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1 RODRIGUES, Ana Célia. Identificação de tipologia documental: metodologia para gestão de documentos e arquivos. In: Os documentos em seu contexto funcional: da análise diplomática à tipológica. São Paulo: Associação de Arquivistas de São Paulo (Arq-SP), 2016 (no prelo) IDENTIFICAÇÃO DE TIPOLOGIA DOCUMENTAL: METODOLOGIA PARA GESTÃO DE DOCUMENTOS E ARQUIVOS1 Ana Célia Rodrigues Universidade Federal Fluminense anyrodrigues@yahoo.com.br Resumo: Estudo dos processos de identificação de tipologia documental e sua relação com as funções arquivísticas de criação/produção, classificação, avaliação e descrição no contexto da gestão de documentos e dos arquivos. A identificação é uma metodologia de pesquisa sobre a gênese do documento de arquivo, desenvolvida para normalizar o seu reconhecimento e agrupamento em séries documentais para fins de implantação de programas de gestão de documentos e de tratamento de documentos acumulados em arquivos. No contexto da identificação, a etapa da identificação de tipologias documentais encontra na abordagem da Diplomática, em sua perspectiva clássica e contemporânea, a Tipologia Documental, seus fundamentos teóricos e metodológicos, demonstrando a efetiva contribuição desta disciplina para a construção teórica de metodologias em Arquivística. Palavras-chave: Tipologia Documental. Identificação Arquivística. Gestão de documentos e arquivos. 1. Introdução A questão das metodologias sempre foi objeto de reflexão na área. O caos da acumulação e da produção de documentos que caracteriza a administração moderna levou a Arquivística a expressar preocupação com a formulação de métodos de trabalho. Nos anos 80, se colocava para a Arquivística o desafio de identificar imensas massas documentais acumuladas em depósitos de arquivos os quais cresciam desordenadamente, exigindo urgentes propostas de organização e avaliação para resolver o problema da superlotação dos arquivos. Atualmente, as questões que se colocam para os documentos eletrônicos conduzem o arquivista a uma aproximação cada vez mais intensa e profícua com outras áreas do conhecimento, como a 1 Questões abordadas anteriormente em Rodrigues (2003, 2008, 2012, 2013), com revisões e atualizações. 2 Administração, o Direito e a Informática, em busca de parâmetros para o planejamento adequado da produção documental. É um momento de buscas pela cientificidade da área, caracterizada pela busca de seus fundamentos teóricos, pautados na reflexão sobre seu objeto e método, que reflete a preocupação com a formulação de metodologias aplicáveis a qualquer sistema arquivístico. Era preciso dar ênfase às atividades de pesquisa para a elevação do nível de qualidade e construção da arquivística, enquanto ciência. A introdução da gestão de documentos nas práticas profissionais é um importante elemento que vem contribuir para o incremento da pesquisa na área, permitindo a consolidação de uma metodologia arquivística para o tratamento documental que passou a considerar o documento desde a sua gênese até sua eliminação ou preservação nos arquivos permanentes, passando por todas as operações relacionadas à sua custódia, uso e acesso. A necessidade de reconhecer os documentos em seu contexto de produção para planejamento de sua criação, gestão e tratamento técnico de sua acumulação nos arquivos, conduziu a área à reflexão sobre a identificação como processo arquivístico e às discussões sobre a posição que ocupa no âmbito das metodologias arquivísticas. A Espanha tem dado uma efetiva contribuição para as discussões sobre a identificação no campo da Arquivística, produzindo estudos teóricos e aplicados que destacam o país no cenário internacional, influenciando na construção de tradições arquivísticas ibero-americana, contexto em que se insere o Brasil. A identificação é uma metodologia de pesquisa sobre a gênese do documento de arquivo, que garante o seu reconhecimento e agrupamento em séries documentais a partir de requisitos normalizados. Neste período, a Diplomática revisitada pela Arquivística encontra nas discussões sobre a construção teórica da identificação, um espaço para a reflexão sobre os estudos de gênese documental e sua pertinência para a normalização da gestão de documentos e arquivos. Este artigo apresenta estudos dos processos de identificação de tipologia documental e sua relação com as funções arquivísticas de criação/produção, classificação, avaliação e descrição para padronização de procedimentos nos programas de gestão de documentos e no tratamento técnico dos documentos acumulados em arquivos. 3 2. Diplomática e Tipologia Documental: revisitando perspectivas É nos anos 80 do século passado, a partir dos modernos estudos arquivísticos que a Diplomática ressurge, com o objetivo de aplicar os princípios teóricos e metodológicos aos documentos de arquivo. Uma nova abordagem do uso da metodologia preconizada pela Diplomática, bastante difundida na arquivística nacional e internacional, que deu origem a um novo campo de estudos, a Tipologia Documental. A Diplomática nasceu no século XVII como uma técnica analítica para determinar a autenticidade dos documentos emitidos por autoridades soberanas em séculos anteriores. Mabillon é quem efetua a primeira sistematização rigorosa sobre a autenticidade dos documentos de arquivo. A sua metodologia foi usada para examinar individualmente cerca de duzentos documentos diferentes, de várias épocas e os comparar. Verificou o que tinham em comum e qual era o procedimento do ambiente onde eles se encontravam. Os resultados obtidos neste estudo passaram a se configurar, como os pressupostos teóricos da disciplina. Na passagem do século XIX ao século XX, a Diplomática é tratada exclusivamente como “ciência auxiliar da História”. Os historiadores adotaram a Diplomática como uma ferramenta de critica documentária para avaliar a autoridade de documentos medievais como fontes históricas. Ocorre seu desenvolvimento como disciplina, favorecido pela introdução dos estudos diplomáticos na academia, no campo dos estudos históricos, transformando-a em uma ciência estritamente medieval. No final do século XX, os arquivistas “descobriram novos usos para esta velha ciência, baseados no seu potencial como um padrão para assegurar a confiabilidade geralmente dos documentos modernos e especificamente dos documentos eletrônicos”. (DURANTI, 1995, p.06 e 36) Mas é próximo aos anos 80 do século passado, que começa a se formar uma nova geração de estudiosos de Diplomática, que aplicando os princípios teóricos e metodológicos da disciplina aos documentos de arquivo, estabeleceram um profícuo diálogo entre as áreas, cujos estudos de natureza teórica que vem exercendo profunda influência no fazer arquivístico internacional, contribuindo para a construção teórica em Arquivística. A renovação desta disciplina e sua aplicação no âmbito dos arquivos estão representadas pelas teorias propostas na Itália por Paola Carucci e Luciana Duranti, que 4 desenvolve estudos no Canadá; na Espanha, por Luis Núñez Contreras, Manuel Romero Tallafigo, Vicenta Cortés Alonso e Antonia Heredia Herrera e no Brasil, por Heloisa Liberalli Bellotto. As ideias destes autores vêm contribuindo para a consolidação de uma tradição arquivística brasileira na área. No campo da ciência Arquivística, a Diplomática tem sido adaptada como uma ferramenta metodológica para compreender o complexo processo de produção dos documentos da burocracia contemporânea. Em 1989, na II Conferencia Europeia de Arquivos promovida pelo Conselho Internacional de Arquivos, os delegados da conferencia recomendaram “que o desenvolvimento da disciplina da diplomática moderna seja promovido através de pesquisa na tipologia de documentos contemporâneos e nos processos de criação dedocumentos nas instituições contemporâneas”. (MACNEIL, 2000, p.87) Na Europa, a resposta a este chamado dos arquivistas para a construção de uma diplomática moderna, adaptável aos documentos do século XX, vem principalmente da Itália, destacando-se os estudos realizados por Paola Carucci (1997; 2004). Esta arquivista italiana deu uma contribuição substancial, redefinindo o documento de um modo muito amplo e concentrando as atenções na proveniência administrativa que o gera, antes de sua forma documental. Alarga desta forma o âmbito da Diplomática, integrando-a com a Arquivística, incluindo uma relação de considerações sobre o documento como produto do procedimento administrativo (DURANTI, 2003). Os estudos realizados por Luciana Duranti, através do grupo de pesquisadores da Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, Canadá, associado ao projeto InterPARES que teve início em 1999, tiveram como objetivo produzir conhecimento teórico e metodológico e formular políticas para a criação e preservação de documentos eletrônicos. A revisão da disciplina efetuada por Duranti e as ideias por ela divulgadas na construção da Diplomática Arquivística, vem nutrindo o debate teórico sobre a produção de documentos em ambientes eletrônicos, orientando as práticas realizadas em arquivos de todo o mundo. Nestes anos 80 a Espanha também se destaca no movimento de renovação teórica da Diplomática, produzindo importantes estudos teóricos e de Diplomática aplicados aos documentos administrativos, preocupados em definir o que entendemos por documento de arquivo e identificar as partes que o integram, elencando seus caracteres internos e externos para seu tratamento técnico arquivístico. 5 Para Manuel Romero Tallafigo (1994, p.16 e 20), a Diplomática é a “ciência que estuda e critica o documento escrito do ponto de vista das formas internas e externas. Formas que são planejadas para fazê-lo compreensível e ainda fidedigno e autentico para a sociedade a qual se destina. (...) Cada documento singular não é senão um ponto de uma linha contínua e ininterrupta”. Antonia Heredia Herrera (1991) analisando a relação da Diplomática com a Arquivistica define a Diplomática como “a ciência que estuda o documento, sua estrutura, suas clausulas, para estabelecer as diferentes tipologias e sua gênese dentro das instituições escriturarias a fim de analisar sua autenticidade”. O objeto da Arquivística é “muito mais amplo em extensão e em limites cronológicos, não se limita ao documento jurídico, mas alcança e ultrapassa os nossos dias”. (HEREDIA HERRERA, 1991, p. 61-62) Antonia Heredia chega mesmo a aventar uma certa supremacia da tipologia documental sobre a diplomática, quando o enfoque é a doutrina arquivística. A autora diz ainda que a tipologia, por suas características intrínsecas, atribui maior importância ao procedimento administrativo, privilegiando o conjunto orgânico no qual o documento se situa e não o ‘discurso’ de cada um. (BELLOTTO, 2004, p.53) Feita esta distinção, a autora ressalta que a relação Arquivística-Diplomática assim posta, nos levará a uma normalização documental necessária nos programas de gestão de documentos, sobretudo quando “o uso da nova tecnologia informática obriga a um conhecimento profundo dos formulários, das cláusulas e dos dados informativos essenciais de cada série documental que delimitados claramente traz a determinação de cada tipologia”. (HERREDIA HERRERA, 1991, p. 61) Antonia Heredia Herrera (2006) reconhece a independência dos campos de estudo das duas áreas, da Tipologia documental e da Diplomática, mas destaca a estreita relação estabelecida entre elas que pode ser verificada na influência da formulação da metodologia da tipologia documental a partir dos parâmetros metodológicos da Diplomática. A metodologia aplicada ao tipo documental vem sendo denominada análise documental. Devemos muito a Vicenta Cortés sobre este e outros temas, porque criou um modelo de analise documental partindo do modelo de análise do tipo diplomático, adequando-o às necessidades arquivísticas do momento. Passado o tempo surgem novos conceitos, como o da identificação (...). (HEREDIA HERRERA, 2006, grifo nosso). 6 Para Vicenta Cortés Alonso, a “disciplina que permite ler e transcrever corretamente os documentos manuscritos é a Paleografia, a que explica a gênese documental e analisa os caracteres internos e externos é a diplomática e a que se encarrega de estudar os documentos desde o ponto de vista de sua função administrativa, sua conservação, descrição e serviço é a arquivística” (CORTÉS ALONSO, 1986, p. 01). A autora espanhola distingue a análise diplomática deste “estudo arquivístico”, o qual considera um “trabalho de pesquisa arquivística”, cujo objeto é a “documentação contemporânea” e o objetivo é “fixar a tipologia documental produzida e solicitada, para, sem erro, formar as séries documentais dos arquivos (...).” (Idem, 1986, p.419, 429 e 420). A partir dos trabalhos publicados por estes autores, nos anos que se seguiram até a década dos 90, a Arquivística espanhola registra uma extensa produção bibliográfica abordando o tema da metodologia diplomática aplicada aos estudos de documentos produzidos e acumulados nos arquivos do país. As relações entre a Diplomática e a Arquivística conquistam um definitivo espaço no debate teórico dos estudiosos espanhóis, denominada estudos de Tipologia Documental. Tipo é um termo que significa “modelo, referência”. No campo da Arquivística seu uso vem sendo aplicado para designar o modelo de documento de arquivo, criado como resultado do exercício de uma atividade, o tipo documental. O termo aparece na literatura em 1961, utilizado por Schellenberg para referir-se “ao primeiro dos caracteres físicos que deve ser levado em conta na descrição dos documentos” (SCHELLENBERG, 1980). O termo tipologia documental passa a ser usado para designar o conjunto dos documentos de arquivo, aparecendo na Espanha nos trabalhos de Vicenta Cortés Alonso, do Grupo de Arquivistas Municipais de Madri, Antonia Heredia Herrera e Maria Luiza Conde Villaverde, sendo também utilizado por Aurélio Tanodi e Manuel Vázquez, na Argentina e no Brasil, por Heloísa Bellotto, entre outros. Na Espanha, um país de arquivística notadamente influenciada pela Diplomática, o termo tipo documental vem sendo usado na área da Arquivística para designar o documento de arquivo, embora seu uso seja típico da Diplomática, como bem salientou Antonia Heredia (2006). Decorrente do uso generalizado desta terminologia no meio arquivístico surge os estudos de identificação de documentos de arquivo a partir do 7 método de análise da tipologia documental - estudos de tipologia documental - desenvolvidos no âmbito da identificação. No Brasil, os textos publicados por Heloísa Liberalli Bellotto, primeiramente em 1982 e com novas abordagens em 1990, são considerados como referencial teórico sobre tipologia documental e os conceitos abordados pela autora foram incorporados à literatura arquivística e à prática desenvolvida nos arquivos do país. A concepção de Diplomática e Tipologia Documental, apresentada por Heloisa Bellotto vem sendo utilizada por uma corrente de estudiosos no Brasil. A autora faz distinção entre o objeto da diplomática, em sua perspectiva clássica, a espécie documental e em sua perspectiva contemporânea, o tipo documental, e dos métodos de análise diplomática e tipológica para se chegar à denominação do documento de arquivo e identificar sua gênese, o que permite por comparação chegar ao agrupamento das séries documentais. Tradicionalmente a Diplomática tem estudado o documento individual, produto do fato jurídico. A sua utilidade se limitou inicialmente a resolver uma disputa legal, sendo estendida para dar suporte a pesquisa histórica. Os documentos diplomáticos, objeto daDiplomática, se a disciplina for tomada em sua perspectiva clássica, “são os de natureza jurídica que refletem no ato escrito às relações políticas, legais, sociais e administrativas entre o Estado e os cidadãos, cujos elementos semânticos são submetidos a fórmulas preestabelecidas”. (BELLOTTO, 2001). No sentido moderno da Diplomática, os documentos são analisados na direção de seu contexto de produção, nas relações entre as competências, funções e atividades do órgão produtor e neste sentido, apresentam suas profundas relações com a Arquivística. O documento arquivístico, considerado em seu conjunto, é o tipo documental, objeto da Tipologia Documental, identificado a partir das relações que apresenta com o contexto de produção. As competências, funções e atividades desempenhadas, que se articulam no procedimento de gestão, são elementos inovadores, introduzidos na metodologia da Diplomática, em sua perspectiva contemporânea, para identificar o documento de arquivo. A Tipologia Documental tem como tem como parâmetro conceitual a identificação do tipo, cuja fixação depende primeiramente do reconhecimento da 8 espécie, sua identificação será determinada pela análise dos caracteres externos e internos dos documentos. Para efeitos de identificação da tipologia documental e seu tratamento técnico, ambos os métodos são necessários por serem complementares. O primeiro, da Diplomática clássica, porque através dele se chega à espécie documental; o segundo, porque contextualiza a espécie no âmbito da função que determina sua produção, elemento que será denominativo do tipo documental, objeto e campo de estudos da Tipologia Documental. (RODRIGUES, 2012) Por definição espécie é “a configuração que assume um documento de acordo com a disposição e natureza das informações nele contidas”; tipo documental é “a configuração que assume a espécie documental de acordo com a atividade que ela representa” e a série documental é a “sequencia de unidades do mesmo tipo documental” (DTA/SP, 1996). Portanto, a denominação da série documental obedece à fórmula para a denominação do tipo documental: espécie + atividade (verbo + objeto da ação). São exemplos de espécies, o requerimento, portaria, decreto, entre outros. A espécie acrescida da atividade dá origem aos tipos, como requerimento de licença para construção, requerimento de licença de saúde, requerimento de matricula escolar, diferentes entre si e que dão origem a séries documentais distintas, embora possam ser provenientes do mesmo contexto de produção. A série documental será definida pela identificação e comparação dos tipos documentais, resultado da mesma atividade, e será parâmetro para os critérios de classificação, avaliação, descrição e planejamento da criação/produção documental, convencional ou digital. (RODRIGUES, 2008). Esta diferença se aplica metodologicamente na preparação de instrumentos de gestão de documentos no âmbito do Sistema de Arquivos da Universidade de São Paulo (SAUSP)2, do Sistema de Arquivos do Governo do Estado de São Paulo (SAESP)3, no Arquivo Público Municipal de Campo Belo, Minas Gerais4, no Programa de Gestão de Documentos da Prefeitura Municipal de Santos (PGD-Santos)5 e em outros modelos do país, com êxito. Atualmente se aplica como metodologia básica do Programa de Gestão de Documentos do Governo do Estado de Rio de Janeiro (PGD-RJ)6. 2 Disponível em: http://www.usp.br/arquivogeral/instrumentos-de-gestao/. Acesso em: 30 jul. 2016. 3 Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/gestao/sistema/plano. Acesso em: 30 jul. 2016. 4 Rodrigues, 2003. 5 Rodrigues; Garcia, 2012. 6 Disponível em:: http://www.aperj.rj.gov.br/planos_tabelas.htm. Acesso em: 30 jul. 2016. 9 Para a Arquivística brasileira, a Diplomática e a Tipologia Documental são campos de estudos distintos, com métodos próprios de análise diplomática e análise tipológica, porém complementares para o estudo da gênese dos documentos e seu agrupamento em série documental a partir de parâmetros normalizados. Na dimensão do que foi exposto, pode-se afirmar que os métodos de análises da Diplomática, em sua perspectiva clássica para estudar a espécie documental e da sua perspectiva contemporânea, para estudar a tipologia documental são distintos, porem complementares para identificar o documento de arquivo. Por isso, a tipologia documental, ao incorporar todo o corpo teórico e metodológico da antiga diplomática, pode ser chamada de diplomática arquivística ou, melhor ainda (se se atentar para o quanto o objeto e os objetivos de ambas podem ser amalgamados), de diplomática contemporânea, como quer Bruno Delmas, Para ele, a preocupação da diplomática é, agora, menos o estudo da estrutura, da forma, da gênese ou da tradição e mais da tipologia dos documentos. (BELLOTTO, 2004, p.53) Esta perspectiva vem influenciando a construção de uma tradição arquivística brasileira na área, postura da qual compartilhamos, evidente em nossas pesquisas7 que referenciam a tipologia documental como base da gestão de documentos e do tratamento técnico de documentos acumulados em arquivos. 3. Identificação: uma metodologia de pesquisa para reconhecer o documento de arquivo A identificação surge no contexto da Arquivística nos anos 80, quando o termo começou a ser utilizado na Espanha por grupos de arquivistas, primeiramente da Direção de Arquivos Estatais do Ministério da Cultura, para designar as tarefas de pesquisas realizadas sobre massas documentais acumuladas em arquivos, a fim de elaborar propostas de avaliação e classificação. Mas foi no âmbito do Grupo Ibero- Americano de Gestão de Documentos Administrativos, no qual o Brasil estava representado por José Maria Jardim, que o conceito de identificação foi formulado e divulgado por Maria Luiza Conde Villaverde nas Primeiras Jornadas de Metodologia para a Identificação e Avaliação de Fundos Documentais das Administrações Públicas, realizadas em Madri, em 1991. A partir deste momento o uso do termo e o conceito se 7 Recortes temáticos dessas pesquisas vêm sendo abordados no âmbito de projetos de TTC em Arquivologia, de Iniciação Científica (PIBIC), do Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFF, integrando a produção do Grupo de Pesquisas “Gênese Documental Arquivística”, UFF/CNPq. 10 consolidaram no meio arquivístico espanhol, sendo incorporados pelo Dicionário de Terminologia Arquivística daquele país que a define como “fase do tratamento arquivístico que consiste na investigação e sistematização das categorias administrativas e arquivísticas em que se sustenta a estrutura de um fundo” (DTAE, 1991, p. 37). Para a Arquivística espanhola, a identificação é uma fase independente da metodologia arquivística, qualificada como do tipo intelectual a qual consiste em estudar analiticamente o órgão produtor e a tipologia documental por ele produzida e que antecede as demais funções (produção, avaliação, classificação e descrição). O Brasil integrou neste período o movimento internacional que se formava em busca de referenciais metodológicos para resolver a superlotação dos arquivos, problema comum do qual compartilhavam os países ibero-americanos. No Arquivo Nacional, os processos de identificação desenvolvidos pelos Grupos de Identificação de Fundos Internos e o de Fundos Externos (GIFI e GIFE), para solucionar as questões de transferências e recolhimentos de fundos e a metodologia de levantamento da produção documental aplicada para identificar documentos do Ministério da Agricultura para fins de avaliação, passaram a servir de referencial para experiências semelhantes desenvolvidas em outros arquivos brasileiros. Destas experiências iniciais de identificação, sobretudo dos trabalhos desenvolvidos pelo GIFI e pelo GIFE,resultaram a definição posta no Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, que também considera a identificação é como uma fase do processamento técnico dos arquivos, definindo-a como o “processo de reconhecimento, sistematização e registro de informações sobre arquivos, com vistas ao seu controle físico e/ou intelectual” (DBTA, 2005). No Brasil, o conceito de identificação remete também ao controle físico dos arquivos, propondo a coleta de dados e registro de informações sobre a situação de acumulação dos documentos. Comparando as realidades arquivísticas da Espanha e do Brasil na área, podem- se verificar alguns aspectos relevantes da questão, quanto à construção teórica do conceito de identificação, como ressalta Rodrigues (2008). Na Espanha, o processo pressupõe duas fases de levantamento de dados que se complementam para a realização da pesquisa, o órgão produtor e as tipologias documentais produzidas. No Brasil, as metodologias formuladas apontam mais um elemento a ser contemplado na identificação, muito presente na preocupação dos autores brasileiros, mas que se não se encontra na tradição arquivística espanhola: o 11 depósito de documentos como objeto de identificação para fins de implantação de sistemas de arquivos, aspecto típico da tradição construída no país. Estudos desenvolvidos anteriormente em Rodrigues (2003, 2008, 2013) sobre a identificação no campo da Arquivística, permitiram sistematizar os aspectos teóricos e metodológicos que a caracterizam e sua pertinência para o desenvolvimento das praticas arquivísticas. A identificação é uma metodologia de pesquisa para a Arquivística, tarefa de natureza intelectual, que precede e fundamenta as demais funções que integram a metodologia arquivística, ou seja, a classificação, avaliação, descrição e também o planejamento da produção documental, notadamente na criação dos documentos (convencionais ou digitais), que tem dois objetos de estudos: 1. Órgão produtor, analisando o elemento orgânico (estrutura administrativa) e o elemento funcional (competências, funções e atividades). A informação sobre os elementos orgânicos e funcionais obtém-se através dos próprios documentos e da legislação. No caso de órgãos públicos, o estudo de todos os textos legais e normativos pertinentes à estrutura e funcionamento durante sua existência, permitirá conhecer as competências, funções e atividades desempenhadas que ficaram registradas nos documentos produzidos. São as normas oficiais que dispõem sobre a estrutura e funcionamento do órgão produtor, como organogramas, leis, decretos, portarias, regulamentos de serviços, entre outros. A base teórica da produção deste conhecimento vem do Direito e da Administração. 2. Tipologia documental, estudo que se realiza com base no reconhecimento dos elementos externos, que se referem à estrutura física, a forma de apresentação do documento (gênero, suporte, formato e forma) e internos, o “conteúdo substantivo do documento (atividade) e natureza de sua proveniência e função” (BELLOTTO, 2004), para denominar o tipo e definir a série documental. As informações coletadas nesta pesquisa ficam registradas no manual de tipologia documental (ou banco de dados), instrumento no qual constam os dados detalhados sobre cada tipo de documento resultante dos procedimentos administrativos. Esta investigação revela o vinculo arquivístico que caracteriza a gênese do documento de arquivo, a indissociável relação que mantem com seu contexto de produção. Requer a busca de informações em fontes específicas, sobre o órgão produtor (contexto) e sobre os documentos (tipologia documental), estejam eles em fase de 12 produção ou de acumulação. Aquelas informações são os “elementos que caracterizam este contexto, no desempenho de competências e funções específicas deste órgão produtor e da tipologia documental, que registra os procedimentos administrativos realizados para cumpri-las” (MENDO CARMONA, 2004, p. 40). A correta delimitação da tipologia documental, considerada em relação ao seu contexto de produção, é fundamental para definir sua classificação, valor para preservação ou eliminação, requisitos para sua criação/produção em suportes convencionais e eletrônicos e descrição, para recuperação de documentos e informações que integram as series documentais. A base teórica que sustenta esta pesquisa vem da Diplomática e Tipologia documental e da Arquivística. Nesta dimensão, a identificação apresenta estreita relação com as funções que sustentam a metodologia arquivística. 3.1. Identificação e criação/produção A partir da identificação das características que apresentam os tipos documentais, são definidas as regras para simplificar os procedimentos administrativos e racionalizar os documentos resultantes dos mesmos; definir normas para sua execução e critérios para o desenho dos sistemas de informação. Planejamento e controle da criação dos documentos, a partir de um diálogo profissional interdisciplinar, com critérios normalizados para denominar e produzir o documento de arquivo. 3.2. Identificação e classificação A classificação é uma tarefa que consiste em estabelecer a imagem do contexto onde são produzidos os documentos. Significa separar, diferenciar, distinguir ou dividir um conjunto de elementos da mesma composição (órgão produtor, competências, funções, atividades) em classes e subclasses documentais que se articulam formando o fundo de arquivo. Estes dados ficam registrados no plano de classificação, que é o instrumento que permite a enunciação lógica e hierárquica de um conjunto de documentos produzidos por um órgão. O estudo das características que apresentam o órgão produtor e das competências e funções a ele atribuídas permite que se posicione a tipologia documental produzidas na estrutura interna do fundo documental, revelando o vinculo entre os documentos e as ações do contexto de produção, ajustando-se a denominação das séries documentais a critérios normalizados para as mesmas funções. 13 3.3. Identificação e avaliação A avaliação consiste em estabelecer valores para os documentos a fim de determinar os prazos guarda e destinação final dos mesmos, eliminação ou guarda permanente. Tem como produto à tabela de temporalidade, que é o instrumento de destinação, aprovado pela autoridade competente, que determina prazos de transferência, recolhimento, eliminação e reprodução de documentos. A metodologia da avaliação demanda o conhecimento das competências atribuídas às áreas e das atividades que justificam a tipologia documental produzida, para a correta atribuição de valores (jurídico, fiscal, administrativo e histórico), prazos de retenção (em cada unidade da rede municipal dos arquivos) e destinação (eliminação ou guarda permanente) para os documentos. As operações de avaliação devem versar sobre séries, portanto sobre os mesmos tipos de documentos produzidos no exercício de uma atividade presente na gestão administrativa do órgão. Os prazos de guarda dos documentos estão previstos em legislação específica e/ou rotinas que justificam sua produção como prova autêntica desta gestão. É a ação registrada no documento que deverá ser objeto de análise para determinar seu valor, se deve ser preservado como prova ou testemunho ou se pode ser eliminado sem prejuízo da perda de informações substanciais para prover o processo de tomada de decisão. Este conhecimento é produzido no momento da identificação da tipologia documental, permitindo uma criteriosa analise para determinar a destinação final dos documentos: eliminação ou guarda permanente. 3.4. Identificação e descrição A descrição consiste na elaboração de instrumentos de pesquisa que representam o arquivo e suas partes. Como função arquivística, tem por objetivo garantir o acesso aos conjuntos de documentos, “porque perpetua e congela a relaçãoentre os documentos, que é uma evidência do contexto de sua produção”, como ressalta Luciana Duranti (2003). A exigência para se proceder com uma boa descrição é a de que os documentos se encontrem classificados e ordenados, facilitando, assim, a tarefa de retratar, por meio dos instrumentos de pesquisa, os dados que compõem um fundo de arquivo. Os instrumentos são planejados, refletindo o nível de classificação dos documentos. O inventário é o “instrumento de pesquisa em que a descrição exaustiva ou 14 parcial de um fundo ou de uma ou mais de suas subdivisões toma por unidade a série, respeitada ou não a ordem de classificação” (DTA/SP, 1996). A identificação permite a padronização do conteúdo destes instrumentos, pois na análise tipológica são apresentados os elementos formais e de conteúdo que caracterizam a tipologia documental e que fundamentam a referida tarefa. (MENDO CARMONA, 2004, p.45-46) 5. Identificação de tipologia documental aplicada ao programa de gestão de documentos: o modelo do Governo do Estado do Rio de Janeiro8 No Brasil, a gestão de documentos esta prevista nos dispositivos da Constituição de 1988, onde se afirma que "compete à administração pública na forma da lei, a gestão de sua documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem" (art. 216, parág. 2), princípio que ofereceu os fundamentos necessários para dotar o país de uma legislação arquivística. Na Lei nº 8.159, aprovada em 08 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, conhecida como Lei Nacional de Arquivos, a gestão de documentos é definida como um “conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente”. (art. 3º). A implantação de um programa de gestão impõe-se em razão da necessidade de se estabelecer procedimentos comuns que visem uma boa administração da produção documental, a fim de que seja controlada desde o momento da produção no protocolo e/ou demais setores das envolvidas, da tramitação até a sua destinação final: eliminação ou preservação no âmbito do arquivo permanente. 8 Estudo de caso de aplicação dos parâmetros da diplomática contemporânea para identificação da tipologia documental das Secretarias de Estado da Fazenda e de Planejamento, com o objetivo de desenvolver a metodologia e normalizar os procedimentos para classificar e avaliar os documentos no âmbito do PGD-RJ, resultado final do Projeto de pesquisa “Identificação arquivística: utilizando a diplomática contemporânea como fundamento metodológico no Programa de Gestão de Documentos do Governo do Estado do Rio de Janeiro, PGD-RJ”, financiado pelo Programa Jovem Pesquisador UFF 2009, da PROPPI/UFF, desenvolvido através de convenio firmado entre o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro / Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense, coordenado pela autora (RODRIGUES, 2013). 15 As funções arquivísticas da identificação, criação/produção, classificação e avaliação sustentam a implantação dos programas de gestão de documentos, garantindo a normalização de parâmetros para o planejamento adequado da produção e controle da acumulação, seja para documentos produzidos em meio convencional (papel) ou digital (eletrônico). Nesta perspectiva foi instituído o Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD/RJ), com a publicação do Decreto Estadual nº 42.002, em 21 de agosto de 2009, que dispõe sobre avaliação e destinação de documentos produzidos e recebidos pela administração pública. Para a implantação do PGD-RJ, foram definidas as seguintes estratégias: 1. Formação de equipe técnica, sob a coordenação da Secretaria de Estado da Casa Civil e do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro para o planejamento e desenvolvimento de um programa de gestão que atendesse às expectativas estaduais; 2. Estabelecimento de pareceria institucional com a Universidade Federal Fluminense (UFF) para ministrar treinamentos e pesquisar a definição da metodologia para o PGD-RJ. 3. Nomeação de comissões gestoras nas Secretarias de Estado e treinamentos para identificação dos órgãos produtores, das suas atribuições e da tipologia documental. 4. Desenvolvimento do Sistema de Identificação de Tipologia Documental pelo Centro de Tecnologia de Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro (PRODERJ). A equipe técnica do programa é formada por 08 coordenadores, integrada por arquivistas do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ); 115 comissões de gestão de documentos9, 30 subcomissões, 575 gestores, 2.875 operadores do SITD (em média), servidores públicos estaduais. (MENDONÇA; NASCIMENTO; BUENO, 2013, p. 201) A metodologia básica do PGD-RJ é a identificação arquivística fundamentada nos parâmetros da abordagem contemporânea da Diplomática para identificar os 9 As “CGDs nomeadas, estão divididas entre 25 (vinte e cinco) secretarias de Estado, 14 (quatorze) fundações, 5 (cinco) empresas públicas, 9 (nove) sociedades de economia mista, 23 (vinte e três) autarquias, 48 (quarenta e oito) conselhos, 29 (vinte e nove) fundos, 8 (oito) empresas em liquidação e 9 (nove) institutos” (MENDONÇA; NASCIMENTO; BUENO, 2013, p. 201) 16 documentos, gerando informações que são inseridas no Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD), base para classificação e avaliação. No âmbito do projeto, os estudos de identificação arquivística foram desenvolvidos em três etapas: identificação do órgão produtor, das suas atribuições e da tipologia documental, a partir dos seguintes procedimentos e instrumentos: 1. Desenvolver estudos de identificação de órgão produtor e suas atribuições gerando dados para alimentar o SITD. 1.1. Órgão produtor - Elementos: secretaria, órgão produtor, setor, responsável pelo setor, entrevistado, entrevistador, telefone e e-mail. Fonte de informação: entrevista com gestores. Instrumento: Ficha de identificação de órgão produtor 1.2. Atribuições do órgão produtor – Elementos: competência, função, atividade e unidade administrativa, (UA)10. Fontes de informações: textos legais e normativos que dispõem sobre a estrutura e funcionamento dos órgãos do Governo do Estado do Rio de Janeiro (regimentos internos, estatutos), Instrumento: Quadro de Identificação de Órgão Produtor QUADRO DE IDENTIFICAÇÃO DE ÓRGÃO PRODUTOR ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (APERJ) Competência (s) Função (s) Atividade (s) UA Implementar a política estadual de arquivos Coordenação da gestão de documentos na administração pública estadual Implementar programas de gestão de documentos Proceder ao recolhimento de documentos Proceder à transferência de documentos 211351 Gerenciamento dos arquivos intermediários Identificar os arquivos em idade intermediária Gerenciamento dos arquivos permanentes Arranjar, identificar e descrever documentos textuais e não textuais Elaborar instrumentos de pesquisa Indexar documentos Pesquisar e expedir certidões de documentos probatórios 211341 Fonte: Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) 2. Inserir os dados do estudo de identificação de órgão produtor no Sistema de Identificação de Tipologia Documental, SITD: Módulo 1 - Identificação do Órgão Produtor: associação entre competencia, funções, atividades e unidade administrativa. 10 O código da UA refere-se ao código do órgão no orçamento estadual. 17 Fonte:Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD). Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) 3. Desenvolver estudos de identificação de tipologia documental para inserção dos dados no SITD. Elementos: identificação do documento (nome atual, objetivo da produção, conteúdo), espécie, ação, classificação de sigilo, suporte (convencional, eletrônico), fundamentos legais, acervo acumulado, tramitação, sugestão de prazo de guarda, destino final (eliminação ou guarda permanente). Módulo 2 – Identificação de tipologia documental Fonte: Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD). Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) 4. Analisar os dados do SITD para gerar dois relatórios: Instrumento: Plano de Classificação Funcional (relatório do módulo 1), associa competência, função, atividade à tipologia documental. 18 Fonte: Plano de Classificação de Documentos do APERJ. Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD). Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) Instrumento: Tabela de Temporalidade de Documentos (relatório do módulo 2) associa a classificação funcional da tipologia documental à classificação de sigilo, prazo de guarda (corrente e intermediário), destinação (eliminação ou guarda permanente), fundamentos legais e se o tipo documental avaliado compõe processo administrativo. Fonte: Tabela de Temporalidade de Documentos do APERJ. Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD). Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) 5. Validação do plano de classificação e tabela de temporalidade de documentos pelas comissões gestoras do PGD-RJ e autoridades competentes dos órgãos, para publicação no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 6. Elaboração do manual de gestão de documentos. Este estudo de caso de identificação arquivística teve como resultado a padronização de procedimentos metodológicos para elaboração de instrumentos de 19 gestão de documentos, a elaboração do Plano de Classificação11 e Tabela de Temporalidade de Documentos da Atividade-Meio12, com um total de 883 tipos documentais identificados através do Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD), e também o Manual de Gestão de Documentos13. Uma das inovações da pesquisa foi à inclusão da coluna de classificação de sigilo da tipologia documental na tabela de temporalidade de documentos, com o objetivo de atender ao requisito da transparência ativa preconizado pela Lei de Acesso à Informação. Esta metodologia (da identificação) se mostra muito eficaz, pois permite classificar o documento em sua origem, integrando os procedimentos de gestão durante todo o ciclo de vida dos documentos, desde sua produção até a sua destinação final. Além disso, é importante ressaltar que com a aplicação da metodologia apresentada, o documento de arquivo já vem classificado com o grau de sigilo para cada documento de acordo com o que determina a Lei de Acesso à Informação (...) bem como as formas de controle e acesso desde sua produção, tornando o SITD um instrumento fundamental para a gestão de acesso à informação, por meio da gestão de documentos. (MENDONÇA; NASCIMENTO; BUENO, 2013, p. 205) A metodologia de identificação aplicada à gestão de documentos desenvolvida pelo projeto, responde a um dos principais objetivos do Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ), que é “publicizar o quadro geral da produção de documentos no âmbito da administração pública estadual”, permitindo ao cidadão dispor de um instrumento eficaz de transparencia, que informa “sobre o Estado e suas ações, orientando o acesso à informação, além de constituir um recurso ímpar para o controle do Estado”, como ressaltam Mendonça, Nascimento e Bueno (2013). 6. Tipologia documental aplicada ao tratamento técnico de arquivos: proposta metodológica A base conceitual da metodologia para tratamento técnico de documentos acumulados em arquivos reside no estudo da tipologia documental tomado como ponto de partida para realização das práticas arquivísticas, base da identificação, organização (classificação e ordenação) e descrição das séries documentais. 11 Disponível em: http://www.aperj.rj.gov.br/doc/plano%20de%20classificacao%20publicado.pdf. Acesso em: 03 jul. 2016. 12 Disponível em: http://www.aperj.rj.gov.br/doc/tabela%20de%20temporalidade%20publicada.pdf. Acesso em: 03 jul. 2016. 13 Disponível em: http://www.aperj.rj.gov.br/doc/manual%20de%20gestao.pdf. Acesso em: 03 jul. 2016. 20 Por definição são considerados arquivos, “os conjuntos de documentos que independentes de sua natureza ou suporte físico, são reunidos por acumulação natural, por pessoas físicas ou jurídicas, públicas o privadas, no exercício de suas atividades”. (DTA/SP, 1996). Nesta definição se verificam características essenciais dos documentos, a primeira é sua natureza probatória. Ele é o registro do ato que lhe dá origem, é o espelho fiel da ação, o que o torna prova documental, gênese que se revela na análise de suas características intrínsecas e extrínsecas. A segunda característica é que o arquivo se forma por um processo de acumulação natural, o que significa dizer que tem o atributo especial de ser um conjunto orgânico e estruturado, onde seu conteúdo e significado só podem ser compreendidos na medida em que se possa ligar o documento ao seu contexto de produção, às suas origens funcionais. O conjunto é orgânico porque refletindo à atividade administrativa que lhe dá origem, revela que os documentos estão relacionados entre si. “A organicidade é uma qualidade segundo a qual os arquivos refletem a estrutura, as funções e as atividades da entidade acumuladora em suas relações internas e externas”. (DTA/SP, 1996) Reflexo e produto material da ação desenvolvida no processo administrativo a especificidade de cada arquivo vem comprovada pela tipologia documental produzida. A aplicabilidade da metodologia de identificação de tipologia documental para a organização de documentos acumulados possibilita a recuperação da proveniência quando não existem as condições materiais para iniciar seu tratamento técnico; permite a reconstrução das circunstâncias de criação de um documento, das ações, transações, processos e procedimentos administrativos que se materializaram na forma e na substância e que justificaram as relações de organicidade específicas da gestão do órgão produtor. A partir do reconhecimento do tipo e comparação dos seus elementos identificadores determinados pela ação que lhe dá origem, se forma a série documental, objeto do tratamento técnico. Nesta perspectiva, apresentam-se os procedimentos e instrumentos para organização e descrição a partir da identificação da tipologia documental: 6.1. Identificação e denominação do tipo Manuseio e leitura individual das peças documentais. Caracterização da espécie, a partir das definições apresentadas em dicionários 21 especializados, como por exemplo a lista de espécies documentais publicadas por Bellotto (2004). Ex: Portaria Fixação do tipo documental, a partir da denominação da atividade registrada. Identificar no texto do documento o verbo que explicita o início da ação administrativa correspondente e a matéria que se refere à ação, elementos que constam do dispositivo. Ex: Portaria – nomeação de cargo 6.2. Definição da série documental Análise comparativa da tipologia documental e agrupamento em conjuntos que registrem a mesma atividade (sequência de unidades do mesmo tipo documental) Ex: Portaria de nomeação de cargo Elaboração da ficha de identificação de tipos documentais. Ficha de Identificação de Tipologia Documental Data-limite Classificação Entrada descritivada série documental (tipo documental e descrição do conteúdo) Notação Quantidade Fonte: RODRIGUES (2003) Ficha de Identificação de Tipologia Documental 1870 – 1888 CM Fazenda Arrecadação Requerimentos de licença para o funcionamento de negócios e profissões Nome do requerido, assunto, local, data, assinatura do requerente. P 01 / Cx 10 20 docs Fonte: RODRIGUES (2003) 6.3. Classificação e ordenação Identificação de elementos do contexto de produção. Anotar na ficha de 22 identificação de tipologia documental, os nomes das estruturas administrativas e/ou funções identificadas no documento. Definição da classificação a partir dos elementos identificados na tipologia documental, complementando com os dados do plano de classificação. Quadro de Classificação (Parcial) dos Documentos do Poder Público Municipal (Câmara, Prefeitura e Intendência) Grupo Subgrupo Administração Material Patrimônio Pessoal Protocolo Transporte Manutenção Agricultura Cultura Equipamentos Eventos Desenvolvimento Urbano e Rural Habitação Meio Ambiente Uso e Ocupação do Solo Obras Particulares Obras Públicas Educação Educação Infantil Ensino Fundamental Ensino Superior Merenda Escolar Esportes Finanças Contabilidade Orçamento Tesouraria Tributação Fonte: CAMARGO (apud GUIA, 1996) Ordenação dos documentos, de acordo com os critérios estabelecidos para a recuperação das informações contidas nas séries documentais. Atribuição da notação às peças documentais que integram a série e acondicionamento em unidades de arquivamento (pastas e caixas). 6.4. Descrição Transcrição dos dados das fichas de identificação de tipos documentais para o formato de inventário, cujos tipos documentais devem ser arrolados alfabeticamente, assim como os formulários preenchidos por subgrupo e grupo, respectivamente. 23 Inventário dos Documentos do Poder Público Municipal de Campo Belo, MG (Câmara / Intendência / Prefeitura) Classificação Grupo: Fazenda Subgrupo: Arrecadação Nº Tipo documental Fundo Data – Limite Quantidade Notação Obs 1 Requerimentos de licença para o funcionamento de negócios e profissões Nome do requerido, assunto, local, data, assinatura do requerente. CM IM 1879 – 88 1890 – 92 20 docs 10 docs P01 / Cx10 P01 / Cx10 Campo Belo e distritos de Cristais, Santana do Jacaré e Porto dos Mendes 2 Requerimentos de baixa no lançamento de impostos Nome do requerido, assunto, local, data, assinatura do requerente. CM 1886 – 89 50 docs P02 / Cx10 Fonte: RODRIGUES (2003) 7. Considerações finais A Diplomática é uma disciplina investigativa que fornece à Arquivística os parâmetros teóricos e metodológicos necessários para identificar a gênese dos documentos de arquivo, na busca de soluções para superar os desafios impostos para seu reconhecimento, gestão, organização e acesso. A relação estabelecida entre a Diplomática e a Arquivistica, no contexto da identificação de tipologia documental, revela a pertinência destes estudos para o desenvolvimento das funções arquivísticas. Nesta dimensão o trabalho arquivístico reveste-se de cientificidade, possibilitando o delineamento de um perfil profissional analítico, que fundamenta sua atuação na reflexão critica sobre a natureza e características do documento, transformando o arquivista em produtor de conhecimento científico. Referencias BELLOTTO, Heloisa Liberalli. Arquivos permanentes; tratamento documental. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004. 24 BELLOTTO, Heloisa Liberalli. 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