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Instituto de Letras Departamento de Teoria Literária e Literatura Introdução à Teoria da Literatura Professor: Gilmário Guerreiro da Costa Aluna: Monique Veloso Moraes Matrícula: 13/0127612 Estética da recepção e Dom Casmurro, de Machado de Assis. Capitu, afinal, traiu ou não traiu Bentinho? Ao longo da vida escolar, em algum momento nos deparamos com essa questão, esta é a discussão principal sobre a obra de Machado de Assis e, talvez, uma das maiores polêmicas literárias, há os que percebem os ciúmes exacerbados de Bentinho, há os que notam as atitudes suspeitas de Capitu, há também os que focam na semelhança de Ezequiel com Escobar e, dessa forma, há várias leituras dessa obra tão renomada, que geraram várias teorias sobre uma possível traição e diversas formas de ler e notar a estética do livro. A estética da recepção é uma teoria que foi apresentada, na década de 1960, por Hans Robert Jauss e, posteriormente, desenvolvida por estudiosos como Stuart Hall e Jonathan Culler. Os estudos estéticos tradicionais, anteriores a Jauss, tinham como foco a produção literária, analisavam as técnicas empregadas pelo autor em determinado texto, mas desconsideravam a atuação de quem o lia. A teoria de Jauss vem para romper com esse exclusivismo da estética tradicional, considerando a literatura enquanto produção, recepção e comunicação, ou seja, uma relação entre autor, obra e leitor. Jauss (in LIMA, 1979, p. 46) explica o rompimento com as teorias anteriores e essa nova visão da participação do leitor, da seguinte forma: “A experiência estética não se inicia pela compreensão e interpretação do significado de uma obra; menos ainda, pela reconstrução da intenção de seu autor. A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com (Einstellung auf) seu efeito estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição compreensiva. Uma interpretação que ignorasse esta experiência estética primeira seria própria da presunção do filólogo que cultivasse o engano de supor que o texto fora feito, não para o leitor, mas sim, especialmente, para ser interpretado.” Segundo o autor, “disso resulta a dupla tarefa da hermenêutica literária: diferenciar metodicamente os dois modos de recepção” (JAUSS in LIMA, 1979, p. 46), um diz respeito ao efeito e o significado produzidos pelo leitor contemporâneo enquanto o outro reconstrói o processo histórico pelo qual o texto é recebido e interpretado pelos leitores de diferentes tempos. Ele propõe que, para analisar a experiência de leitura, é necessário considerar a comunicação na relação texto-leitor, “ou seja, entre o efeito, como o momento condicionado pelo texto, e a recepção, como o momento condicionado pelo destinatário” (JAUSS in LIMA, 1979, p. 49-50, grifos do autor). Segundo Tomazi (2016), ao refletir sobre os estudos de Jauss, o “efeito estético” causado por uma obra vai depender da experiência inicial que o leitor terá do texto, a sua primeira impressão é o que definirá o decorrer da leitura. “Após essa experiência primária, a recepção passa de sua forma ‘ingênua’ para começar a se tornar crítica” (TOMAZI, 2016, p. 46), assim, somente depois que o leitor tenha atingido os níveis de compreensão e interpretação, ele poderia começar a “criticar” uma obra e, até mesmo, tentar reconstruir as intenções que o autor teria ao elaborá-la. Nesse sentido que, ao analisar uma obra como Dom Casmurro, podemos criar uma hipótese, ou até mesmo várias, sobre a intenção de Machado de Assis ao escrevê-la. Wolfgang Iser (in LIMA, 1979), ao falar sobre a indagação psicanalítica sobre a comunicação, a difere da relação texto-leitor, pois nesta não há a relação face a face, como em todas as formas de interação social, pois o texto não pode sintonizar com o leitor concreto que o lê. “Na relação didática, os parceiros podem mutuamente se perguntar, de forma a saber se controlam a contingência ou se suas imagens da situação transpõem a inapreensibilidade da experiência alheia. O leitor contudo nunca retirará do texto a certeza explícita de que a sua compreensão é a justa” (ISER in LIMA, 1979, p. 87). Diante disso, podemos explicar as diversas teorias formadas sobre a discussão central da obra Dom Casmurro, a traição ou não de Capitu. Barros (2006) postula que não há como afirmar, com base nas marcas textuais no romance, que Capitu tenha ou não tenha traído Bentinho, essa é uma leitura conduzida pelo leitor, a interpretação que cada um, com base na sua compreensão e relação com o texto, forma. Entre 1899 e 1960, Dom casmurro foi lido como as memórias de um homem que foi traído pela mulher que tanto amava e por seu melhor amigo, assim se tornando uma pessoa fechada em si mesma a ponto de ser apelidado como Dom Casmurro, “Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo” (ASSIS, 2008, p. 5), mas no início dos anos 60, a crítica americana Helen Caldwell escreveu um livro chamado “O Otelo Brasileiro de Machado de Assis” que trouxe uma releitura de Dom Casmurro, a partir de uma referência direta a Otelo, de Shakespeare, como as memórias de um homem extremamente ciumento e cheio de imaginação. Ou seja, muitas leituras foram feitas sobre o livro de Machado de Assis, mas nenhuma levou a uma conclusão definitiva sobre um possível adultério. A narrativa de Dom Casmurro é pessoal, feita por Bento Santiago, sem dar voz a Capitu, dando até mesmo pistas que fazem o leitor duvidar do caráter da personagem, diversas vezes fala sobre sua dissimulação, sobre suas atitudes, Capitu era muito mais mulher do que ele era homem, a obra inteira é uma dissimulação sobre a vida do próprio Dom Casmurro, o que ele faz é conduzir a atenção do leitor para os acontecimentos passados, deixando diversos significantes implícitos no decorrer da narrativa, conduz os fatos segundo sua própria visão, condução essa, que segundo Jauss, é uma condução parcial, pois “a recepção da arte não é apenas um consumo passivo, mas sim uma atividade estética, pendente da aprovação ou da recusa” (JAUSS in LIMA, 1979, p. 58), desse modo, depende do leitor aceitar o que é verdadeiro ou não dentro da obra e, a partir daí, construir uma crítica. Bento Santiago fala do seu passado, constrói uma narrativa a partir das suas memórias, das memórias sobre sua história com Capitu, falando de sua infância e por diversas vezes enfatizando e construindo, como forma de convencimento ao leitor, o caráter de sua amada, usando, até mesmo, a visão de terceiros, como a de José Dias, que Capitu tinha olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Ele se aproxima do leitor, fala com ele durante o livro, “abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos de incredulidade. [...] Foi assim mesmo que Capitu falou, com tais palavras e maneiras. Falou do primeiro filho, como se fosse a primeira boneca (ASSIS, 2008, p. 109), essa proximidade, essa enfatização da verdade como forma de desabafo, todas as formas possíveis de criar empatia com quem lê, criar um modo de convencê-lo da “verdade” que está sendo narrada. Por diversas vezes as atitudes de Capitu são analisadas pelos olhos de Bentinho, como: Palavra que estive a pique de crer que era vítima de uma grande ilusão, uma fantasmagoria de alucinado; mas a entrada repentina de Ezequiel, gritando: – ‘Mamãe!, Mamãe!, é hora da missa!’, restituiu- me à consciência da realidade. Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel. De boca, porém, não confessou nada; repetiu as últimas palavras, puxou do filho e saíram para a missa (ASSIS, 2008, 289, grifos meus) “a confusão dela fez-se confissão pura”, nada mais é que a visão de Bentinho sobre o comportamentode Capitu, essa visão que o leitor recebe e interpreta como culpa, como prova, mas não passa da interpretação de Bento Santiago sobre sua esposa e sobre a genealogia de seu filho Ezequiel. Fiz essas considerações como forma de mostrar minha visão, a partir de uma recepção ingênua, de que Bentinho era um homem injustiçado, para uma recepção crítica, onde Bento Santiago é um homem sozinho que narra sua história como forma de não só convencer o leitor, mas convencer a si mesmo de que suas atitudes foram justificáveis, relembrando sua história e camuflando a verdade de si mesmo, para não assumir que suas atitudes arruinaram sua própria felicidade. Essa é uma leitura feita a partir de um determinado horizonte, segundo Jauss (in LIMA, 1979) cada pessoa tem o seu “horizonte de expectativas”, que é individual, constituído de todos os conhecimentos adquiridos ao longo da vida, experiências e hipóteses, dessa forma, cada leitor tem a sua bagagem de experiências que implicam um horizonte próprio e que nos leva às nossas interpretações, como a feita por mim anteriormente, como leitora. Outras formas de leitura, obviamente, são possíveis, inclusive contrárias às expostas no presente trabalho e disso se trata a interpretação, a comunicação entre o autor, a obra e o leitor, e, dessa forma, a estética da recepção tratada, principalmente, por Hans Robert Jauss. REFERÊNCIAS ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 1. ed. Porto Alegre: Globo Editora, 2008. Capitu traiu ou não traiu Bentinho em Dom Casmurro?. Superinteressante, 2014. Disponível em: <https://super.abril.com.br/blog/oraculo/capitu-traiu-ou- nao-traiu-bentinho-em-dom-casmurro-de-machado-de-assis/>. Acesso em: 29 jun. 2018. TOMAZI, Nilmara. Estética da Recepção em obras machadianas: um ensaio sobre Quincas Borba, Brás Cubas e Dom Casmurro. uox-Revista Acadêmica de Letras-Português, n. 3, p. 45-52, 2016. JAUSS, Hans Robert. A Estética da Recepção: colocações gerais. In LIMA, Luiz Costa. A literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ISER, Wolfgang. A Estética da Recepção: colocações gerais. In LIMA, Luiz Costa. A literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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