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O DECAMERON E A FUGA DA REALIDADE, RESENHA LITERÁRIA INTRODUÇÃO A obra de Giovanni Boccaccio, Decameron, é um marco na literatura italiana conhecida como “Il Trecento”, consolidando o autor como uma das três coroas do período. Essa trindade literária começa com Dante, que é conhecido pelo seu tom “divino”, escrevendo no sublime. O dono da segunda coroa é Petrarca, que assim como Dante, tem o sublime em seus escritos, mas percebe-se no autor o desejo da “descida”, pois por mais que o autor queira e tente, ainda não consegue se despir totalmente das convenções conhecidas. E Boccaccio, que tem como símbolo da sua coroa a escrita voltada para os elementos realísticos da sociedade em que vivia, e o Decameron é confirmação disto. Meu objetivo neste trabalho, não é mostrar como o autor revolucionou com sua escrita e sua obra em língua vulgar, a língua do povo, mostrando que a literatura era para todos aqueles que quisessem a possuir, ou com seus personagens que delineiam a sociedade da época, mas mostrar como o autor utilizou a literatura como fuga da realidade, tanto para ele, quanto para seus leitores, pois quem sobreviveu a devastação que foi a peste, merece o deleite das narrativas. A “FUGA” DO REAL No Decameron, Boccaccio descreve uma situação real ocorrida, que foi a peste negra, para representar um modelo de vida específico do seu período, mas, usa também da escrita literária como fuga metafórica da terrível realidade que o circundava, e de maneira fictícia, põe nas páginas da sua obra a narração da existência humana. Sem chorar pelo velho mundo, Boccaccio se refugia da peste e da morte escrevendo e apresentando através do riso uma tentativa de superar e vencer a realidade. A peste que assolou a Europa em 1348, pode ser descrita de diversas formas, um exemplo é a epidemia como um fenômeno físico, explorando quais as causas físicas de uma doença, quais bactérias ou vírus que as criaram e outros fatores que atingem mais o lado da estrita científica. Há ainda a perspectiva das consequências que a peste causou ao longo da história, as mudanças que ocorreram na sociedade. E há a construção da história de uma epidemia, que é contada conforme a perspectiva e os objetivos de quem o faz, e no Decameron Boccaccio faz a mesclagem dessas três escritas para narrar as suas histórias. A descrição que Boccaccio fez da peste em Florença marcou a passagem da enfermidade e fez com o que a obra ganhasse destaque na literatura. Para conduzir a sua narrativa, Boccaccio coloca um grupo de dez pessoas, três homens e sete mulheres, refugiando-se da epidemia em um lugar isolado no campo, locus a menos, onde esses jovens poderão se divertir, dançar, jogar e contar histórias da mais variada índole, durante o período do isolamento. Pode-se, assim, dizer que a peste é o ponto de partida para a narrativa do autor e a fuga dela que desencadeia as narrativas dos jovens. Ao decorrer das narrativas dos jovens a peste quase não é mencionada, pois como o próprio autor diz, sua pretensão é distrair e ajudar a tornar suportáveis os sofrimentos das mulheres apaixonadas. Acredito que, se a intenção do autor com a obra é fugir da realidade pestilenta, é entendível a não recorrência da epidemia, pois as misérias se dissipam quando a alegria chega. Na narrativa de Boccaccio há várias representações de fuga, as personagens, por exemplo, temendo a morte, pensando na sua própria salvação, optam, alguns, por viver de forma regrada, outros recorrem a bebida e a prazeres carnais, o importante é a urgência por gozar da vida antes de ser acometidos pela peste. Seja o autor ou as personagens, mesmo contextualizadas em uma situação de epidemia, as novelas do Decameron procuram introduzir o leitor em uma nova realidade, onde o maior perigo, talvez, seja o amor. Ao final, o relato da peste é complementar a um projeto de vencer o problema, pois em uma situação de destruição e morte, os protagonistas se refugiam no prazer. Por isto, considerada a “comédia humana”, não mais se procura a Deus e seu paraíso para proteger-se do mal, o ser humano de Boccaccio desfruta dos divertimentos que estão ao seu alcance terrestre, e “salvam-se” da peste neles. REFERÊNCIAS MARTINS, C.M. Peste e literatura: a construção narrativa de uma catástrofe. Dissertação (mestrado em estudos Anglo-Americanos) - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2011. Disponível em: https://eg.uc.pt/handle/10316/19317 Acesso em 16 mar. 2021. SIMONI, K. De peste e literatura: imagens do Decameron de Giovanni Boccaccio. Anuário de Literatura, [S. l.], v. 12, n. 12, p. 31-40, 2007. DOI: 10.5007/%x. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/5447 . Acesso em: 16 mar. 2021. https://eg.uc.pt/handle/10316/19317 https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/5447
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