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A SALA JULIO DE CASTILHOS E A CONSTRUÇÃO DO MITO DO PATRIARCA Letíssia Crestani; Luciana Brito; Jeanice Dias Ramos; Manolo Silveiro Cachafeiro; Valesca Henzel. 1 INTRODUÇÃO O museu se caracteriza como uma instituição que constrói seu discurso a partir do conjunto de objetos que preserva, conserva, pesquisa e expõe. Nesse espaço se estabelece uma relação subjetiva entre os sujeitos e os objetos, os quais funcionam como ―[...] suportes da memória, marcas identitárias, e agem para definir trajetos, para explicitar percursos, para reforçar referências, definir amarras – principalmente de espaço e de tempo, já que somos seres balizados pelo espaço e pelo tempo.‖ (MENESES, 2009). Ao longo do tempo, o entendimento acerca do conceito de museu sofreu enormes transformações. De um local voltado para a guarda e exposição de coleções, o museu passa a assumir seu papel de instrumento de mudança social. Em 1956, o museu é definido pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) como uma instituição ―[...] com a finalidade de conservar, estudar, valorizar de diversas maneiras o conjunto de elementos de valor cultural [...]‖ (ICOM, 2008). A partir dessa definição, podemos perceber que a ênfase estava no acervo e nas ações museológicas. Entretanto, a visão atual pressupõe o diálogo com o indivíduo e a comunidade passa a ser o foco das ações do museu. A instituição, sob esse novo olhar, está ―[...] a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento [...]‖ (ICOM, 2008), assim como a origem de suas ações não está mais nos objetos e coleções, mas no patrimônio global, ou seja, em todas as expressões materiais e imateriais dos indivíduos (e/ou grupos de indivíduos) e as suas relações com seu meio natural e seu contexto social. Dessa forma, a segunda metade do século XX marcou sobremaneira a área da Museologia que, para além daquela concepção clássica das instituições museológicas, a de um espaço de colecionismo e/ou agrupamento de objetos, propunha aos museus o deslocamento para uma função social, isto é, comprometido com os grupos sociais onde se encontra inserido. Este movimento foi denominado de ―Nova Museologia‖. 1 Acadêmicos do Curso de Graduação em Museologia da UFRGS. Trabalho realizado como pré-requisito para avaliação da disciplina BIB 03222 – Museologia e Bens Culturais no Brasil, ministrada pela Profa. Dra. Zita Rosane Possamai, jul/2010. 2 Nesse sentido, a Nova Museologia propõe que os museus passem a refletir e a representar a sociedade na qual estão inseridos a partir da organização do seu acervo, da sua exposição e das ações culturais que dele podem ser potencializadas. Dito de outra maneira, deve o museu ser o guardião da cultura material, das referências culturais e da memória social, se configurando em um local de expressão material e simbólica; um espaço tanto de representação quanto de produção de saberes; um espaço público para a reflexão e o questionamento. A partir destas premissas, esse trabalho objetiva lançar um outro olhar sobre o acervo que compõe a sala do patrono do antigo Museu do Estado, verificando de que maneira o discurso construído a partir da exposição desses objetos dá continuidade ao processo de mitificação de Julio de Castilhos. 2 O PATRONO DO MUSEU DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Julio Prates de Castilhos nasceu em 29 de junho de 1860, na localidade de Vila Rica, em São Martinho, na época um distrito da cidade de Cruz Alta. Em 1877, ingressa na Academia de Direito de São Paulo, onde atua como redator em dois jornais que circulavam na faculdade: ―A Evolução‖ (junto com Assis Brasil, seu colega de curso) e ―A República‖, órgão do Clube Republicano Acadêmico (PICCOLO, 2005). A influência que recebe da doutrina positivista de Auguste Comte, com a qual já havia tomado contato no Colégio do Professor Fernando Ferreira Gomes, em Porto Alegre, se fortalece nos anos em que permanece na Academia de Direito. Nessa época, as idéias do postulado positivista eram difundidas principalmente nas faculdades das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e entre os militares que cursavam a Escola Militar do Rio de Janeiro, onde se destacava a propaganda realizada por Benjamin Constant. Castilhos conclui o curso de Direito no ano de 1881 e, de volta ao Rio Grande do Sul, já em 1882 é um dos fundadores do partido Republicano Rio-grandense (PRR) e, em 1884, do jornal ―A Federação‖, periódico oficial do PRR, do qual foi diretor no período de 1884 a 1889. Segundo Reverbel, Julio de Castilhos foi Uma das primeiras figuras a fazer jornalismo sem literatura no Brasil [...]. Além de ter sido talvez, a maior expressão, em todos os tempos, da imprensa doutrinária em ambiente rio-grandense, ele é um modelo, válido até hoje, do que se deve entender e adotar como estilo jornalístico a serviço da propagação e da defesa de ideais políticos. (REVERBEL, 1957, P. 119). 3 Em 1883, casa-se com Honorina Costa, filha de Francisco Antônio da Costa, deputado farroupilha, na cidade de Pelotas. Dessa união nasceram seis filhos: Júlia, Eugênia, Otília, Honório, Ambrosina e Edmundo. De acordo com Espírito Santo (2005), no segundo congresso do Partido Republicano Rio-grandense, em 1884, são definidas as bases programáticas do PRR. Em síntese, elas seriam as seguintes: a fidelidade partidária; o princípio federativo; a eliminação da Monarquia; a ampliação do direito de voto; a liberdade de associação e de cultos; o casamento civil indissolúvel; a liberdade de comércio, indústria e ensino; a abolição imediata da escravatura no Rio Grande do Sul; severa economia, com controle de gastos e rigoroso controle fiscal. Após o golpe militar de 1889, que instituiu o regime republicano no Brasil, o PRR chega ao poder no Estado. Julio de Castilhos, após a proclamação da República, defende a idéia de que ―[...] nesse instante supremo só há lugar para um partido – o partido da consolidação da República‖ e que ―a única coisa que resta aos nossos adversários é uma razoável e sincera penitência.‖ (FRANCO apud ESPÍRITO SANTO, 2005, p. 27). Nesse momento, segundo Espírito Santo (2005, p. 27), o Partido Republicano começa a assumir a sua ―feição castilhista‖ e ―as conclusões de Julio de Castilhos já têm força de lei para o PRR.‖ A implantação do regime republicano no Rio Grande do Sul representou a consolidação de um governo autoritário, de propostas modernizadoras, baseado no progresso econômico e na manutenção da ordem social, preceitos do Positivismo de Comte. Em 14 de julho de 1891, é aprovado o projeto da Constituição Estadual, elaborado por Castilhos e de inspiração positivista, pela Assembléia Constituinte, que o elegeu para assumir o cargo de Presidente do Estado. No mesmo ano, no dia 12 de novembro, Julio de Castilhos é deposto em função do golpe de Deodoro da Fonseca, a quem apoiava como republicano. No ano seguinte retorna à Presidência do RS, após um período denominado ―governicho‖, marcado pelo grande número de políticos que se revezaram no governo estadual. Renuncia ao mandato, logo em seguida, para disputar a eleição para Presidência do estado pelo voto direto. Eleito no pleito de 20 de novembro de 1892, toma posse em janeiro de 1893. No mesmo ano em que assume o governo, tem de enfrentar a Revolução Federalista, um dos episódios mais violentos da história do estado, famosa pela prática da ―degola‖ entre ―maragatos‖ e ―pica-paus‖ e que deixou um saldo de milhares de mortos. 4 No ano de 1898, Julio de Castilhos encerra seu mandato e indica Borges de Medeiros como seu sucessor no governo do estado, permanecendo, porém, o controle político em suas mãos. Segundo Axt (2005, p. 123), o período entre os anos de 1895 e 1903 pode ser considerado um período de hegemonia castilhista: ―Com a derrota e o quase extermínio da oposição, Juliode Castilhos afirmou-se como liderança unipessoal no Rio Grande do Sul, controlando a administração pública, a política estadual e as situações municipais até a sua morte prematura em 1903‖. Vítima de câncer na traquéia, Julio de Castilhos faleceu prematuramente - quando ainda dominava o cenário político local e era incentivado por correligionários a disputar a eleição para Presidência da República - durante uma intervenção cirúrgica, no dia 24 de outubro de 1903, na casa que hoje é a sede do Museu do Estado. Seu sepultamento foi assistido ―[...] pela população em peso da capital. Até mesmo seus antigos adversários, em grande parte, compareceram.‖ (SPALDING, 2010). A esposa de Castilhos, Honorina Costa, morreu em janeiro de 1905, após cometer suicídio, no porão da mesma casa onde, dois anos antes, morrera o marido. No artigo intitulado ―Julio de Castilhos: carisma e administração‖, o historiador Nelson Boeira examina a atuação do político no Rio Grande do Sul, tendo por base o conceito de ―carisma‖ desenvolvido por Max Weber. Escreve o autor sobre a figura de Castilhos: ―[...] foi personalidade exaltada, líder combativo e ousado, disposto ao confronto ideológico intenso e ao conflito político agudo, administrador disposto a inovações institucionais, político capaz de gerar lealdades incondicionais e admirações cegas.‖ (BOEIRA, 2005, p. 183). Esse breve relato biográfico de Julio de Castilhos procurou demonstrar a sua trajetória política, lançando as bases para a compreensão da construção da figura do ―Patriarca do Rio Grande do Sul‖ e, assim, justificando o título de ―Patrono‖ do Museu do Estado e a presença de seus objetos pessoais ou vinculados à sua atividade política na exposição permanente do Museu. 3 DE MUSEU DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL A MUSEU JULIO DE CASTILHOS 5 O Museu Júlio de Castilhos (MJC) é a mais antiga instituição museológica do estado do Rio Grande do Sul, definindo-se como a ―primeira estrutura responsável pela afirmação da memória rio- grandense‖ e cita como um de seus objetivos promover ―a expressão das identidades culturais do povo rio-grandense‖ (MUSEU, 2009) e a democratização do conhecimento. A criação do Museu Júlio de Castilhos está inserida na chamada ―era brasileira dos museus‖ (SCHWARCZ, 1993, p. 70), movimento onde se inserem o Museu Nacional, o Museu Paulista e o Museu Paraense Emílio Goeldi, criados sob a inspiração das instituições científicas européias. Dessa forma, o Museu do Estado do Rio Grande do Sul foi organizado em quatro seções: Zoologia e Botânica; Mineralogia, Geologia e Paleontologia; Antropologia e Etnologia; e, por fim, a seção de Ciências, Artes e Documentos Históricos (NEDEL, 2005). O Museu foi criado através do Decreto nº. 589, de 30 de janeiro de 1903, pelo Presidente do Estado, Dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, como museu antropológico, artístico e histórico, para guardar, organizar, catalogar e expor os objetos da cultura material do estado do Rio Grande do Sul, que vinham sendo coletados desde 1901, quando apresentados na 1ª Exposição Agropecuária e Industrial do estado, que ocorreu no atual Parque da Redenção. O casarão que abriga o Museu, localizado no número 1231, da Rua Duque de Caxias, foi construído em 1887, com projeto do comandante da Escola Militar do Rio Grande do Sul, Coronel Engenheiro Catão Augusto dos Santos Roxo, para ser sua residência. Em 1897, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) abriu uma subscrição entre os correligionários para a aquisição do referido prédio a fim de servir como residência do líder partidário, Dr. Júlio Prates de Castilhos, ex-presidente do Estado, que ali morou com sua família no período entre 1898 e 1903, data de sua morte. Após o falecimento de sua esposa, Honorina Martins Costa, ocorrido em 1905, o prédio foi adquirido pelo Governo do Estado para ali instalar o Museu do Estado. Através do Decreto nº. 1.140, de 19 de julho de 1907, o Presidente do Estado aprova o regulamento da instituição denominando-a Museu Júlio de Castilhos, ―em homenagem ao benemérito patriota, atendendo aos inolvidáveis serviços prestados pelo extinto rio-grandense Dr. Julio de Castilhos em prol do Museu do Estado, instituição a que ligou o maior interesse e de que foi o iniciador.‖ (NEDEL, 2005, p. 97). Segundo Nedel (2005, p. 98), apesar do MJC assumir esse caráter celebrativo, ainda permanecia como um Museu de caráter enciclopédico e dedicado à História Natural, estando ―a maior parte do tempo com as portas fechadas ao público, recebendo pesquisadores estrangeiros e fornecendo pareceres técnicos (principalmente à Secretaria de Obras), sem contemplar a função museográfica‖. 6 Em outubro de 1925, o MJC foi transferido da Diretoria do Serviço Geológico e Mineralógico da Secretaria de Obras Públicas para a Secretaria Estadual dos Negócios do Interior e do Exterior. O Museu passa a compreender uma seção de História Pátria, uma seção de História Natural e a 2ª Seção do Arquivo Público do Estado. No ano de 1938, ele passa a ser subordinado à Secretaria de Educação e Cultura. Foi em 1954, sob a direção do historiador e folclorista Dante de Laytano (1952-1960), que o Museu se afasta de sua proposta inicial de ser um museu de História Natural para reorientar-se no sentido de ser uma instituição de tipologia histórica, que privilegia a memória regional e o culto de figuras da elite política estadual. É nessa época que o acervo é desmembrado, com sua coleção de História Natural dando origem ao Museu de Ciências Naturais (atual Fundação Zoobotânica); a sua coleção de Arte originando o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS); e a documentação histórica constituindo o Arquivo Histórico. Na década de 1980, o governo estadual elaborou o plano de ampliação das instalações do Museu Julio de Castilhos e adquiriu a casa vizinha ao prédio do museu, de número 1205, construída entre 1917 e 1918, com o objetivo de ali instalar as salas de exposição permanente e temporária do museu. As reformas de adaptação foram concluídas em 1996. Neste novo espaço foram instaladas as salas de exposição permanente da cultura material: a missioneira, indígena, escravista e farroupilha. A casa anexa foi moradia de outro ex-governante do Estado, Borges de Medeiros, seguidor de Julio de Castilhos. No ano seguinte, o casarão principal passou por nova restauração no telhado e no forro. Ambos os prédios foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), em 1982. Outras obras de manutenção da sua estrutura, revitalização dos seus espaços internos e reorganização da museografia foram executadas em 2007. O acervo do Museu é composto por cerca de dez mil peças, sendo que apenas uma pequena parte dessa coleção encontra-se em exposição permanente. A exposição de longa duração apresenta artefatos da cultura material divididos em cinco ambientes: Revolução Farroupilha, Escravatura, Sala Indígena, Sala Missioneira e Sala Julio de Castilhos. Além disso, o MJC realiza exposições temporárias que contemplam temas diversos, sempre vinculados a fatos e personalidades da história do Rio Grande do Sul e do Brasil. 4 A SALA DO PATRONO DO MUSEU A sala dedicada ao patrono do Museu Julio de Castilhos é uma das salas de exposição permanente, onde se procura recriar dois ambientes distintos, que são: 7 a) Gabinete de Julio de Castilhos: aqui encontramos expostos objetos pessoais de Júlio de Castilhos ou ligados à sua atividade política: móveis de seu escritório (escrivaninha e cadeira); máscara mortuária e busto do Patrono; bandeira do Rio Grande do Sul; quadro com seu retrato; vitrine onde estão um exemplar de Atas do Clube Republicano (do qual fazia parte) e a Constituição do Rio Grande do Sul de 1891, da qual foi o principal redator; vitrine com palas (vestimenta tradicional do gaúcho) que lhe pertenceram; dois painéisque contam a trajetória de Julio de Castilhos; b) Quarto de Julio de Castilhos: nesse ambiente é recriado o quarto do casal. Fazem parte do mobiliário, peças sóbrias em estilo Império: uma cama de casal, dois guarda-roupas, dois criados-mudos, uma penteadeira e uma mesa de toalete. Na parede há um retrato de Honorina e Júlio de Castilhos sentados, tendo os filhos ao fundo. Assim, passamos a apresentar cada um dos conjuntos expostos, conforme segue: 4.1 O MOBILIÁRIO Faz parte da exposição permanente da Sala Julio de Castilhos um conjunto de móveis em estilo Império que teriam pertencido a Julio de Castilhos e a sua esposa Honorina, que foram doados ao MJC em 1932, pela ex-proprietária Maria Cecília Alves Osório, viúva do Coronel Pedro Osório, nomeado Vice-presidente do Estado no governo de Borges de Medeiros). Tal conjunto de móveis é composto por: uma cama de casal, dois guarda-roupas, duas mesas de cabeceira, uma penteadeira, uma mesa de toalete, uma escrivaninha e uma cadeira. Considerou-se importante, para a interpretação desses artefatos - os móveis - um maior entendimento sobre a história do mobiliário e dos costumes domésticos que constituíram o Brasil do século XIX. Para tanto, faz-se necessário olhar para o que acontecia na Europa, principalmente em Portugal, de onde vinham as grandes referências. Com a Revolução Industrial, a produção artesanal do mobiliário foi substituída pela produção mecânica em série, o que gerou inúmeras críticas com relação ao resultado dos produtos. Os artistas marceneiros, nesse contexto, não conseguiam acompanhar os rápidos avanços técnicos. Assim, para eles, tornava-se mais seguro recuperar as referências do passado clássico, adotando o estilo já em vigor na esfera das artes, o estilo Neoclássico. No entanto, uma maneira mais rápida de trabalhar, de acordo com o momento, e conseqüente 8 simplificação do material, acabou resultando em um mobiliário mais esbelto, mais simples e delicado. O Estilo Império surge na segunda metade do século XIX, dando continuidade à produção desse tipo de mobiliário, trazendo a ornamentação neoclássica no Império Napoleônico, com composições simétricas e, muitas vezes, com ornamentação em bronze dourado circundado por molduras retangulares ou em forma de losangos. No início do século XIX, o Brasil sofreu grande influência do gosto português no seu mobiliário, consequência da vinda da Corte Portuguesa e da abertura dos portos. Mais tarde, a independência em relação a Portugal e o início do desenvolvimento da economia brasileira, permitiram que países como Inglaterra, França e Estados Unidos exportassem produtos que passaram a ser referência para a produção local. Com relação ao conjunto de móveis do quarto de Júlio de Castilhos, apesar de não serem conhecidas as datas de produção, percebemos traços do estilo Império, como as molduras em losangos e a simetria, presentes em todas as peças. Acredita-se que, a ausência dos ornamentos em bronze deve-se a uma assimilação já tardia do referido estilo. Segundo o Catálogo do Museu da Casa Brasileira, os móveis em estilo Império eram, em geral, feitos de jacarandá, madeira nobre de origem brasileira, que desde o período colonial é exportada para várias partes do mundo, para a fabricação de móveis de luxo e pianos. (BANCO SAFRA, 2002). Abaixo, segue a descrição dos móveis conforme consta nas fichas de catalogação do Museu Júlio de Castilhos: 9 4.1.1 Cama Cama com cabeceira alta, com almofada central retangular, emoldurada com friso em relevo. Nas laterais, há duas colunas torneadas. Um estreito saliente arremata toda a cabeceira. Sobre o friso há um frontispício recortado, tendo ao centro ornamento esculpido com motivos de folhas. Os lados da cama são trabalhados com faixas de madeira escura e clara. Acima do friso há pés torneados munidos de rodízios. Dimensões: 212 cm x 160 cm. 4.1.2 Guarda-roupas a) A parte frontal do armário está parcialmente coberta por espelho ―bisotê‖ 2 , ladeado por faixas incrustadas na madeira clara e escura. Há duas colunas laterais torneadas com frisos circulares em relevo no centro e nas extremidades. Uma gaveta toma toda a parte inferior. Os pés são torneados. Dimensões: 235 cm x 103 cm x 59 cm. b) O móvel possui na face anterior, duas portas com almofadas de molduras salientes, com friso incrustado, de madeira mais clara. Duas colunas laterais torneadas, com frisos circulares em relevo no centro e nas extremidades. Sobre uma almofada retangular que toma toda a parte superior dessa face, há um ornamento em relevo, com incrustações de madeira mais clara. Acima, frontispício recortado, tendo ao centro um ornamento composto de folhas de acanto e volutas em relevo. Uma gaveta ocupa toda a parte inferior com ornamentos de madeira mais clara na parte frontal. Almofada com molduras em relevo nas faces laterais. Pés torneados. Dimensões: 238 cm x 145 cm x 59 cm. 4.1.3 Mesas de cabeceira Compõem-se de dois corpos. No inferior, incrustado lateralmente com madeira clara, abre-se uma porta com almofada central de espelho, emoldurado por friso em relevo, de madeira escura; maçaneta redonda, com frisos circulares. Face superior em madeira mais clara. Corpo superior sustentado por quatro colunas situadas nos cantos, tendo na parte inferior, incrustação circular de madeira mais clara. Nele, há uma gaveta, cuja parte anterior apresenta retângulo de madeira clara emoldurado por friso em relevo e ladeado por dois 2 O bisotê é um acabamento especial dado ao vidro, cujo aspecto são as bordas finas, com relevo brilhante. Este tipo de lapidação também é muito aplicado em espelhos. 10 retângulos também em relevo, de madeira mais clara. Face superior em mármore. Quatro pés torneados, munidos de rodízios. Dimensões: 88 cm x 36 cm x 43 cm. 4.1.4 Mesa de toalete Feita em madeira, mármore e cristal, suas características formais seguem o estilo dos demais móveis do dormitório. 4.1.5 Penteadeira Na parte frontal, há duas portas com almofadas emolduradas com friso em relevo. Acima, há duas gavetas que apresentam, na face anterior, retângulos de madeira escura. Maçaneta redonda. Na face superior há prateleira e seus suportes laterais em mármore. Há um grande espelho retangular ―bisotê‖. Dimensões: 203 cm x 160 cm. 11 4.1.6 Escrivaninha A parte inferior do móvel está dividida em dois segmentos com quatro gavetas da cada lado. Quatro pés circulares estão localizados em cada corpo do móvel. Há uma gaveta central, maior que as gavetas laterais. Abaixo das gavetas há um friso que circunda toda a peça. Nas laterais aparecem duas almofadas emolduradas por frisos. A parte superior da escrivaninha apresenta uma superfície móvel coberta de feltro verde. Em torno, há um friso marchetado de várias cores no formato de triângulos, quadrados e estrelas. Dimensões: 81 cm x 86 cm. 4.1.7 Cadeira O assento e o encosto são em couro, fixados na moldura de madeira com tachas de cabeça estrelada. Braços curvos apoiados em suportes torneados. Quatro pés unidos no centro. Conforme relatório do Diretor interino do Museu Julio de Castilhos, Eduardo Duarte, substituto de Alcides Maia no cargo (devido à viagem do mesmo ao Rio de Janeiro), constante da correspondência n.º 133, de 27 de junho de 1932, muitas foram as doações ofertadas ao MJC durante o período, sendo o mobiliário do quarto de Julio de Castilhos a mais relevante: Os preciosos móveis deram entrada na Repartição em princípios deste ano, sendo, provisoriamente, guardados na sala da frente, do res-do-chão 3 , no mesmo acondicionamento em que vieram. Infelizmente, não foi possível, Exmo. Sr., fazerexposição dessas peças que evocam tão excelsa personalidade, o Museu Julio de Castilhos não dispõe de uma sala que possa dedicar inteiramente ao seu patrono. O prédio está totalmente cheio: há em várias salas, como a da frente, um verdadeiro amontoamento de coisas, de forma tal que o próprio trânsito torna-se difícil. [...] 3 Andar térreo. 12 Temos de recolher que, infelizmente, no Museu Julio de Castilhos há um sério problema a resolver: a falta de espaço. (DUARTE, 1932, p. 165-166). Não temos informações sobre a data em que o mobiliário passa a ser exposto em caráter permanente. Porém, sabe-se que em 1954, através do desmembramento do acervo do Museu, que daria origem a outras instituições subordinadas à Divisão de Cultura, uma das principais funções do MJC 4 passa a ser a pesquisa e a divulgação da história e do folclore, especialmente do Rio Grande do Sul. Assim, a seção voltada para essas temáticas era composta por três salas: a primeira, denominada ―General Osório‖ apresentava uma exposição de acervo histórico nacional, principalmente fardamentos, insígnias e condecorações de grandes vultos; a segunda, ―Bento Gonçalves‖, dedicada aos heróis farroupilhas; e, finalmente, a sala ―Julio de Castilhos‖, onde se encontrava exposto o mobiliário do quarto, além de retratos, panfletos republicanos, o exemplar da Constituição Estadual de 1891, objetos de uso pessoal e a máscara mortuária do patrono do Museu. 4.2. RETRATOS Passamos, a seguir, à descrição dos retratos presentes na Sala: 4.2.1 O retrato de Julio de Castilhos a) Informações da ficha catalográfica O retrato se encontra em exposição permanente no ambiente que remonta seu gabinete de trabalho. Atualmente se encontra pendurado na parede, mas anteriormente estava colocado em um cavalete de madeira. 4 A partir de então, os objetivos do MJC seriam: "adquirir, recolher, estudar, classificar, catalogar, colecionar e expor documentos e objetos históricos, etnológicos, geográficos, folclóricos ou curiosidades em geral, bem assim produtos de ciência e indústria modernas, especialmente do Rio Grande do Sul; contribuir para estimular, por meio de pesquisas, estudos, cursos, conferências, comemorações, concursos e publicações, o interesse pelo conhecimento da história Pátria e o amor a nossas tradições; manter, para uso da repartição e para consulta, uma biblioteca especializada de História, Geografia, Etnologia e Folclore, especialmente do Rio Grande do Sul" (Secretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura. Departamento de Ciência e Cultura. Regulamento do Museu Julio de Castilhos, Artigo 2, p. I, 1954). 13 Conforme informações da ficha catalográfica, o quadro foi doado para o Museu em 1930, por Manoel Gonçalves Cardoso 5 . A obra, com dimensões de 63 cm de altura por 50,5 cm de largura, possui uma moldura de madeira trabalhada em relevo, na cor dourada. O retrato, datado de 1913, é de autoria de Virgílio Calegari e Vicenzo Cervásio, conforme assinaturas no canto inferior direito da obra. Com relação à data de produção da obra, lembramos que a fotografia foi feita no ano de 1895. A ficha catalográfica traz informações contraditórias no que diz respeito à técnica do quadro. No item ―material/técnica‖, a obra está descrita como ―fotografia retocada com crayon e colada em cartão‖. A observação do quadro no local permite constatar que a obra é uma fotopintura à óleo, pela visualização da camada pictórica e da textura da pincelada. Na página da Internet do MJC consta que a técnica utilizada é a pintura à óleo. Na descrição formal do retrato temos as seguintes informações: retrato masculino, centralizado, com corpo em posição frontal, levemente voltado para a direita e a cabeça em ¾ voltada para a esquerda, com cabelos curtos e quase brancos, bigode escuro e cavanhaque grisalho, vestido de terno e gravata. Fundo claro e liso. Fotografia em preto e branco, com 5 Manoel Gonçalves Cardoso era oficial da Brigada Militar e destacou-se, junto com Affonso Emílio Massot (Patrono da Brigada Militar do Estado), na ―Batalha do Salsinho‖, episódio da Revolução Federalista de 1893. 14 reforço de cartão no verso. Moldura dourada, em formato retangular-vertical, ricamente trabalhada em relevo, com detalhe em tecido. Com passe-partout ovalado. Com vidro. Sem data na obra. Nessa descrição identificamos duas informações incorretas: primeiro, a fotopintura não possui passe-partout em formato oval; segundo, a data de produção pode ser visualizada no canto inferior direito. Outra informação que suscita dúvidas é a de que se trata de uma fotografia em preto e branco. Apesar de sabermos que a base do retrato é uma fotografia em preto e branco, no quadro ela se apresenta pintada em cores. b) Os autores da obra O fotógrafo Virgílio Calegari era italiano, natural de Bérgamo, e chegou a Porto Alegre no ano de 1881, com 13 anos de idade. Aprendeu a profissão trabalhando como ajudante de experientes fotógrafos, como João Antônio Iglesias e Otto Schönwald. Segundo Alves (1998), na época em que Calegari começou a trabalhar na capital, já podia contar com equipamentos mais modernos, com lentes cambiáveis e papéis de excelente qualidade. Esses fatores, aliados ao seu talento artístico, fizeram com que o fotógrafo consolidasse a sua posição de retratista no início do século XX, ―[...] período em que a cidade vivia uma longa sucessão de governos de orientação positivista e esforçava-se em constituir- se como urbe moderna.‖ (SANDRI, 2007, p. 5). Nesse momento, a própria fotografia, como resultado de avanços técnicos e científicos do século XIX, encarna esse aspecto de modernidade e Virgílio Calegari se torna um dos principais responsáveis pela materialização dos ideais de progresso e modernidade almejados pelo grupo político dominante. Em 1900, tendo sua carreira em ascendência, compra a pequena casa onde funcionava seu ateliê, localizada na Rua dos Andradas, número 171, e a transforma em um sobrado de três andares com luxuosos salões ricamente decorados. Entre esses salões destacava-se a sala de espera (Figura 1), onde eram exibidas nas paredes as fotografias feitas por Calegari, cujos destaques eram os retratos ―dos notáveis da sociedade porto-alegrense da Primeira República.‖ (SANTOS, 1998, p. 27). Julio de Castilhos, juntamente com Borges de Medeiros e outros integrantes do Partido Republicanos eram freqüentadores assíduos do estúdio do fotógrafo. Aliás, os dois principais nomes do PRR não só estabeleceram relações profissionais com o fotógrafo, como também conviveram pessoalmente, como demonstra a correspondência pessoal de Virgílio Calegari (BORGES, 1999). Principalmente nos bilhetes enviados ao fotógrafo, o texto denota o respeito e o apreço dedicados ao profissional, não só 15 pela qualidade dos serviços prestados, mas também por suas atitudes gentis e sua simpatia, bem como demonstra a posição por ele conquistada dentro da elite porto-alegrense. Assim como todos os demais fotógrafos da época, Virgílio Calegari trabalhava em seu ateliê juntamente com um pintor, que tinha como função pintar as fotos em preto e branco, ―exercendo tarefas de enobrecimento da imagem fotográfica através da fotopintura.‖ (SANTOS, 1998, p. 27). O artista escolhido por Calegari foi o pintor italiano Vicenzo (também conhecido por Vicente) Cervásio. Vicenzo Cervásio cursou a Academia de Belas-Artes de Nápoles, trabalhando em cidades da Argentina e do Uruguai antes de fixar-se em Porto Alegre. Foi professor do Instituto de Belas-Artes (atual Instituto de Artes da UFRGS), tendo seu nome citado na biografia de Guido Mondim, como sendo seu professorde ―técnica pictórica‖ (MARGS, 2010). No ateliê, os dois artistas trabalhavam em conjunto: Calegari fazia a ampliação da fotografia em papel fosco especial, enquanto Cervásio pintava sobre a imagem ampliada, dando status de ―obra de arte‖ ao retrato. De acordo com Alves (1998, p. 15), ―Calegari emoldurava e colocava num canto inferior, em geral no lado direito, uma plaquinha com a marca em forma de assinatura [...]. Isto, por muitos anos, fez acreditar que Calegari fosse o pintor‖. Em um anúncio publicado em 1919 na Revista Máscara, o seguinte texto é apresentado: ―Cav. Virgilio Calegari – Arte fotográfica - Retratos a óleo – Prof. Cervásio – Rua dos Andradas, 171 – Porto Alegre.‖ O texto sugere que a fotografia é considerada como uma expressão artística, provavelmente por estar associada, nesse caso, com o acabamento feito com pintura à óleo realizada por um ―professor artista‖. c) O retrato Há séculos os governantes têm sua imagem representada em retratos, a princípio pela pintura e, mais tarde, também pela fotografia. Apesar do significado da palavra ―retrato‖ remeter à idéia de que ele é a reprodução de uma imagem com exatidão e fidelidade, devemos perceber que ele não é o espelho de uma realidade, mas antes uma construção intencional, tanto daquele que retrata quanto do retratado. Há a forma como o retratado quer ser visto, o modo como quer ―deixar-se ver‖ pelos demais, os traços que gostaria de ver realçados ou ignorados. Sendo assim, cabe àquele que retrata transformar a pessoa comum em um indivíduo especial. Analisando esse processo de construção da imagem do soberano, mais especificamente do Rei Luís XIV, Burke caracteriza o chamado ‗retrato solene‘: 16 A maioria das pinturas do rei se enquadra no gênero a que os historiadores da arte chamam de retrato solene, construídas segundo a retórica da imagem desenvolvida durante o Renascimento para a pintura de pessoas importantes. Nesses retratos solenes, a pessoa é geralmente apresentada em tamanho natural ou até maior, de pé ou sentada num trono. Os olhos do retratado estão acima dos olhos do espectador, para sublinhar sua posição superior. [...] Usa armadura, como símbolo de coragem, ou roupas ricas, como sinal de posição social elevada, e está cercado por objetos associados ao poder e à magnificência – colunas clássicas, cortinas de veludo etc. A postura e a expressão transmitem dignidade. (Burke, 1994, p. 31). No caso dos retratos pintados, podemos afirmar que o artista era mais ―livre‖ para representar seu modelo. A imagem do retratado poderia ser mais facilmente manipulada, retocada, assim como os próprios objetos que comporiam o cenário não precisariam estar presentes no momento em que o pintor estivesse realizando seus esboços. Posteriormente, em seu estúdio, o artista poderia colocar em evidência, ou suprimir algumas características, conforme a sua intenção, e agregar à imagem todos os elementos necessários para engrandecer a figura do retratado. Com o advento da fotografia - que se apropriou da teoria estética da pintura, tanto na representação de paisagens quanto na representação da figura humana - tornou-se necessária a construção do cenário onde o retratado estaria inserido, antes de capturar a sua imagem. Da mesma forma, não tendo mais a mesma liberdade de criação que a pintura permitia, o fotógrafo precisava aprimorar a técnica fotográfica, lançando mão de recursos como a iluminação, o uso de diferentes lentes e outros artifícios que lhe possibilitariam captar a melhor imagem. Pois, se a fotografia era considerada um espelho da realidade, muitas vezes esse ―espelho‖ deixava transparecer uma imagem que não queria ser vista, isto é, uma imagem que não condizia com a posição superior, com o status do retratado. O recurso da fotopintura, ou seja, da pintura sobre a ampliação fotográfica foi largamente utilizado no final do século XIX e início do século XX, não apenas para agregar cor à imagem em preto e branco, mas também para retocar o retrato, dando ao retratado a aparência que ―deveria‖ ter. Além disso, principalmente a pintura à óleo, dava à fotografia a ―aura‖ de obra de arte, aproximando-a dos retratos solenes dos soberanos do passado. No caso do retrato de Julio de Castilhos 6 , citado por Alves (1998, p. 15) como ―o mais bonito exemplo de fotografia pintada‖, o político foi retratado em plano curto, que mostra o corpo da cabeça até a metade do peito, dando ênfase ao retratado, isolando-o do fundo. O uso 6 Vale ressaltar que o quadro foi pintado em 1913, dez anos após a morte de Julio de Castilhos, mas a fotografia que lhe serviu de base foi feita em 1895, conforme informação do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, que possui uma cópia da mesma em seu acervo, em preto e branco e sem retoques. 17 da ―regra dos terços‖, utilizada nos retratos clássicos para obtenção do equilíbrio da composição, pode ser observado nesse caso, dividindo-se a imagem em três terços ou nove quadrados. Conforme a regra, podemos observar que os olhos de Julio de Castilhos estão posicionados na intersecção superior da grade, o que dá destaque ao olhar como ponto focal (HEDGECOE, 2005). A pessoa retratada não deve ficar de frente e no centro, como se faz quando se tira uma foto para documento. Ela deve estar com perfil parcial, costas próximas a uma das margens e frente voltada levemente para o lado maior da foto. De acordo com Sandri, a autora Annateresa Fabris lembra que ―[...] seria possível esperar duas atitudes sociais perante a câmera: o homem natural que mantém uma rígida postura frontal e o homem civilizado, posicionado de forma afetadamente lateral.‖ (FABRIS apud SANDRI, 2007, p. 106). Ainda segundo a autora, o fato da postura frontal não ser priviliegiada nos estúdios fotográficos, já denota que a elite busca ostentar a mesma simetria que caracterizava o retrato pictórico solene. Segundo Hugo Ramírez, na introdução do livro ―Cartas de Julio de Castilhos‖, o futuro líder do Partido Republicano tinha o rosto marcado profundamente pela varíola que o acometera durante a adolescência, quando era estudante em Porto Alegre, doença que ―[...] o conduz às portas da morte e, não o matando, o desfigura.‖ (CASTILHOS, 1993, p. 8). Percebe-se, nesse quadro, que a pintura sobre a fotografia foi um recurso também utilizado para amenizar essas marcas no rosto de Julio de Castilhos, melhorando a sua aparência. O retratado nos transmite uma imagem de austeridade, seriedade, sobriedade e elegância; o olhar não está fixado na objetiva da câmera, numa atitude de contemplação. 4.2.2 O retrato de família a) Informações da ficha catalográfica O retrato de Julio de Castilhos e sua família está em exposição permanente no ambiente que recria o quarto do casal. Conforme a ficha catalográfica, a fotografia é de autoria desconhecida, sem data de produção. Baseados na existência de outra foto de Castilhos, esposa e filhos, pertencente ao acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo e de autoria de Virgílio Calegari, podemos supor que a imagem que temos no MJC também foi feita pelo mesmo fotógrafo. A partir da pesquisa realizada, podemos afirmar que Calegari é o autor da maioria das fotografias que temos de Julio de Castilhos e de outras figuras do Partido Republicano Rio-grandense. 18 Na ficha catalográfica não há informações sobre a forma ou data de aquisição da fotografia, cujas dimensões são 59 cm x 49 cm. A seguinte descrição formal é apresentada: retrato em grupo, com três figuras masculinas e cinco femininas, sendo duas primeiras em primeiro plano de meio corpo, sentadas; em segundo plano, a da direita quase de corpo inteiro, em pé; as demais retratadas em busto, também de pé. Todas vestidas, em posiçãofrontal, algumas com a cabeça levemente em ¾ voltadas para a direita. Fundo claro, liso, tendo decoração no lado direito. Fotografia em preto e branco, com eucatex no verso. Formato retangular vertical. Sem moldura e sem passe-partout. Sem assinatura e sem data na obra. b) O retrato de família De acordo com a análise realizada por Leite (2001) sobre retratos de famílias de imigrantes que chegaram ao estado de São Paulo durante os anos de 1890 e 1930, a fotografia Julio de Castilhos e família. Virgílio Calegari. Sem data. Acervo do Museu Joaquim Felizardo. 19 representava uma escolha: não era qualquer situação que deveria ser fotografada, mas ocasiões especiais ou aspectos das relações familiares que deveriam ser preservados. Diferentemente dos dias atuais, em que máquinas fotográficas estão completamente incorporadas ao cotidiano da maioria das pessoas, permitindo captar instantaneamente qualquer movimento ou qualquer situação, ―tirar um retrato‖ no início do século XX era uma ação planejada, um compromisso marcado no estúdio fotográfico, para o qual os retratados se preparavam com esmero, com o propósito de deixar registrada a melhor imagem de si mesmos. A autora também chama a atenção para o fato de que os antigos retratos de família são representações muito uniformes, mesmo que as famílias sejam de diversas procedências ou níveis econômicos. A maioria deles ―[...] representa grupos de pessoas e muitas incluem crianças, ou diversas gerações, captando a imagem da linhagem, às vezes com grande solenidade.‖ (LEITE, 2001, p. 95). Cita como exemplo o fato ocorrido em Minas Gerais, quando um jornal local publica várias fotos para ilustrar o artigo ―Repensando a família patriarcal brasileira‖, da antropóloga Marisa Correia, inclusive fotografias de famílias russas, tamanha a semelhança na construção dessas representações. De maneira geral, essa uniformidade poderia ser explicada pelo desejo de transmitir uma imagem idealizada de si mesma, ressaltando os aspectos de ―[...] dignidade, estabilidade [onde] conflitos e hostilidades não aparecem.‖ (LEITE, 2001, p. 78). Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que as posições estáticas assumidas nas fotografias, muitas vezes são o resultado do longo tempo de exposição a que eram submetidos os retratados, principalmente nos primórdios da fotografia. Quanto ao retrato de Julio de Castilhos e família, a imagem se concentra nas figuras humanas: não há um cenário, nem a presença de objetos com o propósito de assinalar uma ―distinção‖ da família. Todos os membros da família vestem-se elegantemente. Os meninos vestem-se como adultos. Os pais em primeiro plano, tendo os filhos ao fundo, remetem à estrutura familiar patriarcal vigente na época e suas relações hierárquicas. 4.3 O BUSTO E A MÁSCARA MORTUÁRIA O Museu Julio de Castilhos, antes museu de história natural, passa a ter um caráter histórico conforme a situação político-administrativa do país, em especial do Rio Grande do Sul, a partir da década de 1950. Com isso, o Museu adquire cunho celebrativo, privilegiando a memória do Estado gaúcho, principalmente os personagens da elite política sul-rio-grandense. 20 É o caso de Julio de Castilhos que, além de Patrono do Museu, ainda possui uma sala em sua homenagem. Tendo completado quase uma década à frente do comando do Rio Grande do Sul, Castilhos teve forte presença durante o governo, colecionando inimigos ideológicos e também fiéis admiradores de sua causa positivista. A presença ou herança dos seguidores e companheiros ideológicos de Castilhos pode ser vista em dois objetos expostos na Sala Julio de Castilhos: o busto e a máscara mortuária do Patrono. 4.3.1 O busto a) Informações da ficha catalográfica A escultura encontrada em exposição na Sala Julio de Castilhos, conforme sua ficha de inventário, é uma cabeça feita em bronze, afixada num pedestal em mármore, preto e rosa, de formato quadrangular, estilo clássico. Representa o busto de Julio de Castilhos em meio perfil à direita. Abaixo da cabeça, temos parte dos ombros, onde há detalhes do colarinho da camisa, parte da gravata com um pregador e fragmentos da gola do casaco. O busto não é maciço, o que pode ser constatado mediante uma visualização da parte posterior da obra. A cabeça com o pedestal mede 65 cm de altura; sem o pedestal, mede 45 cm; e possui 21 cm de largura. Não consta o peso da peça na ficha. A assinatura do autor, Pinto do Couto, está gravada no lado esquerdo, sobre a gola do casaco. Sobre a chegada da obra no Museu temos poucas informações. Segundo informações da ficha catalográfica, o MJC adquiriu o busto, provavelmente em 1929, por quatro mil réis, através da Secretaria do Estado dos Negócios do Interior e Exterior, a qual era subordinado na época. Outra fonte cita a participação do artista carioca Décio Villares, partidário do positivismo, na logística da construção de obras sobre Julio de Castilhos. Conforme Doberstein, [a construção do monumento a Julio de Castilhos na Praça da Matriz foi] adiado por diversas vezes [...]. Enquanto isso, Villares, temporariamente fixado em Porto Alegre, não ficava inativo. Supervisionava a instalação de pedestais com o busto de Castilhos, pelo interior do Estado. O plano era instalar estes bustos em cada um dos 67 municípios gaúchos. (1992, p. 43). Não temos informações se o referido plano chegou a ser concluído. Um busto de bronze de Julio de Castilhos, também de autoria do escultor Pinto do Couto encontra-se exposto no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Há uma inscrição no busto 21 ―Exemplar n.º 17‖, mas não foi confirmado se esse busto faria parte da série de 67 peças que seriam produzidas. b) O autor da obra Sobre o escultor do busto, Rodolfo Pinto do Couto, temos poucas e divergentes informações. Rodolfo Pinto do Couto nasceu na cidade do Porto, em Portugal, no ano de 1888. Frequentou a Academia Portuguesa de Belas Artes, onde teve aulas de desenho histórico e de escultura com o Mestre Teixeira Lopes (INSTITUTO DE ARTES, 2010). No ano de 1911, em Paris, casou-se com a escultora brasileira Nicolina Vaz de Assis. Posteriormente, radicou- se no RJ, onde participou e foi premiado em algumas edições do Salão Nacional de Belas Artes. Na capital gaúcha erigiu o mausoléu de Pinheiro Machado. Além disso, ―também realizou uma série de bustos de líderes gaúchos para o governo do estado, em mármore e bronze‖ (ALVES, 2004, 239). c) A obra São muitas as formas de homenagear pessoas queridas ou aquelas que realizam feitos memoráveis, ou como diz o senso comum, ―as que fizeram alguma coisa boa‖. Em vida, temos as festas de aniversário, os presentes, as cartas, as placas, a outorga de títulos, as faixas. Quando ocorre a morte, as comemorações e homenagens mudam de conotação. São mais ostentatórias, intencionais e monumentais. Junto delas temos a tradição e, o elemento mais forte, a saudade. São, também, conforme Bellomo (2008, p. 20), ―[...] parte do pensamento oficial a celebração cívica dos líderes políticos vinculados ao grupo dominante‖. 22 Esse é o caso do busto de Julio de Castilhos, que ratifica o ―[...] princípio positivista do culto cívico do líder e da conservação de sua memória, única imortalidade possível no ser humano‖ (BELLOMO, 2008, p. 21). Ou, como nos diz Alves que ―a propaganda positivista [se dá] por meio [também] da estatuária‖ (2004, p. 53). Conforme levantamento sobre fontes primárias de informação sobre Julio de Castilhos (fotografias, monumentos, cartas, entre outras), foram localizados seis bustos do mesmo distribuídos entre algumas das instituições pesquisadas. Esses bustos fazem parte do acervo das seguintes instituições: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande doSul, Biblioteca Pública do Estado, Colégio Estadual Julio de Castilhos e Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Esta última instituição possui dois bustos em seu acervo. Um busto ―é uma escultura ou pintura que representa a cabeça, o pescoço e uma parte do peito da figura humana. [...] Derivado do latim bustu-um, significando sepulcro, túmulo, monumento fúnebre.‖ (COMISSÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL, 1997, p. 146). Conforme Carvalho, ―[...] bustos assentados sobre colunas e efígies em medalhões são formas recorrentes de constituição da identidade masculina nas comemorações e decoração públicas que penetram na vida doméstica e lá se tornam referências da presença do chefe da casa.‖ (2008, p. 55). Se a intenção dos correligionários castilhistas era perpetuar o pensamento e as ações de Julio de Castilhos, podemos dizer que obtiveram logro. A obra está numa das salas do MJC, um espaço público, mas que recria dois espaços e momentos dicotômicos da vida de Julio de Castilhos: seu gabinete (público) e seu quarto (privado). O busto está lá, num canto próximo à porta. Quem visita a Sala, mal percebe o busto, mas a sua presença, ainda que velada, mantém vivas as ideias e reflexões do positivismo castilhista. 4.3.2 A máscara mortuária a) Informações da ficha catalográfica Conforme a ficha catalográfica, a máscara mortuária está montada em uma moldura de madeira esculpida, provavelmente de louro. Por sua vez, a moldura forma conjunto com um cavalete simples, que apresenta motivos em art noveau nos pés e no travessão da base. As pernas do cavalete são gravadas em relevo com losangos, cujos ângulos são trabalhados sob a forma de estrelas de quatro pontas ou cruzes. A moldura é trabalhada, esculpida em madeira, com fundo pontilhado e contornos trabalhados. Na parte circundada superior, vemos motivos 23 espiralados em ambos os lados unidos por um anel sobreposto a um motivo floral. Ladeando esse motivo floral, temos um conjunto de ramos e espirais. Sobreposta à base, podemos ver uma faixa em metal com os dizeres: ―Esta efígie do imortal Patriarca Rio-grandense extraída momentos após o seu desaparecimento objetivo é entregue por mim nesta data à guarda perpétua da municipalidade de Porto Alegre -30/12/1911 - Borges de Medeiros‖. Abaixo do nome de Borges de Medeiros, há a inscrição ―A Aliança‖. No centro da moldura temos a máscara mortuária. A máscara está ornada por uma coroa de carvalho esculpida na madeira e sobreposta a esta escultura, há um conjunto entalhado que forma o brasão do Rio Grande do Sul. Percebe-se que a máscara, frontal, feita de gesso, está levemente amarelada. Entretanto, ainda é perceptível o rosto de Julio de Castilhos após sua morte: cabeça enfaixada, olhos fechados e com seu bigode e cavanhaque. A máscara é protegida das intempéries por uma redoma de acrílico. Segundo o historiador Walter Spalding, a seguinte notícia foi publicada no Jornal ―Correio do Povo‖, edição do dia 27 de outubro de 1903: No palacete de residência do Dr. Julio de Castilhos, antes do saimento fúnebre, o pintor Romualdo Pratti lembrou ao Dr. Borges de Medeiros a conveniência de ser tirada a máscara em gesso do ilustre morto. Obtida a necessária licença da família, foi executada a tarefa pelo Sr. Romualdo Pratti e pelos escultores Pelerini e Aloys Friederich. Essa máscara, que é de uma perfeição admirável, foi ontem oferecida ao Presidente do Estado para figurar no Museu Estadual. (SPALDING, 2010). O autor ressalta que, apesar do Museu do Estado existir desde 1901, a máscara ficou até 1940 sob uma redoma na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, quando foi devolvida ao MJC. b) O autor da obra 24 Para a confecção da máscara foi contratada a famosa Oficina de Esculturas de João Vicente Friederichs, situada à Rua da Conceição, próxima a Voluntários da Pátria. Consta na ficha que o escultor José Pelerini, técnico da Oficina de Friederich, foi o responsável pela confecção da máscara. Não encontramos informações sobre este artista. Não sabemos se na ficha catalográfica o nome está correto. c) A máscara mortuária O mais atento visitante que entrar na Sala Julio de Castilhos, poderá achar estranha a confluência dos dois ambientes: à esquerda, o gabinete e à direita, o quarto. Mas, o que mais chama a atenção e destoa do restante do mobiliário é uma máscara mortuária. Ela pertenceu ao patrono do Museu. Com o mesmo sentido de celebração do busto, a máscara mortuária também é elemento de representação pós-morte, constituindo uma lembrança da pessoa falecida. A história do uso de máscara mortuária é antiga. Talvez, se origine com os etruscos. Segundo Abreu, O costume da máscara ficou restrito a pequenos grupos da elite, mais especificamente a personalidades desses grupos. Na Roma Antiga, as máscaras mortuárias vincularam-se aos patrícios, sendo guardadas nas casas da família do morto. Tinham o sentido de preservação da memória familiar. (ABREU, 1996, p. 69). A máscara mortuária de Julio de Castilhos foi oferecida a Borges de Medeiros, então Presidente do Estado. Este, por sua vez, a doou ao município de Porto Alegre, com expressiva Detalhe da máscara mortuária 25 dedicatória 7 . O prefeito da capital gaúcha, na década de 1940, José Montaury, mandou colocar a máscara mortuária em uma redoma de vidro e colocá-la num suporte de madeira, ricamente esculpido, com o brasão das armas do Rio Grande do Sul entalhado ao fundo. Sobre a máscara mortuária pairam algumas dúvidas. Walter Spalding afirma a presença de um brilhante na orelha direita da máscara. Na máscara exposta, ele não aparece. O brilhante foi perdido durante as inúmeras mudanças? O histórico da troca da redoma de vidro para a redoma de acrílico também não foi encontrado nas fichas, nem em outras bibliografias. Isso significa que o objeto foi modificado antes ou depois da sua entrada no MJC? E o que falar sobre a provável existência de outra cópia da máscara mortuária de Julio de Castilhos, que está na reserva técnica do Museu? 8 Inúmeras perguntas que seguem, por enquanto, sem respostas. 4.4 O LIVRO DE ATAS DAS SESSÕES DO CLUBE REPUBLICANO E A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Em uma das arestas da sala dedicada a Julio de Castilhos, nas proximidades da escada de acesso ao subsolo do museu, encontra-se uma vitrine contendo dois volumes: o primeiro é o Livro de Atas das sessões do Clube Republicano, acompanhado do exemplar da primeira Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 1891, ambos pertencentes a Julio de Castilhos. 4.4.1 Livro de Atas das Sessões do Clube Republicano Tombado sob o n.º 370, foi doado ao museu por Alcides de Mendonça Lima 9 , em ato intermediado pelo Diretor do Museu, Dr. Alcides Maia, em data não precisa, o Livro de Atas encontra-se em exposição permanente na sala Julio de Castilhos. No que tange a descrição do 7 As palavras de Borges de Medeiros estão na faixa em metal logo abaixo da redoma de acrílico da máscara mortuária. 8 Em verificação posterior, confirmamos a existência de uma cópia da referida máscara mortuária na Reserva Técnica do MJC. 9 Alcides de Mendonça Lima (Bagé, 11 de outubro de 1859 — Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1935) foi um jurista, advogado, escritor, historiador e político brasileiro. Filho de João Pereira de Mendonça Lima, português e Ana Teresa de Mendonça Lima. Cursou direito na Faculdade de Direito de São Paulo, tendo como colegas Assis Brasil e Julio de Castilhos. Durante o curso escreveu e publicou, em 1882, a História Popular do Rio Grande do Sul. Eleito deputado constituinte nacional, participou da elaboração da Constituição de 1891. Depois, foi juiz em Rio Grande e Pelotas. Foi um dos fundadores daAcademia Rio-Grandense de Letras. 26 Livro de Atas do Clube Republicano, segundo informações contidas na ficha catalográfica, trata-se de encadernação contendo: Atas das sessões do Clube Republicano Acadêmico em 1880. Mandado encadernar por Raimundo A. Pereira e Jose Carlos Sperb. O Clube Republicano Acadêmico era uma entidade que reunia os acadêmicos de Direito, partidários da República e que estudavam na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. O fundador do PRR e propagandista da República no Rio Grande do Sul, Julio de Castilhos, foi um dos sócios mais ativos do clube. Todavia, encontramos o registro na ficha do Museu, de que o senhor Alcides de Mendonça Lima, doador do Livro de Atas do Clube Republicano, faleceu em 11/02/1926, data que não corresponde a pesquisa genealógica realizada, nem ao período em que o Dr. Alcides Maia exerceu o cargo de Diretor do Museu Julio de Castilhos e, possivelmente, que não corresponde à data de doação. Isto nos faz conjecturar que o preenchimento da ficha correspondente não acompanhou a entrada da peça no acervo do museu. 4.4.2 Constituição do Estado do Rio Grande do Sul Tombado sob o n.º 245 e doado pela Sra. Julia de Castilhos Franco (Porto Alegre/RS), trata-se de um exemplar da primeira Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, aprovada em 14 de julho de 1891. A elaboração do texto constitucional foi encomendada pelo então governador do Estado do Rio Grande do Sul, General-de-Divisão Cândido Costa, que nomeou uma comissão especial para elaborar o projeto da primeira constituição estadual republicana: Apesar de uma comissão tríplice ter sido nomeada para redigir o projeto constitucional, na realidade o documento é obra exclusiva de Castilhos. Os outros dois membros – Assis Brasil e Ramiro Barcellos - se eximem da responsabilidade pelo texto com o qual não concordam. Castilhos substituirá o termo ditador do projeto do Apostolado por Presidente do Estado, mas permanecerá a idéia do poder concentrado e centralizado. (TRINDADE; NOLL, 2005, p. 21). O exemplar da Constituição exposto é uma publicação especial, oferecida a Julio de Castilhos pelos integrantes da Brigada Militar. Trata-se de uma encadernação em veludo, com as capas em prata de lei, contendo o brasão e as armas do Estado em relevo na capa. As folhas do texto são decoradas com ornamentos dourados e verdes e a primeira página contém dedicatória a Julio de Castilhos. Importante ressaltar, que as peças descritas são verdadeiras preciosidades e raridades, por se tratarem de exemplares únicos e que se encontram expostos de forma permanente, o que pode trazer prejuízos para a conservação das mesmas. 27 Por fim, mas não menos importante, registramos que a sala de exposição dos objetos referentes ao ―Patriarca da República Rio-grandense‖, não é a mais adequada para a apresentação desses objetos de uma forma harmônica, permitindo a construção linear de uma narrativa, uma vez que a mesma possui várias aberturas, o que dificulta a composição dos ambientes anteriormente identificados: o quarto e o gabinete do Julio de Castilhos. 4.5 OS PALAS a) Informações da ficha catalográfica Os dois palas que se encontram na Sala Júlio de Castilhos, conforme as fichas de catalogação, foram doados por Eugênia C. Mendonça (pala de lã, sem data de doação) e por José da Silva Job (pala de seda, doado em 1948). Ambos pertenceram ao Dr. Julio Prates de Castilhos. O pala de seda de cor castanho e bege, em degradê, tem forma retangular, com gola em ―V‖, lavores do mesmo fio de tecido, doze listras ao comprido e franjas nas extremidades, com 2 metros de altura por 1,42 metros de largura. O tecido da peça está esgarçado e com nódoas, além de apresentar franjas fragmentadas. 28 Já o pala de lã possui dimensões de 1,46 metros de altura por 1,82 metros de largura e tem inscrições nas extremidades, com as iniciais ―JPC‖ (Julio Prates de Castilhos). Seu estado de conservação é razoável, apresentando vários furos, provavelmente causados por insetos. De acordo com o ―Vocabulário Sul- riograndense‖ (CORRÊA; CORUJA; MORAES; CALLAGE, 1964), o pala é uma indumentária semelhante ao poncho, mas possui características peculiares. É fabricado de tecido mais leve, de forma quadrilateral, com as extremidades franjadas, se usa enfiado pela cabeça ou como um cachecol e não tem gola. O pala é feito de seda ou de lã de vicunha (os mais luxuosos) e de brim merino ou alpaca, sendo muito usado no Rio Grande do Sul pelos viajantes a cavalo. Existem algumas variações do pala, como o bitango, pequeno pala enfiado pela cabeça que cobre meio braço, que lembra o antigo manto espanhol. O poncho, por sua vez, é confeccionado em fio de lã em tear rústico e usado para o frio. São bem compridos, cobrindo o cavalo quando o cavaleiro está montado. Segundo o relato do comerciante inglês John Luccock 10 , em viagem pelo sul do Brasil e Argentina, no ano de 1809, o pala ―[...] é todo circundado de belbute 11 , com forro de baeta 12 de cor viva; se é de algodão, traz franjas multicores abertas no próprio tecido. É considerado peça de fabrico sul-americano.‖ (1989, p. 54). Tanto o pala como o poncho tem origem mapuche, povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina, mas também aparece na Indonésia e na América Pré- Colombiana: ―[...] a arqueologia, através de testemunhos rupestres e cerâmicos, nos proporciona interessantes dados a respeito da difusão do poncho na América Pré- Colombiana.‖ (ICOM, 1986). Conforme Jacques (1989, p. 47), ―[...] existe uma semelhança íntima de hábitos entre os camponeses rio-grandenses, os orientais e argentinos, tem conduzido até a analogia no vestuário: é assim que o traje dos nossos homens do campo consiste, conforme as posses, em um ponche pala, no verão, um paletó seco e bombachas ou calças ou chiripá‖. 10 Luccock dedica dois capítulos de seu livro de viagens pelo Brasil para registrar as suas impressões sobre o Rio Grande do Sul, no início do século XIX. 11 Tecido de algodão aveludado. 12 Lã grosseira 29 A presença dos palas na Sala Julio de Castilhos seria justificada pelo fato de serem relíquias, objetos que pertenceram a uma figura ilustre, já que parecem estar totalmente fora do contexto do ambiente do gabinete de trabalho. A associação das peças com a figura de Julio de Castilhos, o ―Patriarca da República‖, pode ter duas conotações: primeiro, a legitimação do pala como peça da indumentária típica do gaúcho; segundo, reforçar a imagem de Castilhos como gaúcho ―autêntico‖ e, portanto, identificado com atributos como: bravura, lealdade, virilidade, entre outros. 5 SALA JULIO DE CASTILHOS: uma nova proposta expográfica No museu, os objetos de nosso cotidiano (mas fora desse contexto e, portanto, capazes de atrair a observação) ou estranhos à vida corrente (capazes, por isso, de incorporar à minha, experiências alheias) assumem valores cognitivos, estéticos, afetivos, sígnicos. Ulpiano Bezerra de Meneses Não há dúvidas da importância da cultura material 13 , não somente considerada como um conjunto de produtos materiais, mas também vista como ―[...] vetores de relações sociais. Estamos imersos num oceano de coisas materiais, indispensáveis para a nossa sobrevivência biológica, psíquica e social.‖ (MENESES, 2005, p. 18). Dessa forma, o museu é um dos espaços mais privilegiados no que diz respeito à análise e ao entendimento da dimensão material da vida social. E, mais do que isso, o museu tem papel fundamental na construção de uma visão crítica a partir dos acervos museológicos, pois o que está exposto não é um retrato fiel da realidade, nem uma verdade inquestionável. O que se vê ordenado em um museu é apenasuma possível versão dessa realidade, uma visão de mundo, já que depende de sujeitos que decidem o que é ou não patrimônio, o que deve ou não constituir o acervo de um museu e como esse acervo deve ser apresentado. Segundo Meneses (2005), os museus de tipologia histórica, além da sua dimensão educativa e informativa, da fruição estética e do lazer que podem proporcionar, podem trazer importante contribuição na produção do conhecimento histórico e, dentro dessa perspectiva, a exposição museológica seria um instrumento para atingir esse fim. Sendo a exposição aqui 13 Conforme Menezes, não há oposição entre cultura material e cultura imaterial: ambas são dimensões de um mesmo fenômeno. 30 entendida como ―convenção visual, organização de objetos para produção de sentido‖ (MENESES, 2005, p. 30), não uma mera apresentação de coleções descontextualizadas. Partindo da premissa de que os objetos não possuem sentidos e valores intrínsecos, mas que são atribuídos pela sociedade que os ―produz, armazena, faz circular e consumir, recicla e descarta [...]‖ (MENESES, 2005, p. 34-35), o autor caracteriza o chamado ―objeto fetiche‖ 14 como aquele mais comumente encontrado nos acervos de museus históricos. Esses objetos, segundo Meneses (2005, p. 25), possuem ―um sentido prévio e imutável derivado de uma contaminação externa [...], objetos singulares e auráticos 15 , não podem ser substituídos por cópias [...]‖. São os artefatos extraídos de seu contexto original de produção e uso que, pelo ―fato de terem figurado em acontecimentos históricos e passado pelas mãos de personagens antigos [...], passam a ser considerados grandes preciosidades.‖ (MALINOWSKI apud MENESES, 2005, p. 25). Com relação à exposição montada na Sala Julio de Castilhos, percebemos que as afirmações de Meneses são cabíveis, uma vez que os móveis e outros objetos têm sua presença garantida apenas em função de terem pertencido a um personagem relevante de nossa história. Esses objetos não compõem uma narrativa que esclareça ao visitante o contexto do período histórico em questão (final do século XIX e início do século XX), a dinâmica de vida da sociedade da época, as transformações que ocorriam na cidade de Porto Alegre (que passava de cidade colonial à metrópole moderna), nem ao menos conseguem ―convencer‖ o público da relevância do personagem Julio Castilhos no cenário político local e nacional. Assim, a análise realizada a partir do acervo exposto na Sala Julio de Castilhos teve como objetivo principal compreender a construção e a celebração do mito do ―Patriarca‖ Julio de Castilhos. Também com base nessa análise, buscamos sugerir algumas modificações na expografia apresentada na referida sala. Entendemos que o museu, além de ser um lugar de conservação e preservação de bens culturais, ao mesmo tempo, é um espaço que constrói discursos através da exposição dos objetos de seu acervo. As sugestões apontadas visam um melhor aproveitamento dos objetos como fontes documentais, como indicadores de problemáticas históricas. 14 O objeto histórico, segundo Ulpiano Bezerra de Meneses, se dividiria em três categorias: objeto fetiche, objeto metafórico e objeto metonímico. 15 De acordo com o conceito de ―aura‖ de Walter Benjamin. 31 A seguir, passamos a fazer algumas considerações acerca da expografia da Sala Julio de Castilhos: 5.1 O AMBIENTE DO QUARTO A sala atual, pela sua configuração (sala ampla, com muitas aberturas) e iluminação excessiva (várias lâmpadas fluorescentes e luz natural), não favorece a recriação de um quarto, ambiente privado que deveria ter uma atmosfera intimista, aconchegante, marcada pela presença das pessoas que ali habitam. Além disso, a sala serve como ―passagem‖ para a área administrativa e técnica, através de uma escada localizada no ambiente do gabinete. Uma das modificações sugeridas seria a volta da Sala Julio de Castilhos para o espaço anterior, mais apropriado para a ambientação de um dormitório. Nessa sala, de formato retangular, cada ambiente poderia ser localizado nas extremidades, demarcando melhor a área de cada um e o controle da iluminação natural seria facilitado. No ambiente, temos todo o conjunto mobiliário, mas faltam elementos que nos digam: quem eram os moradores, quais seus hábitos, suas preferências, em que época eles viveram e a que classe social pertenceram? A tentativa de ―personalizar‖ o quarto foi a colocação do retrato de família na parede, junto à cama. Talvez se a fotografia estivesse em um porta- retratos sobre a mesa de cabeceira ou sobre a penteadeira, surtisse mais efeito, pois os retratos de família geralmente eram afixados nas paredes da sala de estar ou, como se chamava antigamente, na ―sala de visitas‖. Citamos abaixo alguns elementos que poderiam estar presentes no quarto e que ajudariam na composição do ambiente: a) o guarda-roupas poderia estar com a porta aberta, permitindo que fossem vistas as peças de vestuário da época; as roupas não precisariam ser, necessariamente, pertencentes ao casal Julio e Honorina, podendo ser, inclusive, réplicas. Quanto à conservação das peças, uma solução seria a utilização de uma proteção feita em acrílico que seria colocada na abertura do móvel; o acrílico não atrapalharia a visibilidade e impediria que a poeira se acumulasse nos tecidos; b) sobre a penteadeira seriam colocados objetos de uso pessoal: o chamado ―conjunto de toucador‖, composto por espelho, frascos de perfume, escova de roupa, escova de cabelo, pente, caixas de diversos tamanhos para cosméticos, etc.; além desses objetos, poderíamos ter um porta-jóias, leques, entre outros; 32 c) a ―mesa de toalete‖, por exemplo, é um móvel que caiu em desuso, sendo desconhecida para um grande número de pessoas nos dias de hoje (convém lembrar que o público principal do MJC são crianças do ensino fundamental). A presença de um conjunto de toalete sobre o móvel (e legendas explicativas) poderia esclarecer a função que essa peça de mobiliário desempenhava, chamando a atenção do público para as diferenças entre aquela época e a atualidade: nos hábitos de higiene, no abastecimento de água da cidade, no descarte de dejetos, para citar alguns pontos que poderiam ser explorados. Objetos que comporiam o conjunto de toalete: bacia e jarro de cerâmica, porta-sabonete, entre outros; d) quanto à cama do casal, segundo Liana B. Martins, a colcha de crochê que a cobria foi retirada devido ao seu estado de conservação (precisa ser restaurada); uma outra colcha poderia ser colocada, assim como travesseiros; e) outros objetos que poderiam ser incorporados à expografia seriam tapetes, vasos, ―bibelôs‖, etc. f) a questão da iluminação é de grande importância na recriação de ambientações. Assim, sugerimos baixos níveis de iluminância 16 , uma iluminação ―quente‖ com lâmpadas incandescentes, pois o tom amarelado traz a idéia de aconchego, numa alusão às relações que se dão nesse espaço. A luz amarela também remete à luz de vela e de lampião usadas antes da instalação da energia elétrica e ao tom ―amarelado‖ de fotos antigas. Alguns focos de luz direcionados a objetos que devem ser destacados, ajudariam a compor a iluminação cênica. 5.2 O AMBIENTE DO GABINETE O gabinete de Julio de Castilhos estava montado na mesma sala que o quarto, porém era separado deste por um biombo. Atualmente, esses dois ambientes, um relacionado à esfera pública e o outro à esfera privada, estão separados por um ―corredor‖, que não deixa claro para o público a demarcação entre um espaço e o outro, o que dificulta a percepção das diferenças entre os dois. 16 Luz que incide em uma superfície e atinge os objetos. A sua unidade de medida éo lux. 33 34 Sugestões para a apresentação do acervo de uma forma mais harmônica: a) sobre a escrivaninha, a mesa de trabalho de Julio de Castilhos, a presença de alguns objetos poderia informar melhor sobre suas atividades políticas e sua atuação como redator e diretor do jornal ―A Federação‖: o tinteiro de prata que lhe pertenceu (na atual gestão foi retirado da exposição); o exemplar do Livro de Atas do Clube Republicano (do qual foi um dos fundadores, ainda na Faculdade de Direito) e a Constituição do Rio Grande do Sul de 1891, que estão dentro de uma vitrine, poderiam estar sobre a mesa; um exemplar da Federação; alguns livros, principalmente ligados ao Positivismo (influência marcante na vida do político). A presença de algumas cartas escritas por Julio de Castilhos também seria muito apropriada, já que era uma constante em sua vida a troca de correspondências entre ele e seus familiares ou correligionários. Inclusive as cartas de amor que escreveu para a esposa Honorina Costa, já publicadas em livro comemorativo aos 90 anos do MJC, poderiam mostrar um lado mais ―humano‖ do homem público; b) uma cigarreira e um cinzeiro também poderiam ser colocados sobre a mesa, ressaltando a sua condição de ―fumante inveterado‖ (SILVA, 2007, p. 138) e que, certamente, o hábito de fumar contribuiu para que desenvolvesse câncer na traquéia; c) as bengalas, elementos de distinção, indicadores de status social, que pertenceram a Julio de Castilhos, faziam parte da exposição anterior e poderiam ser colocadas novamente no ambiente do gabinete; d) os demais objetos que fazem parte do ambiente, com exceção do retrato de Julio de Castilhos, encontram-se deslocados, não fazendo parte da recriação do gabinete: os palas; a máscara mortuária; o busto; e uma bandeira do Rio Grande do Sul que, conforme Andréa Reis da Silveira, atual coordenadora técnica do MJC, só está na sala para ―compor o cenário‖. O busto e a máscara mortuária, elementos de celebração do Patriarca e homenagens pós-morte, poderiam ser realocados, talvez no andar térreo, próximo à Reserva Técnica, no espaço dedicado à ―Memória do Museu‖ ou mesmo no Auditório. Os palas poderiam estar no ambiente do quarto, dentro do guarda-roupa; e) no que diz respeito à iluminação do gabinete, sugerimos, como no caso do quarto, um baixo nível de iluminância, focos de luz direcionados para dar destaque a certos elementos e criar contrastes de claro-escuro, luz e sombra. Com relação à conservação, iluminação especial para o retrato, pois pinturas à óleo são consideradas moderadamente sensíveis à luz (no máximo 200 lux). 35 As sugestões para uma nova expografia da Sala Julio de Castilhos foram pensadas com o propósito de ―desfetichizar‖ os objetos aí expostos. ―Mas como desfetichizar o objeto na exposição? Simplesmente trilhando o caminho inverso da fetichização, isto é, partindo do objeto para a sociedade.‖ (MENESES, 2005, p. 35). Mas isso não significa transformar o objeto fetiche em objeto metafórico, ou seja, torná-lo uma mera ilustração de textos e legendas, reduzindo a exposição museológica a uma ―exibição‖ de objetos que apresentam ―conceitos, idéias, problemas que não foram deles extraídos, mas de outras fontes externas.‖ (p. 36). Assim, ―ao invés de eliminar os ‗objetos históricos‘, as relíquias, o museu histórico deve é inseri-los no seu quadro de análise e operações, procurando desvendar sua construção, transformações, usos e funções.‖ (MENESES, 2005, p. 35). Para tanto, é preciso que os profissionais que atuam nos museus se debrucem sobre os seus acervos, num árduo trabalho de pesquisa museológica, ação fundamental quando o que está ―em jogo‖ é a produção do conhecimento. Dessa forma, podemos concluir, baseados nas reflexões de Ulpiano B. de Meneses (2005), que o grande desafio do Museu Julio de Castilhos e dos museus históricos em geral, mais do que trabalhar com objetos históricos, é trabalhar com problemas históricos. 5.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A pesquisa realizada com base na exposição da Sala Julio de Castilhos, nos permitiu elaborar algumas considerações: - o acervo do ambiente do quarto está exposto, muito provavelmente, desde 1954. Como não há imagens dessa época, não sabemos qual a sua configuração. Em catálogo publicado no ano de 1983, temos uma imagem do quarto com o mobiliário disposto de maneira muito semelhante ao que vemos atualmente. A diferença que podemos observar é a presença de alguns objetos sobre a penteadeira e sobre a mesa de toalete e a colcha de crochê cobrindo a cama; - quanto ao gabinete, a concepção deste também remonta à década de 1950. Algumas mudanças ocorridas na atual exposição, com base nas informações do catálogo de 1983 são: o busto de Julio de Castilhos não se encontrava no ambiente do gabinete, mas na parte superior do vestíbulo do Museu, no alto da escada (junto ao busto de Borges de Medeiros, que não está mais em exposição). Sobre a escrivaninha estava o tinteiro de prata; em uma vitrine ficavam expostas a Constituição do Estado e algumas cartas escritas por Castilhos. Os palas, o retrato 36 e a máscara mortuária também faziam parte do conjunto nessa época. Isso significa que, apesar de todas as mudanças ocorridas no campo museológico, a exposição da Sala Julio de Castilhos permanece a mesma, apresentando os mesmos ―objetos fetiche‖, limitando o papel do público ao de mero espectador de um patrimônio consagrado; - ao ter acesso às fichas catalográficas dos objetos dessa sala, constatamos a imprecisão dos dados, que chegavam a ser contraditórios numa mesma ficha. Ao longo do trabalho já assinalamos alguns problemas observados. Dados referentes à data de doação dos objetos praticamente inexistem, assim como a descrição das obras apresenta muitas informações incorretas. A ausência de uma padronização dos procedimentos de documentação do Museu é um dos fatores que acaba prejudicando a pesquisa e, consequentemente, a produção de conhecimento a partir do acervo; - nos parece que o mesmo trabalho que é desenvolvido para a montagem das exposições temporárias deveria ser aplicado também em relação às exposições ―permanentes‖ (termo que poderia ser substituído por ―de longa duração‖). O Museu Julio de Castilhos conta com um acervo rico e repleto de possibilidades de novas investigações. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a proclamação da República no Brasil, assume o poder no estado do Rio Grande do Sul o Partido Republicano Rio-grandense (PRR), cujo líder, Julio de Castilhos, passa a ser identificado como o ―Patriarca da República Rio-grandense‖. Os esforços desempenhados pelos positivistas na implantação do regime republicano vieram acompanhados de ações para consolidar esse novo regime. Assim, a legitimação do discurso político do PRR, se constrói alicerçada na simbologia positivista, sendo as celebrações cívicas e a construção de monumentos em homenagem aos ―heróis‖ (indivíduos que deveriam ser cultuados e tidos como exemplo), as principais estratégias utilizadas. A morte prematura de Julio de Castilhos, aos 43 anos de idade, acabaria por transformá-lo no modelo a ser cultuado e seguido pelos demais; ele é o líder, quase um ―guia espiritual‖ que deve permanecer vivo na memória. Em discurso proferido na sessão fúnebre de Julio de Castilhos, em 31 de outubro de 1903, Getúlio Vargas deixa claro o ―projeto‖ de imortalização do Patriarca: 37 A morte arrebatou-o de nosso seio, porém a sua memória pertence à posteridade; Julio de Castilhos só desapareceu objetivamente. [...] Nós que pranteamos a memória, sigamos o exemplo desse homem que no passado foi um lutador, no presente um organizador e no futuro será um símbolo de glória. (VARGAS, 1960). O processo de construção do mito
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