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A FLEXIBILIZAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO HUMOR EM FACE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA LA FLEXIBILIZACIÓN DE LA LIBERTAD DE EXPRESIÓN EN HUMOR FRENTE A LA DIGNIDAD DE LA PERSONA HUMANA ADRIANO DA SILVA MARIANO1 RESUMO O artigo presente aborda a flexibilização do direito de livre manifestação artística, com foco no humor, em face aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, especificamente a honra e a imagem, explanando também reflexão acerca do tema com o embate religioso. Para que isto seja possível, será analisado historicamente a evolução da liberdade de expressão, sua trajetória até a atual Constituição de 1988 e como a liberdade de expressão é tratada neste novo cenário. Neste mesmo foco, será destrinchado quais são as condutas não protegidas pelo Código. Por seguinte, um breve estudo sobre a ADI 4451 que dará margem para tratar do conflito religioso como humor, onde será feita uma reflexão e as possíveis óticas de visualização deste conflito. Por fim, estaremos no âmbito do princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade, adentrando nas colisões de direitos fundamentais e a solução dada pelo ordenamento nestas situações, com base no estudo de Robert Alexy e a regra da proporcionalidade, encerrando com análises de casos onde entram a colisão entre liberdade artística e o princípio da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Flexibilização. Manifestação artística. Dignidade da pessoa humana. Humor. Proporcionalidade. RESUMEN El presente artículo aborda la flexibilidad del derecho a la libre expresión artística, con un enfoque en el humor, frente a los principios constitucionales de la dignidad de la persona humana y los derechos de la personalidad, específicamente el honor y la imagen, y también explica la reflexión sobre el tema con el choque religioso. Para que esto sea posible, se analizará históricamente la evolución de la libertad de expresión, su trayectoria hasta la Constitución actual de 1988 y cómo se trata la libertad de expresión en este nuevo escenario. En este mismo enfoque, se identificarán las conductas no 1 Adriano da Silva Mariano. Discente do Curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). E-mail: adr-adriano@live.com @; Orientador/a: Martsung Formiga Cavalcante R. de Alencar. E-mail: alencaradvocacia@gmail.com 2 protegidas por el Código. Luego, un breve estudio sobre ADI 4451 que dará margen para tratar el conflicto religioso como humor, donde se hará una reflexión y la posible óptica de visualizar este conflicto. Finalmente, estaremos dentro del alcance del principio de dignidad humana y derechos de personalidad, entrando en colisiones de derechos fundamentales y la solución dada por el ordenamiento en estas situaciones, basado en el estudio de Robert Alexy y la regla de proporcionalidad, terminando con análisis de casos donde entra la colisión entre la libertad artística y el principio de la dignidad humana. Palabras clave: Flexibilización Expresión artística. Dignidad de la persona humana. Humor. Proporcionalidad. INTRODUÇÃO Expressar-se de forma livre, de acordo a defender suas ideias políticas, seus próprios pensamentos a respeito de determinado assunto, criações musicais e literárias, notícias ou informações, podendo manifestar-se publicamente, sem a censura do governo ou possíveis retaliações de demais membros da sociedade é um reflexo de uma sociedade avançada e intectualmente madura. A liberdade de expressão se configura como um dos direitos mais fortes garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, logicamente assegurado constitucionalmente no seu art. 5º e posteriormente no art. 220, manifestando claramente o interesse do constituinte averiguar leis que protejam e possibilitem o debate livre de opiniões, sem que haja censura prévia acerca do tema debatido. A liberdade artística é responsável por liberar toda criatividade humana, incorre neste mesmo seguimento as produções artísticas humorísticas, que tem um espaço muito expressivo no mundo atual e a cada dia em constante expansão e conceito, visualizando que o humor é muito comum e está presente em muitas cearas da sociedade, tanto na vida pública quanto a pessoal de casa membro. Via de regra, com tamanha grandeza e expressão, não seria distante pensar que poderia se apresentar polêmicas e debates acerca de tal assunto, gerando uma profunda reflexão em qualquer entidade da sociedade, refiro-me a órgãos jurídicos, entidades religiosas, operadores de direito, com o intuito de debater a doutrina e os costumes da sociedade e chegar uma conclusão do que é considerado razoável. Através deste artigo, pretendo especificamente tratar da temática voltada para as manifestações humorísticas, com o intuito de analisar a limitação de tal em confronto com o princípio da dignidade da pessoa humana, visar os institutos legais da imagem e honra e buscar resposta para a indagação: É possível que haja uma limitação no direito fundamental da liberdade de expressão assegurado na constituição em sua face humorística, sem que haja uma censura negativa, para assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana? Dessa forma, para construção deste Artigo Científico, utilizarei o método dedutivo e a técnica de pesquisa indireta, será analisado as doutrinas, jurisprudências, legislação acerca do assunto, para que se verifique as devidas 3 soluções acerca dos conflitos de direitos fundamentais e a flexibilização do direito de manifestação humorística. No primeiro capitulo se busca tratar acerca da evolução histórica do direito de expressão nas constituições, permeando toda a época e como de forma crescente foram acontecendo as modificações, até chegar presente Constituição Brasileira, de forma que será mostrado todo tratamento dado ao tema, e encerrando com a informação de quais comportamentos não são protegidos pela constituição. No capitulo segundo será analisado uma importante ADI, que trata de uma modificação feita em um artigo específico do humor nas eleições, detalhando a opinião dos magistrados sobre o procedimento até a sua decisão e fazendo ponte para uma reflexão acerca da liberdade do humor ante a religião. Propondo balancear as várias visões acerca do assunto para que se chegue a uma conclusão moral acerca do caso exposto. Por seguinte, no terceiro capitulo será mostrado o elo entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, traçando toda a sua importância e características pessoais. Informando as suas diferenças, especificamente entre a imagem e a honra, seu amparo jurídico e como ocorre o suporte dado entre ambos de forma a se completarem e se interligarem. Por fim, o quarto capítulo tratará de forma detalhada como ocorre a solução para as colisões de princípios. Para isso, será conceituado as regras e princípios e como se diferencia o tratamento de ambas, mostrando que há diferenciação na sua solução. Dessa forma, entraremos na técnica usada para colisões e se encerra mostrando casos práticos de possíveis limitações do direito de expressão frente o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO 2.1 A TRAJETÓRIA DO DIREITO DE EXPRESSÃO ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988 É notório verificar que a constituição trata a liberdade de expressão como direito fundamental, e garante seu livre exercício sem qualquer tipo de censura. Mas para que isso seja verificado, é necessário que se faça uma análise das modificações que ocorreram ao longo do tempo para que cheguemos ao panorama atual do tema então proposto. No momento quando ainda se era colônia de Portugal, a liberdade de expressão era vista como liberdade de imprensa, sofrera restrições por parte do governo português, sendo vedado produções de conteúdo. Segundo Corrêa (2001, p.17), no ano de 1808, a família imperial trouxe importantes mudanças para a colônia, porém sua chegada foi marcada pela total proibição da imprensa. Embora que, no mesmo ano surgiu a primeira mídia impressa que marcou a história nacional, denominada “Gazeta do Rio de janeiro”, onde mesmo estando sujeita a diversas limitações, havendo publicações apenas que passassem pelo crivo da censura prévia. 4 Os primeiros passos da liberdade de expressão vieram através da Constituição Política da monarquia Portuguesa de 18222, que em seu art. 7º estabelecia que: A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do Homem. Todo o Português pode conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar as suas opiniões em qualquer matéria (...). Após a independência, a Constituição política do Império do Brasil, de 18243, no art. 179, manteve a liberdade de imprensa, mantendo a mesma linha de pensamento, mas incluindo que deveriam responder pelos abusos cometidos no exercício do direito. Para que essa norma estivesse em prática, foi promulgada uma lei em 1830, que tinha o intuito de responsabilizar os abusos cometidos pelo exercício do direito de imprensa. Podemos até ressaltar que as “Calumnias, injurias, e zombarias” contra o império e contra Deus eram punidos.4 Nas décadas seguintes, foram criadas leis cujo foco era os crimes cometidos pela liberdade de imprensa, além de incluir no ordenamento brasileiro o direito de resposta. Assim se referia o conteúdo da Carta constitucional de 19345, no art. 113: [...] 9) Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social. Após esse período, debaixo de um governo autoritário, sob direção de Getúlio Vargas, alegando luta contra o perigo comunista, foi criado o DIP (Departamento de Imprensa), que foi o responsável pela censura. Diante desse quadro, a Constituição de 19376 citava: [...] com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do 2 PORTUGAL. Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822. Disponível em < https://www.parlamento.pt/Parlamento/Documents/CRP-1822.pdf>. Acesso em 08 de Abril de 2020. 3 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em 08 de Abril de 2020. 4 BRASIL. Lei de 20 de setembro de 1830. Disponível em < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37987-20-setembro-1830-565654- publicacaooriginal-89402-pl.html>. Acesso em 08/04/2020 5 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 16 de julho de 1934. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em 08 de Abril de 2020. 6 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 11 de novembro de 1937. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em 08 de Abril de 2020. 5 cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; E houve continuação da repressão, onde por lei especial não era permitido ao jornal recusar-se a fazer comunicações do governo, proibindo o anonimato e tendo como punições a prisão e perda dos bens a quem ultrapassasse o limite definido pelo governo. 2.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO O Brasil já estava numa ótica diferenciada e renovada, devido ao período vivido pelo país, verificando-se uma proteção maior a liberdade de expressão. Neste contexto, o art. 5º, inc. IX, título II, da Constituição Federal, coloca a liberdade de expressão juntamente com os outros direitos e garantias fundamentais, assegurando que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. (BRASIL, 1988) De forma bem mais específica, a Constituição tratou nos seus arts. 220 e 221 sobre a comunicação social, instruindo que os tipos de manifestação não poderão sofrer restrição, sendo vedado qualquer censura e nenhuma lei pode constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística. Abrangendo a competência da lei federal em regular os espetáculos públicos e defender a família das atrações que possam ser nocivos a saúde. No artigo 221 tratou-se dos princípios a serem seguidos pelas emissoras de rádio e televisão. Mendes, Coelho e Branco ressaltam que “a liberdade de expressão é um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens de todos os tempos” 7 2.3 COMPORTAMENTOS NÃO PROTEGIDOS PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO Não se poderia deixar de comentar acerca das condutas que não são tuteladas por esse direito, por extravasarem do conceito de liberdade excessiva. Mesmo não citadas na constituição de maneira análoga podemos verificar que se enquadra no mesmo eixo da discussão. Estão elas elencadas no Código Penal (Lei 2848/40)8 na Parte Especial, capítulo V, título I, sobre os crimes contra a honra, também aquele disposto no art. 147 do mesmo Código, de maneira resumida podemos citá-las como: Calúnia (Art. 138), Difamação (Art. 139), Injúria (Art. 140), Ameaça (Art. 147). O posicionamento contrário a essas condutas se deve pelo fato de que foge a ideia do foco principal por trás da liberdade de expressão. Em resumo, o intuito de manchar a honra de outrem não é bem tutelado pela constituição, por se tratar de bem juridicamente protegido, cuja a afronta decorre em injúria. 7 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO Paulo Gustavo Gonet; Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atua. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 402 8 BRASIL. Código Penal de 7 de dezembro de 1940. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> em Acesso em 09 de Abril de 2020. 6 Nesta mesma visão, a produção humorística sobre qualquer meio de utilização, está protegido no âmbito intelectual e artístico. Dessa forma é ilícito se o artista incorrer nos tipos penais acima citados, não podendo alegar que determinado pronunciamento se travava de “apenas uma piada, uma brincadeira” ou “faz parte do entretenimento”, pois o mesmo sofrerá as consequências. Em Minas gerais, na cidade de Ibirité, um homem de 24 anos foi preso em flagrante após anunciar em um site de vendas (OLX) um bebê recém- nascido (a exposição continha fotos do bebê). Ao ser questionado alegou para as autoridades policiais que tudo era apenas uma “brincadeira”. “Todavia, admitindo que tenha sido brincadeira, ainda assim esse ato está consubstanciado no Estatuto da Criança e do Adolescente, na parte da previsão de crimes, nos artigos 232 e 238: expor uma criança a constrangimento, a uma situação vexatória [referindo-se ao artigo 232, cuja pena varia de seis meses a dois anos de detenção]. E o artigo 238, que traz uma pena de reclusão de mais de quatro anos, tem a ver com ofertar menor, que está sob sua guarda, mediante paga ou recompensa”, afirmou a delegada.9 Pelo fato da ofensa à dignidade da criança envolvida, não poderia haver outro desfecho senão a punição devida pelo ato cometido. 3. AÇÃO DIRETA DE INSCONSTITUCIONALIDADE 4451 (A ADI DO HUMOR) Não há como prosseguir no assunto sem citar a devida Ação Direita de Inconstitucionalidade 445110 proposta pela Associação Brasileirade Emissoras de Rádio e Televisão, cujo objetivo era impugnação dos incisos II e III do art. 45 da Lei 9.504/1997 que vedavam sátiras contra candidatos. Como visto o STF declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos. Ao dar seu voto o relator Carlos Ayres de Brito declarou que “O que era livre se tornou pleno”. Para o ministro, a norma questionada censura o humor. "Tanto programas de humor, como o humor em qualquer programa, ainda que não seja programa específico de humor, mesmo em noticiários", afirmou o ministro.11 Segundo Dias Toffoli, “não caber ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas”. 9 BRAGON, Rayder; Homem é preso em MG após ‘brincar’ de colocar bebê ‘a venda’ na internet’, UOL. Belo Horizonte, 29 de março de 2016. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas- noticias/2016/03/29/homem-e-preso-em-mg-apos-brincar-de-colocar-bebe-a-venda-na-internet.htm>. Acesso em 09 de Abril de 2020 10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação direta de inconstitucionalidade 4451/DF. Relator: ZAVASKI, Teori. Publicado no DJ de 02 de setembro de 2010. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/VOTOHUMORISTASX.pdf> . Acesso em 9 de Abril de 2020. 11 STF confirma suspensão de dispositivos da Lei Eleitoral sobre o humor; Notícias STF. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=160528>. Acesso em 14 de abril de 2020. 7 As ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie e os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso acompanharam o voto do relator. O ministro ainda informa que a lei 12.034 de 200912 trouxe mudanças a lei eleitoral, pois a mesma conceitua “trucagem e montagem”. Ela acaba trazendo mudanças no conteúdo da lei de 1997 e arguição de descumprimento de Preceito Fundamental n.º 130, que decide em não dar recepção a Lei 5.250 (Lei de Imprensa) pela CF de 1998. Essas novidades deram ensejo a urgência em suspender a eficácia da lei citada. Em resumo, o Supremo Tribunal Federal optou por permitir, a manifestação dos discursos humorísticos através de charges, ideias, verificando uma certa tendência de conferir uma tutela privilegiada para as liberdades de expressão e manifestação. 3.1 A QUESTÃO DA EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE SOBRE HUMOR E A RELIGIÃO Uma sátira com conteúdo provocativo pode ser capaz de provocar uma discussão poderosa em mídias sociais e gerar grandes repercussões, o que nem sempre é negativo, mas deve se dar de forma razoável e respeitosa. Em certos momentos, parece necessário colocar alguns limites ao discurso humorístico. Neste tópico vamos tratar de valores íntimos, de lógica, de reflexão, não apenas de aplicação de norma em seu sentido estrito. Levando uma reflexão acerca de pensamentos vão além do que está escrito de forma enfática no Código Brasileiro, sem o objetivo de defender a religião como objeto da sociedade, mas a forma como lidam com ela. Em 7 de janeiro de 2015, a redação do jornal satírico francês, Charlie Hebdo sofreu um atentado terrorista, que seria uma resposta a caricaturas de Maomé que foram consideradas desrespeitosas pela comunidade mulçumana. Uma cartunista foi obrigada a deixar os atiradores entrarem e os mesmos foram específicos ao perguntar os nomes das pessoas responsáveis antes de matá-las. Os autores do ataque portavam rifles e gritavam: “Vingamos o profeta”. O resultado do atentado foi a morte de 12 pessoas e 11 feridas.13 No dia 24 de dezembro de 2019, a produtora responsável pela criação do programa humorístico Porta dos Fundos foi alvo de ataque, no Humaitá, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Dois coquetéis molotov foram jogados na fachada do imóvel, causando danos no quintal e na recepção do estabelecimento. O incidente foi feito após a produtora ter reproduzido um especial de natal retratando Jesus tendo experiências homossexuais após passar 40 dias no deserto.14 12 BRASIL. Lei 12.034 de 29 de setembro de 2009. Lei da Minirreforma Eleitoral. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12034.htm>. Acesso em 14 de abril de 2020. 13 DO G1. Ataque em sede do jornal Charlie Hebdo em Paris deixa mortos. G1. São Paulo, 7 de janeiro de 2015. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/01/tiroteio-deixa-vitimas-em-paris.html>. Acesso em 14 de abril de 2020 14 GUIMARÃES, Arthur; MARTINS, Marco Antônio. Produtora do Porta dos Fundos é alvo de ataque no Rio. G1 e TV GLOBO. Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 2019. Disponível em < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/12/24/produtora-do-porta-dos-fundos-e-alvo-de- ataque-no-rio.ghtml>. Acesso em 23 de Abril de 2020 8 A religião nos últimos tempos pôs em evidência a discursão sobre liberdade de expressão. A liberdade religiosa está prevista no seu art. 5º, inc. VI, proporcionando o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto.15 A religião é um dos pilares mais importantes para a população brasileira, se verificado com os dados coletos pelo IBGE em 2010, 86,8% da população se declara cristã entre católicos e evangélicos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. 2010. Gráfico 37). Na mesma direção incorre o Brasil como o segundo país com maior número de cristãos em escala mundial. Com o fim de deixar a reflexão completa, vamos ao desfecho da situação Porta dos Fundos: a Associação Católica Centro do Bom de Fé arguiu ação contra a produtora solicitando a suspensão do especial de natal, não sendo acatado em primeira instância, em alegação a juíza Adriana Jara Moura, da 16ª Vara Cível, afirmou que o filme não viola o direito da liberdade de crença de forma a justificar a censura pretendida. Na segunda instância foi acatada em decisão liminar, pelo desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, visando acalmar os ânimos e afirmando que a suspensão é mais adequada e benéfica para a sociedade brasileira, de maioria cristã. Já no STF o ministro Dias Toffoli, concedeu liminar autorizando a exibição do "Especial de Natal Porta dos Fundos” em suas alegações afirma que uma sátira humorística não tenha o condão de abalar valores da fé cristã. O homem, por questões de conveniência e oportunidade busca conviver em coletivo, mas para que esta convivência seja pacifica, benéfica e produtiva torna-se necessário o estabelecimento de regras e padrões de conduta. Desde os tempos mais remotos, o direito já existia de forma natural. Com essa informação verifica-se que as leis tem o propósito principal de pôr ordem ou quando necessário impor limites. Quando há conflitos e lesões, elas são suscitadas para que naquela desordem haja harmonia novamente. A lei precisa e deve acompanhar os passos da evolução da sociedade no que tange a qualquer assunto específico. É necessário que ela vise o futuro, mas acompanhe o presente. O mundo moderno sem sombra de dúvidas é mais evoluído e aberto ao novo, mas existem conceitos antigos enraizados que necessitam de uma delicadeza ao se tratar do mesmo. Para fortalecer esse pensamento, podemos relembrar os anos 80, quando o grupo Os Trapalhões estava em evidência, os mais comuns tipos de trocadilhos eram acerca da etnia do personagem identificado como Mussum, um personagem negro. As falas do grupo nesta década eram tidas como inocentes, sem cunho ofensivo. A barreira piada/etnia foi erguida por causa da mudança psicossocial da sociedade. Foi citado dois acontecimentos que teve como consequência o extremo, mas existem inúmeros exemplos no mundo que poderíamos usar para dar força e sustentar que a religião (de forma geral) necessita de um suporte 15 Art. 5º Todos são iguais perantea lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; 9 jurídico acerca da liberdade de expressão, há consequências severas, nos casos citados, morte e vandalismo. Analisando as duas decisões, o juiz de segunda instância, por sua fala, pensou em apaziguar a desordem que foi causada com a publicação, assim, cumpriu o objetivo natural da criação da lei, gerar equilíbrio e cessar o caos. O da terceira instância, pensou na censura da liberdade de expressão, assim, cumpriu o objetivo da proteção da lei nua e crua. Proponho colocar em uma balança o propósito da criação da lei nos casos citados. Seria sensato escolher decidir e abolir a gigante movimentação negativa e violenta da sociedade ou manter o pretexto da lei e gerar caos? É necessário retirar o véu da religiosidade e da firmeza das interpretações das leis e se observar os fatos (dois deles foram descritos) para se ter resposta. A liberdade de expressão sendo um princípio fundamental para a democracia, precisa estar harmonizada com os outros princípios da mesma grandeza. Não se pode silenciá-la para que evite seus discursos relevantes, porém não se pode admitir o exagero do seu uso para proferir discurso ferindo um sentimento profundo da comunidade gerando poucos risos e muito caos. 4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS DA PERSONALIDADE Atualmente com o princípio da dignidade da pessoa humana tendo relevância constitucional e sendo considerado direito fundamental, acaba englobando os direitos da personalidade. Dentro das garantias fundamentais está o direito a indenização por dano material, moral ou à imagem, uma proteção constitucional aos direitos da personalidade patrimoniais e extrapatrimoniais. Esta cláusula geral de tutela da personalidade decorre diretamente do princípio de respeito à dignidade humana. Sendo esse o elo que os vincula. Podemos resumir o avanço dos direitos da personalidade com as palavras de Maria Helena Diniz onde afirma que: “após a Segunda Guerra Mundial, diante das agressões causadas pelos governos totalitários à dignidade humana, tomou-se consciência da importância dos direitos da personalidade para o mundo jurídico, resguardando-os na Assembléia Geral da ONU de 1948, na Convenção Européia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas (Diniz, Maria Helena. Curso..., vol I, p. 118). Foi a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos que os direitos da personalidade tiveram evidência. Ainda com a palavra de Maria Helena Diniz, se conceitua direitos da personalidade como: “São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física; a sua integridade intelectual (liberdade de pensamentos, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social)”.16 16 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do Direito Civil. 24. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p. 142. 10 Adriano Cubis relata acerca da importância que os direitos de personalidade representam. Nas próprias palavras do autor, “existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo, o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal’’.17 Acera da dignidade da pessoa humana Mendes, Coelho e Branco, dizem que deve ser entendida como princípio sob uma concepção metafísica que encara o ser humano como ser inserido no todo da existência humana, dotado de singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência, abandonando-se qualquer caráter de ser humano apenas como “peça de um gigantesco mecanismo”.18 Dessa forma, o direito geral de personalidade encontra, no direito brasileiro, reconhecimento no princípio da dignidade da pessoa humana encontrado no art. 1º, III da Constituição Federal e com mais especificidade, no art. 12 do Código Civil que traça uma tutela geral aos direitos de personalidade e também encontra amparo de forma mais específica (no que concerne a honra) no Código Penal, outro já citado anteriormente. Podemos concluir que a dignidade da pessoa humana é a base do ordenamento e assumindo contornos diversos para garantir a efetivação dos direitos fundamentais. E para garantir a veracidade dessa informação o enunciado n. 274 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal informa: 274 – Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). 4.1 HONRA E IMAGEM A honra é um dos mais significativos direitos da personalidade. Presente desde o nascimento do indivíduo, até depois de sua morte, levada muito em consideração, pois até a ofensa a honra dos mortos pode atingir seus familiares. Ela é dividida entre os aspectos objetivos e subjetivos. O primeiro é referente a reputação da pessoa, o bom nome e a fama que representa na sociedade, a ideia de que a sociedade tem daquela pessoa. O segundo é referente ao sentimento íntimo de estima ou consciência da própria dignidade, ou seja, o que a pessoa pensa de si mesma. A honra é compreendida pelas qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação e a dignidade. Consiste então no direito de não ser ultrajado, injuriado, molestado ou lesado na sua dignidade ou consideração social. Adriano de Cupis relata que “a pessoa tem o direito de preservar a própria dignidade, mesmo fictícia, até 17 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Morais, 1961 p. 17-18. 18 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO Paulo Gustavo Gonet; Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atua. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 172. 11 contra ataques da verdade, pois aquilo que é contrário à dignidade da pessoa deve permanecer um segredo dela própria”.19 Quando ocorre lesão a honra, há um sentimento de diminuição, humilhação e constrangimento, podendo o indivíduo sofrer perdas financeiras e moral, pois a sociedade aplica a ele uma postura negativa. Por isso, Bittar assegura: “a opinião pública é muito sensível a notícias negativas, ou desagradáveis, sobre as pessoas, cuidando o sistema jurídico de preservar o valor em tela, de um lado, para satisfação pessoal do interessado, mas, especialmente, para possibilitar-lhe a progressão natural e integral, em todos os setores da vida na sociedade (social, econômico, profissional, político).”20 A imagem é a “expressão exterior sensível da individualidade humana”, sua representação se dá pela pintura, escultura, fotografia, filme e etc. A imagem deduz a “essência da individualidade humana”. Sua importância é enorme, pois protege a projeção de sua personalidade moral e física diante da sociedade, e esse conjunto de características irão identificá-los no meio social. Ela é considerada bem inviolável, com o intuito da defesa da figura humana e impedimento de utilização indevida sem consentimento. Com a previsão constitucional é adotado de forma mais completa outras ideias referentes ao direito à imagem: a imagem-retrato e a imagem-atributo, ambos similaresa honra, porém independentes. De acordo com esse pensamento Luiz Alberto David Araújo diz: “Dessa maneira, podemos afirmar que existem duas imagens no texto constitucional: a primeira, a imagem - retrato, decorrente da expressão física do indivíduo; a segunda, a imagem - atributo, como o conjunto de característicos apresentados socialmente por determinado indivíduo”.21 Com isso podemos ter uma visão ampla da diferenciação entre ambos e da interligação com o princípio da dignidade da pessoa humana. Chegando à conclusão de como ambos de vinculam e são necessários. 5. A COLISÃO DOS PRINCÍPIOS LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 5.1. CONFLITO DE REGRAS E CONFLITOS DE PRINCÍPIOS A aplicação da ponderação aplicado nas regras é diferente na aplicação nas colisões de princípios. Antes de partir para a regra de solução de colisões, é viável que venhamos saber a diferenciação dos conflitos de regra e conflitos de princípios e ver que a técnica da subsunção não é adequada para solução de colisões, sendo apenas para casos que envolvam direitos infraconstitucionais (regras). Basicamente, Alexy informa que os princípios são normas, “mandamento de otimização” que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e que dependerão das possibilidades fáticas 19 CUPIS, Adriano de apud AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 205 20 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 126 21 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 31 12 e jurídicas para gerar o resultado ulterior.22 Indicando que, se o princípio for aplicado em determinado caso, não significa que ele deverá ser aplicado em todos os casos posteriores, ou seja, ele não é uma solução definitiva. Pois, o que determina a solução de fato é o caso concreto. (ALEXY: 2002, p. 99). Já as regras, são normas que devem ser cumpridas ou não, elas possuem uma limitação, tem o imperativo de que o seu cumprimento deve ser exato com o que é exigido e uma vez aplicada o resultado é definitivo. A determinação vai vigorar em todos os casos de aplicação das regras. Só não ocorrerá no caso de a regra ser invalidada. (ALEXY: 2002, p. 99). Quando houver um conflito existente entre as regras, haverá dois destinos: a criação de uma cláusula de exceção (que a fará perder o seu caráter definitivo, mas permitirá que continue sendo válida) ou uma declaração de invalidade (pois são resolvidos de acordo com os critérios básicos como a hierarquia ou especialidade). Há aqui uma decisão acerca da validade. Contrário à isto, quando há conflito entre os princípios, um deles deverá apenas ceder, não haverá invalidação ou clausula de exceção. Um prevalece sobre o outro. Já que os princípios em conflito possuem o mesmo nível hierárquico, observará a sua importância, a força e qual terá peso maior no caso concreto, ou seja, haverá ponderação. Em termos técnicos, as regras são solucionadas pela subsunção e os princípios pela ponderação. Alexy se baseou na dicotomia entre princípios e regras de Ronald Dworkin, declarando que as regras são aplicadas no tudo ou nada, ocorrendo que “dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão” (DWORKIN: 2002, p.39). Dessa forma, quando uma regra é considerada válida, sua aplicação deve ser feita de imediato. Defendendo o que anteriormente foi citado, que a colisão entre princípios não pode ser de acordo com o “tudo ou nada” como nas regras, pois não haverá declaração de invalidade de um princípio perante outro e a eliminação do ordenamento.23 A aplicação dos princípios deve ser feita de maneira mais complexa, pois verifica-se que os princípios orientam a direção e as razões a serem seguidas pelo intérprete, mas não informam a solução definitiva, sendo necessário traçar uma interpretação particular acerca de cada detalhe do caso a ser solucionado. Há críticas de outros doutrinadores referente a teoria adotada por Robert Alexy, mas neste artigo não vai abranger as possíveis visões não tratadas pelo autor. 5.2 A PONDERAÇÃO COMO SOLUÇÃO PARA COLISÕES DE PRINCÍPIOS 22 ALEXY, Robert; Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008 p. 90 23 ALEXY, Robert; Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008 p. 96 13 A Técnica tem o nome de ponderação.24 Barroso entendeu que o sistema jurídico remeteu ao juiz (intérprete) parte da competência do legislador, para situações cuja a ações sejam de direito fundamental, e que ele além de verificaria se os fatos se encaixavam ou não na norma, deveria averiguar os elementos objetivos e subjetivos para gerar a sentença adequada.25 Quando um princípio põe limite ao comprimento do outro, deve-se observar o caso concreto, indicando quais são as condições para que um princípio seja aplicado no lugar do outro. Nesta situação, o autor informa que existe um princípio mais amplo, chamado princípio da proporcionalidade, que é composto por três princípios parciais: o princípio da adequação, da necessidade e a ponderação. No princípio da adequação são excluídos a utilização de meios que visam realizar determinado princípio, mas que de alguma forma acabe prejudicando o outro. O princípio da necessidade, há de se escolher entre dois meios para que sejam usados para realização de um princípio, sendo escolhido aquele que menos intervenha no outro princípio. Por último, tem-se o princípio da ponderação, que tem por objetivo pesar as vantagens e prejuízos de se tomar uma decisão. A ponderação é descrevida pelo autor da forma seguinte: “quanto mais alto é o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro”.26 A ponderação é feita de três passos. Primeiramente, a comprovação do grau de não prejuízo de um princípio. Analisando todos os elementos fundamentais das colisões, para que não haja distorções na ponderação. É indispensável a identificação de todos os elementos fundamentais e argumentos que compõe as colisões, para que a ponderação ocorra sem distorções.27 O passo dois é feito a comprovação da importância do cumprimento do princípio. Aqui vai ocorrer de fato a ponderação, examinado os fatos do caso concreto e as consequências nos elementos normativos. No terceiro e último passo, é feito a comprovação de que o cumprimento do princípio é importante a tal ponto de justificar o não cumprimento do outro. Sendo necessário formulação de regras de preferência entre os princípios analisados. Esse é o passo mais complexo, pois aqui se encontra a justificação do porque a solução escolhida deve prevalecer. 24 ALEXY, Robert; Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008 p. 97 25 BARROSO, Luís Roberto; Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado, volume 18, 2004; Revista dos Tribunais. p. 3 26 ALEXY, Robert; Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008 p. 136 27 ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático, Revista de Direito Administrativo n 217, 1999 p. 69 14 O Código de Processo Civil28 adota esse estilo de ponderação, quando em seu regulamento dos elementos essenciais de uma sentença determina que: Art. 489. São elementos essenciaisda sentença: [...] VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. Ante a toda explicação acerca de tudo que foi falado, partiremos para exposição de casos práticos em que em que a liberdade de expressão, com base no humor, entrou e colisão com a dignidade da pessoa humana. 5.3 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA E A LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO COM FOCO O HUMOR 5.3.1 Ação de Aguinaldo da silva contra Rede Bandeirantes e Wellington Muniz O escritor e roteirista Aguinaldo silva ajuizou ação de indenização por danos morais contra a Rede Bandeirantes, o humorista Wellington de Moura Muniz e dois produtores do programa “Pânico na Band”, após ser feito um quadro no programa chamado “Agnaldo Senta” que ultrapassou o limite de ironias e deboches a respeito de seu comportamento. O programa sempre apresentava matérias humorísticas envolvendo sempre conteúdos sexuais e homossexuais vulgares, colocando o roteirista em situação de constrangimento. Os citados recorreram da decisão em primeira instância, mas a 17ª câmara Cível do TJ/RJ manteve decisão. O embargo de declaração resumiu-se a detalhar cada passo que foi tratado neste artigo, informando que o conteúdo apresentado não pode ser tratado como paródia, sátira, caricatura ou qualquer outra justificativa amparada no exercício da liberdade de expressão e manifestação, declarando a Constituição defende o direito à liberdade de imprensa, mas que não era absoluto, devendo agir de forma proporciona, sem abusividade e em consonância com os demais direitos, não podendo ser usada para atingir a honra de quem quer que seja. Ainda fortaleceu a decisão ao dizer que o autor embargado não tinha uma vida pública frente as lentes, sempre mantendo a sua privacidade, apenas pessoas íntimas tinham acesso a sua forma de agir, não cabia ao programa 28 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 01 de Maio de 2020. 15 ridicularizá-lo com trejeitos afeminados, com linguajar chulo e banal.29 O desembargador Elton Leme destacou em seu voto o seguinte pronunciamento: “Configurado, portanto, o abuso no exercício da liberdade de imprensa, ultrapassando a razoabilidade e proporcionalidade em sua conduta, indubitavelmente ofensiva à imagem e à honra do autor, restando desrespeitados os direitos de personalidade do autor, a ensejar reparação por danos morais não só pela emissora de televisão, mas também pelo ator humorista e apresentador do programa, no caso, o primeiro réu.” Vemos aqui a flexibilização do direito de liberdade de expressão no humor. A medida é adequada, pois foi analisado o caso concreto e verificou-se que pesava mais a violação do que a continuidade da matéria, pois a dignidade do requerente foi afetada em grande medida, afetando a forma como o mesmo seria visto perante a sociedade. Feito isso acabando com a violação da honra e da imagem e ainda com a proibição de citar ou fazer piada com o autor da ação sem a sua autorização, com a consequência de multa se isso vier a ocorrer. A decisão também é necessária pois foi o meio menos oneroso para a parte sucumbente e que propôs mais equidade para as duas partes, como tratado, o princípio foi mantido da maior maneira possível, um dos princípios foi cedido e não houve invalidação do direito do sucumbente, pois o mesmo pode continuar a fazer matérias com conteúdos humorísticos. 5.3.2 Ação de Maria do Rosário contra Danilo Gentili Danilo Gentili foi condenado a seis meses e vinte e oito dias de detenção. Como a pena foi curta, ele respondeu ao processo em regime semiaberto. Por ela poder ser convertida em penas alternativas ou em regime aberto. Isto ocorreu pelas práticas de injúria contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Danilo foi condenado por reflexo de um vídeo feito pelo mesmo em 2017 e publicado em redes sociais, o conteúdo do vídeo se tratava do mesmo rasgando o documento enviado pela Câmara dos Deputados e friccionando contra suas partes intimas com ameaças de enviá-lo de volta para Maria do Rosário. O documento continha uma tentativa de conciliação extrajudicial, onde pedia que fosse retirado publicações depreciativas sobre ela. Por causa da popularidade do humorista, ela alegou que acarretou muitas ameaças. A juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, entendeu que a gravação do vídeo em resposta a uma notificação extrajudicial recebida, o humorista ofendeu a dignidade da deputada, chamando-a de "puta". Deixando claro a postura do citado deixou "absolutamente clara a real intenção de injuriar", onde a filmagem feito em sua residência teve "caráter de resposta em retaliação contra a manifestação da 29 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Autos n. 0273870-72.2012.8.19.0001. Disponível em < https://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/11/art20171116-05.pdf>. Acesso em 02 de maio de 2020. 16 vítima" não podendo confundir-se com "peça humorística espontaneamente criada independente do intuito de injuriar".30 Em sua defesa alegou que o conteúdo do vídeo era humor e crítica política, sem a intenção de ofender. No documento onde a decisão se encontra, detalha cada conduta feita por Danilo e emitindo juízos acerca dos fatos, dando a entender que não se tratava de conteúdo humorístico, mas de afronta. A postura do humorista expressada no vídeo pesou muito ao seu desfavor, pois a autora da ação buscou uma solução consensual entre as partes para resolução do conflito. Menos pesaroso seria para ambas as partes a aceitação da conciliação. Porém, Danilo tendo como premissa a liberdade de expressão e liberdade de manifestação artística, não ponderou que as suas atitudes não estariam protegidas por tal princípio. Pois como citado no artigo, a injúria não se encaixa na tutela da proteção constitucional. As palavras de ofensa foi o ponto principal na ponderação feita pela juíza. Pois a intenção de fazer graça ou críticas não é criminalizada, mas o intuito de ofender. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito principal do artigo foi analisar o princípio da liberdade de expressão quando este entra em colisão com o princípio da dignidade da pessoa humana e os demais institutos que o acompanham, para que se possa verificar a sua flexibilização numa situação de conflito. No primeiro capítulo foi feita uma análise histórica acerca das modificações feitas nas constituições ao longo dos anos acerca da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, até que chegasse no ponto culminante no discursão que é a nossa atual Constituição Federal de 1988. No capítulo dois, foi detalhado o conteúdo da ADI 4451, conhecida como a “ADI do humor”, que foi de grande importância. O conteúdo se trata da modificação de um artigo que censura matérias humorísticas acerca do tema político. Após essa análise, entramos na área religiosa, possibilitando uma reflexão de dois casos envolvendo humor afetando a esfera da religião e que podem ser de importante valor para se chegar a uma conclusão íntima e pessoal. No terceiro capítulo foi abordado a caracterização da dignidade da pessoa humana e dos institutos das personalidades, de forma mais específica a honra e a imagem. Sendo de fundamental interesse essa conceitualização para o prosseguimento do artigo. No quarto capítulo se tratou da diferenciação dos conflitos entre regras e princípios, propondo qual regra seriaadequada para tratar cada um de maneira específica e o porquê as chamadas colisões são mais complexas e não podem ser resolvidas pela técnica da subsunção. Para chegar a essa conclusão, baseou-se na teoria de Alexy Robert, e suas visões aceca de tais conflitos e como se dá a solução para o principal conflito que é estudado. Podendo chegar a um panorama mais completo 30 BRASIL, Tribunal de Justiça de Justiça de São Paulo. Disponível em <https://abrilveja.files.wordpress.com/2019/04/2019-04-10condenacaodanilogentili.pdf>. Acesso em 2 de maio de 2020. 17 acerca do assunto tratado. Atestando que esse modelo foi aceito pela doutrina brasileira e que muitas decisões foram pautadas através dessa técnica, que leva em consideração a análise concreta dos fatos. Com a técnica da ponderação, buscou-se explicitar como funciona na teoria, dando as orientações necessárias para que se chegue a um fim preciso, sem prejudicar de maneira completa o direito contraposto. Para que tivéssemos um fim completo, colocamos na prática mostrando os casos em que a jurisprudências brasileira passou a analisar essa técnica. Podendo a partir de então, verificar que quando em conflito com outros princípios de igual valor e peso, a liberdade de expressão não tem caráter absoluto. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 126. BRAGON, Rayder; Homem é preso em MG após ‘brincar’ de colocar bebê ‘a venda’ na internet, UOL. Belo Horizonte, 29 de março de 2016. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/03/29/homem-e- preso-em-mg-apos-brincar-de-colocar-bebe-a-venda-na-internet.htm>. Acesso em 09 de Abril de 2020. BRASIL. 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A flexibilização da liberdade de expressão no humor em face da dignidade da pessoa humana /Adriano da Silva Mariano. - João Pessoa, 2020. 18f. Orientador (a): Prof . Martsung Formiga Cavalcante R. de Alencar Monografia (Curso de Direito) – Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. 1. Flexibilização. 2. Manifestação artística. 3. Proporcionalidade. I. Título. UNIPÊ / BC CDU - 342.7
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