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RESUMO DO LIVRO - BINENJOMJ, GUSTAVO - UMA TEORIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO_final

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RESUMO DO LIVRO: UMA TEORIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
 
 
Gustavo Binenbomj 
É professor adjunto de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do 
Rio de Janeiro, Professor Emérito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e de cursos 
de pós graduação da Fundação Getúlio Vargas. É Doutor e Mestre em Direito Público pela 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Master of Laws (LL.M) pela Faculdade de direito da 
Universidade de Yale, EUA. 
 
 
RESUMO 
O intuito desse resumo é trazer as opiniões e os ensinamentos do autor sobre a 
disciplina do Direito Administrativo. O autor coloca de uma maneira emblemática e 
pessoal observações, debates e seu ponto de vista diversos paradigmas do direito 
público, Gustavo Binenbojm descreve diversos institutos jurídicos, bem como sua 
mutação através dos anos. O autor contesta a experiência jurídica contemporânea, 
demonstrando o pecado original da gênese do direito administrativo e a dogmática a 
serviço dos donos do poder. Questiona, como afirmado pela geração anterior de 
administrativistas, o valor do princípio da supremacia do interesse público sobre o 
privado. 
 
O livro trata de outras questões teóricas: da legalidade administrativa, da dicotomia 
vinculação x discricionariedade e da superação da Administração unitária. Nele são 
retratados a importância dos direitos fundamentais no exercício da função 
administrativa e a democracia como elementos estruturantes do estado democrático 
de direito. O fio condutor da obra é o fenômeno da constitucionalização do direito, a 
centralidade dos direitos fundamentais e a democracia, servindo como premissas 
teóricas para as mudanças de paradigmas propostas. 
 
 
PALAVRAS CHAVE: Direto Empresarial. Fundamentais. Constitucionalização. 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
A bela obra de Binenbomj, busca um entendimento e uma o rompimento com 
diversos paradigmas sedimentados na dogmática jurídica, que são por diversas 
vezes costumeiros para os alunos da graduação de cursos de Direito por todo o 
país. O autor desconstrói diversos valores preservados como absolutos pelos 
administrativistas, se tornando um marco para os amantes do Direito Administrativo. 
 
 
CAPÍTULO I – A CRISE DOS PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
Narra a história oficial que o direito administrativo nasceu da subordinação do poder 
à lei e da correlativa definição de uma pauta de direitos individuais que passavam a 
vincular a Administração Pública. Essa noção garantística do direito administrativo, 
que se teria formado a partir do momento em que o poder aceita submeter-se ao 
direito e, por via reflexa, aos direitos dos cidadãos alimentou o mito de uma origem 
milagrosa e a elaboração de categorias jurídicas exorbitantes do direito comum, cuja 
justificativa teórica seria a de melhor atender à consecução do interesse público. 
A invocação do princípio da separação de poderes foi um simples pretexto, mera 
figura de retórica, visando a atingir o objetivo de alargar a esfera de liberdade 
decisória da Administração, tornando-a imune a qualquer controle judicial. 
A instituição de tal modelo, e a sua surpreendente identidade com a estrutura de 
poder das monarquias absolutistas, revela o quanto o direito administrativo, em seu 
nascedouro, era alheio a qualquer propósito garantístico. 
O velho dogma absolutista da verticalidade das relações entre o soberano e seus 
súditos serviria parajustificar, sob o manto da supremacia do interesse público sobre 
os interesses dos particulares, a quebra de isonomia. 
 
E curioso notar como a separação de poderes serviu, contraditoriamente, a esse 
processo de imunização decisória dos órgãos do Poder Executivo. O mesmo 
princípio que justificara a criação do contencioso administrativo, intestino ao 
Executivo, será invocado para impedir que os órgãos de controle exerçam sobre os 
outros órgãos da Administração poderes de injunção e substituição, em princípio 
legítimos e até naturais entre órgãos da mesma estrutura de Poder. 
 
Nesse contexto, as categorias básicas do direito administrativo, como a 
discricionariedade e sua insindicabilidade perante os órgãos contenciosos, a 
supremacia do interesse público e as prerrogativasjurídicas da Administração, são 
tributárias deste pecado original consistente no estigma da suspeita de parcialidade 
de um sistema normativo criado pela Administração Pública em proveito próprio, e 
que ainda se arroga o poder de dirimir em caráter definitivo, e em causa própria, 
seus litígios com os administrados. Na melhor tradição absolutista, além de 
propriamente administrar, os donos do poder criam o direito que lhes é aplicável e o 
aplicam às situações litigiosas com caráter de definitividade. 
 
Captando tal evidência, Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma, com propriedade, 
que os conceitos ligados à preservação da autoridade "assomaram a tal importância 
estruturante que a literaturajurídica do direito administrativo tornou-se praticamente 
unânime quanto à articulação dogmática da disciplina sobre a ideia central - 
magistralmente sintetizada por Umberto Allegretti - de que o interesse público é um 
interesse próprio da pessoa estatal, externo e contraposto aos dos cidadãos". 
 
Vale notar que a relutância dos países vinculados ao sistema de common law- seja 
na sua versão original inglesa, seja na sua versão híbrida norte-americana - em 
reconhecer autonomia didático científica ao direito administrativo e o repúdio à 
adoção da jurisdição administrativa deveram-se à tradição existente, naquelas 
nações, de submissão das relações entre Administração e cidadãos às mesmas 
regras e aos mesmos juízes que decidiam os litígios entre particulares. 
 
Assim se compreende a enorme fenda, denunciada por Toc-queville ainda em 1830 
e elevada a mito por AibertDicey no final do século XIX entre as experiencias 
administrativas europeia continental e anglo-saxônica. Enquanto no mundo europeu 
continental, pós revolucionário, o Estado-Administração torna-se ogrande 
protagonista da produção normativa e da estruturação da vida econômica e social 
privadas, na Inglaterra e nos Estados Unidos, aorevés, a Administração Pública 
permaneceu, até pelo menos o primeiro pós-guerra desempenhando um papel 
meramente executivo subordinada ao direito comum e sob a vigilância do Poder 
Judiciário. 
 
No Brasil, o modelo de administração implantado a reboque dacolonização de 
exploração, somado ao patrimonialismo da coroa portuguesa que se tornou nota 
característica da cultura política brasileira, encontrou no figurino francês do direito 
administrativomaterial farto para se institucionalizar e legitimar. Como se 
pretendedemonstrar ao longo do texto, as peculiaridades da Administração Pública 
brasileira apenas aguçaram as contradições intrínseca que o modelo jus 
administrativista europeu continental trazia jádesde a sua gênese. 
 
A precedente revisão histórica, a respeito das origens do direito administrativo 
europeu continental, não importa, todavia, anuência à concepção marxista da 
história ou a admissão de alguma teoria da conspiração, arquitetada de forma 
deliberada pelos detentores do poder para se subtrair à esfera de controle dos 
cidadãos. 
 
Assim, se não é mais possível compactuar com a visão romântica de um surgimento 
milagroso e pleno de boas intenções (voltadas permanentemente à proteção da 
cidadania e ao controle jurídico do poder), tampouco seria lícito advogar que uma 
monolítica razão maquiavélica (no sentido de uma lógica de preservação do poder) 
esteve sempre por trás de todo o desenvolvimento do direito administrativo. 
Mais correto é pensar a evolução histórica da disciplina como uma sucessão de 
impulsos contraditórios, produto da tensão dialética entre a lógica da autoridade e a 
lógica da liberdade. 
 
Talvez o aspecto mais paradoxal dessa acidentada evolução tenha sido o que 
Sebastian Martín Retortilloidentificou como uma fuga do direito constitucional. Com 
efeito, embora criado sob o signo do Estado de direito, para solucionar os conflitos 
entre autoridade (poder) e liberdade (direitos individuais), o direito administrativo 
experimentou, ao longo de seu percurso histórico, um processo de descolamento do 
direito constitucional. A própria descontinuidade das constituições, em contraste com 
a continuidade da burocracia, contribuiu para que o direito administrativo se nutrisse 
de categorias, institutos, princípios e regras próprios, mantendo-se de certa forma 
alheio às sucessivas mutações constitucionais. 
 
A mesma reflexão pode ser feita em relação à discricionariedade administrativa. 
Durante muito tempo - sem que isso provocasse maior polêmica - a 
discricionariedade era definida como uma margem de liberdade decisória dos 
gestores públicos, sem qualquer remissão ou alusão aos princípios e regras 
constitucionais. 
 
Vale lembrar que a primeira evolução no sentido do controle judicial dos atos (ditos) 
discricionários -com o surgimento de teorias como as do desvio de poder e dos 
motivos determinantes – partiu de elementos vinculados à lei, e não à Constituição, 
embora diversos Estados europeus à época já tivessem sido constitucionalizá-los. 
 
O sistema político-administrativo dominante no continente europeu e no Brasil desde 
o século XIX concentra no governo (presidente ou primeiro-ministro e seu gabinete), 
enquanto órgão superiorda Administração Pública, poderes de intervenção intra-
administrativa sobre o conjunto amplo de órgãos e entidades sob sua chefia, 
respondendo politicamente perante o parlamento ou diretamente ao povo, conforme 
o sistema de governo, pelas ações e omissões administrativas, na medida em que 
se encontra habilitado a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas 
estruturas organizacionais. 
 
Comose pretendeu demonstrar acima, a crise dos paradigmasdo direito 
administrativo não se constitui apenas do novo, mas exibetambém, em larga 
medida, alguns vícios de origem. 
Na tarefa de desconstrução dos velhos paradigmas e proposição de novos, a 
tessitura constitucional assume papel condutor determinante, funcionando como 
diretriz normativa legitimadora das novas categorias. A premissa básica a ser 
assumida é a de que as feições jurídicas da Administração Pública- e, a fortiori, a 
disciplina instrumental, estrutural e finalística da sua atuação estão alicerçadas na 
própria estrutura da Constituição, entendida em sua dimensão material de estatuto 
básico do sistema de direitos fundamentais e da democracia. 
Cumpre, entretanto, antes da apresentação da alvitrada mudança dos paradigmas 
do direito administrativo brasileiro- e para evitar discussões meramente semânticas- 
esclarecer em que sentido a palavra paradigma será empregada ao longo do texto. 
 
A chamada Reforma do Estado, implementada no Brasil a partir de meados da 
última década do século passado, deixou como legado institucional para o país urna 
miríade de novas autoridades administrativasdotadas de elevado grau de autonomia 
em relação ao Poder Executivo, denominadas, à moda anglo-saxônica, agências 
reguladoras independentes. Tais estruturas, assumindo embora a surrada roupagem 
autárquica, foram erigidas sobre um conjunto de mecanismos institucionais de 
garantia que lhes confere papel e posição inéditos na história da Administração 
Pública brasileira. 
 
Na lógica do Plano Diretor de Reforma do Estado (PORE), de 1995, as agências 
independentes seriam instrumentos essenciais para dissolver os anéis burocráticos 
dos Ministérios e subtrair a regulação de setores estratégicos da economia do 
âmbito das escolhas políticas do Presidente da República. De um ponto de vista 
pragmático, essa pretensa despolitização tinha por objetivo criar um ambiente 
regulatório não diretamente responsivo à lógica político-eleitoral, mas pautado por 
uma gestão profissional, técnica e imparcial. 
 
Como se sabe, o modelo regulatório brasileiro foi adotado no bojo de um amplo de 
processo de privatizações e desestatizações, para o qual a chamada reforma do 
Estado se constituía em requisitoessencial. É que a atração do setor privado, 
notadamente o capital internacional, para o investimento nas atividades econômicas 
de interesse coletivo e serviços públicos objeto do programa de privatizações e 
desestatizações estava condicionada à garantia de estabilidade e previsibilidade das 
regras do jogo nas relações dos investidores com o Poder Público. 
 
Na verdade, mais do que um requisito, o chamado compromisso regulatório 
(regulatory commitment) era, na prática, uma exigência do mercado para a captação 
de investimentos. Em países cuja história recente foi marcada por movimentos 
nacionalistas autoritários (de esquerda e de direita), o risco de expropriação e de 
ruptura dos contratos é sempre um fantasma que assusta ou espanta os 
investidores estrangeiros. Assim, a implantação de um modelo que subtraísse o 
marco regulatório do processo político-eleitoral se erigiuem verdadeira tour de force 
da reforma do Estado. Daí a ideia dablindagem institucional de um modelo que 
resistisse até umavitória da esquerda em eleição futura. 
 
Para tanto, foi importada para o Brasil a figura da independente regulatory agency, 
existente nos Estados Unidos desde as últimasdécadas do século XIX (1887) e que 
atingiria seu apogeu durante o New Deal. Tal figura institucional só se proliferaria na 
Europaocidental a partir das décadas de setenta e oitenta do século XX, sob o 
influxo transformador dos projetos de governança comunitáriatransnacional 
promovidos pela União Européia, com o nome deautoridade administrativa 
independente. 
 
As autoridades independentes quebram o vínculo de unidadeno interior da 
Administração Pública, eis que a sua atividade passoua situar-se em esfera jurídica 
externa à da responsabilidade políticado governo. Caracterizadas por um grau 
reforçado da autonomiapolítica de seus dirigentes em relação à chefia da 
administraçãocentral, as autoridades independentes rompem o modelo tradicionalde 
recondução direta de todas as ações administrativas aogoverno (decorrente da 
unidade da Administração). Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma 
configuração policêntrica. 
 
Na verdade, a regulação independente enseja inúmeras e relevantes questões nos 
campos do direito e da política, como a revisãodos fundamentos legitimadores do 
poder, a redefinição do esquemaclássico de articulação entre os poderes do Estado, 
o avanço datecnocracia sobre a dialética política e a progressiva submissão 
dodireito às exigências da economia. 
 
CAPÍTULO II – DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA COMO 
FUNDAMENTOS ESTRUTURANTES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 
O NEOCONSTITUCIONALISMO E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
ADMINISTRATIVO 
 
As ideias de direitos fundamentais e democracia representam asduas maiores 
conquistas da moralidade política em todos os tempos. 
Não à toa, representando a expressão jurídico-política de valores basilaresda 
civilização ocidental, como liberdade, igualdade e segurança, direitos fundamentais 
e democracia apresentam-se, simultaneamente, como fundamentos de legitimidade 
e elementos estruturantesdo Estado democrático de direito. Assim, toda a discussão 
sobreo que é, para que serve e qual a origem da autoridade do Estado e dodireito 
convergem, na atualidade, para as relações entre a teoria dos direitosfundamentais 
e a teoria democrática. 
 
A democracia, o seu turno, consiste em um projeto moral deautogoverno coletivo, 
que pressupõe cidadãos que sejam não apenasos destinatários, mas também os 
autores das normas gerais deconduta e das estruturas jurídico-políticas do Estado. 
Em um certosentido, a democracia representa a projeção política da 
autonomiapública e privada dos cidadãos, alicerçada em um conjunto básicode 
direitos fundamentais. Aprópria regra da maioria só é moralmentejustificável em um 
contexto no qual os membros da comunidadesão capacitados como agentes morais 
emancipados e tratadoscom igual respeito e consideração. Seu fundamento 
axiológicoé o valor igualdade, transubstanciado juridicamente no princípio 
daisonomia, do qual se origina o próprio princípio da maioria comotécnica de 
deliberação coletiva. 
As relações entre direitos do homem e democracia são explicadasde modo 
convergente pela filosofia política e pela teoria constitucionalcontemporâneas. 
 
Os direitos e liberdades fundamentais têm, segundo Rawls, caráterinalienável e um 
status especial em relação aos demais valorespolíticos. Tais liberdades devem ser 
ajustadas de modo a formarum sistema coerente; a prioridade de tal sistema implica, 
na prática,que uma liberdade fundamental só pode ser limitada ou negadaem favor 
de uma outra ou de outras liberdades fundamentais nunca por motivos de bem-estar 
geral ou de valores perfeccionistasNa melhor tradição liberal e kantiana, os direitos 
fundamentaissão associados ao valor liberdade no sentido de autodeterminaçãodo 
indivíduo, imune de qualquer constrição estatal (liberdade negativa). 
 
O fato de que os cidadãos têm o direito de adotar urna concepçãoindividual acerca 
do bem não significa, entretanto, que nãosejam capazes de endossar urna 
concepção política de justiça. Colocandoem prática o "uso público da razão", os 
membros de urnasociedade liberal tornam-se capazes de compartilhar 
determinadosvalores políticos básicos, implícitos na cultura política democrática, em 
relação aos quais não há divergência possível. Daí tais valoresserem inscritos na 
Constituição, situando-se acima das disputaspolíticas baseadas no princípio 
majoritário. 
 
Assim, a Constituição e seu sistema de direitos fundamentaisincorporam princípios 
morais, com os quais a legislação infraconstitucionale as decisões judiciais devem 
ser compatíveis. Daí advogar Dworkin uma leitura moral da Constituição, "que 
coloque amoralidade política no coração do direito constitucional." Talconcepção 
pressupõe que o aplicador do Direito assuma uma posturaativa e construtiva, 
caracterizada pelo esforço de interpretar osistema de princípios como um todo 
coerente e harmônico dotadode integridade. 
 
Deste modo, uma democracia só pode ser verdadeiramente considerada o governo 
segundo a vontade do povo se os cidadãossão tratados como agentes morais 
autônomos, tratados com igualrespeito e consideração. As "condições democráticas" 
são, assim, os direitos fundamentais, reconhecidos pela comunidade políticasob a 
forma de princípios, sem os quais não há cidadania em sentidopleno, nem 
verdadeiro processo político deliberativo. Os direitosfundamentais são, portanto, 
uma exigência democrática antesque uma limitação à democracia. Em suma: o ideal 
democrático deautogoverno (governo pelo povo) é satisfeito quando o princípio 
damaioria é respeitado; nada obstante, o princípio majoritário nãoassegura o 
governo pelo povo senão quando todos os membros dacomunidade são concebidos 
e igualmente respeitados como agentesmorais independentes. 
 
Uma outra importante vertente jus filosófica de fundamentação dos direitos 
fundamentais e da democracia, também na linhapós-positivista, é fundada na teoria 
do discurso e no procedimentalismo ético. Apostando embora na razão prática e no 
caráter intersubjetivoe dialógico da racionalidade, esta linha de pensamentoquetem 
em Jürgen Habermas o seu mais eloqüente e profícuo formulador - descrê na 
possibilidade de consensos morais materiaisacerca de qual deve ser o conteúdo 
justo do direito. 
 
Numa organização didática - e não cronológica-, os direitossurgem grupados da 
seguinte forma: (l) direitos fundamentaisque resultam da configuração politicamente 
autônoma do direitoà maior medida possível de iguais liberdades subjetivas deação; 
esses direitos exigem como correlatos necessários; (2) direitosfundamentais que 
resultam da configuração politicamente autônomado status de um membro numa 
associação voluntária deparceiros do direito; (3) direitos fundamentais que resultam 
imediatamenteda possibilidade de postulação judicial de direitos e daconfiguração 
politicamente autônoma da proteção jurídica individual. 
 
Por fim, surge uma quinta categoria de direitos, que proporcionamas condições 
materiais para o exercício dos direitos anteriores: (5) direitos fundamentais a 
condições de vida garantidas social,técnica e ecologicamente, na medida em que 
isso for necessáriopara um aproveitamento, em igualdade de chances, dos 
direitosmencionados de (l) até (4). 
 
A Constituição é o instrumento por meio do qual os sistemasdemocrático e de 
direitos fundamentais se institucionalizam noâmbito do Estado. O processo por meio 
do qual tais sistemas espraiamseus efeitos conformadores por toda a ordem jurídico-
política, condicionando e influenciando os seus diversos institutos eestruturas, tem 
sido chamado de constitucionalização do direito ou neoconstitucionalismo. 
 
Nos países adeptos do sistema jurídico romano-germânico, estaconcepção 
correspondeu ao período do chamado "legicentrismo", que tinha como pressuposto 
político-filosófico a visão rousseauniana da lei como encarnação da vontade geral do 
povo, aliada a umaleitura ortodoxa do princípio da separação de poderes, 
inspiradaem Montesquieu, pela qual o juiz nada mais seria do que "a boca que 
pronuncia as palavras da lei." Nessa época, as leis eram aindaescassas, e o centro 
do ordenamento jurídico não era ocupadopela Constituição, mas pelo Código Civil- 
considerado verdadeiraConstituição das relações privadas. 
 
Paralelamente a esse fenômeno, a jurisdição constitucional foiseampliando e 
fortalecendo em todo o mundo ao longo do século XX, sobretudo após a traumática 
experiência do nazi-fascismo. Abarbárie perpetrada pelas potências do Eixo com o 
beneplácito do legislador revelou, com eloqüência, a imperiosa necessidade de 
fixaçãode limites jurídicos para a ação de todos os poderes públicos, inclusive os 
parlamentos. E a expansão da jurisdição constitucionalpermitiu que se fosse 
consolidando uma ideia que hoje parece atodos absolutamente trivial: a de que 
Constituição, apesar das suascaracterísticas singulares, é, antes de tudo, norma 
jurídica, dotadade eficácia e aplicabilidade direta. O reconhecimento da força 
normativada Constituição representou seguramente uma verdadeira evolução 
copernicana na ciência jurídica moderna, com profundasimplicações em todos os 
ramos do direito. 
 
Mas esse panorama não ficaria completo se não incluísse outrofenômeno 
igualmente relevante: a expansão das tarefas das Constituiçõescontemporâneas. No 
passado, as constituições limitavam-sea tratar, geralmente de forma sintética, da 
estrutura básica do Estado e da consagração de direitos individuais e políticos. Já 
noconstitucionalismo contemporâneo, que se edifica a partir do adventodo Estado 
Social, e que tem como marcos iniciais as Constituições do México, de 1917, e de 
Weimar, de 1919, as leisfundamentais passam a imiscuir-se em novas áreas, não só 
instituindo direitos de caráter prestacional, que reclamam atuações positivasdos 
poderes públicos e não mais meras abstenções, comotambém disciplinando 
assuntos sobre os quais elas antes silenciavam,como ordem econômica, relações 
familiares, cultura, etc. 
 
No Brasil, esse processo de constitucionalização do direito intensifica-se a partir da 
promulgação da Carta de 1988. Isto porque, apesar da existência de mecanismos de 
jurisdição constitucional no país desde a primeira Constituição republicana de 1891, 
vicejava antes entre nós, de forma mais ou menos velada, a percepção deque as 
constituições "não eram para valer"; de que não passavam de retórica pomposa; e, 
por motivos que não se teria como exploraraqui, a realidade empírica permanecia 
quase completamente à margem da incidência das ordensconstitucionais, que, num 
cortejo penoso, se sucediam no tempo. Naquele contexto inglório, diantede 
constituições francamente inefetivas, que figuravam quaisadornos da ordem jurídica, 
mantidas como que para emprestar umsuposto verniz de legitimidade ao Estado, 
não fazia muito sentidofalar em constitucionalização do direito. 
 
Mas a Carta de 1988 pretendeu romper com este ciclo. Fruto de um movimento de 
democratização do país, a Constituição de1988 inaugurou uma nova fase do 
constitucionalismo brasileiropautada pela preocupação com os direitos humanos e 
com a efetivação das promessas do texto magno. Pode-se hoje dizer que, 
pelaprimeira vez na nossa história, a Constituição está se incorporando de fato ao 
dia-a-dia dos tribunais, sendo invocada com grande freqüência pelas partes e 
aplicada diretamente pelos juízes de todas asinstâncias na resolução de litígios 
públicos ou privados. Em quepese o persistente déficit de efetividade constitucional 
em certasquestões - sobretudo as correlacionadas à promoção da justiçasocial - é 
fato que a Constituição passou a ser encarada, tambémpor aqui, como autêntica 
norma. E, neste sentido, cada vez mais adoutrina e a jurisprudência, nas diversas 
áreas do direito, têm encontrado, nos valores e princípios constitucionais - e a Carta 
de1988 é generosíssima ao proclamá-los o norte para o equacionamentode 
problemas e solução de controvérsias jurídicas, das mais prosaicas às mais 
complexas. 
 
Portanto, trata-se também de uma técnica de preservação do próprio ordenamento, 
utilizada para evitar a exclusão desnecessáriade atos normativos que a ele já se 
incorporaram. 
 
Como princípio hermenêutico, a interpretação conforme à Constituição pode e deve 
ser empregada não só por todos os órgãosdo Poder Judiciário, na prestação da 
jurisdição, como também pelasdemais autoridades públicas, sempre que lhes 
incumbir a tarefade aplicar normas jurídicas. Isto porque, não apenas o Judiciário, 
mas também todos os demais órgãos do Estado encontram-se vinculadosnegativa e 
positivamente à Constituição, cabendo-lhesnão só o dever de abster-se de violá-la, 
mas também a obrigação de, na medida das respectivas possibilidades e 
competências, implementarseus comandos e concretizar seus valores. 
 
A passagem da Constituição para o centro do ordenamento jurídicorepresenta a 
grande força motriz da mudança de paradigmasdo direito administrativo na 
atualidade. A supremacia da Lei Maior propicia a impregnação da atividade 
administrativa pelos princípiose regras naquela previstos, ensejando uma releitura 
dos institutos eestruturas da disciplina pela ótica constitucional. 
 
Cumpre anotar que o tratamento constitucional de aspectos da Administração 
Pública foi inaugurado com as Cartas italiana e alemã, tendo sido substancialmente 
ampliado nas Constituições espanholae portuguesa. A Constituição brasileira de 
1988 discorre longamente sobre a administração Pública, descendo a minúcias que 
exibem uma feição corporativa muito mais nítida que qualquer preocupação 
garantística. A despeito disso, trouxe alguns avanços, como a enunciação expressa 
de princípios setoriais do direito administrativo, que na sua redação original eram os 
da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. 
 
A Emenda Constitucional n° 19/98 (apelidada de Emenda da Reforma 
Administrativa) acrescentou ao elenco o princípio da eficiência. A propósito a tensão 
entre a eficiência e legitimidade democrática é uma das questões centrais da 
Administração Pública na atualidade. 
 
A constitucionalização do direito administrativo convola a legalidadeem juridicidade 
administrativa. A lei deixa de ser o fundamentoúnico e último da atuação da 
Administração Pública para setornar apenas um dos princípios do sistema de 
juridicidade instituídopela Constituição. 
 
Por derradeiro, cabe fazer referência ao influxo do princípiodemocrático sobre a 
conformação tanto das estruturas como daprópria atividade administrativa. Como se 
adiantou, embora reconhecendo-se a preeminência dos direitos fundamentais no 
elencode objetivos da Administração Pública, a eles não se limitam astarefas 
administrativas. 
 
Com efeito, a lei democrática, produzida em observância aoslindes constitucionais, 
opera de forma complementar ao sistemade direitos fundamentais, concretizando, 
ampliando ou restringindotais direitos, seja em prol de outros direitos fundamentais, 
sejaem proveito de interesses difusos da comunidade. A Administração Pública, por 
intermédio de seus órgãos, entidades ou delegatários, cumpre tanto a realização dos 
direitos fundamentais (por meio deabstenções, restrições ou prestações positivas), 
como a consecuçãode objetivos de viés coletivo (decorrentes diretamente da 
Constituiçãoou estabelecidos validamente pelo legislador democrático). 
 
Um dos traços marcantes dessa tendência à democratização é ofenômeno que se 
convencionou chamar de processualização da atividade administrativa. Tal termo é 
designativo da preocupaçãocrescente com a disciplina e democratização dos 
procedimentosformativos da vontade administrativa, e não apenas do ato 
administrativofinal. Busca-se, assim, (i) respeitar os direitos dos interessadosao 
contraditório e à ampla defesa; (ii) incrementar o nível de informação da 
administração acerca das repercussões fáticas ejurídicas de uma medida que se 
alvitra implementar, sob a óticados administrados, antes da sua implementação; (iii) 
alcançar um grau mais elevado de consensualidade e legitimação das decisões da 
Administração Pública. 
 
CAPÍTULO III – DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO AO 
DEVER DE PROPORCIONALIDADE 
 
As relações entre o indivíduo e a sociedade têm sido objeto de ancestral disputa no 
curso da história do pensamento político. A afirmação da existência de um princípio 
jurídico que preconize a prevalência dos interesses gerais da coletividade sobre os 
interesses particulares de seus membros reflete uma opção por uma das teorias 
morais construídas ao longo da história sobre quem é o homem e qual o seu lugar 
na ordenação da vida social. Segundo Daniel Sarmento, do ponto de vista da teoria 
moral, a prevalência a priori dos interesses coletivos sobre os interesses individuais 
poderia ser justificada a partir de duas perspectivas distintas, que, no entanto, 
exibem alguns traços comuns: o organicismo e o utilitarismo. Em sentido 
diametralmente oposto, a supremacia incondicionada dos interesses privados dos 
membros de uma comunidade política sobre aqueles da coletividade, considerada 
em seu conjunto, estaria fundada no individualismo, de cariz marcadamente liberal. 
A seguir serão expostas, de forma sucinta, as bases teóricas do organicismo e do 
utilitarismo, em ordem a demonstrar a sua incompatibilidade com o sistema 
constitucional brasileiro e a consequente inconsistência jurídica do princípio da 
supremacia do interesse público sobre os interesses particulares. O pensamento 
organicista funda-se na ideia de que o indivíduo é, essencialmente, uma parte do 
todo social e de que o bem de cada um só se realiza quando assegurado o bem 
comum. Assim, tanto no organicismo antigo (v.g. , Aristóteles) como no moderno 
(v.g. , Hegel), a associação transindividual - e os interesses do grupo social - goza 
de supremacia sobre os interesses de suas partes, isto é, os indivíduos. Para Hegel, 
por exemplo, "os indivíduos têm no Estado o seu mais elevado ser," daí decorrendo 
a superioridade intrínseca do bem comum (assegurado pelo Estado) sobre as 
liberdades individuais. 
 
Como é trivialmente reconhecido, o organicismo hegeliano representou a matriz 
teórica dos grandes sistemas políticos totalitários que varreram o mundo no século 
XX: o nazi-fascismo e o comunismo. A ideia da felicidade como um projeto 
essencialmente coletivo e o descaso com a autonomia (pública e privada) da pessoa 
humana pavimentaram o caminho liberticidadas ditaduras de direita e de esquerda, 
que elevaram o Estado à condição de finalidade última e suprema da vida dos 
cidadãos. 
 
CAPÍTULO IV A CRISE DA LEI: DA LEGALIDADE COMO VINCULAÇÃO 
POSITIVA À LEI AO PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE ADMINISTRATIVA 
 
A crise da lei é hoje um fenômeno quase tão universal quanto a própria proclamação 
do princípio da legalidade como o grande instrumento regulativo da vida social nas 
democracias constitucionais contemporâneas. Ao ângulo estrutural, a crise da lei 
confunde-se com a crise da representação e, mais especificamente, com a crise de 
legitimidade dos parlamentos. Ao ângulo funcional, a crise da lei é a própria crise da 
ideia de legalidade como parâmetro de conduta exigível de particulares e do próprio 
Estado. Hoje não mais se crê na lei como expressão da vontade geral, nem mais se 
a tem como principal padrão de comportamento reitor da vida pública ou privada. 
Se a promessa de racionalização do mundo, aspiração mais alentada da 
modernidade, jamais chegou a realizar-se completamente, no plano da organização 
das sociedades políticas, essa promessa foi frustrada, em larga medida, pelo 
fracasso da lei formal como projeto jurídico-político. Tal crise é perceptível em todos 
os países, sendo, todavia, mais evidente em Estados ligados à tradição jurídica 
romano-germânica, nos quais à lei escrita - produto da vontade manifestada por 
representantes eleitos pelo povo - sempre se reservou o papel de protagonista da 
criação do direito. Não há disciplina jurídica sobre a qual o fenômeno da crise da lei 
não haja espraiado seus efeitos. Inobstante, cuidar-se-á aqui, com especial ênfase e 
de modo específico, das repercussões da crise da lei sobre o princípio da vinculação 
administrativa à legalidade, entendido classicamente como uma vinculação positiva 
à lei, bem como de suas transformações sob a égide do Estado democrático de 
direito. É um truísmo afirmar-se que a lei formal, 239 no seu sentido liberal clássico, 
está em crise. A assertiva é especialmente recorrente na literatura do direito público 
contemporâneo. A obviedade da afirmação, contudo, não torna prescindível a 
compreensão de suas razões. É entendendo o que se passou com a lei, 
classicamente concebida como a manifestação, por excelência, da vontade geral do 
povo (indispensável, portanto, para legitimar a atuação da Administração Pública), 
que será possível constatar a necessidade de um novo paradigma legitimador do 
direito administrativo e identificar o seu conteúdo. 
 
CAPÍTULO V DA DICOTOMIA ATO VINCULADO VERSUS ATO 
DISCRICIONÁRIO À TEORIA DOS GRAUS DE VINCULAÇÃO À JURIDICIDADE 
 
A discricionariedade administrativa como espaço de livre decisão externo ao direito. 
A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos 
XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto 
(voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que 
o governo se confundia integralmente com a Administração Pública, a sinonímia 
entre discricionariedade e arbitrariedade era total.437 Com efeito, se a vontade do 
soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a 
ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 
"discricionário" empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, 438 ou para 
significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de 
parâmetros jurídicos de controle.439 Somente a partir do século XIX, com o advento 
da noção de Estado de direito, é que a ideia da imposição de limites jurídicos às 
atividades dos órgãos estatais adquiriu consistência teórica e experimentou 
gradativa difusão. Governo, parlamento e Administração passam, então, a gozar de 
identidade e lugar próprios na organização estatal. Ali principia o longo e acidentado 
percurso da tentativa de captura do poder pela juridicidade. Como registrado por 
Andreas Krell, o desafio do jovem Estado de direito foi justamente conciliar a 
tradicional liberdade decisória do Poder Executivo com a observância do princípio da 
legalidade. "Nesse processo, a discricionariedade administrativa começou a ser 
considerada um 'corpo estranho' dentro do Estado de direito, um resquício da 
arbitrariedade monárquica, que deveria, por qualquer meio, ser eliminada. 
 
CAPÍTULO VI DO EXECUTIVO UNITARIO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 
POLICÊNTRICA 
 
A emergência das autoridades administrativas independentes: do Executivo unitário 
à Administração policêntrica. O sistema político-administrativo dominante no 
continente europeu, desde o século XIX, sempre concentrou no governo (isto é, na 
figura do primeiro-ministro ou do presidente, e seu respectivo gabinete ou ministério, 
conforme o sistema de governo adotado), enquanto órgão superior da Administração 
Pública, amplos poderes de intervenção intra-administrativa sobre todo o conjunto 
de órgãos e entidades públicas. A lógica de tal regime era baseada na 
responsabilidade política dos governantes, frente ao parlamento ou diretamente ao 
povo, pelas ações e omissões administrativas, na medida em que se encontravam 
habilitados a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas estruturas da 
burocracia estatal. 
 
Esse modelo, que encontra similar no constitucionalismo brasileiro, acabou erigindo 
a unidade administrativa em verdadeiro instrumento do princípio democrático e em 
fator de legitimação da Administração Pública. 518 A responsabilidade política do 
chefe de governo junto ao povo (em sistemas presidencialistas) ou ao parlamento 
(em sistemas parlamentaristas), num regime em que ele é também o chefe supremo 
da Administração, convolou-se em condição necessária da controlabilidade 
(accountability) social da atuação da burocracia. Pode-se mesmo dizer que esse era 
o contraponto democrático da chamada crise da lei e da notável expansão das 
margens decisórias da Administração na definição das políticas públicas. Pode-se 
dizer, assim, que este era um modelo piramidal de Administração Pública, figurando 
o governo do topo da pirâmide, de onde os agentes eleitos exerceriam controle 
político sobre as diferentes estruturas administrativas. Tal modelo entra em crise 
com a importação, para diversos países da Europa continental e para o Brasil, da 
figura da independent regulatory agency (agência reguladora independente). Se, até 
bem pouco tempo, a institucionalização de autoridades administrativas com 
acentuado grau de autonomia em relação ao Poder Executivo Central revelava-se 
fenômeno restrito e peculiar à estrutura organizacional do Reino Unido e dos 
Estados Unidos da América, fato é que, desde a década de 70 do século passado, o 
fenômeno adquiriu tom universal, espraiando-se, com maior ou menor vigor, por 
diferentes países. Com efeito, esse tipo de estrutura institucional só se proliferaria na 
Europa ocidental sob o influxo dos projetos de governança comunitária promovidos 
pela União Européia, com o nome de autoridade administrativa independente, 
enquanto só chegaria ao Brasil nos anos noventa, a reboque dos processos de 
privatização e reforma do Estado. 
 
CAPÍTULO VII SÍNTESE CONCLUSIVA 
 
A ideia de uma origem liberal e garantística do direito administrativo, forjada a partir 
de uma milagrosa submissão da burocracia estatal à lei e aos direitos individuais, 
não passa de um mito. Passados dois séculos da sua gênese, é possível constatar 
que a construção teórica do direito administrativo não se deveu nem ao advento do 
Estado de direito, nem à afirmação história do princípio da separação dos poderes. 
Com efeito, havendo sido produto da elaboração jurisprudencial do Conselho de 
Estado francês, as categorias básicas da disciplina não surgiram da sujeição da 
Administração à vontade heterônoma da lei, mas antes de uma auto vinculação do 
Poder Executivo à sua própria vontade. Por outro lado, a adoção da jurisdiçãoadministrativa, paralela e infensa à jurisdição comum, rendeu ensejo à imunização 
do Poder Executivo frente aos controles dos demais Poderes e, principalmente, do 
controle do cidadão. O modelo administrativo francês, no qual a burocracia legisla 
para si e julga a si mesma, não pode ser considerado fruto, mas a própria antítese 
da ideia de separação de poderes. 
 
Nesse contexto, é correto afirmar que a dogmática administrativista se estruturou a 
partir de premissas teóricas comprometidas com a preservação do princípio da 
autoridade, e não com a promoção das conquistas liberais e democráticas. O direito 
administrativo, nascido da superação histórica do Antigo Regime, serviu como 
instrumento retórico para a preservação daquela mesma lógica de poder. 
 
CONCLUSÃO 
 
A obra busca romper com diversos paradigmas sedimentados na dogmática jurídica, 
que são entoados como mantras para os alunos da graduação nos cursos jurídicos 
nacionais. O autor desconstrói diversos valores preservados como absolutos pelos 
administrativistas. A obra significa um marco na afirmação do pós-positivismo no 
campo jurídico, em especial no direito público. 
 
Logo no início, o autor desconstrói a própria gênese do direito administrativo, 
cultivada por muito tempo, como “fruto de um milagre” nas palavras de Prosper Weil 
(1977, p. 7). De maneira percuciente, afirma que a origem desse ramo do direito fora 
fruto mais da auto vinculação do próprio Poder Executivo, através da jurisprudência 
do Conselho de Estado francês, do que limitações heterônomas apregoadas pela 
separação dos poderes. Com efeito, fica construído um modelo em que a burocracia 
legisla para si e julga para si mesma. Nesse ponto, fica evidente que a dogmática 
administrativista se estruturou a partir de premissas teóricas comprometidas com os 
interesses dos donos do poder, não se curvando às conquistas liberais, padecendo 
por um pecado original. Assim, a teoria administrativista fundou-se com base na 
preservação do princípio da autoridade ainda vigente no antigo regime. 
 
As premissas teóricas de Gustavo Binenbojm na obra são os direitos fundamentais, 
a democracia, o neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito. Para o 
autor, os direitos fundamentais e a democracia representam os fundamentos do 
Estado Democrático de Direito, legitimando-o e estruturando-o, o que inegavelmente 
impacta no exercício da função administrativa. Por outro lado, o 
neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito representam a pedra de 
toque da moderna feição do direito administrativo. Quanto ao primeiro, o livro aponta 
como seu marco filosófico o pós-positivismo, e seu marco teórico, a expansão da 
força normativa da constituição e da jurisdição constitucional, bem como a nova 
dogmática de interpretação constitucional. Quanto ao segundo, a Constituição não 
apenas fica relegada como suporte de validade para as demais normas, mas 
também penetra por todo o tecido jurídico, promovendo a reinterpretação de 
diversos institutos legais. 
 
Gustavo Binenbojm não é pioneiro na desconstrução de tal princípio (o próprio autor 
dá crédito ao florescimento do debate no Brasil para Humberto Ávila), mas suas 
ideias sobre a questão possuem forte substrato teórico e novas linhas 
argumentativas. O ponto nodal de sua crítica refere-se ao fato de que a supremacia 
do interesse coletivo sobre o particular possui incompatibilidade com o sistema 
constitucional dos direitos fundamentais. Aqui, a perspicácia da obra mostra-se 
evidente, visto que o autor declara que uma norma que preconiza a supremacia a 
priori de um valor, princípio ou direito sobre outros de maneira absoluta não pode ser 
qualificada como princípio. Pelo contrário, um princípio, por definição, é norma 
aberta, cujo sentido deve ser ponderado de acordo com as circunstâncias do caso 
em concreto através das técnicas de interpretação jurídica. Fica claro que a 
prevalência apriorística e descontextualizada de um princípio sobre outro constitui 
uma contradição em termos. 
 
Fora esta crítica estrutural, o texto foca na inter-relação entre os interesses coletivos 
e individuais, demonstrando o autor que a promoção dos primeiros importa 
necessariamente na observância dos direitos de cada um dos cidadãos. De maneira 
feliz, Gustavo Binenbojm aponta que a relação entre eles não é dicotômica, mas, 
sim, de mútua influência. A preservação, na maior medida do possível, dos direitos 
individuais constitui porção do próprio interesse público. Outrossim, deixa evidente 
que o conceito de interesse público só ganha concretude a partir da disposição 
constitucional dos direitos fundamentais em um sistema que contempla e pressupõe 
restrições ao seu em prol de outros direitos, bem como de metas e aspirações 
coletivas de caráter metaindividual, igualmente contempladas na Constituição. 
 
Fugindo de fórmulas prontas, o livro deixa nas mãos do intérprete e aplicador do 
direito a função de delimitar o conteúdo do interesse público, a ser delineado pelo 
processo racional ponderativo através do postulado da proporcionalidade. 
 
Neste particular, arejando o debate jurídico, Gustavo Binenbojm segue a linha 
teórica de Humberto Ávila (2008, p. 30-35), que reconhece a proporcionalidade não 
como um princípio, mas, sim, um postulado normativo, vale dizer: uma norma 
jurídica de segundo grau. 
 
Veja-se que a tese não nega, de forma alguma, o conceito de interesse público, mas 
tão somente a existência de um princípio da supremacia do interesse público sobre 
o privado, visto que a ponderação deve ser feita no caso em concreto de qual 
interesse deve prevalecer; ponderação a ser feita pelo magistrado, pelo legislador ou 
pelo administrador, seguindo o roteiro hermenêutico estabelecido pela dogmática 
jurídica. Assim, fica clara a importância da construção de pilares sólidos na 
construção de técnicas predefinidas para a solução desse choque, sob pena do 
conceito de interesse público ficar ao alvedrio de arbitrariedades do intérprete. 
 
Como constatado logo no início da obra, o “pecado original” do direito administrativo 
pode ser notado na feição da própria discricionariedade administrativa, tendo como 
nascente o espaço decisório real absoluto do Ancien Régime, apartado do escrutínio 
jurídico. Gustavo, oxigenando o debate, afirma que, com a constitucionalização do 
direito, não há mais espaço para áreas decisórias da Administração descobertas 
pelo controle judicial. O livro deixa claro que não há mais espaço para a binária 
distinção entre ato administrativo vinculado e discricionário, mas para a teoria de 
graus de vinculação à juridicidade. Gustavo aponta que sindicabilidade do Judiciário 
de decisões administrativas pode pautar-se em standards, como, por exemplo, 
naqueles campos em que, por sua alta complexidade técnica e dinâmica específica, 
faleçam parâmetros objetivos para uma atuação segura do Poder Judiciário; em tais 
hipóteses, a intensidade do controle deverá ser tendencialmente menor. A expertise 
da burocracia será decisiva na profundidade do controle jurisdicional. 
 
Por fim, dedica espaço à transformação organizacional da Administração Pública, 
com a ruptura da tradição piramidal do Poder Executivo para uma organização 
policêntrica, em que as Agências Reguladoras representam seu maior expoente. O 
autor, após apresentar o conteúdo desses novos departamentos estatais – 
especialmente com a sua autonomia –, demonstra que os mecanismos 
assecuratórios de independência das agências geram três focos de tensão: primeiro, 
em face do princípio da legalidade (adoção de diversos atos administrativos 
normativos que muitas das vezes podem invadir o terreno da lei formal); segundo, 
em face do princípio da separação de poderes (fragilidade de mecanismos políticos 
de controle das agências); terceiro, em face do regime democrático (ausência de 
responsividade de seus membros). Arremata,esclarecendo que a autonomia das 
agências não é um fim em si mesmo, mas apenas uma estratégia de organização do 
Estado em prol da afirmação dos valores constitucionais. 
 
Ainda que incidentalmente na obra, a participação dos administrados na formação 
de políticas públicas merecia uma análise mais detida, visto que se trata de tema de 
relevância capital para o desenho institucional do Estado pós-moderno. 
 
Espera-se que, em edições posteriores do livro, tal debate seja nele incluído, 
especialmente sobre o problema do risco da captura e de novos mecanismos de 
participação do cidadão. 
 
De maneira muito criativa, Gustavo Binenbojm, logo no primeiro capítulo, afirma que, 
diante da evolução contraditória do direito administrativo, sua dogmática deve ser 
colocada no divã. A feliz figura de linguagem consegue resumir bem a proposta de 
Uma Teoria do Direito Administrativo em erigir novos paradigmas para a disciplina 
dotados não apenas de maior consistência teórica, mas comprometidos com o 
sistema democrático e a promoção dos direitos fundamentais. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, 
democracia e constitucionalização. 2. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: 
Renovar, 2008.

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