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Carta de Paulo Freire ao teólogo Pe Rogério Ignácio de Almeida Cunha

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1 
 
Carta de Paulo Freire ao teólogo Pe. Rogério Ignácio de Almeida 
Cunha1. 
 
Cambridge, outubro 01 de 1969. 
 
Meu caro Rogério, 
 
Recebi sua carta, precedida de outra de meu querido amigo 
Fiori, a propósito de sua intenção de estudar o esforço que venho 
fazendo no sentido de uma educação para a liberdade. 
Confesso que sua determinação de fazer um tal estudo faz 
crescer em mim a responsabilidade no cumprimento do que sempre, 
humildemente, considerei uma tarefa a realizar. E é com o espírito de 
tarefeiro que me disponho a oferecer-lhe todos os dados necessários 
a seu trabalho, tal qual venho fazendo com uma jovem italiana e um 
professor assistente de Boston University, ambos escrevendo, 
também sobre o mesmo tema, ainda que sob ângulos distintos dos 
seus. 
Concordo com você em suas observações em torno da 
“alienação imensa, profundíssima a que os sacerdotes são sujeitos 
durante os anos de sua formação [talvez fosse melhor dizer de sua 
deformação] no seminário.” Já é tempo, realmente, de mudar. 
Se é verdade que os seminários, enquanto instituição, não 
podem ser vistos ou compreendidos fora da estrutura da sociedade 
em que estão, o que vale dizer que sua transformação implica na 
 
1 Pe. Rogério Ignácio de Almeida Cunha foi padre salesiano, vinculado a Inspetoria São João 
Bosco, que tem sua sede administrativa localizada em Belo Horizonte – MG. O Pe. Rogério se 
licenciou em Letras e Filosofia. Ele fez o Doutorado em Teologia na Universidade de Münster. 
Depois atuou como assessor da Pastoral Operária em Belo Horizonte, colaborou com a rede de 
estudos bíblicos denominada CEBI – Centro de Estudos Bíblicos, na qual se desenvolvia a 
“leitura popular da Bíblia”. O Pe. Rogério faleceu no dia 17 de fevereiro de 2011 em Belo 
Horizonte. 
2 
 
radical modificação da estrutura, é possível, porém, antes mesmo 
que esta se verifique, tentar que eles se façam uma das vozes de tal 
modificação.2 
Daí que, já de agora, devam constituir-se em centros utópicos, 
tomando UTOPIA no sentido em que a discuto num ensaio que acabo 
de escrever “CULTURAL ACTION AND CONSCIENTIZATION”. Isto 
é, como a indissolúvel unidade entre denúncia e anúncio. Denúncia 
das estruturas desumanizantes e anúncio, que não podem ser feitos 
fora do engajamento – de estruturas em que os homens possam SER 
MAIS, possam amar, sorrir, cantar, criar, recriar. Somente assim 
poderão os seminários ser proféticos e falar autenticamente de 
esperança. 
Se é verdade que para os cristãos nos basta, como fundamento 
de nossa esperança, a convicção de que Deus não mente, verdade 
também é que esta convicção não pode justificar nossa inação; 
nossa neutalidade – que é conivência – em face de uma realidade 
em que os homens estão sendo proibidos de ser. Não há esperança 
na passividade, na acomodação, no ajustamento, mas na 
dialeticidade, inquietação e paz, que caracteriza o ato crítico do 
permanente buscar. Por isto é que minha espera só é válida, se 
busco e luto com esperança. 
Uma teologia em que a esperança fosse a espera sem busca 
seria profundamente alienante, porque estaria tendo no homem um 
demitido de sua práxis no mundo. 
No fundo, esta seria uma teologia que, associando esperança 
com passividade, estaria negando o homem como ser da 
 
2 Deixo de referir-me, pelo menos hoje, a como vejo a transformação do próprio seminário, em 
função das experiências de uma fase da história eminentemente secularizada e à qual a estrutura 
hierárquica da Igreja, retrogradamente medieval, não pode responder. Estou convencido, com 
IVAN ILICH, de que o Sacerdócio, como vem sendo assumido, tende a desaparecer, cedendo 
seu lugar a uma outra forma de expressão inserida nas novas condições históricas que vivemos. 
3 
 
transformação e, ainda, negando a própria salvação como busca na 
comunhão. O homem seria um puro espectador, um paciente 
“esperador” de sua salvação, não um “trabalhador” dela. A salvação 
deve ser trabalhada para que possa ser esperada. Somente na 
medida em que busco com esperança, tenho o direito de esperar. 
Esta esperança, de caráter fatalista, que nos leva à espera inativa e, 
por isto mesmo falsa, que nos leva a acomodação, ao “status quo”, 
envolve um equívoco fatal a dicotomia absurda entre mundanidade e 
transcendentalidade. Nada faço no mundo senão esperar pelo que 
há mais além dele, que é puro, justo e bom. Desta forma, compactuo 
a injustiça, com o desamor, com a exploração dos homens no mundo 
e nego o próprio ato de amor com que Deus, Absoluto, se limita a Si 
mesmo [e somente Ele pderia limitar a SI PRÓPRIO] ao ter nos 
homens, embora finitos, inconclusos, inacabados, seres da decisão, 
copartícipes de sua obra criadora. 
... nor is it fasfeched to say that artistic production of 
man, or even ordinary work, is a kind of nalogous 
participation in the cretive activity of God Hilself”,3 
 
Não posso aceitar nenhum imobilismo, que destroe o profundo 
sentido utópico e profético da mensagem cristã, mensagem que nos 
sela como seres viáticos, opostos que devemos ser à estabilidade, à 
parada, que Cristo denunciou quando, depois de um descanso com 
Seus apóstolos, num lugar gostoso e manso, um deles, mais ou 
menos Lhe disse: Porque partir Mestre, se aqui estamos tão bem 
Convosco em paz? E Ele: Havemos de partir, de marchar, de falar 
aos homens! 
 
3 ... nem é fácil dizer que a produção artística do homem, ou mesmo a obra comum, é uma 
espécie de participação análoga na atividade criativa do próprio Deus ”. Kreyche, Robert Y. – 
“God and Reality – an introduction to the philosophy of God”. Holt, Riencharte and Winsten – 
New York – Chicago – 1965 – pág.: 97. 
 
4 
 
Fora desta unidade denúncia-anúncio, que são ação e reflexão 
constantes, não há esperança e me parece que perdemos o nosso 
endereço enquanto homens no mundo, com o mundo e com os 
homens. 
Talvez nunca, tanto quanto hoje, precisamos tanto de um 
rejuvenescimento teológico. Algo, porém, que aproveitando o 
balanço da chamada Teologia Radical da MORTE de DEUS, 
provocou na teologia medievalizada, vá mais além dela. Faça o que 
parece que ela não foi ou não está sendo capaz de fazer. 
Às vezes, embora não seja teólogo mas um “enfeitiçado” pela 
teologia, que, em muitos aspectos, marca o que penso vir sendo 
minha pedagogia, tenho a impressão de que o TERCEIRO MUNDO4, 
por sua natureza utópica e profética de mundo emergindo pode 
converter-se numa fonte inspiradora deste ressurgir teológico. É que 
as metrópoles dominadoras estão proibidas, por sua natureza de 
sociedades para as quais o futuro é a manutenção de seu presente 
de metrópoles, de ser utópicas. Estão proibidas de ser esperançosas, 
estão ameaçadas pelo “stablishments” que temem todo futuro que as 
negue. Sua tendência é condicionar filosofias e teologias 
pessimistas, negadoras do homem como ser da transformação. Por 
isto é que, para pensar – e há os que pensam – fora deste esquema, 
nas metrópoles, é necessário primeiro, “fazer-se” homem do 
TERCEIRO MUNDO. 
Esta, me parece, devia ser a tarefa básica, “the primary 
concern” dos teólogos do Terceiro Mundo. “Banhar-se” de Terceiro 
Mundo, para que, utópicos, proféticos, esperançosos, possam ser 
 
4 Quando falo em TERCEIRO MUNDO em emergência e registro sua natureza utópica, obviamente não 
me estou referindo a suas elites do Poder, mas a suas massas populares, oprimidas e a um cada vez mais 
número de intelectuais engajados na luta pela libertação. 
5 
 
homens do Mundo. Mas, ser homem do Terceiro Mundo é renunciar 
às estruturas de poder, aos “establishments” que, neste mundo, 
representam o mundo da dominação. É estar com os oprimidos, com 
os “condenados da terra”, numa postura de autêntico amor, que não 
é a da conciliação impossível entre quem oprime, esmaga, explora e 
mata e quem é oprimido, esmagado, explorado e prestes a ser morto. 
É tempo já de os cristãos distinguirem esta coisa tão óbvia: 
Amor,de suas formas patológicas: sadismo, de um lado, 
masoquismo, de outro, ou ambos simultaneamente. E contrário deste 
amor não é, como às vezes ou quase sempre se pensa, o ódio, mas 
o medo de amar e o medo de amar é o medo de ser livre. A maior, a 
única prova de amor verdadeiro que os oprimidos podem dar aos 
opressores seus é retirar-lhes, radicalmente, as condições objetivas 
que lhe dão o poder de oprimir e não, acomodar-se 
mazoquistamente, à opressão. Somente assim os que oprimem 
podem humanizar-se. E esta tarefa amorosa, que é política, 
revolucionária, pertence aos oprimidos. Os opressores, enquanto 
classe que oprime, jamais libertam como jamais se libertam5. Só a 
debilidade dos oprimidos é suficientemente forte para fazê-lo. 
Uma corajosa teologia da Revolução tem de fazer esta 
distinção e tem de ir mais longe que Tomaz no reconhecimento ao 
direito de rebelião. Como uma teologia da violência deve 
desmascarar uma série de mitos, entre os quais o de que só o 
oprimido é violento, quando se defende, afinal, da violência do 
opressor. Para mim, violento é o ato com que um ou alguns homens 
proíbem outros ou outra classe de SER. Ai está o desamor. Pelo 
contrário, amoroso é o ato com que se busca anular esta probição. A 
 
5 Desenvolvo esta tese amplamente num dos meus últimos livros PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, que está 
sendo traduzido no momento para o Inglês e o Castelhano. 
6 
 
violência dos oprimidos, por isto mesmo, não é violência, mas 
resposta legítima, é afirmação do ser que já não tem a liberdade e 
que sabe que esta não é um presente mas uma conquista. 
Não poderia haver respondido à sua carta burocraticamente, 
Sim, talvez, parece, é possível. Não escrevo burocraticamente a 
ninguém. Daí que me tenha estendido tanto, antes de lhe apresentar 
algumas indiações que me parecem úteis com relação ao núcleo 
central de sua carta. 
a) Repito: pode contar comigo fraternalmente. Tantas vezes 
quantas lhe seja necessárias, pode escrever-me e eu 
responderei. 
b) Fontes de referências: 
1) “Educação com prática da Liberdade” 
Indispensável a leitura penetrante da introdução de Francisco 
Weffort. 
Além da edição brasileira, há uma chilena e uma síntese 
publicada em Paris – 69 – cuja fonte lamentavelmente não lhe 
posso dar pois jamais me mandaram sequer uma cópia. Sei, 
porém, que tal síntese foi editada por uma revista dirigida pelo 
professor de roche. 
2) “Introducción a la Acción Cultural” 
Segundo informação que tive, sairá este mês no Chile. Você 
poderia pedir que o Fiori lhe remetesse um exemplar. 
3) “Pedagogy of the opressed” 
Está sendo feita a tradução para o inglês. Recebi, há dois 
dias, carta de um editor alemão, tratando da possibilidade de 
uma edição aí. Como, porém, em sua carta ele fala de “Bíblia 
do Oprimido”, preferi escrever dizendo-lhe que é Pedagogia e 
não Bíblia do Oprimido e que, no caso de continuar o 
7 
 
interesse, lhe escreveria dando-lhe um resumo do texto. 
Gosto de “jogar” muito claramente. As posições que defendo 
no livro, se bem que para mim sejam cristãs, são realmente, 
duramente recolucionárias. 
4) “Cultural Action and Conscientization”. 
Este ensaio tem duas partes. A primeira com quatro pequenos 
capítulos escrevi aqui. Mesmo que trate temática já discutida 
em outros trabalhos, faço algumas análises novas. A segunda 
parte é um ensaio pequeno que se encontra incluido na 
“Introducción a la Acción Cultural”. Estão sendo traduzidas 
estas partes que compõem o todo do ensaio. Vou tentar 
gravar a primeira parte e remeter-lhe. 
5) Relatório em torno de minhas atividades em 68, no Chile, 
enviado a UNESCO, pelo fato de ter sido seu “expert” junto ao 
Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária. 
Este relatório, de que não tenho cópia em castelhano, foi 
agora traduzido para o inglês. Remeterei cópia a você. 
6) No número Mars-Avril de “Terre entière” – Paris, você 
encontrará uma análise crítica excelente de meu trabalho. 
7) É importante a leitura do livro do prof. brasileiro Cândido 
Mendes. Memento dos Vivos – um estudo sobre a esquerda 
católica brasileira. Tempo Brasileiro Rio – 1967. Sua análise 
sobre a conscientização é muito bem feita. 
8) Prefácio da edição americana de Pedagogy of the 
opressed, escrito por um dos bons teólogos norte-americanos 
do Princeton Theological Seminary, Dr. Richard Shull. 
Remeterei cópia a você. 
8 
 
9) Prefácio de Ernani Fiori à edição castelhana deste 
mesmo livro. Peça diretamente a ele no Chile, onde foi 
publicado em separata. Aqui não tenho. 
10) Remeterei cópia de outro estudo feito, em inglês, por um 
jovem teólogo em Genebra. 
11) “The Church and Constientização”, 
Henrique Vaz S.J. Mandarei cópia. 
No momento, estou em Harvard University, no Center For 
Studies iin Education and Development como visiting Professor, 
orientando um seminário sobre Adult Education as Cultural Action. 
Em fevereiro, depois da Conferência anual de Catholic InterAmerican 
Cooperation Program, em Whashington, seguirei para Genebra, 
onde permanecerei por três anos no Staff de Educação do WORLD 
COUNCIL OF CHURCHES. 
Um fraternal abraço para você e para o Pe. Hugo Assmann. 
 
(ass.) Paulo Freire. 
 
P.S. Somente hoje, 5, me foi possível terminar esta carta, 
devido a um compromisso que tive com a Universidade de Columbia, 
New York, onde falei sexta-feira passada sobre a Pedagogia do 
Oprimido. Em certo sentido foi bom porque assim já lhe posso estar 
remetendo um dos trabalhos prometidos. O estudo do Prof. Sanders. 
(ass.) PF

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