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4 Favelização: um breve análise sobre a favela, a partir do quarto de despejo Sidnalva Viana- Graduada em História pela Universidade Católica do Salvador- UCSAL Resumo A construção da sociedade se dá a partir da diferença de classes sociais, com espaços diferenciados em que privilegia um determinado grupo, em detrimento de outros, delegando aos menos privilegiados espaços sem estrutura e sem um mínimo de condições de higiene e saneamento. O espaço em questão são as favelas, denominadas por Carolina como quarto de despejo, pois a mesma sofreu pela falta de oportunidade e a exclusão social, mesmo possuindo um gosto pela leitura e se revelando como uma grande escritora, teve que viver catando lixo para sobreviver e criar os seus dois filhos. Palavras-chave: Favela, gênero, raça, exclusão social Introdução De uma forma simplificada pode se entender paisagem como aspectos perceptíveis do espaço geográfico, em que podemos sentir, mas essa concepção exclui outros aspectos de extrema relevância que é a inter-relação entre a esfera natural e humana, onde o homem se apropria desse espaço e historicamente vai organizando, transformando-a em reflexo de uma realidade. Os espaços urbanos são ótimos exemplos da relação do homem com o meio, representando na atualidade a materialização das desigualdades sociais, onde encontramos locais com toda infraestrutura, em contrapartida, outros sem nenhum tipo de infraestrutura, nem condições de higiene, entre outros fatores. As favelas surgem como a necessidade de onde e como morar de pessoas que vivem as margens da sociedade, sendo núcleos de habitações rústicos e improvisados nas áreas urbanas e suburbanas, irregularmente, ocupando as piores terras e na maioria das vezes, foram invadidas. Apresentam problemas de enchentes, desabamentos e que deixam os seus 5 moradores em situações de risco, por não ter outra opção, se arriscam, mesmo tendo ciência dos riscos enfrentados. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quarta-feira (21), como parte do Censo Demográfico 2010, os primeiros resultados sobre os aglomerados subnormais no País. Conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos ou palafitas, essas áreas abrigam os lares de 11.425.644 pessoas, ou 6% da população brasileira. O estudo feito pelo IBGE mostra que 5,6% (3.224.529) do total de domicílios brasileiros estão localizados nessas áreas. Em todo o País foram identificadas 6.329 favelas espalhadas em 323 municípios.. (ISTO É, 2016). . Silva (2012) relata que as favelas mais conhecidas do Brasil estão localizadas na cidade do Rio de Janeiro e surgiram por volta de 1900, estando em cima dos morros, locais aonde ninguém quer ir, por essa razão, ele conclui que o desinteresse por esses espaços fizeram com que formassem as favelas brasileiras e a maioria da população que nelas habitam é constituída por pessoas advindas de outras cidades que buscam nas metrópoles oportunidades de emprego e uma possibilidade de vida melhor. As metrópoles atraem as pessoas por possuírem um relativo desenvolvimento econômico, muitas delas pelas atividades industriais, entretanto, as ofertas disponíveis de emprego não são para todos e uma parcela significativa, dessas cidades, vivem excluídos da lógica e da dinâmica da economia capitalista, muitos desses seres humanos recorrem a trabalhos subalternos, ou informais. Apesar de reconhecer que nos últimos 15 anos houve uma melhoria nas condições de habitação no Brasil, a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgada hoje (16) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que ainda é perceptível a diferença entre negros e brancos, especialmente no que diz respeito aos domicílios localizados em assentamentos subnormais, ou seja, favelas e assemelhados. (AGÊNCIABRASIL, 2019). A análise sobre as classes sociais não pode ser dissociado das questões raciais, pois algumas pesquisas e levantamentos realizados constatam que a maioria da população que vivem em situação de vulnerabilidade social é composta por negros e o oposto acontece quando se refere a cargos de comando e melhores salários e oportunidades, dessa forma, podemos observar que a maioria dos moradores das favelas brasileiras são negros. O processo de favelização Pensar em habitações se faz necessário entender o sentido do racismo e as suas implicações dentro do seio da sociedade, buscando compreender os sentidos, as lógicas e as 6 tecnologias que geram as desigualdades sociais que moldam toda a estrutura da vida social, transformando o processo de exclusão como algo natural, negligenciando todos os fatores históricos embutidos em tais acontecimentos. Silvio Almeida (2018) chama atenção para a diferença entre racismo e preconceito, pois quando o racismo passa a ser encarado como um fator individualista, ele se enquadra mais como um preconceito, camuflando toda esfera política, econômica e social que ele abrange, sendo assim, Almeida define o racismo como estrutural que move os campos políticos e dá sustentação a sociedade e as desigualdades sociais. Restringir o racismo ao comportamento individual inviabiliza o processo de análise dos fatores que sustentam toda uma dinâmica racista, sustentada pelo funcionamento das instituições que atuam em dinâmica que confere desvantagens e privilégios, mesmo em alguns momentos de forma indireta. (SILVIO ALMEIDA, 2018). A história de Carolina Maria de Jesus é um exemplo do processo de exclusão social da qual o racismo estrutural é o grande responsável, não dando oportunidades e deixando as margens da sociedade uma escritora com grande talento, mas que por falta de opção recorria ao trabalho informal para sustentar os seus dois filhos. Esse presente trabalho pretende analisa o processo de favelização dos centros urbanos brasileiro, a partir do livro de Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo, buscando compreender o espaço geográfico e as pessoas que habitam esses locais, principalmente as mulheres negras, as condições em que as mesmas vivem, as estruturas dessas paisagens e as ações desenvolvidas pelos poderes públicos de saneamento básico e infraestrutura desses locais. Ana Carolina Maria de Jesus é o nome da primeira escritora negra do Brasil, marcou a década de 1960, com o seu livro Quarto de Despejo, o livro mais vendido no país, nesse período. O que mais chama atenção de Carolina é a origem em que a mesma veio, morava na favela do Caníndé na cidade de São Paulo, negra, mãe solteira, catadora de lixo, estudou apenas dois anos, mas era apaixonada pela leitura e escrita. No seu livro de grande sucesso a autora narra o seu cotidiano, as dificuldades enfrentadas para sobreviver e sustentar dois filhos, sem nenhum tipo de auxilio e ainda sentindo o peso social de ser negra, mulher e mãe solteira, em uma país que “os menos favorecidos tem cor” e “gênero”. A exclusão geográfica, tão bem expressa na manutenção, demonização e continua desumanização das favelas, funciona como uma metáfora e como a corporificação 7 concreta irrefutável de um sem-número de outros tipos de marginalização às quais as/os negras/ os estão submetidas/ os no Brasil nas áreas de moradia, emprego, saúde, educação e representação política. (VARGAS, 2005). Será realizado um análise do espaço geográfico a partir de uma moradora, destacando aspectos da formação desses locais baseado nas realações sociais, econômicas e culturais que estão inseridos nesses ambientes e contribuem para constituição dos mesmos, atendendo a uma lógica de relação de poder que exclui grupos, privando de condições dignas de moradias. Em Quarto de Despejo a moradora da favela do Canindé descreve com riqueza de detalhes o seu cotidiano, presenteando os leitores. No presente livroela apresenta as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras, marginalizadas que sofrem preconceito dos dois lados, pelo seu gênero e sua cor, não sendo possível identificar qual tipo de preconceito é o mais cruel e que atinge de forma mais incisiva. Rago atribui à história do corpo feminino a discussão de inúmeras construções estigmatizadoras e misóginas do poder médico onde só os aspectos físicos do corpo feminino inviabilizaria sua entrada no mundo dos negócios e da política1 somada a esses fatores, as questões raciais empurram as mulheres negras aos trabalhos informais, onde mulheres como Carolina lutam diariamente por sobrevivência. Para agravar a luta pela sobrevivência desses moradores a falta de água potável e saneamento básico ampliam as dificuldades diárias que os mesmos lutam para sobreviver. Desde de 2010 o ritmo é lento na implementação dos direitos humanos à agua e saneamento, apesar dos diversos debates realizados de cunho mundial e o planejamento para acabar com a pobreza, proteger o planeta e melhorar a vida e as perspectivas de todos está longe de acontecer se for mantido o ritmo de implementação dos direitos humanos. (ONU, 2020). Considerações Finais Carolina é um exemplo do processo de exclusão e como o título do seu livro faz uma alusão ao processo de exclusão que os negros enfrentam dentro da sociedade brasileira, quarto de despejo representa a favela, espaço urbano, onde a população carente habita e a escritora 1 RAGO,Margareth. “Epistemologia Feminista Gênero E História”. In: Pedro, Joana Maria & GROSSI, MIRIAM Pillarm (orgs.). Masculino, Feminino, Plural: gênero na interdisciplinaridade, Florianópolis, Ed. Mulheres, 1998, p. 35. 8 define como despejo, local indesejado e não apresenta nenhum tipo de estrutura de higiene, sanitária e infraestrutura. O perfil traçado pelos moradores desses espaços apresenta um perfil predominante, mulheres negras, mães solteiras e que trabalham em empregos informais para garantir o sustento da família, como assim fica definido no livro da moradora do Canindé. Com um livro em primeira pessoa, pois é um diário do seu cotidiano, ele dá visibilidade a várias mulheres que assim como a escritora sofrem diariamente para manter sua família e prover o sustento, algumas vezes elas não conseguem o dinheiro para comprar alimento, tendo que recolher a práticas humilhantes, arriscadas que põe em risco a sua saúde e a dos seus filhos, como a de comer alimento do lixo, mas a fome é muito mais forte e passa por cima de qualquer barreira. Os espaços urbanos ocupados por esses moradores não é uma mera coincidência, eles são pensados e estruturados para tais finalidades, impossibilitando o acesso a educação dos moradores que o compõe, e através da máscara da meritocracia e alimentada pelos meios de comunicação que destacam história de sucesso, como exemplos a seguir, sem destacar as barreiras enfrentadas pela população, o destaque a essa história dá ênfase a meritocracia e camufla uma realidade, como se o sucesso dependesse apenas de um esforço pessoal. Referências Bibliográficas ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Editora Jandaíra, 1° edição, 2019, São Paulo. ISTO É. IBGE: 6% da população brasileira mora em favelas. 2011. Disponível em: https://istoe.com.br/183856_IBGE+6+DA+POPULACAO+BRASILEIRA+MORA+EM+FAVELA S/, Acesso em 06/04/2021. NITAHARA, Akemi. Negros são maioria entre desocupados e trabalhadores informais no país. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados- e-trabalhadores-informais-no-pais. Acesso em 06/04/2021. RAGO,Margareth. “Epistemologia Feminista Gênero E História”. In: Pedro, Joana Maria & GROSSI, MIRIAM Pillarm (orgs.). Masculino, Feminino, Plural: gênero na interdisciplinaridade, Florianópolis, Ed. Mulheres, 1998, p. 35. RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo de feminismo negro? Companhia das Letras, 2018, São Paulo. https://istoe.com.br/183856_IBGE+6+DA+POPULACAO+BRASILEIRA+MORA+EM+FAVELAS/ https://istoe.com.br/183856_IBGE+6+DA+POPULACAO+BRASILEIRA+MORA+EM+FAVELAS/ https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados-e-trabalhadores-informais-no-pais https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados-e-trabalhadores-informais-no-pais
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