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LEGISLAÇÃO PENAL APLICADA Eduardo Augusto de Souza Massarutti Revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna Bacharel em Direito Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e em Direito Público Mestre em Direito Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 L514 Legislação penal aplicada / Mariana Gloria de Assis... [et al.] ; [revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. 418 p. : il. ; 22,5 cm ISBN 978-85-9502-433-5 1. Direito penal. I. Assis, Mariana Gloria de. CDU 343 Crime tentado e crime consumado Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar crime tentado de crime consumado. Descrever as espécies de tentativa. Identificar o momento em que o crime se consuma. Introdução Os diversos tipos de crimes possuem cada qual uma descrição no Código Penal e em outras leis penais espalhadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina também apresenta uma definição do que é crime. Porém, para que a conduta criminosa seja de fato penalizada, em con- formidade com a legislação penal, é fundamental compreender como o crime se consumou. Antes que o crime seja consumado, o agente criminoso percorre um caminho que a doutrina costuma denominar de “caminho do crime” ou iter criminis. No crime consumado, o iter criminis inicia-se com a cogita- ção, uma fase interna, na qual o agente pensa no crime e em como vai cometê-lo, passando então para a fase externa de preparação e execução, até chegar na consumação. Esse caminho pode ser interrompido antes que o crime seja consumado e, dependendo do momento em que ocorre essa interrupção, a conduta do agente criminoso pode caracterizar o crime tentado, o que implicará redução da pena prevista para o crime consumado de 1/3 até 2/3. A doutrina apresenta também várias espé- cies de tentativa, como a perfeita e a imperfeita, classificação esta que influenciará o juiz na hora de calcular a diminuição da pena. Neste capítulo, você vai aprender a diferenciar crime tentado de crime consumado, conhecer as espécies de tentativa e entender o caminho que o criminoso percorre até chegar à consumação do crime. C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 1 16/05/2018 09:09:02 Diferença entre crime tentado e crime consumado Antes de estudar o crime tentado e o crime consumado, é importante enten- der o motivo pelo qual devemos conhecer suas diferenças. O motivo está no próprio Código Penal, o qual estabelece penas diferentes para cada um deles. O art. 121 do CP, por exemplo, fixa a pena de reclusão de 6 a 20 anos para o indivíduo que cometer a conduta de “matar alguém”. Já o art. 14, II, parágrafo único, do mesmo código, estabelece que a tentativa deve ser punida com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. (BRASIL, 1940). Você pode perceber a importância de compreender a diferença entre crime tentado e crime consumado, pois dependendo do tipo de crime cometido, o criminoso será punido com sanções distintas. Qual seria então a diferença entre crime tentado e crime consumado? O próprio CP apresenta o conceito de cada um, tornando possível verificar a diferença entre eles. O art. 14, I e II, do CP estabelece o seguinte (BRASIL, 1940, documento on-line): Art. 14 – Diz-se o crime: I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; Tentativa II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Pena de tentativa Parágrafo único – Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Em outras palavras, o crime se consuma quando o agente pratica todos os elementos contidos na norma penal, e o resultado se verifica. Ou seja, ocorre na vida real tudo aquilo que está definido na norma penal, tanto a prevista no CP como em outras leis penais. Para exemplificar, imagine a conduta do indivíduo A que furta a carteira de alguém, retira o dinheiro que estava dentro e compra alguns bens materiais para si. Pronto! O crime está consumado. Crime tentado e crime consumado2 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 2 16/05/2018 09:09:02 No caso da tentativa, o sujeito começa a praticar atos com a intenção de cometer determinado crime, mas fatos externos à sua vontade acabam impedindo que ele consume o crime que desejava praticar. Para exemplificar, imagine a conduta do indivíduo B, que aponta uma arma para alguém que vai entrar em um carro, com o objetivo de roubar o automóvel. Nesse instante, chega um policial e dá voz de prisão ao assaltante, que entrega a arma e é preso. Nesse caso, o crime de roubo não chegou a ser consumado, mas ficou apenas na tentativa. O Quadro 1 apresenta as definições de alguns juristas brasileiros para crime consumado e crime tentado, possibilitando a compreensão dos conceitos e das diferenças entre um e outro crime. Guilherme de Souza Nucci “Crime consumado: é o tipo penal integralmente reali- zado, ou seja, quando o tipo concreto se enquadra no tipo abstrato.” “Crime tentado: é a realização incompleta da conduta típica, que não é punida como crime autônomo.” (NUCCI, 2017, p. 293.) Fernando Capez “Crime consumado: é aquele em que foram realizados todos os elementos constantes de sua definição legal.” “Crime tentado: não consumação de um crime, cuja exe- cução foi iniciada, por circunstâncias alheias à vontade do agente.” (CAPEZ, 2017, p. 258.) Cleber Masson “Dá-se a consumação, também chamada de crime con- sumado ou summatum opus, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (CP, art. 14, I). É, por isso, um crime completo ou perfeito, pois a conduta criminosa se realiza integralmente. Verifica-se quando o autor concretiza todas as elementares descritas pelo preceito primário de uma lei penal incriminadora.” “O ato de tentativa é, necessariamente, um ato de exe- cução. Exige-se que tenha o sujeito praticado atos exe- cutórios, daí não sobrevindo a consumação por forças estranhas ao seu propósito, o que acarreta em tipicidade não finalizada, sem conclusão.” (MASSON, C., 2011, 320.) Quadro 1. Conceitos de crime consumado e crime tentado conforme juristas brasileiros. 3Crime tentado e crime consumado C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 3 16/05/2018 09:09:02 É importante que você saiba também a diferença entre crime consumado e crime exaurido, uma vez que nem todo crime depende de um resultado determinado para sua concretização. Dessa forma, se um crime que não depende de resultado for cometido, e após a conduta criminosa ainda assim ocorrer um resultado, o crime será considerado exaurido. De acordo com Capez (2017, p. 258): [...] crime exaurido é aquele no qual o agente, após atingir o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico, procura dar-lhe uma nova destinação ou tenta tirar novo proveito, fazendo com que sua conduta continue a produzir efeitos no mundo concreto, mesmo após a realização integral do tipo. É o caso do funcionário público que, após atingir a consu- mação mediante a solicitação de vantagem indevida, vem a efetivamente recebê-la. Para o aperfeiçoamento típico, o efetivo recebimento dessa vantagem é irrelevante, pois se atinge a consumação com a mera solicitação; no entanto, o recebimento é um proveito ulterior obtido pelo sujeito ativo. Em outras palavras, dependendo do crime, por exemplo, corrupção passiva (solicitar vantagem indevida), ele pode ser consumado com a mera solicitação da vantagem, mas posteriormente ser exaurido, ou seja, ter esgotadas as suas consequências – nesse caso, receber efetivamente a vantagem solicitada. Seguindo o mesmo raciocínio, Nucci (2017, p. 298) esclarece que: [...] o exaurimento do crime significa a produção de resultado lesivo ao bem jurídico após o delito já estar consumado, ou seja, é o esgotamento da atividade criminosa, implicandooutros prejuízos além dos atingidos pela consumação. É o que ocorre no contexto dos crimes formais, quan- do atingem o resultado previsto no tipo — mas não obrigatório para a consumação. Exemplo disso: o recebimento do resgate (exaurimento) na extorsão mediante sequestro, que se consuma após a realização da privação da liberdade da vítima. Portanto, a diferença entre crime tentado e crime consumado consiste no fato de que, no crime consumado, a conduta humana é idêntica àquela prevista na norma penal, ocorrendo a consumação do crime previsto e a aplicação da pena respectiva. Por outro lado, no crime tentado, a conduta humana, no momento em que está iniciando a execução do crime, é interrompida por fatores externos e alheios à vontade do agente, o que impede a consumação e, consequentemente, dá direito ao criminoso a uma diminuição de um terço a dois terços da pena correspondente ao crime consumado. Crime tentado e crime consumado4 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 4 16/05/2018 09:09:02 Apesar das diferenças entre o crime consumado e o crime tentado, é importante que você saiba que há um ponto comum entre ambos. Tanto no crime tentado quanto no crime consumado, o dolo (a intenção de cometer o crime) está presente e é idêntico nos dois. Para exemplificar, imagine alguém que está tentando furtar a sua residência e é surpreendido por você, que consegue imobilizar o indivíduo até que a polícia chegue. Nesse caso, apesar de o crime ser tentado, o dolo (a intenção) de furtar é o mesmo dolo que estaria presente se o criminoso tivesse obtido sucesso em consumar o crime. Espécies de tentativa O crime tentado admite várias espécies de tentativa, como você poderá perceber neste tópico. O CP não estabelece essa classifi cação dos tipos de tentativa, a qual é elaborada pelos doutrinadores de Direito Penal, conforme demonstrado a seguir. As espécies de tentativa, dependendo da doutrina adotada, são divididas em: a) tentativa perfeita (também conhecida como tentativa acabada, frustrada ou crime falho); b) tentativa imperfeita (também conhecida como inacabada); c) tentativa branca ou incruenta; d) tentativa cruenta; e) tentativa abandonada ou qualificada; f) tentativa inadequada ou inidônea. Tentativa perfeita: ocorre quando o sujeito emprega todos os meios necessários e faz tudo o que é possível para que o crime seja consumado, inclusive atingir a vítima, mas sua ação é interrompida e o resultado descrito na norma penal não se concretiza por circunstâncias contrárias à sua vontade. Conforme Nucci (2017), ela ocorre, por exemplo, quando a vítima é atingida por vários disparos de arma de fogo, e o atirador foge acreditando que conseguiu matar a vítima, a qual é socorrida por uma pessoa que vinha passando no local. Nesse caso, a conduta será punida como tentativa de homicídio e a pena será diminuída. Tentativa imperfeita: ocorre quando o agente criminoso não consegue executar todos os atos que deseja para consumar o crime, pois é impedido por alguma causa contrária à sua vontade. Segundo Nucci (2017), ela ocorre, por exemplo, quando alguém realiza vários disparos com arma de fogo, mas não acerta nenhum porque foi impedido por um terceiro que lhe tomou a arma. Nesse caso, a pena sofrerá uma diminuição 5Crime tentado e crime consumado C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 5 16/05/2018 09:09:02 maior, pois os atos executórios estavam apenas no início, uma vez que a vítima sequer havia sido atingida. Tentativa falha: ocorre por causa de atitude interna do agente, o qual pensa que não conseguirá continuar na execução do crime, mas, na verdade, ele poderia. Conforme Nucci (2017), é o caso do criminoso que posiciona sua arma para atirar na vítima e outra pessoa chega ao seu lado e diz que a arma não possui munição. Nesse momento o agente larga a arma, acreditando que falhou no propósito de matar. É caso de tentativa e não de desistência voluntária, como pode parecer, pois o criminoso não enxerga alternativa que não seja largar a arma. Tentativa branca ou incruenta: pode ser perfeita ou imperfeita e ocorre quando a vítima não sofre qualquer tipo de lesão e sequer é atingida. Conforme Capez (2017), na branca, a conduta é realizada de forma integral, mas não consegue atingir a vítima, como no caso de errar todos os tiros. Na incruenta, a execução é interrompida por circunstâncias alheias à vontade do criminoso, como acontece no caso de alguém que é desarmado logo após o primeiro disparo da arma. Tentativa cruenta: ocorre quando a vítima é atingida e sofre lesões, como ocorre no caso de ser lesionada pelos disparos de arma de fogo. Segundo Capez (2017), essa espécie pode ocorrer na tentativa imperfeita e na tentativa perfeita. Tentativa abandonada ou qualificada: é o nome dado por alguns juristas para os casos de desistência voluntária e arrependimento eficaz, conforme Estefam (2017). Tentativa inadequada ou inidônea: de acordo com Estefam (2017, p. 274), “corresponde ao crime impossível (CP, art.17)”. O jurista Victor Eduardo Rios Gonçalves elaborou uma classificação dos crimes tentados, a qual ele divide em três critérios: a) quanto ao iter criminis percorrido (o caminho percorrido até se chegar ao crime consumado), dentro do qual a tentativa pode ser perfeita ou imperfeita; b) quanto ao resultado produzido na vítima, dentro do qual a tentativa pode ser branca ou cruenta; c) quanto à possibilidade de alcançar a consumação, dentro do qual a tentativa pode ser idônea ou inidônea (GONÇALVES, 2015). Apesar da inclusão da espécie denominada de tentativa abandona ou qualificada, mencionada na obra de Estefam (2017), é importante que você Crime tentado e crime consumado6 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 6 16/05/2018 09:09:02 saiba que desistência voluntária e arrependimento eficaz não são a mesma coisa que tentativa ou crime tentado. O CP possui artigo específico para tratar essas duas hipóteses. O art. 15 da referida norma estabelece: “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados” (BRASIL, 1940, documento on-line). Você pode perceber que, diferentemente do crime tentado, no qual o agente não consuma o crime por circunstâncias alheias à sua vontade, nas hipóteses descritas no art. 15 do CP, o crime não se consuma pela vontade do próprio criminoso. Para exemplificar, imagine o sujeito que dispara sua arma de fogo para matar a vítima e, após o primeiro tiro, sem acertar a vítima, desiste de con- tinuar. Nesse caso, houve desistência voluntária. Por outro lado, imagine que na mesma situação o indivíduo acerta o tiro na vítima, a qual começa a sangrar; logo em seguida, o agente decide levar o ferido a um hospital e acaba por salvar a vida do mesmo. Nessa hipótese, houve arrependimento eficaz. Em relação à última espécie de tentativa mencionada, a tentativa inade- quada ou inidônea, esta não deveria estar entre a classificação das espécies, uma vez que se refere ao crime impossível, previsto no art. 17 do CP, o qual estabelece que: “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime” (BRASIL, 1940, documento on-line). Nessa situação, a norma penal considera o fato atípico, ou seja, não há crime, e não haverá qualquer tipo de pena, nem mesmo diminuída. Para exemplificar, imagine alguém que tenta matar outra pessoa com uma arma de brinquedo. Nesse caso, o meio utilizado é absolutamente ineficaz. Pense também na hipótese de alguém tentar matar um cadáver. Nessa situação, o bem material atingido não pode sofrer lesão. Em ambos os exemplos não há tentativa de crime que poderia ser consumado, mas sim crime impossível, o qual não será punido. Porém, como o CP utiliza a expressão “não se pune a tentativa”, alguns doutrinadores preferem incluir essa hipótese entre as espécies de tentativa, o que não causaqualquer prejuízo para a compreensão do tema. 7Crime tentado e crime consumado C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 7 16/05/2018 09:09:03 Apesar de o CP não estabelecer uma diferença entre as espécies de tentativa em relação à quantidade de pena que será aplicada para cada uma delas, o magistrado deve considerar a espécie de tentativa ocorrida na hora de fixar qual a quantidade de pena que será aplicada, uma vez que, conforme Capez (2017), quanto mais se aproximar da consumação, menor será a diminuição da pena, considerando o parâmetro de 1/3 a 2/3 de redução. Em outras palavras, o juiz deverá considerar o caminho que estava sendo percorrido para se chegar à consumação do crime, e quanto mais perto o agente chegar da consumação menor será a redução da pena, conforme Nucci (2017). Momento de consumação do crime Para compreender o momento de consumação do crime, primeiro é preciso entender o caminho percorrido até se chegar à consumação, caminho este que os juristas do direito penal costumam denominar iter criminis, expressão em latim que signifi ca “caminho do crime”. De acordo com Bitencourt (2008, p. 400), “há um caminho que o crime percorre, desde o momento que germina, como ideia, no espírito do agente, até aquele em que se consuma no ato final. A esse itinerário que o crime percorre, desde o momento da concepção até aquele em que ocorre a consumação, chama-se iter criminis”. Esse caminho se inicia internamente no sujeito infrator, o qual idealiza o desejo de cometer o crime, passando pelo momento em que ele considera os pontos positivos e negativos de sua atitude criminosa e, logo após, decide praticar ou não sua conduta. Em seguida, percorre a fase externa de manifes- tação, preparação e execução, até chegar à consumação. Em relação a esse caminho percorrido até se chegar à consumação do crime, o jurista Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 296-298) apresenta uma descrição completa, conforme mostrado a seguir: Fase interna, que ocorre na mente do agente, percorrendo, como regra, as seguintes etapas: a. 1) cogitação: é o momento de ideação do delito, ou seja, quando o agente tem a ideia de praticar o crime; a. 2) deliberação: trata-se do momento em que o agente pondera os prós e os contras da atividade criminosa idealizada; a. 3) resolução: cuida do instante em que o agente decide, efetivamente, praticar o delito. Crime tentado e crime consumado8 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 8 16/05/2018 09:09:03 Fase externa, que ocorre no momento em que o agente exterioriza, por meio de atos, seu objetivo criminoso, subdividindo-se em: b. 1) manifestação: é o momento em que o agente proclama a quem queira e possa ouvir a sua resolução. Embora não possa ser punida esta fase como tentativa do crime almejado, é possível tornar-se figura típica autônoma, como acontece com a concretização do delito de ameaça; b. 2) preparação: é a fase de exteriorização da ideia do crime, através de atos, que começam a materializar a perseguição ao alvo idealizado, configurando uma verdadeira ponte entre a fase interna e a execução. b. 3) execução: é a fase de realização da conduta designada pelo núcleo da figura típica, constituída, como regra, de atos idôneos e unívocos para chegar ao resultado, mas também daqueles que representarem atos imediatamente anteriores a este, desde que se tenha certeza do plano concreto do autor. Exemplo: comprar um revólver para matar a vítima é apenas a preparação do crime de homicídio, embora dar tiros na direção do ofendido signifique atos idôneos para chegar ao núcleo da figura típica “matar”; b. 4) consumação: é o momento de conclusão do delito, reunindo todos os elementos do tipo penal. É necessário esclarecer que os pensamentos, deliberações e resoluções que ocorrem na fase interna não são punidas pelo Direito Penal. Por outro lado, a fase externa sofrerá punição em todas as suas etapas dependendo do tipo de crime. Em relação à fase interna, na qual o indivíduo está apenas pensando em cometer o crime, não pode haver punição, uma vez que ninguém pode ser punido por pensamentos. Quanto à fase externa, a mera manifestação da vontade de cometer o crime, quando o sujeito afirma, por exemplo, que vai assaltar um banco, também não pode ser punida. Contudo, dependendo do tipo de crime, a simples manifestação do desejo de cometer o delito pode sujeitar o criminoso a uma sanção penal. Para en- tender melhor, imagine o agente que ameace determinada pessoa perante a vizinhança do bairro onde mora, afirmando que vai matá-la. Nesse caso, há crime passível de punição, pois o simples fato de alguém dizer que vai matar outra pessoa já é suficiente para caracterizar o crime de ameaça, pois nesse delito não há necessidade de que a vítima se sinta ameaçada, bastando que ela receba a ameaça. Igualmente, a preparação para cometer o crime, como regra geral, não pode ser punida. Porém, dependendo do crime, ela poderá sofrer punição. É o caso do sujeito que fabrica uma bomba para explodir um prédio. Nesse caso, mesmo que ele não venha a explodir a bomba, o simples fato de manter o explosivo em casa já caracteriza o crime descrito no art. 253 do CP: “fabricar, 9Crime tentado e crime consumado C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 9 16/05/2018 09:09:03 fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação” (BRASIL, 1940, documento on-line). Assim, mesmo que não venha a explodir o prédio, o sujeito poderá ser punido pela preparação do crime, qual seja a conduta de fabricar ou manter sob sua posse o explosivo. Depois de percorrido todo o caminho do crime é que se chega à sua consu- mação. É claro que, dependendo do tipo de crime cometido, esse caminho será mais curto ou mais longo. Portanto, você pode perceber que alguns crimes são cometidos logo na fase de manifestação ou preparação, e outros apenas após a execução e consequente consumação com determinado resultado. Para exemplificar o caminho até a consumação, imaginemos as seguintes situações: João, em sua mente, pensa: vou matar Pedro. Até esse momento ele não cometeu qualquer tipo de crime. Em seguida, João bate à porta do seu vizinho e diz: estou com tanta raiva de Pedro que estou pensando em matá-lo. Diga a ele que vou matá-lo! Nesse instante, João comete o crime de ameaça, apesar de ainda não ter cometido o crime de homicídio, para o qual ele estaria ainda na fase de manifestação da vontade e precisaria chegar na fase de execução. Portanto, a consumação do crime de ameaça percorre um caminho mais curto que a consumação do crime de homicídio. Jorge, em sua mente, pensa: vou furtar um banco. Até esse momento ele não cometeu qualquer tipo de crime. Posteriormente, ele manifesta a um amigo a sua intenção de cometer o furto ao banco. Até esse momento ele ainda não cometeu qualquer tipo de crime. Na sequência, ele compra um explosivo para arrombar a porta do banco e o caixa eletrônico. Até esse momento ele não cometeu o crime de furto, o qual precisa entrar na fase de execução e terminar com a consumação, porém, nesse instante, já fica caracterizado o crime de possuir substância explosiva. Crime tentado e crime consumado10 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 10 16/05/2018 09:09:03 O esquema do Quadro 2 apresenta o caminho percorrido até a consumação do crime e as consequências de cada etapa realizada. Cogitação Preparação Execução Consumação Exaurimento Irrele- vante para o Direito Penal Irrelevante para o Direito Penal, a não ser que a mera preparação já caracterize um crime, como ocorre no caso de o agente manter explosivo sob sua posse Importante para o Di- reito Penal Importante para o Direito Penal Irrelevante para o Direito Penal Não há san- ção penal Regra: não há sanção penal. Exceção: sanção para a conduta já praticada Regra: sanção pela tentativa, com a pena do crime consu- madodiminu- ída de 1/3 a 2/3. Exceção: de- sistência e ar- rependimento – punição somente pelos atos praticados Sanção pelo crime consumado Sanção pelo crime consu- mado mais aumento da pena-base Quadro 2. O caminho do crime. Os juristas Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini (2017, p. 357) alertam que: [...] nem a cogitação nem a preparação são, em regra, puníveis. Mas, se o crime ingressa na fase executiva, é punível a conduta daquele que interveio, seja na forma- ção da vontade criminosa, ou seja, interveio na cogitatio mediante o induzimento ou a instigação, seja na preparação do delito, por meio de auxílio. É importante, portanto, pôr em destaque que a colaboração na empreitada criminosa, mesmo quando se dá nesses momentos embrionários, é já alcançada pela tipicidade (em virtude da norma de extensão espacial da figura consubstanciada no art. 29 do CP), desde que o delito seja, no mínimo, tentado, pelo autor principal. 11Crime tentado e crime consumado C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 11 16/05/2018 09:09:03 Em outras palavras, se determinado indivíduo pensa em cometer um crime, ele não poderá ser punido, pois ainda está na fase de cogitação. Porém, se nesse momento em que ele está pensando em cometer o crime, chega um amigo e o estimula a cometer o ato criminoso, esse que induz o amigo a cometer a infração penal poderá ser punido, mesmo que ele esteja participando apenas da fase de cogitação daquele que pretende praticar a conduta criminosa, com base no art. 29 do CP, que estabelece: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (BRASIL, 1940, documento on-line). Para exemplificar, imagine que Carlos está pensando em furtar uma residência no momento em que chega seu amigo Célio, que começa a induzi-lo a cometer o crime de furto. Se o crime realmente for praticado, Célio também sofrerá uma punição, mesmo que tenha participado apenas da fase de cogitação, manifestação ou preparação. Porém, se o crime não for consumado ou pelo menos tentado, Célio não responderá por crime algum e não sofrerá sanção penal. 1. O art. 317 do CP descreve o crime de corrupção passiva nos seguintes termos: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. João, funcionário público, comete esse crime ao solicitar do cidadão Pedro uma quantia em valor para emitir uma certidão que deveria ser fornecida de forma gratuita e, no dia seguinte, receber o valor que solicitou para emitir a certidão. Com base nesse enunciado, assinale a alternativa correta: a) A conduta realizada por João caracteriza crime tentado. b) A conduta realizada por João caracteriza crime somente quando ele recebe a quantia em dinheiro solicitada para fornecer a certidão. c) A conduta realizada por Pedro caracteriza crime tentado. d) A mera conduta de João de solicitar o dinheiro caracteriza crime consumado, e o recebimento da importância solicitada caracteriza crime exaurido. e) A mera conduta de Pedro de pagar a quantia solicitada caracteriza crime tentado. 2. A respeito de crime tentado e crime consumado, assinale a alternativa correta: a) Crime tentado é o mesmo que iter criminis. b) Crime tentado ocorre quando, iniciada a execução, o ato não Crime tentado e crime consumado12 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 12 16/05/2018 09:09:04 se consuma, por circunstâncias alheias à vontade do agente. c) Crime tentado ocorre quando, iniciada a execução, o ato não se consuma, pela própria vontade do agente criminoso de desistir do crime. d) Crime tentado e crime consumado ocorrem ao mesmo tempo. e) Crime tentado e crime consumado são a mesma coisa. 3. Mário discutiu com Sérgio, segurança de uma boate. Após as 2 horas da manhã, a boate foi fechada, e o segurança se dirigiu para o seu carro. De repente, apareceu Mário, apontando um revólver para Sérgio, que imediatamente começou a correr. Mário, por sua vez, começou a atirar na direção de Sérgio e a segui-lo. Mário disparou 10 tiros, mas não acertou nenhum. Quando foi tentar o próximo tiro, um policial que estava passando deu voz de prisão para Mário e tomou sua arma. Com base nessa situação descrita, assinale a alternativa correta. a) Mário não cometeu nenhum crime, pois não conseguiu acertar nenhum tiro em Sérgio. b) Mário não cometeu nenhum crime, pois a consumação do crime foi interrompida por circunstâncias alheias à sua vontade. c) Mário cometeu crime tentado, na espécie denominada pela doutrina de tentativa perfeita. d) Mário cometeu crime tentado, na espécie denominada pela doutrina de tentativa falha. e) Mário cometeu crime tentado, na espécie denominada pela doutrina de tentativa imperfeita. 4. Analise as situações a seguir: I. Marquinhos tentou matar Fernando com sua arma. Disparou duas vezes e não conseguiu acertar a vítima. Depois, foi desarmado pelo amigo de Fernando. II. Cláudio tentou matar Luiz com sua arma. Disparou uma vez e acertou o tiro na vítima. Porém, Luiz foi socorrido por uma pessoa que passava na hora e sobreviveu. De acordo com essas duas situações descritas, assinale a alternativa correta. a) Marquinhos e Cláudio cometeram crime consumado. b) Marquinhos e Cláudio cometeram crime tentado; porém, Marquinhos receberá uma pena maior. c) Marquinhos e Cláudio cometeram crime tentado e os dois receberão a mesma pena, pois o CP não faz distinção entre as várias espécies de tentativa. d) Marquinhos e Cláudio cometeram crime tentado; no entanto, Cláudio receberá uma pena maior. e) Marquinhos cometeu crime tentado e Cláudio cometeu crime consumado. 5. De acordo com Bitencourt (2008), “há um caminho que o crime percorre, desde o momento que germina, como ideia, no espírito do agente, até aquele em que se consuma no ato final. A esse itinerário que o crime percorre, desde o momento da concepção até aquele em que ocorre a consumação, chama-se iter criminis”. Considerando o caminho percorrido até se chegar à consumação do crime, assinale a alternativa correta: a) A fase do caminho do crime denominada de “cogitação” é punida pelo Direito Penal. b) Somente o crime consumado pode sofrer punição. 13Crime tentado e crime consumado C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 13 16/05/2018 09:09:04 BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 12 maio 2018. CAPEZ, F. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2017. ESTEFAM, A. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017. GONÇALVES, V. E. R. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2015. JUNQUEIRA, G.; VANZOLINI, P. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017. MASSON, C. Direito penal esquematizado: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. v. 1. NUCCI, G. de S. Manual de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Leituras recomendadas ALVES, A. F. O instituto jurídico da tentativa no direito penal. Disponível em: <https:// andrelfeipe.jusbrasil.com.br/artigos/129315087/o-instituto-juridico-da-tentativa-no- -direito-penal>. Acesso em: 30 abr. 2018. CUNHA, R. S. Manual de direito penal: parte geral. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. OLIVEIRA, William César Pinto de. Iter criminis: o caminho do crime. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/ site/index.php/%3C?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11028&revista_ca- derno=3>. Acesso em: 12 maio 2018. QUEIROZ, D. L. Crime tentado e crime consumado. Disponível em: https://jus.com.br/ artigos/48082/crime-consumado-e-crime-tentado. Acesso em: 30 abr. 2018. c) Afase do caminho do crime denominada de preparação pode ser punida, dependendo do tipo de crime. d) O crime tentado ocorre sempre que o caminho é interrompido logo após a fase de preparação. e) O crime se consuma na fase de manifestação, independentemente do crime cometido. Crime tentado e crime consumado14 C12_Legislacao_penal_aplicada.indd 14 16/05/2018 09:09:05 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm http://andrelfeipe.jusbrasil.com.br/artigos/129315087/o-instituto-juridico-da-tentativa-no- http://www.ambitojuridico.com.br/ https://jus.com.br/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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