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A ESTÉTICA DE NIETZSCHE Maximiliano José Paim¹ Vanessa Tomé² RESUMO O presente documento tem por objetivo realizar uma síntese referente à concepção estética no pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche como fundamentação para a o entendimento da estética do pensamento do eterno retorno a partir dos elementos da cultura da Grécia antiga, sobretudo o pensamento pré-socrático presente na visão da vida do filósofo com a simbologia de Dioniso e Apolo. Palavras-chave: Filosofia. Estética. Nietzsche. 1. INTRODUÇÃO A filosofia de Friedrich Nietzsche propõe, a partir da crítica aos valores metafísicos e cristãos, uma superação do homem, o übermensch, literalmente traduzido como super homem, mas que se considera como possuindo mais sentido o além-do-homem, através da afirmação da vida e considerando esta como critério de avaliação das ações e das criações humanas diante dos fenômenos da própria vida. Sendo o século dezenove o século das filosofias metafísicas de Kant e de Hegel como também do positivismo, foi também o século do início da predominância da burguesia e da independência do homem enquanto ser livre do Estado absolutista e da Igreja. Este homem, para Nietzsche, não estava livre de coisa alguma. Se Deus estava morto a partir do momento em que o positivismo se pretendia uma superação dos métodos metafísicos em troca dos três estágios de evolução da sociedade como teorizados por Comte, o homem ainda queria a Verdade agora através da ciência e de outras manifestações do ideal ascético como a influência do cristianismo nas artes. Foi neste cenário que Nietzsche disse a frase “Deus está morto” e que também possibilita que se entenda o que ele considerava como a moral no lugar de Deus no ocidente. O jovem Nietzsche, na década de 1860, conheceu e se tornou amigo do músico alemão Richard Wagner. Este, já imbuído de um certo antissemitismo, era adepto da filosofia da vontade de Schopenhauer e do idealismo alemão mas que pretendia também resgatar a tragédia grega junto de Nietzsche através da metafísica da arte. É possível imaginar que, sendo Nietzsche sempre alguém que suspeitava de qualquer metafísica ainda que jovem e sem clareza, não podia ir muito longe. Romperam quando Wagner passou a compor a partir dos princípios cristãos. Foi demais para a suspeita de Nietzsche. A amizade se desfez e o autor entrou a filosofar assumindo a tarefa da autossuperação humana dos valores morais a partir da afirmação da vida com a arte trágica. 1 Acadêmico 2 Tutor(a) externo (a) Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI - Filosofia (Flx 1405) – Prática Interdisciplinar VII – 05/10/2020. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A estética da arte para Nietzsche pode ser entendida como aquela presente na arte trágica grega perante a vida: a afirmação desta diante do destino mortal no qual os princípios apolíneo e dionisíaco se completam donde o primeiro é o que dá cores e formas ao segundo na criação da obra de arte. É o contrário da fuga da vida detectadas por ele nas doutrinas influenciadas pela metafísica e que concebem a estética a partir de um entendimento racional do homem, incluindo aí o cristianismo e suas produções artísticas. Onfray destaca que Embriaguez ou êxtase, reencontro do corpo com ele mesmo, reconciliação para além de todas as alienações, o recurso nietzschiano consiste em promover Dionísio contra o Crucificado, a Vida contra a Morte. A referência ao deus grego contém toda a apologia do princípio seminal, de seus impulsos e de seu imperialismo. Supõe uma exacerbação da vitalidade e de sua expansão, das forças obscuras e arquitetônicas. (ONFRAY, 2014, p. 122). Para Onfray, “Nietzsche exalta em Dionísio o deus do Riso, da Dança e da Embriaguez.” (ONFRAY, 2014, p. 123). Mais adiante, Onfray também afirma que, ainda que Nietzsche estivesse às voltas dos projetos com Richard Wagner, mas cuja concepção da cultura grega já era a mesma daquela de quando das produções filosóficas, “a solução nietzschiana para o problema prussiano é coletiva [e aqui nos interessa o que está a seguir dos dois pontos]: Dionísio é o princípio federativo das festividades reconciliação e de renascimento.” (ONFRAY, 2014, p. 123). A religião grega e a arte trágica estão intimamente ligadas. Segundo o professor Machado, a arte grega tem origem nessa problemática. Arte e religião estão, para os gregos, intimamente ligadas, ou melhor, são idênticas: o mesmo instinto que produz a arte produz a religião. Por que os gregos criaram os deuses olímpicos ou a arte apolínea? Para tornar a vida possível ou desejável, dando ao mundo uma superabundância de vida. A criação da arte apolínea, que tem na epopeia homérica sua mais importante realização, é a expressão de uma necessidade. ‘A vida só é possível pelas miragens artísticas”, essa ideia acompanha Nietzsche em toda sua reflexão. (MACHADO, 2017, p. 24-25). A vida só pode ser efetivamente afirmada como ela se apresenta dentro das perspectivas múltiplas possíveis provenientes do elemento trágico dos antigos gregos. A abundância da vida ganha representações quem não querem melhorá-la ou demonstrar que a vida deveria ser melhor, mas que a vida não pode ser avaliada por nenhum outro critério e sim afirmada em criações inovadoras que devolvam o homem ao mundo no qual ele vive. Em O Nascimento da Tragédia, Nietzsche assim faz uma alegoria referente ao princípio dionisíaco da vida: Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada, inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com seu filho perdido, o homem. Espontaneamente oferece a terra as suas dádivas e pacificamente se achegam as feras da montanha e do deserto. O carro de Dioniso está coberto de flores e grinaldas: sob o seu jugo avançam o tigre e a pantera. Se se transmutam em pintura o jubiloso hino beethoveniano à ‘Alegria’ e se não se refreia a força da imaginação, quando milhões de seres frementes se espojam no pó, então é possível acercar-se do dionisíaco. (NIETZSCHE, 2007, p. 28). Diante de Dioniso, então, surge Apolo para salvar o homem da irracionalidade destrutiva da vida. Ele é o deus da beleza e do sonho criação artística enquanto obra de arte. Sobre isso, Machado também esclarece que Se dessa vez Apolo salva o mundo helênico atraindo a verdade dionisíaca para o mundo da bela aparência é porque transforma um fenômeno natural em fenômeno artístico. E, se essa transformação do dionisíaco puro, bárbaro e oriental em arte salva a civilização grega, é porque integra a a experiência dionisíaca ao mundo helênico, aliviando-a de sua força destruidora, de seu ‘elemento irracional’, espiritualizando-a. É a ilusão apolínea, característica da arte, liberta da opressão e do peso excessivo do dionisíaco, permitindo à emoção se descarregar em um domínio apolíneo. (MACHADO, 2017, p. 34-35). O princípio apolíneo complementa com lucidez o elemento dionisíaco que, em sua pureza, também é prejudicial. É como que, se quisermos ter noção hoje do que é capaz um fenômeno natural como um raio da tempestade, basta que usemos das imagens filmadas e disponíveis na internet, algo que é semelhante à arte do cinema. Seria destrutivo e portanto dionisíaco se quiséssemos viver o raio em si se colocando em cima de uma árvore. Assim sendo, o apolíneo é o modo belo de sentir, portanto estético, através de uma representação o que seria puramente dionisíaco, natural e por isso insano. Nietzsche diz que Apolo como divindade ética, exige dos seus a medida e, para poder observá-la, o autoconhecimento. E assim corre, ao lado da necessidade estética da beleza, a exigência do ‘Conhece-te a ti mesmo’ e “Nada em demasia’, ao passo que a auto exaltaçãoe o desmedido eram considerados como os demônios propriamente hostis da esfera não apolínea, portanto como propriedades da época pré-apolínea, da era dos Titãs e do mundo extra-apolíneo, ou seja, do mundo dos bárbaros. (NIETZSCHE, 2007, p. 37-38). Portanto, se o cristianismo julga e condena este mundo – este vale de lágrimas como diz na oração Salve Rainha – e promete a vida eterna ao lado de Deus e de seu filho, Nietzsche lança a tese de que é preciso ter um entendimento que aceite e afirme a vida pedindo mais vida ao mesmo tempo que cria com a estética dicotômica representações que façam os fenômenos se tornarem suportáveis. Intitulado metaforicamente de Para o ano novo, o aforismo 276 de A Gaia Ciência nos indica qual deve ser a conduta dessa estética afirmativa diante da vida para Nietzsche. Eis a citação: Quero aprender cada vez mais, ver o necessário das coisas como sendo o belo – então, serei um daqueles que tornam das coisas belas. Amor fati: daqui em diante será esse será o meu amor! Não quero travar uma guerra contra o feio. Não quero reclamar, não quero nem mesmo reclamar dos que reclamam. Desviar o olhar deles, será minha única negação! E, abrangendo tudo, em algum momento ainda quero ser apenas alguém que sempre diz sim! (NIETZSCHE, 2016, p. 270). A estética neste modo de viver afirma a vida em seus fenômenos, em seu destino e por isso quer viver mais esta vida sem necessidade de procurar fugas metafísicas que consolem e deem esperanças de um mundo perfeito além deste mundo. Esta é uma tese, a da aceitação da vida e desejo de mais vida enquanto vivencias, inserida no pensamento do eterno retorno também contida no livro A Gaia Ciência. O aforismo 341, no qual o eterno retorno está contido, se chama O maior peso. Ei-lo: Como seria se um dia ou uma noite um demônio se intrometesse na sua mais solitária solidão, e dissesse: "Você terá de viver mais uma vez, e inúmeras vezes mais, esta mesma vida, como a que vive agora e viveu, e não haverá nada de novo nela; cada suspiro, e tudo indizivelmente pequeno e grande de sua vida voltará para você, na mesma sequência e ordem - inclusive essa aranha e essa luz da Lua entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da existência será sempre invertida - e você com ela, seu grãozinho de pó, em meio à poeira!". Você não se atiraria no chão rangendo os dentes e amaldiçoando o demônio que falasse desse modo? Ou já vivenciou alguma vez um inacreditável instante em que responderia a ele: "Você é um deus, e nunca ouvi algo mais divino!". Se esse pensamento conseguisse dominar você, ele o transformaria, do modo como você é, e talvez até o deixasse mil pedacinhos; a pergunta para todos e cada um é: "Você quer tudo isso mais uma vez, e mais inúmeras vezes?". Seria um enorme peso sobre suas ações! Ou como você poderia apaziguar-se consigo e com a vida, a fim de não exigir nada além dessa última eterna constatação e afirmação? (NIETZSCHE, 2016, p. 335-336). O eterno retorno, este impasse no entendimento da filosofia de Nietzsche, pode ser entendido como um agir adequado para a estética do autor se for levado em conta se, deixando de lado a etapa final do pensamento do autor iniciada após o término de Assim falava Zaratustra, e tomarmos a concepção da cultura heroica grega em especial o simbolismo de Apolo e Dioniso, elementos divinos que, como foi dito, são a representação da vida e da sua afirmação. 3. MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo consiste no resultado de uma pesquisa básica e qualitativa na medida em que toma por objeto uma parte coadjuvante na filosofia do autor, embora ela seja o coroamento daquilo que ele entendia como o que deveria substituir o que é décadent e que está presente em todas as criações e transformações humanas até o século 19. Assim, a estética na filosofia de Nietzsche constitui-se na etapa positiva e propositiva do pensamento do autor. É como um reposicionamento da vitalidade do homem heroico da Grécia na arte de viver baseados na miscelânea dos princípios apolíneo e dionisíaco. A bibliografia citada é integrante do acervo do acadêmico autor deste texto. A figura 1 apresenta as esculturas do deus Apolo e do deus Dioniso, os nomes do equilíbrio estético de Nietzsche. FIGURA 1: APOLO E DIONISO FONTE: https://www.ex-isto.com/2019/08/apolo-dionisio-nietzsche.html Acessado em 03/12/2020. 4. CONCLUSÃO Conhecedor como poucos em seu tempo da mitologia grega, Nietzsche percebeu o que fora perdido em valores quando da passagem da cultura grega mitológica e aristocrática para a racionalidade do pensamento e para a democracia na pólis. Antes do plebeu Sócrates filosofar pelas ruas de Atenas procurando alguém mais sábio do que ele, antes de Platão elaborar a sua filosofia das formas perfeitas, e antes de Aristóteles dividir o conhecimento em categorias, diversos filósofos das mais distintas regiões do mundo grego ousaram criar definir o mundo a partir de concepções próprias ainda mescladas com a mitologia grega e a cultura heroica com uma dose a mais de racionalidade: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Parmênides, Heráclito estão entre os precursores. Foi inspirado nestes autores que Nietzsche imaginou a filosofia de uma maneira diferente em seu https://www.ex-isto.com/2019/08/apolo-dionisio-nietzsche.html método: em favor de uma racionalidade e em detrimento do contexto dos fenômenos da vida, criou- se uma espécie de mundo paralelo que tem a função, segundo o autor alemão, de difamar e de desvalorizar o mundo no qual se vive. Em termos sucintos, é uma negação da vida. Assim, Nietzsche imaginou algo muito diferente para a filosofia. A filosofia não poderia servir apenas como fundamentação da razão, mas como afirmação da vida como ela se apresenta. Como aceitação dos fatos e do destino e a consequente superação do homem de rebanho. A arte tem, no pensamento deste autor, função primordial que é de tornar a vida esteticamente aceitável e afirmativa nos fenômenos representados por ela. REFERÊNCIAS MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. São Paulo: Paz & Terra, 2017. NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007. ______. A Gaia Ciência. São Paulo: Martin Claret, 2016. ONFRAY, Michel. A Sabedoria Trágica – sobre o bom uso de Nietzsche. São Paulo: Autêntica, 2014. Maximiliano José Paim¹ RESUMO 1. INTRODUÇÃO 3. MATERIAIS E MÉTODOS
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