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Livro Filosofando - Unidade 6 - Cap 23

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Unidade 
Ciência, tecnologia e 
valores, êBLJ 
Ciência antiga e 
medieval, ese 
25 A revolução cientifica: as 
ciências da natureza, 303 
26 O método das ciências 
humanas, 321 
Identificação das imagens da esquerda para 
a direita: Tales de Mileto (1866) , gravura de 
C. Laplante; Euclides (1474), detalhe de 
painel de autor desconhecido; Retrato de 
Ptolomeu (1475), pintura de Joos van Gent 
(Joos van Wassenhove); Arquimedes (século 
XVIII), pintura de Giuseppe Nogari; Roger 
Bacon (1650), gravura de autor desconhe-
cido; Gutenberg em sua oficina, gravura 
da obra First Book of French History, de A. 
Aymard (1933); Carta Astrológica do Sistema 
de Copérnico em Atlas coelestis, publicado 
por Johannes Janssonius, Amsterdã (1660-
-61 ); lsaac Newton (1754), gravura de autor 
desconhecido; Telescópio de Galileu (século 
XVII); Retrato de Antoine laurent de Lavoisier 
(século XVIII), gravura de Pierre Michel Alix 
com base na pintura de Jacques louis David; 
Gregor J. Mendel {1865). fotografia colorizada; 
Charles Darwin (1902); representação artística 
H As filosofias antigas morreram lenta e relutantemente durante a Renascença. 
À medida que Copérnico, Tycho e Kepler gradualmente provaram que as 
teorias de Aristóteles e Ptolomeu sobre o Universo estavam erradas, as pessoas 
perceberam que a Terra não era o centro do Universo e que ela se move ao 
redor do Sol. Mas as forças da razão defrontaram-se com as forças da política 
e do poder- desafiar os ensinamentos rigorosamente aristotélicos da Igreja 
católica romana custou a Giordano Bruno a vida, e a Galileu, a liberdade." 
BRDDY, David Eliot; BRDOY, Arnold R. As sete maiores descobertas cientificas da 
história. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 27. 
Tales de Mileto 
(filosofia e 
matemática) 
Século VI a.C. 
Início da filosofia 
Ptolomeu (sistema 
geocêntrico) Roger Bacon (óptica) 
Copérnico (sistema 
heliocêntrico) 
da dupla hélice de DNA; Albert Elfl' GteiR· .eA~""·-------­
seu 75° aniversário (1954); homem utilizando ·~------------~ 
laptop (2007); Sigmund Freud, fotografia 
colorizada sem data identificada; ovelha Dolly 
(clonada em 1996, foto de 2003). 
Antiguidade greco-romana 
~-~- · Esta linha do tempo não 
está em escala temporal. 
282 Unidade 6 • Filosofia das ciências 
Século 111 a.C. 
Escola de Alexandria 
Euclides 
(geometria) 
~ 
iii 
a: 
::;) 
'.li 
~ 
:í 
Arquimedes 
(mecânica) 
Idade Média Idade Moderna 
Renascimento 
Gutenberg (imprensa) 
A condenação de Galileu pela Inquisição católica ocorreu em 1633. 
Em 1705, Newton tornou-se cavaleiro do Reino Unido, recebendo da 
rainha Ana o título de Sir. Festejado como o mais célebre cientista 
de sua época, foi enterrado com honrarias na Abadia de Westminster 
em 1727. Esses fatos mostram a rapidez com que a ciência moderna 
conquistou reconhecimento. 
Daí em diante, tornou-se cada vez mais importante sobretudo pelos 
resultados fantásticos da ciência aplicada à tecnologia. Estaria, no 
entanto, a ciência livre das injunções do poder, sejam elas religiosas, 
econômicas ou políticas? Essas questões permeiam o debate entre a 
ciência e a filosofia que iremos estabelecer nesta Unidade. 
Uma cronologia das descobertas científicas 
Newton 
(gravitação 
universal) 
Século XVII 
Lavoisier 
(química) 
f
. ·.·· .. 
.ii1 ~ . 
p..;._ : -
. 
l ' 
~ 
Mendel 
(genética) 
Darwin 
(evolucionismo) 
Einstein (teoria 
da relatividade) 
Freud 
(psicanálise) 
J 
'i-·r--'""• -----....... e .--------....... e.-----~~-~~~~---.e.-----~~~-~~-------.. 
Idade Moderna 
Galileu 
(física e 
astronomia) 
Crick!Watson 
(DNA -1953) 
Idade Contemporânea 
Origem da internet 
(década de 1970) 
• 
Século XX 
Clonagem do 
primeiro mamífero 
(ovelha Dolly - 1996) 
Filosofia das ciências· Unidade 6 283 
Capítulo 
23 
As irmãs Cholmondeley 
(c. 1600-16101, pintura de 
autoria desconhecida. 
Ciência, tecnologia 
e valores 
Essa pintura inglesa do século XVII, de autor desconhecido, traz em seu canto 
inferior esquerdo a curiosa inscrição: "Duas irmãs da família Cholmondeley 
que nasceram no mesmo dia, se casaram no mesmo dia e tiveram filho no 
mesmo dia". 
Apesar da distância no tempo, a obra que retrata as irmãs gêmeas não 
idênticas (os olhos não são da mesma cor e há pequenas diferenças nas 
feições) possibilita refletir sobre diferenças ou semelhanças genéticas, 
remetendo a temas atuais relacionados à existência humana. 
Hoje, existem vários organismos geneticamente modificados, como algumas 
variedades vegetais resistentes às pragas ou que permitem colheitas 
maiores, uma linhagem de porcos (chamados de P33) que podem vir a 
fornecer tecidos para transplantes em humanos, cabras que produzem leite 
com proteína antimicrobiana e muitos outros organismos que fornecem 
hormônios, enzimas e outras substâncias para experiências biomédicas. 
Qual é o limite para experiências como essas? Quais serão as consequências 
evolutivas dessas manipulações? Quais são os riscos dessas experiências 
para a vida humana? Questões como essas impõem a necessidade de uma 
revisão de valores, principalmente os éticos. 
» 28L.J Unidade 6 • Filosofia das ciências 
D Que caminho devo tomar? 
Lewis Carroll era professor de matemática na 
Universidade de Oxford quando escreveu o seguinte 
em Alice no País da Maravilhas: 
"-Gato Cheshire ... quer fazer o favor de me dizer qual é 
o caminho que eu devo tomar? 
-Isso depende muito do lugar para onde você quer 
ir- disse o Gato. 
-Não me interessa muito para onde ... - disse Alice. 
- Não tem importância então o caminho que você 
tomar- disse o Gato. 
- ... contanto que eu chegue a algum lugar-
acrescentou Alice como uma explicação. 
- Ah, disso pode ter certeza - disse o Gato- desde 
que caminhe bastante." 
In: DUBOS, Renê. O despertar da razão. São Paulo: 
Melhoramentos/Edusp, 1972. p. 165. 
O trecho acima foi selecionado pelo profes-
sor de medicina ambiental René Dubos a fim de 
comentá-lo: 
"A resposta do Gato tem sido frequentemente citada 
para exprimir a opinião de que os cientistas não 
sabem para onde o conhecimento está levando a 
humanidade e, além disso, não se importam muito. 
Diz-se que a ciência não pode oferecer objetivos sociais 
porque os seus valores são intelectuais e não éticos. 
[ ... ] Mas é provável que a ciência possa contribuir 
para formular valores e, assim, estabelecer objetivos, 
tornando o homem mais consciente das consequências 
de seus atos. A necessidade de conhecimento das 
consequências, no ato de tomar decisões, está 
implícita na observação do Gato de que Alice chegaria 
certamente a algum lugar se caminhasse bastante. 
Desde que esse algum lugar poderia revelar-se bem 
indesejável, é melhor fazer escolhas conscientes do 
lugar para onde se quer ir." 
DUBOS. Renê. O despertar da razão. 
São Paulo: Melhoramentos/Edusp, 1972. p. 165. 
Com base nesses textos, iniciamos este capítulo 
com a seguinte interpretação: a ciência não é um sa-
ber neutro, desinteressado, puramente intelectual e 
à margem do questionamento social e político acerca 
dos fins de suas pesquisas. 
D O senso comum 
O senso comum é o conhecimento que ajuda a 
nos situarmos no cotidiano para compreendê-lo e 
agir sobre ele. Mais propriamente, poderíamos dizer 
que se trata de um conjunto de crenças, já que quase 
sempre recebemos esse conhecimento pela tradi-
ção, de modo espontâneo e não crítico. Mas não só. 
O senso comum representa também o esforço para 
resolver problemas do dia a dia, buscando soluções 
muitas vezes bastante criativas. 
É bem verdade que, em diversas situações, 
a ciência precisou se posicionar contra o que parecia 
evidente, por exemplo, a convicção de que a Terra 
fosse imóvel e que o Sol girasse em torno dela. No 
entanto, não há como desprezar esse conhecimento 
tão universal que é o senso comum, nem desconsi-
derar o grande volume de saberes já construídos 
ao longo da história humana e cuja aplicação se 
mostrou fecunda. 
De fato, antes de a física se tornar uma ciência 
no século XVII,diversos povos já sabiam como fazer 
as embarcações flutuarem, como construir palá-
cios, aquedutos, sistemas de irrigação etc. Antes 
de nascer a biologia, os médicos já identificavam 
inúmeras doenças e seu tratamento. Antes do sur-
gimento da química, já havia oficinas de metalurgia 
e tingimento. 
) Distinção entre senso 
comum e ciência 
Vamos mostrar as diferenças entre o senso co-
mum e a ciência, examinando a especificidade de 
cada um por meio de exemplos adaptados de um 
texto de Ernest Nagel. 
NAGEL, Ernest. La estructura de la ciencia. Buenos Aires: 
Paidós, 1978. p. 15-26. 
Particular/geral 
O conhecimento proporcionado pelo senso 
comum é particular. Ou seja, restringe-se a uma 
pequena amostra da realidade, com base na qual 
são feitas generalizações muitas vezes apressa-
das e imprecisas. Os dados observados costumam 
ser selecionados de maneira pouco rigorosa. 
Em outras palavras, o que vale para um ou para um 
grupo de objetos observados é atribuído a todos 
os objetos. 
Já as leis científicas são gerais no sentido de 
que não valem apenas para os casos observados, 
e sim para todos os que a eles se assemelham. 
Afirmações como "o peso de qualquer objeto de-
pende do campo de gravitação" ou "a cor de um 
objeto depende da luz que ele reflete" ou ainda "a 
água é uma substância composta de hidrogênio e 
oxigênio" são válidas para todos os corpos, todos 
os objetos coloridos ou qualquer porção de água, 
e não apenas para aqueles que foram objeto da 
experiência. Em outras palavras, as explicações da 
ciência são sistemáticas e controláveis pela expe-
riência, o que permite chegar a conclusões gerais. 
Ciência, tecnologia e valores· Capitulo 23 285 C 
Mulher velha cozinhando ovos (1618), pintura de Diego Velásquez. 
Não é preciso efetuar uma investigação científica para cozinhar 
um ovo , basta a experiência proporc ionada pelo senso comum. 
Fragmentário/unificador 
O conhecimento espontâneo é fragmentário, pois 
não estabelece conexões em situações em que re-
lações poderiam ser verificadas. Por exemplo: pelo 
senso comum não é possível perceber qualquer 
relação entre o orvalho da noite e o "suor" que apa-
rece na garrafa retirada da geladeira; nem entre a 
combustão e a respiração, que é uma forma de com-
bustão discreta relacionada à queima dos alimentos 
no processo digestivo para obter energia. 
Já o conhecimento científico é unificador, por ter 
a capac idade de fazer as referidas conexões, que 
às vezes são muito abrangentes, como ocorreu com 
Isaac Newton. Segundo um relato não comprovado, 
Newton teria intuído a lei da gravitação universal 
ao associar a queda de uma maçã à "queda" da Lua. 
Ou seja, a Lua não cai sobre a Terra porque está a 
uma distância em que sofre a atração da Terra, mas 
não o suficiente para cair sobre ela: se por acaso 
se aproximasse um pouco mais, haveria de cair. 
Essa é uma maneira simp les de explicar o caráter 
unificador da teoria da gravitação universal, que 
nos permite associar fenômenos aparentemente 
tão díspares como o movimento da Lua, as marés, 
as trajetórias dos projéteis e a subida dos líquidos 
nos tubos delgados. 
Subjetivo/objetivo 
O senso comum é frequentemente subjetivo, 
porque depende do ponto de vista individual e pes-
soal, que pode ser condicionado por sentimentos ou 
afirmações arbitrárias. Por exemplo, às vezes é difícil 
reconhecer o valor profissional de uma pessoa se 
temos antipatia por ela. Ao observar o comportamen-
to de povos com costumes diferentes dos nossos, 
». 286 Unidade 6 ·Filosofia das ciências 
tendemos a julgá-los com base em nossos valores e 
considerá-los estranhos, ignorantes, engraçados ou 
até desagradáveis. 
Já o mundo construído pela ciência aspira à 
objetividade. Chama-se objetivo o conhecimento 
imparcial, que independe das preferências indivi-
duais e que permite o confronto com outros pontos 
de vista. Suas conclusões podem ser testadas por 
qualquer outro membro competente da comunidade 
científica. 
Ambiguidade/rigor 
Para ser objetiva, a ciência dispõe de uma lingua-
gem rigorosa cujos conceitos são definidos para evi-
tar ambiguidades, tornando-se cada vez mais precisa 
à medida que utiliza a matemática para transformar 
qualidades em quantidades. 
A "matematização" da ciência adquiriu grande 
importância no método de Galileu. Ao estabelecer a 
lei da queda dos corpos, por exemplo, Galileu mediu o 
espaço percorrido e o tempo que um corpo leva para 
descer um plano inclinado. Ao final das observações, 
registrou a lei numa formulação matemática. É bem 
verdade que o mesmo não ocorre com as ciências 
humanas, cujo componente qualitativo não pode ser 
reduzido a uma quantidade, como veremos no último 
capítulo desta unidade. 
Os instrumentos de medida (balança, termôme-
tro, dinamômetro, telescópio etc.) também permitem 
ao cientista ultrapassar a percepção imediata, im-
precisa e subjetiva da realidade. 
Diferentemente do senso comum, as explicações 
científicas são formuladas em enunciados gerais, al-
cançados pelo exame das diferenças e semelhanças 
das propriedades dos fenômenos, de modo que um 
número pequeno de princípios explicativos possa 
unificar um grande número de fatos. 
Voltaremos às ciências humanas no capítulo 26, 
"O método das ciências humanas". 
D O método científico 
O conhecimento científico é uma conquista recen-
te da humanidade, datando de cerca de 400 anos. 
No pensamento grego, ciência e filosofia achavam-se 
ainda vinculadas e só vieram a se separar no século 
XVII, com a revolução científica iniciada por Galileu. 
A ciência moderna nasceu ao determinar seu ob-
jeto específico de investigação e ao criar métodos 
confiáveis pelos quais estabelece o controle desse 
conhecimento. São os métodos rigorosos que pos-
sibilitam demarcar um conhecimento sistemático, 
preciso e objetivo que permita a descoberta de re-
lações universais entre os fenômenos, a previsão de 
acontecimentos e também a ação sobre a natureza 
de maneira mais segura. 
Desde a modernidade, as ciências se multipli-
caram na busca de seu próprio caminho, ou seja, 
seu método. Ao delimitar um campo de pesquisa e 
procedimentos específicos, cada ciência tornou-se, 
então, uma ciência particular, por privilegiar setores 
distintos da realidade: a física trata do movimento 
dos corpos; a química, da sua transformação; a 
biologia, do ser vivo etc. Recentemente, a partir do 
século XX, constituíram-se as ciências híbridas, como 
a bioquímica, a biofísica, a mecatrônica, a fim de 
melhor resolver problemas que exigem, ao mesmo 
tempo, o concurso de mais de uma ciência. 
Voltaremos a esse assunto no próximo capítulo. 
D A comunidade científica 
Uma comunidade científica pode ser entendida 
como o conjunto dos indivíduos que se reconhecem 
e são reconhecidos como possuidores de conheci-
mentos específicos na área da investigação cien-
tífica. São os membros dessa comunidade que se 
avaliam reciprocamente a respeito dos resultados 
de suas pesquisas. Alguns dos diversos canais de 
comunicação entre os cientistas são as sociedades 
científicas, os congressos, as revistas especializadas 
e as conferências. 
Até pouco tempo as grandes realizações científicas 
eram fruto de gênios individuais. Hoje em dia, cada vez 
mais, o trabalho da ciência é feito em equipe. Não pre-
tendemos abordar aqui as ambiguidades do conceito 
de comunidade científica- que pode ocultar divergên-
cias de interesses e conflitos de poder-, e sim mostrar 
sua importância para a discussão e o estabelecimento 
do método científico e a produção da ciência. 
Julgamento de Gali/eu 
(1633), pintura de autor 
desconhecido. O quadro 
mostra Gal ileu Galilei sendo 
julgado pelo Tribunal do 
Santo Ofício em Roma, no 
inicio do século XVII. Galileu 
foi obrigado pela Igreja 
Católica a renegar a teoria 
heliocêntrica. Reza 
a lenda, porém, que ele teria 
murmurado, referindo-se 
à Terra: "E pur, si muove!" 
("E, no entanto, ela se move!"). 
É nesse sentido que o filósofo francês Gérard 
Fourez comenta: 
"Afinal,um laboratório terá uma boa performance 
tanto por seu pessoal ser bem organizado e ter acesso 
a aparelhos precisos como por raciocinar corretamente. 
A fim de produzir resultados científicos, é preciso também 
possuir recursos, acesso às revistas, às bibliotecas, a 
congressos etc. t preciso também que, nas unidades de 
pesquisa, a comunicação, o diálogo e a crítica circulem. 
O método de produção da ciência passa, portanto, 
pelos processos sociais que permitem a constituição de 
equipes estáveis e eficazes; subsídios, contratos, alianças 
sociopolíticas, gestão de equipes etc. Mais uma vez, a 
ciência aparece como um processo humano, feito por 
humanos, para humanos e com humanos." 
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à filosofia e 
à ética das ciências. São Paulo: Unesp, 1995. p. 9LJ-95. 
Não imagine, portanto, que essas conclusões só 
serão aceitas se forem consideradas indubitáveis. É 
preciso retirar do conceito de ciência a falsa ideia de 
que se trata de um conhecimento "certo" e "infalível". 
Há muito de construção nos modelos científicos e, às 
vezes, são aceitas até teorias incompatíveis entre 
si. Por exemplo, a teoria corpuscular e a ondulatória, 
ambas utilizadas para explicar aspectos diferentes 
do fenômeno luminoso, permaneceram válidas por 
muito tempo porque cada uma delas conseguia 
explicar fenômenos diferentes. Além disso, a ciência 
encontra-se em constante evolução e suas teorias, 
ainda que comprovadas, são consideradas, de certo 
modo, provisórias. 
Ciência, tecnologia e valores· Capitulo 23 287 
Cientistas examinando plantas em estufa (2008), no Japão. Desde 
Arquimedes a ciência era um trabalho para inventores e gênios 
solitários. A ciência contemporânea, ao contrário, é realizada por 
várias equipes de trabalho em grandes laboratórios, financiados 
por empresas multinacionais, universidades e governos. 
D Ciência e valores 
Que valores são importantes para o cientista? Em 
primeiro lugar, podemos dizer que a ciência visa ao 
valor cognitivo, isto é, o cientista quer conhecer, sem 
se preocupar, inicialmente, com a aplicação prática 
do conhecimento. No entanto, veremos que o traba-
lho científico envolve, além de valores cognitivos, 
valores éticos e políticos. 
) Valores cognitivos 
Examinaremos inicialmente as três caracterís-
ticas relativas aos valores cognitivos da ciência: a 
imparcialidade, a autonomia e a neutralidade. 
Imparcialidade 
A imparcialidade consiste em aceitar como cien-
tíficas apenas as teorias que passaram pelo crivo de 
rigorosos padrões de avaliação. O método utilizado 
deve ser explicitado e a série de dados empíricos 
que sustentam a conclusão pode ser verificada por 
qualquer membro da comunidade científica. Só então 
a teoria será aceita ou rejeitada. 
Já ocorreram situações em que a teoria derivou de 
uma fraude mas que, por diversas circunstâncias, não 
houve condições de ser desmascarada. Um exemplo 
de parcialidade mal-intencionada foi a "descoberta" de 
um crânio e uma mandíbula em 1811, na Inglaterra, 
atribuídos a um ancestral hominídeo. O arqueólogo 
Charles Dawson simplesmente juntou um crânio 
humano relativamente recente à mandíbula de um 
símio, escureceu as peças para parecerem velhas 
e limou os dentes. Apenas quarenta anos depois a 
fraude foi descoberta por meio de novas técnicas 
de datação. Não se conhecem os motivos da parcia-
lidade do arqueólogo e de seus colaboradores, mas 
certamente o interesse deles não era cognitivo, ou 
seja, não visava a conhecer a realidade como tal. 
» 288 Unidade 6 • Filosofia das ciências 
Autonomia 
A autonomia refere-se às condições de inde-
pendência das investigações. Segundo se espera, 
as instituições científicas devem estar isentas de 
pressões externas para definir suas agendas volta-
das para a produção de teorias imparciais e neutras. 
Exemplos de situações de perda de autonomia 
dos cientistas já ocorreram. Lembremos que Galileu 
Galilei precisou interromper seus estudos sobre o 
geocentrismo porque foi julgado e condenado pela 
Inquisição, o braço religioso que ainda tinha força 
no século XVII. Na primeira metade do século XX, 
na então União Soviética, Joseph Stalin apoiou o 
biólogo Trofim Lysenko, cuja teoria contraditava as 
leis de Gregor Mendel, até hoje considerado o pai 
da genética. Por questões ideológicas, os cientistas 
mendelianos foram perseguidos e presos. Em resu-
mo, a censura à ciência é intolerável. 
Neutralidade 
O conhecimento científico é neutro porque, em 
tese, não deve atender a nenhum outro valor a não 
ser o cognitivo. No processo de investigação propria-
mente dito, as convicções pessoais no campo da mo-
ral e da política não devem interferir no andamento e 
nas conclusões científicas. Ou seja, a nacionalidade, 
a etnia, a religião, a classe social do cientista são 
irrelevantes para se atingir a verdade científica. 
A interferência desses fatores, que são extrínsecos à 
pesquisa, é prejudicial à ciência porque a faz perder 
a objetividade. 
) Valores éticos e políticos 
Dissemos que o conhecimento científico deve ser 
neutro para garantir a racionalidade e a objetividade 
das pesquisas. No entanto, sob outros aspectos, a 
neutralidade científica pode tornar-se uma ilusão. 
Não se trata de incoerência, mas da necessidade de 
reconhecer que o poder da ciência e da tecnologia é 
ambíguo, porque pode estar a serviço do conjunto da 
humanidade ou apenas de uma parte dela. Por isso, a 
atividade do cientista e do técnico deve ser acompa-
nhada por reflexões de caráter moral e político, para 
que sejam postos em questão os fins que orientam 
os meios que estão sendo utilizados. 
As altas cifras destinadas às pesquisas exigem 
o apoio financeiro de instituições públicas e pri-
vadas, desejosas em subvencionar os trabalhos 
que mais lhes interessem e que nem sempre estão 
focados na saúde e no bem-estar das pessoas. É o 
caso, por exemplo, da "indústria da guerra", que, há 
muito, alimenta a corrida armamentista e exige o 
constante desenvolvimento da ciência e da tecnolo-
gia no campo militar. 
' As indevidas interferências do poder sobre a pesquisa científica vistas neste tópico foram a condenação de Galileu pela Inquisição e a proibição pelo 
reg ime soviético do estudo da biologia mendeliana por motivos ideológicos. Além disso, as pesquisas atuais requerem um alto investimento financeiro, 
O grande risco da excessiva interferência eco-
nômica nas ciências pode ser ilustrado pelas con-
quistas obtidas na engenharia genética, que levam 
grandes corporações a buscar justificativas legais 
para patentear, por exemplo, as descobertas rea-
lizadas com a manipulação do código genético de 
sementes, os chamados alimentos transgênicos. 
São também objetos de debates acalorados as 
possibilidades de clonagem de seres humanos, com 
base no sucesso obtido com a aplicação da técnica 
em animais. No entanto, o temor de que cientistas 
se encaminhem para a clonagem humana tem des-
viado - e confundido -as discussões em torno das 
pesquisas com células-tronco, sobretudo aquelas 
que não são extraídas do embrião propriamente dito, 
mas da medula óssea ou do cordão umbilical. As van-
tagens das novas pesquisas estariam na prevenção e 
cura das mais diversas doenças. 
Em resumo, os procedimentos metodológicos 
da ciência devem ser neutros quando têm em vista 
apenas a racionalidade científica, mas não quanto aos 
fins que orientam suas pesquisas nem quanto aos 
objetivos a que se destinam suas descobertas. Estas 
últimas exigem inclusive discussões éticas e políticas. 
Orientações para o 
professor no livro 
digital 
.. PARA REFLETIR 
Baseando-se nos exemplos deste tópico, destaque 
quais são as interferências políticas e econômicas 
que orientam- ou desviam- a atividade científica. · 
o que dificulta a isenção para escolher as pesquisas mais urgentes para 
a população. Há também o debate sobre a manipulação do código 
genético, das células-tronco etc. 
D A responsabilidade social 
do cientista 
Pelo que vimos,não há como aceitar que a 
exigência de neutralidade da ciência se resuma à 
procura do "saber pelo saber". A ciência encontra-se 
inextricavelmente envolvida na moral e na política, e 
o cientista tem uma responsabilidade social da qual 
não pode abdicar. 
Essas observações nos levam a refletir sobre a 
formação do cientista, que não deve se restringir 
apenas ao aprendizado de conteúdos, metodologias 
e práticas de pesquisa. Mais do que isso, o futuro 
cientista precisa ter condições de examinar os pres-
supostos de seu conhecimento e de sua atividade, de 
se perceber como pertencendo a uma comunidade e 
de identificar os valores subjacentes a sua prática. 
Qual é o papel da filosofia com relação à ciên-
cia e suas aplicações? Seu compromisso repousa 
na investigação dos fins e das prioridades a que a 
ciência se propõe, na análise das condições em que 
se realizam as pesquisas e nas consequências das 
técnicas utilizadas. 
Esta foi a única 
ffl construção que ficou de 
~-
§ 
~ 
::; 
i' 
~ 
~ 
pé em Hiroshima após a 
explosão da bomba atômica, 
em 19LI5. Foi mantida no 
mesmo estado e hoje se 
chama Memorial da Paz, pelo 
fim das armas nucleares e 
para que não se esqueça de 
atos bárbaros praticados 
por nações "civilizadas". Em 
frente, o verde da praça e 
Cerimônia em frente do Memorial da Paz, em Hiroshima, no Japão, em 2007, 
lembra as vítimas da bomba atômica lançada na cidade, em agosto de 1945. 
as pombas representam a 
esperança do renascimento 
após a destruição e nos 
fazem pensar na importância 
da reflexão ética sobre os 
fins para os quais usamos a 
tecnologia, um fruto ambíguo 
da ciência contemporânea. 
Ciência, tecnologia e valores· Capítulo 23 289 
LEITURA COMPLEMENTAR 
Eficácia e limites do domínio científico 
"A ciência moderna ligou -se[ .. . ] à ideologia burguesa 
e a sua vontade de dominar o mundo e controlar o meio 
ambiente. Nisto ela foi perfeitamente eficaz. Foi um 
instrumento intelectual que permitiu à burguesia, em 
primeiro lugar, suplantar a aristocracia e, em segundo, 
dominar econômica, política, colonial e militarmente o 
planeta . 
Durante séculos sentiu-se a eficácia desse método e os 
seus sucessos serviram de base às ideologias do progresso. 
De fato, os benefícios resultantes foram enormes: foi gra-
ças à produção da sociedade burguesa, à sua ciência e à 
tecnologia que a vida humana conheceu múltiplas melho-
rias. Foram a ciência e a técnica que impediram que as 
pessoas ficassem completamente dependentes da ener-
gia, dos aspectos aleatórios do clima, de uma fome sem-
pre ameaçadora e assim por diante. A civilização burguesa 
produziu, para praticamente todas que se juntaram a ela, 
bens múltiplos, não somente para os mais ricos, mas, pelo 
menos em sua última fase , para todos nos países ociden-
tais . Graças a ela, a maioria da população se beneficia de 
um bem-estar econômico que os mais ricos não poderiam 
sonhar há alguns séculos. 
Não obstante, as recentes evoluções da sociedade, os 
perigos da poluição, a corrida armamentista- em espe-
cial as armas atômicas-, os problemas da energia, entre 
outros, levaram um número cada vez maior de pessoas 
a se questionar a respeito dessa atitude de domínio. 
Quando os seres humanos se constituem como senhores 
solitários do mundo, em exploradores da natureza e, mui-
tas vezes, como calculadores em relação à própria vida, 
é, a longo termo, possível ainda viver? É essa atitude de 
domínio desejável no que se refere a todas as coisas? 
Em certos campos, em todo caso, ela parece ter chegado 
a um fracasso. [ .. . ] Hoje, em especial com o movimento 
ecológico, muitos se perguntam se a ciência e a tecnolo-
gia acarretam sempre necessariamente a felicidade aos 
seres humanos. 
Monument o afetado 
pela chuva écida, 
na Inglate rra, 2008. 
O vento leva a 
polui ção da queima 
de ca rvão e petróleo 
po r milhares de 
quilômetros. 
Ao reagi r com o 
vapor de égua, a 
po lui ção provoca 
a chuva écida, que 
prejudica a saúde 
humana, a fl ora, a 
fauna e corrói os 
monumentos. 
Em nossa sociedade, assistiu-se a uma espécie de 
revolta diante da atitude técnico-científica. A civilização 
da ciência, civilização da precisão, da escrita é recolocada 
em questão, como o demonstra o desejo de muitos de 
reencontrar um contato mais autêntico com a natureza. O 
limite da gestão do mundo pelo técnico-científico se torna 
patente quando se considera a incapacidade do progresso 
em resolver os problemas sociais do mundo - e em parti-
cular a sua incapacidade de suprimir as dominações huma-
nas, principalmente aquelas criadas pela indústria e pela 
exploração do Terceiro Mundo (dois produtos da sociedade 
burguesa). Parece que a ciência não é de modo algum efi-
caz para resolver as grandes questões éticas e sociopolí-
ticas da humanidade~ Mais ainda, alguns lhe atribuem um 
papel no estabelecimento das desigualdades mundiais.** 
É por isso que, hoje, muitos, ao mesmo tempo que reco-
nhecem a eficácia e a performance da ciência e da técnica, 
recusam-se a reduzir a elas a sua visão do mundo." 
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à fi losofia 
e à ética das ciências. São Paulo: Unesp, 1995. p. 163-165. 
' REEVES, H. L'heure de s 'enivrer : l'univers a-t-il un sens? Paris: Seuil , 1986 . 
.. MORAZE, Ch. (et ai.) La science et les facteurs de l 'inégalité. Paris: Unesco, 1979. 
m Quais são os dois resultados do progresso, segundo a análise de Fourez? 
1!1 No século XVII, o filósofo Francis Bacon antevia que a ciência nos faria 
"mestres e senhores" da natureza: delineava-se aí o "ideal baconiano". 
Como Fourez se posiciona a respeito? 
lEI Faça uma reflexão pessoal sobre a última frase do texto. 
290 Unidade 6 ·Filosofia das ciências

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