universidade de 
Yale . De volta ao Brasil, reassumiu a cadeira de professor de direito 
administrativo, que conquistara por concurso, e defendeu a pre­
sente tese. Completado o ciclo, Gustavo segue agora seu rumo 
próprio. O sentimento de perda de um colaborador de tantos anos 
e de tanto talento só é atenuado por uma dessas magias do mundo 
acadêmico: a capacidade de um professor sentir-se realizado no 
sucesso de seus alunos . Quem não souber elaborar esta inevitabili­
dade da vida e não for bem resolvido em relação a ela, não encon­
trará felicidade no magistério. 
II . Sobre a tese 
Encantei-me pelo tema da tese desenvolvida por Gustavo des­
de quando li o seu projeto de doutoramento, com autoria ainda não 
identificada, apresentado à banca de seleção do Programa de Pós­
graduação em direito público da Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro - UERJ . Posteriormente, Gustavo publicou diversos frag­
mentos de seu trabalho, em revistas especializadas . A leitura das 
diferentes partes proporcionava uma visão geral do tema, com 
reflexões bem lançadas sobre as origens, tradições e mitos do 
direito administrativo, no Brasil e no mundo. 
Nada obstante isso, quando Gustavo me apresentou a versão 
integral da tese, para meus comentários finais, surpreendeu-me 
uma sensação difícil de definir . Reunido em uma peça única, o 
conjunto do trabalho pareceu-me totalmente singular, repleto de 
visões próprias e bem inspiradas . A sensação foi semelhante à que 
senti na primeira vez em que minha filha mais velha emitiu uma 
opinião, um juízo de valor, que não aprendera em casa, que não 
correspondia às nossas conversas e ao nosso "patrimônio comum" . 
Passado o susto e o sentimentode perda do controle, o momento 
seguinte foi de orgulho e de identificação. Há muitas passagens no 
presente livro que expressam, com mais proficiência do que eu 
seria capaz, idéias que compartilho com o autor. 
É lugar-comum dizer-se que alunos se tornam filhos espirituais 
dos professores aos quais se ligam. A imagem é gasta, mas é verda-
<leira. É que, ao lado dos vínculos formais da orientação e dos laços 
intelectuais da discussão de idéias, desenvolve-se e aprofunda-se, 
também, uma relação de afeto e de cumplicidade, um elo trans­
cendente . Mas os filhos, biológicos ou espirituais, pertencem ao 
mundo, e não aos pais. Há uma fase na vida em que é possível 
compartilhar valores, ser exemplo ou dar motivação . Mas em al­
gum momento - doloroso momento - é preciso sair de cena, para 
converter-se em referência cada vez mais remota. Essa é a glória da 
paternidade e do magistério: deixar de ser protagonista e tornar-se 
um espectador engajado. Às vezes, um mero torcedor na arquiban­
cada. 
Gustavo Binenbojm escreveu um livro extraordinário. Há te­
mas que passam anos à espera de um autor. Mas quando ele apa­
rece e oferece a sua visão do assunto, ou a sua revisão, o óbvio que 
se encontrava encoberto passa a cintilar. E é de tal forma penetran­
te que a novidade se converte, em pouco tempo, em conhecimento 
convencional. Gustavo faz um diagnóstico preciso da crise de pa­
radigmas do direito administrativo e apresenta propostas bem ar­
ticuladas para sua superação. A originalidade do trabalho se encon­
tra, precisamente, na capacidade do autor de sistematizar a matéria 
versada, de arrumar um conjunto de ideias que fervilhavam disper­
sas, dando a elas um arranjo original. O livro explora, com sensibi­
lidade, rigor e leveza, a incidência do neoconstitucionalismo e da 
constitucionalização do Direito sobre o direito administrativo. 
O neoconstitucionalismo identifica uma série de transforma­
ções ocorridas no Estado e no direito constitucional, nas últimas 
décadas, que tem (i) como marco filosófico o pós-positivismo5; (ii) 
como marco histórico, a formação do Estado constitucional de 
direito, após a 2ª Guerra Mundial, e, no caso brasileiro, a redemo­
cratização institucionalizada pela Constituição de 1 988; e (iii) 
como marco teórico, o conjunto de novas percepções e de novas 
práticas, que incluem o reconhecimento de força normativa à 
5 A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo jurídico 
abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, 
sua função social e sua interpretação, que tem sido identificado pelo rótulo genérico de 
pós-positivismo. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que buscam abrigo nesse para­
digma em construção incluem-se o reconhecimento dos valores, a reaproximação entre o 
Direito e a Ética, a normatividade dos princípios, a reabilitação da razão prática e da argu­
mentação jurídica e a centralidade dos direitos fundamentais, edificados sobre o fundamento 
da dignidade humana. 
Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvol­
vimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional, 
envolvendo novas categorias, como os princípios, as colisões de 
direitos fundamentais, a ponderação e a argumentação . 
A constitucionalização do Direito, por sua vez, está associada a 
um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo 
material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o 
sistema jurídico . Os valores, fins públicos e os comportamentos 
contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a 
condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito 
infraconstitucional. Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não 
apenas um sistema em si - com sua ordem, unidade e harmonia -, 
mas também um modo de olhar e interpretar todos os ramos do 
Direito . A constitucionalização do direito infraconstitucional não 
tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas 
próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de 
seus institutos sob uma ótica constitucional6 . 
Para a constitucionalização do direito administrativo foi decisi­
va a incidência, com força normativa, dos princípios constitucio­
nais, não apenas os específicos desse domínio, mas igualmente os 
de caráter geral. Também aqui, a partir da dignidade da pessoa 
humana e dos direitos fundamentais, alterou-se a qualidade das 
relações entre Administração e administrado, com a superação ou 
reformulação de paradigmas tradicionais . Dentre eles, é possível 
destacar (i) a redefinição da idéia de supremacia do interesse 
público sobre o interesse privado, (ii) a vinculação do administra­
dor à Constituição e não apenas à lei ordinária e (iii) a possibilidade 
de controle judicial do mérito do ato administrativo. 
A esses três temas recorrentes no debate atual, Gustavo acres­
centa, com perspicácia, a superação do Executivo unitário pelo 
surgimento de uma Administração policêntrica, com ênfase no 
advento e expansão das autoridades administrativas inde­
pendentes, que passaram a ser estudadas no Brasil sob a designação 
de agências reguladoras . Aliás, sobre a subsistência ou não do prin­
cípio da supremacia do interesse público, talvez tenhamos uma 
divergência menor. O autor a expõe no corpo de seu trabalho . Não 
6 Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do 
Direito, in Revista de Direito Administrativo 240: 1, 2005. 
a tenho como especialmente relevante e não me parece próprio 
aproveitar esse espaço para a tréplica7• 
III . Encerramento 
Há alguns anos, quando Gustavo iniciava sua vida acadêmica, 
dei a ele um conselho difícil para mim. O direito constitucional, na 
UERJ, encontrava-se com a titularidade ocupada e as outras posi­
ções, quando abertos os concursos, teriam um congestionamento 
de pretendentes . Suas possibilidades de êxito nesses certames 
eram muito grandes. Mas, mesmo assim, lembrei a ele que o direi­
to administrativo brasileiro não tinha vivido o mesmo movimento 
de renovação pelo qual passara o direito constitucional após a 
Constituição de 1 988 . E que, portanto, aquele era um espaço que 
ele poderia ocupar e no qual viria a exercer liderança. Gustavo 
acolheu minha sugestão e passou a participar, com destaque, da 
construção de um direito administrativo constitucional. Com este 
livro notável, a profecia começa a se realizar. 
Cerca de dez anos atrás, os Professores Ricardo Lobo Torres, 
Paulo Braga Galvão e eu demos início ao Programa de Pós-gradua­
ção em Direito Público da UERJ. Tivemos a felicidade de contri­
buir para a criação de um ambiente acadêmico feito de pessoas que 
se admiram, se gostam e se ajudam. Com pouco dinheiro, uma 
dose de idealismo e critérios absolutamente republicanos de sele­
ção, congregamos jovens talentos vindos de todo o Brasil . A recom­
pensa tem sido imensa. Alguns dos grandes nomes da nova geração 
de juristas brasileiros passaram por aqui. Dentre eles, Daniel Sar­
mento, Ana Paula de Barcellos, Cláudio Pereira de Souza Neto, 
Jane Reis e Rogério Nascimento. 
Com o presente trabalho, Gustavo Binenbojm passa a figurar, 
com grande merecimento, no primeiro time do direito público no 
país . Ao identificar a crise dos paradigmas tradicionais do direito 
administrativo, atende a uma demanda por reflexão crítica que 
havia ficado represada nos últimos anos, em um domínio que 
custou a incorporar os efeitos da constitucionalização do Direito, 
da centralidade dos direitos fundamentais e da reaproximação en-
7 Meu ponto de vista se encontra no Prefácio do livro organizado por Daniel Sarmento, 
Interesse públicos vs. interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do inte­
resse público, 2005. 
tre o Direito e a Ética. O único problema de um livro como este é 
que ele deflagra o debate sobre temas relevantes e complexos, 
passando a impressão de que já não há mais nada a ser dito . O que 
é certo, no entanto, é queo direito administrativo jamais voltará a 
ser pensado como era até aqui. 
Rio de Janeiro, 1 O de março de 2006. 
Luís Roberto Barroso 
Ministro do Supremo Tribunal Federal; 
Professor Titular de Direito Constitucional da UERJ 
APRESENTAÇÃO 
Logo que concluí a leitura do Carnaval Tributário, de Alfredo 
Augusto Becker, 1 pensei comigo mesmo: o direito administrativo 
brasileiro precisa de um livro como este1 Entre uma ponta de inveja 
e outra de admiração (que Freud, afinal, diria serem faces da mes­
ma moeda) , recolhi-me à despretensão da minha juventude, mas 
guardei a intuição de que aquele seria um projeto digno de ser 
realizado: um livro à espera de um autor. 
É claro que o Carnaval traz apenas um emaranhado caótico de 
críticas e reflexões, numa espécie de autobiografia profissional do 
jurista gaúcho ( 1 989) , encontrando-se na Teoria Geral do Direito 
Tributário, cuja primeira edição data de 1 963, sua mais alentada 
proposta teórica . Nada obstante, o Carnaval Tributário repre­
sentou o libelo de uma geração contra as imposturas e inconsistên­
cias do nosso combalido direito fiscal. 
Anos depois, a vida me levaria a lecionar direito administrativo 
(sempre ao lado do direito constitucional) , o que acabou por rea­
cender em mim a chama por uma crítica estrutural ao arcabouço 
teórico da disciplina que se ensinava no Brasil. Do confronto da 
teoria com a prática da Administração Pública, como advogado pú­
blico e privado, dos debates travados com alunos e colegas de gera­
ção e, finalmente, após a experiência do estudo do direito público 
sob a tradição anglo-saxónica, em meu mestrado na Escola de Di­
reito da Universidade de Yale (EUA) , amadureci ideias e intui-
Alfredo Augusto Becker, Carnaval Tributário, 1 989. 
ções, transformando-as no projeto que resultaria no presente tra­
balho. 
As ideias aqui desenvolvidas não se pretenderam afastadas do 
mainstream (a corrente dominante) do direito administrativo bra­
sileiro apenas por sê-lo . Muitas delas sequer são realmente origi­
nais em sua concepção, senão que foram utilizadas, com os devidos 
créditos, na tentativa de uma nova sistematização - esta sim -, 
que talvez possa exibir algum viés inovador . Tudo que aqui se en­
contra escrito responde apenas às perplexidades de um professor 
em busca da identidade de sua disciplina. 
A teoria do direito administrativo brasileiro sempre me pare­
ceu inconsistente, do ponto de vista lógico-conceitual, autoritária, 
do ponto de vista político-jurídico, e ineficiente, de um ponto de 
vista pragmático. 
Primeiro e, sobretudo, inconsistente. Como corroborar a versão 
da gênese do direito administrativo como fruto da sujeição da bu­
rocracia à lei e do advento do princípio da separação dos poderes, 
quando se sabe que os principais institutos da disciplina foram for­
j ados de maneira autônoma pelo Conselho de Estado francês (e não 
por decisão heterônoma do legislador) , órgão administrativo que 
congregava atribuições legislativas e judicantes, sob o controle do 
Poder Executivo? Não seria essa a própria antítese da ideia de um 
regime de separação de poderes? Como enquadrar um princípio de 
supremacia do interesse público sobre os interesses particulares 
em um ambiente reconstitucionalizado, no qual se proclama a cen­
tralidade, não do Estado ou da sociedade, mas do sistema de direi­
tos fundamentais? Como justificar a sobrevivência atávica de um 
conceito pré-constitucional de interesse público, diante da consti­
tucionalização dos interesses individuais e coletivos mais relevan­
tes? Como sustentar a existência de um princípio que, em sua es­
trutura semântica, pressupõe, não a ductibilidade, mas a prevalên­
cia a priori? Como ensinar que o princípio da legalidade adminis­
trativa se apresenta como uma vinculação positiva à lei, diante da 
preordenação constitucional da Administração Pública e dos cres­
centes espaços decisórios autônomos das autoridades administrati­
vas? 
Segundo, a tradição autoritária. Inobstante sua decantada ori­
gem garantística, ligada ao acontecimento liberal do Estado de di­
reito, é hoje reconhecida a raiz monárquica de boa parte dos insti­
tutos e categorias do direito administrativo. Trata-se de uma teoria 
2 
elaborada tendo em vista a preservação de uma lógica da autorida­
de, e não a construção de uma lógica cidadã. Assim se dá, por 
exemplo, com institutos como a discricionariedade administrativa 
(e sua subtração automática à apreciação dos órgãos de controle) , o 
poder de polícia (e o seu desenvolvimento teórico sem qualquer 
referência ao regime constitucional dos direitos fundamentais) e o 
serviço público (construído a partir de critérios que tinham em vis­
ta o interesse do Estado, personificador da sociedade, e não os in­
teresses constitucionalizados dos cidadãos) . A todas essas catego­
rias dava (ou pretendia dar) suporte teórico um conceito fluido e 
vago de interesse público, como pedra de toque de um regime jurí­
dico diferenciado do direito privado, que se justificava pela refe­
rência imediata àquilo que o Estado definia como móvel da socie­
dade e dos invidíduos. 
Terceiro, e por fim, ineficiente . Os esquemas tradicionais por 
meio dos quais se move o aparelho burocrático são ineficientes, em 
parte, devido ao baixo grau de racionalidade do regime jurídico 
administrativo . A ideia de um regime de prerrogativas e restrições, 
constitutivos da própria essência do regime administrativo, acabou 
por se tornar um critério per se, antes que um meio para a realiza­
ção de determinadas finalidades . Como definir o regime por sua 
forma, se esta só se justifica à vista de fins a serem promovidos? Por 
que o esquema de comando-e-controle subsiste como método bási­
co de atuação do Estado brasileiro? Seriam os custos com procedi­
mentos rígidos, demorados e ineficientes (licitações, por exemplo) 
nas mais de 5 . 7 00 administrações públicas existentes no Brasil jus­
tificáveis por razões de legitimidade? Seria esta a melhor maneira 
de conciliar legitimidade e eficiência? Por que a estrutura da Admi­
nistração deve ser unitária e diretamente responsiva às escolhas 
políticas do Chefe do Poder Executivo, quando outros interesses 
sociais podem recomendar um policentrismo organizacional, sob 
certas condições? Seriam os modelos burocráticos inglês e norte­
americano (que sempre reservaram um espaço decisório autônomo 
para autoridades independentes em determinados setores da Ad­
ministração) essencialmente antidemocráticos? 
Estas e outras perplexidades constituem a tônica do presente 
trabalho, servindo de fio condutor da narrativa e de elementos crí­
ticos a desafiar uma reconstrução teórica . Assim, na primeira parte 
da obra (Capítulo 1), procura-se realizar uma espécie de inventário 
histórico das ideias e práticas políticas que estruturaram a discipli-
3 
na em sua versão européia continental, chegando-se à conclusão de 
que a crise de boa parte dos seus institutos é produto não apenas da 
passagem do tempo, mas de vícios de origem. Em seguida, identi­
ficam-se quatro grandes paradigmas do direito administrativo bra­
sileiro, em sua linhagem teórica mais tradicional, para caracterizar­
lhes a crise, ao que se segue a apresentação de propostas reconstru­
tivas. Como será dito oportunamente, o termo paradigma (tomado 
por empréstimo a Thomas Kuhn) é utilizado em um sentido fraco, 
apenas para designar um conjunto de dogmas que, durante longo 
período, permaneceram imunes à crítica doutrinária, funcionando 
qual premissas teóricas do antigo modelo. 
Na segunda parte (Capítulo II) , apresentam-se as premissas 
teóricas do trabalho. Ali, fica clara a visão de que o direito adminis­
trativo deve sempre encontrar no direito constitucional não apenas 
o seu alicerce principiológico, mas a própria lógica estruturante de 
seus institutos e organizações funcionais. Mostra-se que o sistema 
de direitos fundamentais e o princípio democrático cumprem um 
papel determinante tanto na estruturação e funcionamento do Es­
tado democráticode direito, como da própria Administração Pú­
blica. O neoconstitucionalismo e o fenômeno da constitucionaliza­
ção do direito - e do direito administrativo, inclusive - são ana­
lisados como processos transformativos do arcabouço teórico do 
direito administrativo. 
Na terceira parte (Capítulos III , IV, V e VI) , cada um dos ve­
lhos paradigmas do direito administrativo brasileiro passa, separa­
damente, por um processo de desconstrução, seguido de uma ten­
tativa de proposição de novas premissas teóricas para a disciplina. 
Assim, no Capítulo III , analisa-se a crise da ideia de regime jurídico 
administrativo, preconizando-se a passagem do paradigma da su­
premacia do interesse público ao paradigma do dever de proporcio­
nalidade. No Capítulo IV, estuda-se a crise da lei administrativa, 
vislumbrando-se a superação da legalidade como vinculação positi­
va à lei pelo princípio da juridicidade administrativa. No Capítulo 
V, a crise da discricionariedade administrativa é examinada, postu­
lando-se o abandono da velha dicotomia "ato vinculado versus ato 
discricionário" em prol de uma teoria de graus de vinculação à juri­
dicidade. Já no Capítulo VI, passa-se em revista a crise da estrutura 
administrativa, identificando-se a metamorfose da ideia de Execu­
tivo unitário em um modelo de Administração Pública policêntri-
4 
ca. Por fim, no Capítulo VII, são apresentadas as conclusões gerais 
do trabalho . 
Fernando Sabino disse certa vez, numa entrevista, que seu des­
tino de escritor fora determinado por sua condição de leitor rebel­
de. Desde criança, a cada história cujo final não lhe agradava, pu­
nha-se a pensar - e daí a escrever - seus próprios epílogos . Assim, 
acreditava ele, contribuía para melhorar histórias escritas pelos 
maiores nomes da literatura universal. E assim se tornou escritor. 
Que a obra ora apresentada seja compreendida dessa maneira: 
como fruto da rebeldia de um leitor em relação a ideias, e não a 
pessoas; como produto de um desejo de melhorar o ensino e a prá­
tica da Administração Pública no Brasil, mas sem a pretensão de 
que a história aqui narrada seja a melhor. Pois que ela é apenas a 
melhor história que consegui contar. 
5 
PRIMEIRA PARTE 
OBJETO DA INVESTIGAÇÃO 
CAPÍTULO I 
A CRISE DOS PARADIGMAS DO DIREITO 
ADMINISTRATIVO 
1.1. A outra história do direito administrativo: do pecado autori­
tário original à constituição de uma dogmática a serviço dos 
donos do poder. 
Narra a história oficial que o direito administrativo nasceu da 
subordinação do poder à lei e da correlativa definição de uma pauta 
de direitos individuais que passavam a vincular a Administração 
Pública.2 Essa noção garantística do direito administrativo, que se 
teria formado a partir do momento em que o poder aceita subme­
ter-se ao direito3 e, por via reflexa, aos direitos dos cidadãos, ali­
mentou o mito de uma origem milagrosa4 e a elaboração de catego-
2 V., por todos, Caio Tácito, Evolução Histórica do Direito Administrativo, in 
Temas de Direito Público, vol. 1, 1 997, p. 2. 
3 Neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 
vol. I, 1 994, p. 1 48 . 
4 Textualmente, esta é a expressão utilizada por Prosper Weil para explicar o 
surgimento do direito administrativo . V. O Direito Administrativo, 1 977, p. 
7 /l O: "A própria existência de um direito administrativo é em alguma medida 
fruto de um milagre. O direito que rege a actividade dos particulares é imposto 
a estes de fora e o respeito pelos direitos e obrigações que ele comporta encon­
tra-se colocado sob a autoridade e a sanção de um poder exterior e superior: o do 
Estado. Mas causa admiração que o próprio Estado se considere ligado (vincula­
do) pelo direito. ( . . . ) Não esqueçamos, aliás, as lições da história: a conquista do 
Estado pelo direito é relativamente recente e não está ainda terminada por toda 
a parte. ( . . . ) Fruto de um milagre, o direito administrativo só subsiste, de resto, 
9 
rias jurídicas exorbitantes do direito comum, cuja justificativa teó­
rica seria a de melhor atender à consecução do interesse público. 5 
A cada ano, repetimo-nos a nós mesmos e a nossos alunos a 
mesma fábula mistificadora: a de que a certidão de nascimento do 
direito administrativo foi a Loi de 28 do pluviose do ano VIII, edi­
tada em 1 800, organizando e limitando externamente a Administra­
ção Pública.6 Tal lei simbolizaria a superação da estrutura de poder 
do Antigo Regime, fundada não no direito, mas na vontade do so­
berano (quod regi placuit lex est) . A mesma lei que organiza a estru­
tura da burocracia estatal e define suas funções operaria como ins­
trumento de contenção do seu poder, agora subordinado à vontade 
heterônoma do Poder Legislativo. 
Dentro da lógica da separação dos poderes, ao Parlamento, 
como veículo de expressão da vontade geral, caberia o primado na 
elaboração das normas jurídicas, que não só limitariam como 
preordenariam a atuação dos órgãos administrativos . À Adminis­
tração restaria, assim, uma função meramente executiva, de cum­
primento mecânico da vontade já manifestada pelo legislador. Sur­
ge, destarte, a ideia da legalidade como vinculação positiva à lei: se 
aos particulares, em prestígio e valorização de sua autonomia públi­
ca e privada, é permitido fazer tudo aquilo que não lhes for vedado 
pela lei, à Administração Pública cabe agir tão-somente de acordo 
com o que lei prescreve ou faculta. Esta descrição romântica do 
fenômeno de surgimento do direito administrativo é acolhida por 
ninguém menos que Caio Tácito. Confira-se sua narrativa: 
"O episódio central da história administrativa do século XIX é a 
subordinação do Estado ao regime de legalidade. A lei, como ex­
pressão da vontade coletiva, incide tanto sobre os indivíduos como 
sobre as autoridades públicas. A liberdade administrativa cessa 
onde principia a vedação legal. O Executivo opera dentro dos limi­
tes traçados pelo Legislativo, sob a vigilância do Judiciário. "7 
por um prodígio a cada dia renovado. ( . . . ) Para que o milagre se realize e se 
prolongue, devem ser preenchidas diversas condições que dependem da forma 
do Estado, do prestígio do direito e dos juízes, do espírito do tempo." 
s Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Adminis-
trativo, 1 999, p. 56/58 . 
6 Guido Zanobini, Corso di Diritto Amministrativo, 1 947, vol. I, p. 3 3 . 
7 Caio Tácito, Evolução Histórica do Direito Administrativo, in Temas de 
Direito Público, vol. I, 1 997, p. 2 . 
1 0 
Tal história seria esclarecedora, e até mesmo louvável, não fos­
se falsa. Descendo-se da superfície dos exemplos genéricos às pro­
fundezas dos detalhes, verifica-se que a história da origem e do 
desenvolvimento do direito administrativo é bem outra. E o diabo, 
como se sabe, está nos detalhes. 
A associação da gênese do direito administrativo ao advento do 
Estado de direito e do princípio da separação de poderes na França 
pós-revolucionária caracteriza erro histórico e reprodução acrítica 
de um discurso de embotamento da realidade repetido por suces­
sivas gerações, constituindo aquilo que Paulo Otero denominou 
ilusão garantística da gênese. 8 O surgimento do direito administra­
tivo, e de suas categorias jurídicas peculiares (supremacia do inte­
resse público, prerrogativas da Administração, discricionariedade, 
insindicabilidade do mérito administrativo, dentre outras) , repre­
sentou antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas 
administrativas do Antigo Regime que a sua superação . A juridici­
zação embrionária da Administração Pública não logrou subordiná­
la ao direito; ao revés, serviu-lhe apenas de revestimento e aparato 
retórico para sua perpetuação fora da esfera de controle dos cida­
dãos. 
O direito administrativo não surgiu da submissão do Estado à 
vontade heterônoma do legislador. Antes, pelo contrário, a formu­
lação de novos princípios gerais e novas regras jurídicas pelo Con­
seil d'État, que tornaram viáveis soluçõesdiversas das que resulta­
riam da aplicação mecanicista do direito civil aos casos envolvendo 
a Administração Pública, só foi possível em virtude da postura ati­
vista e insubmissa daquele órgão administrativo à vontade do Par­
lamento . 9 A conhecida origem pretoriana do direito administrati­
vo, como construção jurisprudencial (do Conselho de Estado) der­
rogatória do direito comum, traz em si esta contradição: a criação 
de um direito especial da Administração Pública resultou não da 
vontade geral, expressa pelo Legislativo, mas de decisão autovincu­
lativa do próprio Executivo. 10 
8 V. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vin-
culação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 27 1 . 
9 Neste sentido, Pierre Delvolvé, Paradoxes du (ou paradoxes sur le) Príncipe 
de Séparation des Autorités Administrative et Judiciaire, in Mélanges René Cha­
pus - Droit Administratif, 1 992, p. 1 44 . 
1 0 Vale lembrar que o sistema de contencioso administrativo francês sempre 
1 1 
Vale lembrar que o direito administrativo nasceu e se desenvol­
veu em um período marcado pela crença na completude das gran­
des codificações escritas, embora não exista, até hoje, uma única 
compilação geral de suas normas, caracterizadas, ao revés, por sua 
fragmentação e falta de organização sistemática. 1 1 Não à toa, à mín­
gua de uma sistematização escrita, o direito administrativo francês 
permaneceu, até período muito recente, um direito essencialmen­
te pretoriano, produto das construções jurisprudenciais do Conse­
lho de Estado . 1 2 
Assim, como assinala Paulo Otero, "a idéia clássica de que a 
Revolução Francesa comportou a instauração do princípio da lega­
lidade administrativa, tornando o Executivo subordinado à vontade 
do Parlamento expressa através da lei, assenta num mito repetido 
por sucessivas gerações: a criação do direito administrativo pelo 
Conseil d 'État, passando a Administração Pública a pautar-se por 
normas diferentes daquelas que regulavam a actividade jurídico­
privada, não foi um produto da vontade da lei, antes se configura 
como uma intervenção decisória autovinculativa do Executivo sob 
proposta do Conseil d 'État. " 1 3 
Tal circunstância histórica subverte, a um só golpe, os dois pos­
tulados básicos do Estado de Direito em sua origem liberal: o prin­
cípio da legalidade e o princípio da separação de poderes. De fato, 
a atribuição da função de legislar sobre direito administrativo a um 
órgão da jurisdição administrativa, intestino ao Poder Executivo, 
não se coaduna com as noções clássicas de legalidade como submis­
são à vontade geral expressa na lei (Rousseau) e de partilha das 
funções estatais entre os poderes (Montesquieu) . Nenhum cunho 
garantístico dos direitos individuais se pode esperar de uma Admi­
nistração Pública que edita suas próprias normas jurídicas e julga 
soberanamente seus litígios com os administrados. 
reservou ao Poder Executivo a última palavra sobre a competência do Conselho 
de Estado, criando-se, por via indireta, uma forma suí generís de o Poder Execu­
tivo se substituir ao Poder Legislativo na criação do direito especial da Adminis­
tração Pública. Neste sentido, v. Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Da 
Justiça Administrativa em Portugal - Sua Origem e Evolução, 1 994, p . 
3 1 5/3 1 6. 
1 1 Patrícia Baptista, Transformações do Direito Administrativo, 2003, p . 2 . 
1 2 François Burdeau, Hístoire du Droít Admínistratíf, 1 995, p . 1 9. 
1 3 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vincula­
ção Administrativa à Jurídicidade, 2003, p. 27 1 . 
1 2 
Chega-se, assim, à segunda contradição na gênese do direito 
administrativo: a criação da jurisdição administrativa. Contrarian­
do a noção intuitiva de que ninguém é bom juiz de si mesmo, a 
introdução do contencioso administrativo - e a consequente sub­
tração dos litígios jurídico-administrativos da alçada do Poder Judi­
ciário -, embora alicerçada formalmente na ideia de que "julgar a 
Administração ainda é administrar" (juger l 'administration c 'est 
encare administrer) , não teve qualquer conteúdo garantístico, mas 
antes se baseou na desconfiança dos revolucionários franceses con­
tra os tribunais judiciais, pretendendo impedir que o espírito de 
hostilidade existente nestes últimos contra a Revolução limitasse a 
ação das autoridades administrativas revolucionárias. 1 4 
A invocação do princípio da separação de poderes foi um sim­
ples pretexto, mera figura de retórica, visando a atingir o objetivo 
de alargar a esfera de liberdade decisória da Administração, tornan­
do-a imune a qualquer controle judicial . 1 5 Aliás, o modelo de con­
tencioso em que a Administração julgaria a si própria não repre­
sentou qualquer inovação da Revolução Francesa, sendo, ao revés, 
uma continuidade daquele vigorante no Antigo Regime . 1 6 Tal como 
afirmado por Tocqueville, "nesta matéria encontraríamos a fórmu­
la; ao Antigo Regime pertence a idéia . " 1 7 
A institucionalização de tal modelo, e sua surpreendente iden­
tidade com a estrutura de poder das monarquias absolutistas, reve­
la o quanto o direito administrativo, em seu nascedouro, era alheio 
a qualquer propósito garantístico. Ao contrário, seu intuito primei­
ro foi o de diminuir as garantias de que os cidadãos disporiam caso 
pudessem submeter o controle da atividade administrativa a um 
poder equidistante, independente e imparcial - o Poder Judiciá­
rio . Como corretamente assinala Vasco Manuel Dias Pereira da 
S ilva, "só, pouco a pouco, é que o Direito Administrativo vai dei­
xando de ser o direito dos privilégios especiais da Administração, 
14 V., sobre o verdadeiro móvel da criação da jurisdição administrativa, André 
de Laubadere, Jean-Claude Venezia, Yves Gaudemet, Traité de Droit Adminis­
tratif, vol. 1, 1 990, p. 248. 
1 5 No mesmo sentido, Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O 
Sentido da Vinculação Administrativa à Jurídicidade, 2003, p. 275 . 
1 6 Vasco Manuel Dias Pereira da Silva, Para um Contencioso Administrativo 
dos Particulares - Esboço de uma teoria subjectívísta do recurso contencioso de 
anulação, 1 989, p. 27 . 
1 7 Alexis de Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, 1 989, p. 64. 
1 3 
para se tornar no direito regulador das relações jurídicas adminis­
trativas. Milagre, mesmo, é essa sua transformação de 'direito da 
Administração ' em Direito Administrativo. " 1 8 
Em reforço ainda maior à ideia, releva destacar que, mesmo no 
âmbito do Conselho de Estado, desenvolveu-se uma ampla e inten­
sa jurisprudência sobre os limites da própria jurisdição administra­
tiva, seja excluindo-se certos atos da esfera de reexame - como os 
atos de governo e os atos de pura administração -, seja limitando­
se artificialmente o espectro de fundamentos do recurso conten­
cioso, ou ainda pelo desenvolvimento de uma estrita legitimidade 
processual ativa . 1 9 É já nesse período que se evidencia, como nítido 
propósito do contencioso administrativo, a criação de um direito 
processual administrativo, consagrando inúmeras regras de privilé­
gio em favor da Administração . O velho dogma absolutista da ver­
ticalidade das relações entre o soberano e seus súditos serviria para 
justificar, sob o manto da supremacia do interesse público sobre os 
interesses dos particulares, a quebra de isonomia. E nem se diga 
que este estatuto especial da Fazenda Pública se limitou historica­
mente aos primórdios do século XIX, pois, como registra José Car­
los Vieira de Andrade, ele chegou até o século XXI. zo 
É curioso notar como a separação de poderes serviu, contradi­
toriamente, a esse processo de imunização decisória dos órgãos do 
Poder Executivo. O mesmo princípio que justificara a criação do 
contencioso administrativo, intestino ao Executivo, será invocado 
para impedir que os órgãos de controle exerçam sobre os outros 
órgãos da Administração poderes de injunção e substituição, em 
princípio legítimos e até naturais entre órgãos da mesma estruturade Poder. Em outras palavras, criou-se no interior da Administra­
ção um contencioso que não oferecia ao administrado as mesmas 
garantias processuais dos tribunais judiciários, mas, estranhamen­
te, estava sujeito aos mesmos limites externos de atuação, como se 
se tratasse do próprio Poder Judiciário. Se algum sentido garantís­
tico norteou e inspirou o surgimento e o desenvolvimento da dog-
1 8 Vasco Manuel Dias Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Per­
dido, 1 998, p. 37 . 
1 9 V. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vin­
culação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 276. 
20 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições) , 1 999, p . 
50/5 1 . 
1 4 
mática administrativista, este foi em favor da Administração, e não 
dos cidadãos .2 1 
Nesse contexto, as categorias básicas do direito administrativo, 
como a discricionariedade e sua insindicabilidade perante os órgãos 
contenciosos, a supremacia do interesse público e as prerrogativas 
jurídicas da Administração, são tributárias deste pecado original 
consistente no estigma da suspeita de parcialidade de um sistema 
normativo criado pela Administração Pública em proveito próprio, 
e que ainda se arroga o poder de dirimir em caráter definitivo, e em 
causa própria, seus litígios com os administrados. 22 Na melhor tra­
dição absolutista, além de propriamente administrar, os donos do 
poder criam o direito que lhes é aplicável e o aplicam às situações 
litigiosas com caráter de definitividade . 
Captando tal evidência, Diogo de Figueiredo Moreira Neto 
afirma1 com propriedade, que os conceitos ligados à preservação da 
autoridade "assomaram a tal importância estruturante que a litera­
tura jurídica do direito administrativo tornou-se praticamente unâ­
nime quanto à articulação dogmática da disciplina sobre a ideia 
central - magistralmente sintetizada por Umberto Allegretti -
de que o interesse público é um interesse próprio da pessoa estatal, 
externo e contraposto aos dos cidadãos" . 23 
Vale notar que a relutância dos países vinculados ao sistema de 
common law - seja na sua versão original inglesa, seja na sua versão 
híbrida norte-americana - em reconhecer autonomia didático­
científica ao direito administrativo e o repúdio à adoção da jurisdi­
ção administrativa deveram-se à tradição existente, naquelas na­
ções, de submissão das relações entre Administração e cidadãos às 
mesmas regras e aos mesmos juízes que decidiam os litígios entre 
particulares . Embora também lá tenham existido - e ainda exis-
2 1 Maurice Hauriou, em seu Précis Élémentaire de Droit Administratif, 1 943, 
p . 1 9, afirma que são as prerrogativas especiais da autoridade administrativa que 
funcionam como causa e medida da independência científica do direito adminis­
trativo. Paulo Otero, a seu turno, na obra Direito Administrativo - Relatório, 
200 1 , p. 227, afirma que só por manifesta ilusão de ótica ou equívoco se poderá 
vislumbrar uma gênese garantística no direito administrativo - o direito admi­
nistrativo nasce como direito da Administração Pública e não como direito dos 
administrados. 
22 V., neste sentido, João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Dis­
curso Legitimador, 1 989, p . 1 37 . 
2 3 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutações do Direito Administrativo, 
2000, p. 1 0/ l l . 
1 5 
tam - normas que contemplavam imunidades ao poder político 
(v.g. , a ideia da irresponsabilidade civil do Estado expressa na má­
xima the king can do no wrong, só superada em meados do século 
XX) , o direito administrativo anglo-saxão não se formou como uma 
estrutura dogmática munida de categorias a serviço do poder. 24 
Cabe aqui fazer o registro deste que é o paradoxo da origem do 
direito administrativo nos dois grandes sistemas jurídicos do Oci­
dente: embora surgido em um país vinculado à tradição romano­
germânica, sua elaboração deu-se por construção do juiz adminis­
trativo - processo típico do common law; enquanto isso, nos países 
anglo-saxônicos, o reconhecimento da autonomia do direito admi­
nistrativo, já em momento avançado do século XX, ligou-se sobre­
tudo à legislação escrita (processo característico do sistema roma­
no-germânico) . Com efeito, a existência de um direito diferencia­
do do direito comum, consagrado por intermédio do sistema de 
precedentes judiciais (judge-made law) , deveria naturalmente re­
sultar de decisão soberana do Parlamento.25 
Enquanto a tradição do direito público anglo-saxão exigia, 
como elemento constitutivo do próprio Estado de direito (rule of 
law) , que indivíduos e entes públicos fossem submetidos às mes­
mas leis e aos mesmos juízes ordinários - com a vedação genérica, 
em princípio, a tratamentos privilegiados para o Poder Público26 
-, na tradição continental o direito administrativo é definido, em 
sua própria natureza, como uma lei essencialmente desigual, que 
conferia à Administração, como condição para a satisfação do inte­
resse geral, posição de supremacia sobre os direitos individuais . 27 
24 Como se sabe, embora a prática regulatória norte-americana remonte à se­
gunda metade do século XIX, o direito administrativo só vem a ser reconhecido 
nos Estados Unidos como disciplina autônoma muito tempo depois, já no século 
XX. A rigor, no entanto, não há naqueles países a adoção das mesmas categorias 
do direito administrativo de tradição continental, sendo antes a disciplina iden­
tificada com o complexo normativo regulador editado por agências reguladoras 
independentes e agências executivas . V., sobre o tema, Breyer, Stewart, Suns­
tein and Spitzer, Administrative Law and Regulatory Policy - Problems, Text, 
and Cases, Aspen Law and Business, 2002. 
25 Paul Craig, Administrative Law, 1 999, p. 32 . 
26 Albert V. Dicey, An Introduction to the Study of the Law of the Constitution, 
original de 1 885 , 1 0ª Edição, 1 959 . 
27 M. Letourneur, The Concept of Equity in French Public Law, in R. A. New­
man (org.) , Equity in the Worlds Legal Systems: A Comparative Study, 1 973, p . 
262/263. 
16 
Assim se compreende a enorme fenda, denunciada por Toc­
queville ainda em 1 830 e elevada a mito por Albert Dicey no final 
do século XIX, entre as experiências administrativas européia con­
tinental e anglo-saxônica. Enquanto no mundo europeu continen­
tal pós-revolucionário, o Estado-Administração torna-se o grande 
protagonista da produção normativa e da estruturação da vida eco­
nômica e social privadas, na Inglaterra e nos Estados Unidos, ao 
revés, a Administração Pública permaneceu, até pelo menos o pri­
meiro pós-guerra, desempenhando um papel meramente executi­
vo, subordinada ao direito comum e sob a vigilância do Poder Judi­
ciário. 28 
No Brasil, o modelo de administração implantado a reboque da 
colonização de exploração, somado ao patrimonialismo da Coroa 
portuguesa que se tornou nota característica da cultura política 
brasileira, 29 encontrou no figurino francês do direito administrativo 
material farto para se institucionalizar e legitimar. Como se preten­
de demonstrar ao longo do texto, as peculiaridades da Administra­
ção Pública brasileira apenas aguçaram as contradições intrínsecas 
que o modelo jusadministrativista europeu continental trazia já 
desde a sua gênese . 
1 .2 . A evolução contraditória do direito administrativo: a dogmá­
tica administrativista no divã. 
A precedente revisão histórica, a respeito das origens do direito 
administrativo europeu continental, não importa, todavia, anuên­
cia à concepção marxista da história ou a admissão de alguma teoria 
da conspiração, arquitetada de forma deliberada pelos detentores 
do poder para se subtrair à esfera de controle dos cidadãos . O di­
reito, como os homens, vive e se define por suas próprias circuns-
28 Luca Mannori e Bernardo Sordi, Justicia e Administración, in El Estado 
Moderno en Europa, Maurizio Fioravanti (org.) , 2004, p. 83/84. 
29 Sobre o papel do patrimonialismo na formação da cultura político-adminis­trativa brasileira, v. Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 1 995 , p . 
1 4 1/1 5 1 ; Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, v. 2 , 1 989, especialmente o seu 
último capítulo, intitulado "Viagem Redonda: do patrimonialismo ao estamen­
to", p. 729/750. 
1 7 
tâncias, j amais se deixando reduzir a móveis únicos e razões uní­
vocas . 
Assim, se não é mais possível compactuar com a visão românti­
ca de um surgimento milagroso e pleno de boas intenções (voltadas 
permanentemente à proteção da cidadania e ao controle jurídico 
do poder) , tampouco seria lícito advogar que uma monolítica razão 
maquiavélica (no sentido de uma lógica de preservação do poder) 
esteve sempre por trás de todo o desenvolvimento do direito admi­
nistrativo . Mais correto é pensar a evolução histórica da disciplina 
como uma sucessão de impulsos contraditórios, 30 produto da ten­
são dialética entre a lógica da autoridade e a lógica da liberdade. 
Se, em sua origem, o direito administrativo se traduzia em uma 
normatividade marcada pelas ideias de parcialidade e desigualda­
de, sua evolução histórica revelou um incremento significativo da­
quilo que se poderia chamar de vertente garantística, caracterizada 
por meios e instrumentos de controle progressivo da atividade ad­
ministrativa pelos cidadãos.3 1 Nada obstante, como se verá a se­
guir, essa não foi uma tendência constante, progressiva e unidire­
cional, sendo antes combinada com estratégias de fuga à rigidez das 
formas e às restrições legais à liberdade decisória da Administra­
ção . Constituída pelo trabalho desses dois vetores contraditórios, a 
dogmática administrativista reflete esse caráter ambíguo em inú­
meros dos seus institutos e na fragilidade de sua estrutura teórica. 
Talvez o aspecto mais paradoxal dessa acidentada evolução te­
nha sido o que Sebastian Martín-Retortillo identificou como uma 
fuga do direito constitucional .32 Com efeito, embora criado sob o 
signo do Estado de direito, para solucionar os conflitos entre auto­
ridade (poder) e liberdade (direitos individuais) , o direito adminis­
trativo experimentou, ao longo de seu percurso histórico, um pro­
cesso de descolamento do direito constitucional. A própria descon­
tinuidade das constituições, em contraste com a continuidade da 
burocracia, contribuiu para que o direito administrativo se nutrisse 
30 Paulo Otero, Direito Administrativo - Relatório, 2001 , p. 229. 
3 1 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vincula­
ção Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 282 . 
32 Sebastian Martín-Retortillo Baquer, El Derecho Civil en la Genesis del De­
recho Administrativo y de sus Instituciones, 1 996, p . 2 1 5 . 
1 8 
de categorias, institutos, princípios e regras próprios, mantendo-se 
de certa forma alheio às sucessivas mutações constitucionais . 
Assim, v.g. , uma das categorias básicas do direito administrati­
vo - a multifária noção de interesse público - de origem pré-cons­
titucional, resiste em alguns países até os dias de hoje completa­
mente alheia à juridicização de princípios e objetivos do Estado e 
da coletividade, operada pela Constituição. Mesmo em nações que 
adotaram o modelo de constituição dirigente - como Portugal e 
Brasil -, a doutrina administrativista permaneceu oferecendo as 
mais diversas conceituações de interesse público, quase todas sem 
qualquer referência às prescrições de suas respectivas Leis Funda­
mentais . No mais das vezes, o discurso da autonomia científica do 
direito administrativo serviu de pretexto para liberar os adminis­
tradores públicos da normatividade constitucional. 
A mesma reflexão pode ser feita em relação à discricionarieda­
de administrativa. Durante muito tempo - sem que isso provo­
casse maior polêmica - a discricionariedade era definida como 
uma margem de liberdade decisória dos gestores públicos, sem 
qualquer remissão ou alusão aos princípios e regras constitucionais . 
Vale lembrar que a primeira evolução no sentido do controle judi­
cial dos atos (ditos) discricionários - com o surgimento de teorias 
como as do desvio de poder e dos motivos determinantes - partiu 
de elementos vinculados à lei, e não à Constituição, embora diver­
sos Estados europeus à época já tivessem sido constitucionalizados. 
Aliás, a discricionariedade administrativa representou, tam­
bém, um movimento contraditório do direito administrativo em 
relação à própria legalidade, sobretudo a partir de quando esta pas­
sa a ser entendida como vinculação positiva à lei. De fato, no con­
texto de uma teoria que pretendia, em essência, a submissão inte­
gral da atividade administrativa à vontade do legislador, a discricio­
nariedade pode ser vista como uma insubmissão ou, pelo menos, 
uma não-submissão. Todavia, contradição mais contundente que a 
mera existência dos atos discricionários é a constatação de que es­
tes representam a grande maioria dos atos administrativos , dada a 
mutiplicidade de situações que reclamam a atuação do Poder Pú­
blico . 
Outro impulso contraditório do direito administrativo é aquilo 
que Maria João Estorninho chamou, inspirada na doutrina alemã, 
19 
de uma fuga para o direito privado (Flucht in das Privatrecht) . 33 
Constituído, justamente, por um conjunto de adaptações e recria­
ções de institutos do direito civil, o regime jurídico administrativo, 
desde pelo menos o advento do Estado de bem-estar, passou a fa­
zer um curioso caminho de volta. Se o regime administrativo se 
caracteriza por uma combinação de prerrogativas e restrições, a 
fuga para o direito privado permite que as administrações centrais 
e ou diretas) conservem suas prerrogativas 1 despindo-se das restri­
ções por meio da constituição de entidades administrativas com 
personalidade de direito privado. 
Mas não só isso. Esta privatização da atividade administrativa 
tem se dado por variadas formas e em diferentes setores . A emer­
gência do gerencialismo procura aplicar técnicas de organização e 
gestão empresariais privadas à Administração Pública. A ideia de 
consensualidade tem cada vez mais permeado as relações entre ad­
ministrados e Administração. A intervenção direta do Estado na 
economia tem sido substituída por parcerias com a iniciativa priva­
da, pelas quais empresas não-estatais passam a explorar serviços 
públicos e atividades econômicas antes sujeitas a monopólio esta­
tal. O Estado prestador é agora sucedido por um Estado eminente­
mente regulador. 
Assiste-se, assim, à emergência de filhotes híbridos da vetusta 
dicotomia entre a gestão pública e a gestão privada: a atividade de 
gestão pública privatizada (regime administrativo flexibilizado) e 
a atividade de gestão privada publicizada ou administrativizada 
(regime privado altamente regulado) . Essa hibridez de regimes ju­
rídicos, caracterizada pela interpenetração entre as esferas pública 
e privada, representa um dos elementos da crise de identidade do 
direito administrativo. 34 
Por fim, resta uma alusão à problemática das transformações 
recentes (em países da Europa continental e no Brasil) no modelo 
de organização administrativa. O surgimento e a proliferação das 
chamadas autoridades administrativas independentes subverteu a 
33 Maria João Estorninho, A Fuga para o Direito Privado. Contributo Para o 
Estudo daActividade de Direito Privado da Administração Pública, 1 996. Sobre 
o tema, v. também Giuseppe di Gaspare, Il Potere nel Diritto Pubblico, 1 992, p. 
385 ; Santiago González-Varas Ibafiez, El Derecho Administrativo Privado, 1 996. 
34 Eduardo Paz Ferreira, Lições de Direito da Economia, 200 1 , p . 43 . 
20 
ideia de unidade da Administração Pública, substituindo-a pela no­
ção de uma Administração policêntrica. 35 
O sistema político-administrativo dominante no continente eu­
ropeu e no Brasil desde o século XIX concentra no governo (presi­
dente ou primeiro-ministro e seu gabinete) , enquanto órgão supe­
rior da Administração Pública, poderes de intervenção intra-admi­
nistrativa sobre o conjunto amplo de órgãose entidades sob sua 
chefia, respondendo politicamente perante o parlamento ou dire­
tamente ao povo, conforme o sistema de governo, pelas ações e 
omissões administrativas, na medida em que se encontra habilitado 
a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas estrutu­
ras organizativas . 36 
Esse modelo, que encontra similar no constitucionalismo brasi­
leiro, 37 acabou erigindo a unidade administrativa em verdadeiro 
instrumento do princípio democrático e em fator de legitimação da 
Administração Pública .38 A responsabilidade política do chefe de 
governo junto ao povo (em sistemas presidencialistas) ou ao parla­
mento (em sistemas parlamentaristas) , num regime em que ele é 
também o chefe supremo da Administração, convolou-se em con­
dição necessária da controlabilidade ( accountability) social da 
atuação da burocracia. Pode-se mesmo dizer que este era o contra­
ponto democrático da chamada crise da lei e da notável expansão 
das margens decisórias da Administração na definição das políticas 
públicas . 
Tal sistema entra em crise com a importação, para diversos paí­
ses da Europa continental e para o Brasil, da figura da independent 
regulatory agency (agência reguladora independente) . Esse tipo de 
estrutura institucional só se proliferaria na Europa ocidental a par-
35 Sobre o tema, v. Capítulo VI, infra. 
36 Paulo Otero, O Poder de Substituição em Direito Administrativo: Enqua­
dramento Dogmático-Constitucional, vol. II, p. 792 . 
37 A Constituição brasileira de 1 988, em seu art. 84, II, confere ao Presidente 
da República, com o auxílio dos Ministros de Estado, o poder de direção superior 
sobre a Administração Pública federal. 
38 Sobre as relações entre a unidade da Administração Pública e o princípio 
democrático, v. Rudolf Mõgele, Die Eínheit der Verwaltungs als Rechtsproblem, 
1 987 , p. 545 apud Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sen­
tido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 3 1 6 . 
2 1 
tir dos anos setenta e oitenta do século XX, sob o influxo dos pro­
j etos de governança comunitária promovidos pela União Européia, 
com o nome de autoridade administrativa independente, enquanto 
ao Brasil só chegaria nos anos noventa, a reboque dos processos de 
privatização e reforma do Estado. 
As autoridades ou agências independentes quebraram o vínculo 
de unidade no interior da Administração Pública, eis que a sua ati­
vidade passou a situar-se em esfera jurídica externa à da responsa­
bilidade política do governo. Caracterizadas por um grau reforçado 
da autonomia política de seus dirigentes em relação à chefia da 
Administração central, as autoridades independentes rompem o 
modelo tradicional de recondução direta de todas as ações adminis­
trativas ao governo (decorrente da unidade da Administração) . 
Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma configuração 
policêntrica. 39 
A não-submissão das autoridades independentes à linha hierár­
quica da chefia da Administração tem sido normalmente justifica­
da pela necessidade de dotar a regulação de alguns setores da eco­
nomia e da vida social de maior neutralidade, profissionalismo e 
qualificação técnica, objetivo que não se conseguiu atingir em um 
modelo unitário, onde a atividade administrativa acabava por tor­
nar-se diretamente responsiva à lógica político-eleitoral . Todavia, 
ao avanço da tecnocracia sobre espaços tradicionalmente ocupados 
pela política corresponde um risco de deslegitimação das estrutu­
ras estatais de poder.40 
lnobstante suas possíveis justificativas teóricas e pragmáticas, 
fato é que as autoridades administrativas independentes repre­
sentam mais um elemento problemático no acidentado e contradi­
tório percurso de evolução do direito administrativo . 
Tais contradições, construídas e reproduzidas em momentos 
históricos distintos pelo mundo afora, convergem agora, no Brasil, 
para um momento de inflexão teórica que se poderia caracterizar 
como uma crise dos paradigmas do direito administrativo brasi­
leiro. 
39 Francesco Caringella, Corso di Diritto Amministrativo, 200 1 , vol. 1, p . 6 1 9 
e ss. 
40 Sobre o tema, v. Capítulo VI, infra. 
22 
1 .3. Delimitando o objeto da investigação: a crise dos paradigmas 
do direito administrativo brasileiro. 
Como se pretendeu demonstrar acima, a crise dos paradigmas 
do direito administrativo não se constitui apenas do novo, mas exi­
be também, em larga medida, alguns vícios de origem. Não obstan­
te, as transformações por que passou o Estado moderno, desde a 
ascensão do Estado providência até o seu colapso, verificado nas 
últimas décadas do século XX, assim como a emergência do Estado 
democrático de direito, agravaram o descompasso entre as velhas 
categorias e as reais necessidades e expectativas das sociedades 
contemporâneas em relação à Administração Pública. 
Captando a evidência, assim Marçal Justen Filho sintetiza a 
aventada crise : 
110corre que o instrumental teórico do direito administrativo se 
reporta ao século XIX. Assim se passa com os conceitos de Estado 
de Direito, princípio da legalidade, discricionariedade adminis­
trativa. A fundamentação filosófica do direito administrativo se 
relaciona com a disputa entre DUGUIT e HAURIOU, ocorrida 
nos primeiros decênios do século XX. A organização do aparato 
administrativo se modela nas concepções napoleônicas, que tradu­
zem uma rígida hierarquia de feição militar. (. . .) O conteúdo e as 
interpretações do direito administrativo permanecem vinculados e 
referidos a uma realidade sociopolítica que há muito deixou de 
existir. O instrumental do direito administrativo é, na sua essên­
cia, o mesmo de um século atrás. "41 
Nesta toada, é possível identificar quatro paradigmas clássicos 
do direito administrativo que fizeram carreira no Brasil e que se 
encontram em xeque na atualidade, diante de transformações de­
correntes da nova configuração do Estado democrático de direito: 
1) o dito princípio da supremacia do interesse público sobre o in­
teresse privado, que serviria de fundamento e fator de legitimação 
para todo o conjunto de privilégios de natureza material e proces­
sual que constituem o cerne do regime jurídico-administrativo;42 
41 Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, 2005, p. 1 3 . 
42 Neste sentido, v. Celso Antônio Bandeira de Melo, O Conteúdo do Regime 
Jurídico-Administrativo e seu Valor Metodológico, Revista de Direito Público, 
V�. 2, 1 967, p . 45/47. 
23 
II) a legalidade administrativa como vinculação positiva à lei, tra­
duzida numa suposta submissão total do agir administrativo à 
vontade previamente manifestada pelo Poder Legislativo. Tal pa­
radigma costuma ser sintetizado na negação formal de qualquer 
vontade autônoma aos órgãos administrativos, que só estariam au­
torizados a agir de acordo com o que a lei rigidamente prescreves­
se ou facultasse;43 
III) a intangibilidade do mérito administrativo, consistente na in­
controlabilidade das escolhas discricionárias da Administração Pú­
blica, seja pelos órgãos do contencioso administrativo, seja pelo 
Poder Judiciário (em países, como o Brasil, que adotam o sistema 
de jurisdição una) , seja pelos cidadãos, através de mecanismos de 
participação direta na gestão da máquina administrativa;44 
IV) a ideia de um Poder Executivo unitário, fundada em relações 
de subordinação hierárquica (formal ou política) entre a burocra­
cia e os órgãos de cúpula do governo (como os Ministérios e a 
Presidência da República) . Na tradição do constitucionalismo bra­
sileiro, a fórmula da Administração unitária é sintetizada, como no 
atual art. 84, inciso II, da Constituição de 1 988, na competência 
do Chefe do Executivo para exercer a direção superior da Admi­
nistração, com o auxílio dos Ministros de Estado. 
Como agente condutor básico da superação de tais categorias 
jurídicas, erige-se hodiernamente a ideia de constitucionalização 
do direito administrativo como alternativa ao déficit teórico apon­
tado nos itens anteriores,

Outros materiais