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1 2 3 Prof. Dr. Rodrigo Silva INTRODUÇÃO À BÍBLIA 1ª Edição 2017 4 5 Sumário Palavra do Professor autor Sobre o autor Ambientação à disciplina Trocando ideias com os autores Problematizando UNIDADE I – ESTRUTURA DA BÍBLIA Peculiaridades de um Livro Nomes para a Palavra de Deus Organização do Livro Sagrado Antigo testamento Pentateuco ou Torá Livros Históricos Livros Poéticos Livros Proféticos Novo Testamento Geografia dos eventos bíblicos Uma coletânea de Histórias Um livro perigoso Inspiração e revelação UNIDADE II - O CANON BÍBLICO Como foram escolhidos os livro da Bíblia? O Cânon do Novo Testamento Cânon do Antigo Testamento Período Intertestamentário A Septuaginta Apócrifos, pseudoepígrafos e Deuterocanônicos Línguas Originais da Bíblia 6 Hebraico e Aramaico Grego UNIDADE III: A TRANSMISSÃO DO TEXTO BÍBLICO Períodos Bíblicos Período de reduplicação Período da unificação textual O Período das impressões Período de crítica e de revisão A Crítica Textual O Trabalho da Crítica Textual UNIDADE IV- A COMPREENSÃO DA BÍBLIA As principais traduções da Bíblia Antigo testamento Novo Testamento Versões modernas Versões em português A Bíblia no Brasil - Traduções parciais Traduções completas Explicando melhor a pesquisa Leitura Obrigatória Pesquisando na internet Saiba Mais Vendo com os olhos de ver Revisando Autoavaliação Bibliografia Bibliografia da Web Vídeos 7 Palavra do professor Ao dar início a tarefa de cursar Teologia tem-se em mira vários objetivos, mas sem dúvida o maior de todos é conhecer a revelação de Deus para o homem. A Teologia cristã parte do pressuposto que Deus existe e que ele se revelou de várias maneiras. Entretando a Biblia consitui a revelação especial de Deus para o homem. Seu principal objetivo é revelar ao homem o plano da salvação. Por meio dessa revelação o homem passa a compreender que o Deus único é composto por três pessoas divinas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e que as Pessoas Divinas planejaram a criação do homem bem como o plano para resgatá-lo do pecado e da sua natureza caída. Mas nesse momento nos voltamos para os aspectos formais do livro sagrado. Quando foi escrito? Quem são seus escritores? Como o livro foi organizado? Podemos confiar nas traduções modernas?Nao teria a Bíblia sido alterada ao longo dos séculos? Essa e outras questões serão respondidas nessa disciplina. Seja bem vindo (a)! O autor. 8 Sobre o autor Rodrigo Pereira da Silva é filosofo e Pós-doutor com concentração em Arqueologia Bíblica pela Andrews University, EUA. Doutor em Arqueologia Clássica pela Universidade de São Paulo com bolsa da Capes a partir de novembro de (2010 a março de 2011). Doutorado em Teologia Bíblica pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. Assunção - atualmente vinculada à PUC SP (2001). Especialização em Arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém (1998). Mestrado em Teologia Histórica pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus - atual Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE (1996). Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção (1999), possui também graduação em Teologia pelo Instituto Adventista de Ensino do Nordeste (1992). É professor de Teologia e Arqueologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo - Campus Engenheiro Coelho, SP (UNASP-ec), curador do Museu Paulo Bork de Arqueologia do Oriente Médio. 9 Ambientação A Bíblia é, sem dúvida, o livro mais impresso e divulgado no mundo inteiro. Seria também o mais estudado? Difícil dizer. Mas o fato é que uma pesquisa das Sociedades Bíblicas Unidas (UBS) concluiu que cerca de 2,5 bilhões de cópias tinham sido impressas e distribuídas entre 1815 e 1975. Porém, mais recentemente, o Guiness publicou que este número superaria mais de 5 bilhões de exemplares distribuídos em 349 idiomas (algumas fontes dizem 6 bilhões). Se considerarmos ainda aqueles que têm pelo menos partes da Bíblia em seu vernáculo natal, esse número saltaria para mais de 2.400 idiomas ao redor do mundo que possuem a Bíblia traduzida no todo ou em parte. Somente os Gideões Internacionais distribuem por dia mais de 170 mil exemplares da Bíblia em todo mundo. Isso significa que a cada minuto ou o tempo em que você levar para ler toda essa página, 120 novas bíblias foram entregues a alguém em diferentes cantos do planeta (BEAL 2011). O segundo livro no ranking de mais publicado e distribuído do mundo seria o famoso Livro Vermelho do Comunista Mao Tsé-Tung que trazia citações do ditador chinês compilados por Lin Piao, seu ministro da defesa. Diferente da Bíblia, esta era uma distribuição e leitura obrigatórias, impostas pelo governo. Mesmo assim, o que se tem aqui é um distante segundo lugar, pois de acordo com as fontes oficiais o livro vermelho estaria disponível em menos de 40 idiomas com uma tiragem de pouco mais de 1 bilhão de cópias distribuídas pela China e restante do mundo (LEESE, 2011). Que contraste não é mesmo? E as diferenças não param por ai. O conteúdo de ambos os livros é assombrosamente diferente. De acordo com o Livro Vermelho de Mão, “devemos apoiar tudo o que o inimigo combate e combater tudo o que o inimigo apoia” e mais: “a revolução é uma insurreição, um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra.” 10 Já na contramão desta cultura temos os ensinos de Cristo que diz: “tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei a eles vós também” (Mateus 7:12). Além disso temos o conselho de Paulo: “Não deixeis vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (ROMANOS 12:21). O livro vermelho tornou-se uma espécie de Bíblia para a juventude chinesa dos anos 60 e 70 e foi peça chave do maior fervor ou fanatismo revolucionário do século 20, a chamada Revolução Cultural que ceifou a vida de muitas pessoas e tornou a China um dos países mais isolados do mundo inteiro. Alguns podem argumentar que a Bíblia também provocou muitas mortes nos tempos da inquisição, mas isso não é verdade. Foi a autoridade eclesiástica de então que mandou matar em nome da fé. A leitura da Bíblia, além de proibida para a população em geral, era um dos motivos da pena capital, pois muitos foram mortos apenas por possuir em casa um exemplar do livro sagrado ou tentar lê-lo por conta própria sem autorização da Igreja. Autoridade eclesiástica e ensinamentos bíblicos não são necessariamente sinônimos perfeitos. A história, portanto, das Escrituras Sagradas está bem distante daquela relacionada ao Livro Vermelho da China Comunista. Bons estudos! 11 Trocando ideias com os autores Para ampliar ainda mais seus estudos sobre esta disciplina, convido você a ler o livro Introdução à Bíblia. Este volume fornece respostas a perguntas intrigantes como estas: Se a Bíblia foi escrita por homens, por que é considerada a Palavra de Deus? Como ter certeza de que o conteúdo da Bíblia não foi alterado com o tempo? O que a arqueologia tem a dizer sobre a confiabilidade das Escrituras? Existem contradições na Bíblia? Que devo fazer para começar a formar minha biblioteca pessoal em português? Além de analisar essas questões altamente relevantes, o estudante da Bíblia também será equipado com ferramentas para o estudo das Escrituras. São publicações que devem compor sua biblioteca particular: diversas versões das Escrituras, Bíblias de Estudo, obras de consulta, livros de teologia sistemática, comentários bíblicos, introdução bíblica, história da igreja e da teologia e livros de teologia prática, além deum capítulo destinado exclusivamente ao método de pesquisa. HARRIS, R. Laird. Introdução à Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2005. Outra maravilhosa leitura essencial voltada para aqueles que estão em busca de um conhecimento maior da Palavra de Deus, bem como estudantes de seminário, é o livro Merece Confiança o Antigo Testamento? Esta obra trata- se de uma leitura crítica, com ela você poderá levantar excelentes discussões. A escolha do autor vincula-se a um ponto de vista mais conservador, sob uma perspectiva ortodoxa. No entanto são apresentadas, de forma imparcial, teorias distintas – liberal ou neo-ortodoxa. ARCHER JUNIOR, Gleason L.; CHOWN, Gordon (Trad.). Merece confiança o Antigo Testamento? 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2005. 12 Guia de Estudo: Após a leitura das obras, realize uma comparação entre as ideias dos autores, em seguida faça um texto dissertativo-argumentativo sobre o que mais lhe chamou atenção. 13 Problematizando A Biblia vem composta pelo Antigo e Novo testamento, é aceita pelo Cristianismo em geral como a Palavra de Deus. Segundo a tradição, os primeiros livros foram escritos cerca de 1500 a.C aproximadamente. Seu último livro a ser escrito foi em 95 d.C, ou seja, estamos distante do último livro a ser escrito cerca de 2000 anos. Totalizando a nossa distância no tempo dos primeiros escritos cerca de 3500 anos. A Biblia foi escrita dentro de uma cosmovisão do povo hebreu, tem sem dúvida seu contexto histórico e cultural próprio, bem como sóciopolítico. Sendo assim faz-se pertinente a seguinte pergunta: um livro assim, tão distante de nós e de nossa cultura tem algo relevante a nos falar? Não teria a Biblia sido modificada ao longo dos séculos por uma elite no afã de se perpertuar no poder e usá-la para seus objetivos egoístas? No processo de escrita e de coisas dos originais não teriam os monges copistas cometidos erros graves ao ponto de comprometer a fidelidade das Escrituras? Como podemos saber? Guia de Estudo: Após a leitura acima, reflita sobre os questionamentos e responda, disponibilizando na sala virtual compartilhando com seus colegas. 14 ESTRUTURA DA BÍBLIA 1 CONHECIMENTO Conhecer os aspectos relevantes da Introdução à Bíblia com ênfase na organização da Bíblia e suas divisões, bem como no conceito de inspiração e revelação. HABILIDADE Ser capaz de compreender e interpretar textos sobre o tema bem como ser capaz de fazer exposição escrita, pública em eventos, palestras, seminário em ambiente acadêmico e eclesiástico acerca do tema. ATITUDE Buscar desenvolver e exercitar capacidade reflexiva crítica acerca do objeto estudado e incorporá-la na sua práxis. 15 Peculiaridades de um Livro Além da grande tiragem existente, há muitos outros detalhes que fazem da Bíblia um livro incomum, ou, mais propriamente, um livro sem igual. Vejamos algumas: 1) A Bíblia foi o primeiro livro impresso no ocidente por Johnnes Gutenberg entre 1450 e 1455. Ela também foi o primeiro livro impresso em português, no ano de 1487 na região do Algarve, Portugal. 2) Foi também o livro mais proibido, perseguido e que sofreu tentativas de destruição em toda a história. Só à guisa de ilustração, em 303 d.C., Diocleciano decretou que cada cópia da Bíblia Cristã fosse queimada. Presume-se que centenas, senão milhares de cópias tenham se perdido. Por pouco não teríamos o Novo Testamento. Muitos foram mortos apenas por possuir uma cópia parcial da Bíblia em seus lares. 3) Até mesmo a igreja foi contrária à divulgação bíblica. Em 1199 o papa Inocêncio III proibiu a tradução da Bíblia para o vernáculo francês e decretou que seria um perigo se a Bíblia fosse lida por pessoas simples do povo. Quem fosse apanhado lendo ou ensinando a Bíblia na França seria morto. Várias Bíblias foram queimadas a mando da Igreja. 4) Apesar de tantas destruições textuais, a Bíblia é o livro da antiguidade com a maior quantidade de cópias manuscritas que se tem notícia. Enquanto a Ilíada de Homero (o clássico com maior número de cópias preservadas) conta com apenas 643 manuscritos, a Bíblia tem mais de 40 mil cópias se incluirmos os textos em grego e hebraico, as traduções antigas e porções preservadas antes da invenção da imprensa. 16 5) A Bíblia é, sem dúvida, o livro mais controverso da história. Nomes de peso como Emanuel Kant (1724-1804), Abraão Lincoln (1809-1865), Isaac Newton (1643-1727) o amam e recomendam sem qualquer hesitação. Por outro lado, nomes igualmente de peso o rejeitam e desprezam sua leitura. Voltaire (1694-1778), Nietzsche (1844-1900) e Sartre (1905-1980) são alguns deles. Seja como for, percebe-se que não é um livro necessariamente dos menos intelectuais, pois embora haja mentes brilhantes que o rejeitem, há outras que o amam profundamente. 6) Curiosamente o texto bíblico não se setoriza em apenas um grupo de pessoas. Ele desperta o interesse e atende às necessidades de jovens, adultos, crianças, cultos, iletrados, ricos, pobres. É a obra mais ecleticamente social de toda a história – tanto do ocidente quanto do oriente. 7) Embora existam muitos livros de autoajuda ou reflexivos que tenham mudado a mente de várias pessoas, nenhuma produção literária da história modificou tantas vidas como a Bíblia Sagrada. Bêbados, traficantes, prisioneiros, depressivos, suicidas potenciais, assassinos são apenas alguns dos milhões e milhões ao longo da história que tiveram vida transformada pelo contato com esse livro em particular. Bruce Metzger (1987), eminente teólogo especialista em crítica textual do Novo Testamento comenta que certa vez ouviu falar que a Bíblia poderia ser comparada a uma piscina cheia de água. Uma piscina com uma parte tão rasa que as crianças poderiam ficar em pé e outra tão profunda que um elefante poderia nadar nela sem qualquer dificuldade. Pois bem, a Bíblia é um maravilhoso resumo que contêm passagens em alguns casos bem densas e profundas. Mas, no geral, se apresenta como um conteúdo simples o bastante para que qualquer um possa por conta própria lê-la e entender os desígnios de Deus para cada pessoa. 17 Nomes para a Palavra de Deus Não encontramos nas Escrituras o nome “Bíblia”. Esse título foi usado pela primeira vez em relação à Palavra de Deus, por João Crisóstomo, um patriarca e reformador de Constantinopla (354-407 d.C.). O nome Biblia deriva de Byblos que é o nome de uma importante cidade portuária da região dos fenícios que hoje fica no Líbano. Foram os gregos que deram esse nome ao lugar, devido à sua importância no comércio de papiro – um tipo de papel importado do Egito. Aliás Byblos também era o nome que os gregos davam ao papel que os egípcios preferiam chamar de “wadj”. Pois bem, com a diferença de apenas uma letra, Byblos virou Biblos e passou a significar “livro”. O diminutivo de livro em grego é Biblion que quer dizer livrinho e o plural é Biblia que quer dizer “livrinhos”. Foi justamente por ser uma coleção de pequenos livros que a Escritura Sagrada passou a ser chamada de Bíblia, nome este que ficou até os dias de hoje. Tudo indica que foi Crisóstomo, um autor cristão do IV século, que usou pela primeira vez o nome Bíblia para se referir ao Antigo e Novo Testamento (BRUCE, 1988). Contudo, há indícios de que já em 223 d.C., o título era vez ou outra usado por seguidores do cristianismo para referirem-se aos escritos dos apóstolos e, antes deles, judeus helenistas que viviam em Alexandria valiam-se da expressão “ta bíblia” (os livrinhos) para indicar uma tradução grega do Antigo Testamento normalmente conhecida como Septuaginta. Mais à frente você conhecerá a história dessa tradução. No contexto do judaísmo, a palavraEscritura Sagrada é preferível à palavra Bíblia que eles têm como um apelido cristão. Eles também se valem muito do termo Tanak que seria uma abreviatura de três palavras hebraicas, a saber: 18 Torá (lei), Neviim (profetas) e Ketuvim (escritos). Estas, por sua vez, representam as três maiores divisões da Escritura, embora também seja comum referirem-se a ela como apenas a Torá ou a Lei e os Profetas. Esta divisão, aliás, já era conhecida nos tempos do Novo Testamento, pelo que Jesus fez uso dela em diversos momentos de seu ministério (cf. por ex. Mateus 7: 12; 11: 13; 22: 40; Lucas 10:26; 16: 16, 17; 24:44; João 1: 45; 10:34). Hoje em dia os cristãos costumam dividir a Bíblia em Antigo e Novo Testamento. Essa é uma nomenclatura que não pode ser confundida, pois com o advento de uma cultura tecnológica repleta de updates e novas versões, a expressão “antigo” ou “velho” Testamento pode indicar algo obsoleto, sem valor para atualidade, fora de moda. Contudo, não é nada disso. Toda a Palavra de Deus, do primeiro ao último livro será sempre atual para aquele que crê. O nome Antigo Testamento foi criado por Melito de Sardis em cerca de 170 d.C. para referir-se aos livros sagrados escritos antes da vinda de Jesus Cristo a esse mundo e Novo Testamento, para os que foram escritos depois de sua vinda. A primeira parte, portanto, seria uma espécie de prenúncio do Messias que haveria de vir e a segunda um anúncio do Messias que veio e que voltará. A primeira conta a história do povo da criação e queda do Mundo, mas se concentra na cidade de Israel. Já a segunda concentra-se no ministério de Jesus e na história da Igreja Cristã primitiva. Por que Antigo e Novo Testamento e não Antiga e Nova Escritura? É bem verdade que, algumas das antigas versões gregas preferiam chamar essas porções de Antiga e Nova Aliança. Mas, ao que tudo indica, os teólogos consideraram que sendo a aliança ou o acordo de Deus com os homens algo que demanda muito mais a ação divina que a ação humana, preferiram traduzir o termo por testamentum que quer dizer justamente isso, um testamento que Deus em pessoa deixou para nós. Uma herança em forma de livro (VOS 1915). 19 Organização do Livro Sagrado Como você pode ver na seção acima, não se trata na verdade de um livro, mas de uma coleção de pequenos livros que juntos formam a famosa Bíblia Sagrada. Eles foram escritos por aproximadamente 40 autores num período de aproximadamente 1600 anos que vai do século XV a.C. ao final século I d.C. Esses livros são normalmente referidos como o cânon bíblico ou o cânon das Escrituras. Por esse nome (cânon) entenda a lista dos livros considerados sagrados pela comunidade religiosa. E mais uma vez precisamos recorrer ao grego para entender isso. É que cânon vem de “kanoni” que quer dizer “regra” ou “vara de medir”. O termo foi então escolhido pelos cristãos para diferenciar livros sagrados (ou canônicos) de livros comuns, mas alguns dizem que a ideia já vinha dos judeus (ULRICH 2002). O Cânon Hebraico contém 24 livros. Cada um era disposto num rolo de pergaminho conforme o costume mais antigo. Já o Antigo Testamento, conforme adotado pelo cristianismo, tem muito mais que isso e as razões não são difíceis de entender. Primeiro porque os cristãos dividiram alguns dos livros que na versão hebraica aparecem como um só volume. Por exemplo, Samuel, Reis e Crônicas agora aparecem como I e II Samuel, I e II Reis e I e II Crônicas. O mesmo se dá com Esdras e Neemias – originalmente um só livro – mas que hoje aparecem como dois diferentes compêndios. E assim por diante. Os nomes com os quais estamos mais acostumados a nomear os livros do AT vêm do grego, através da titulação que aparece na Septuaginta, uma antiga versão grega das Escrituras que será apresentada mais à frente. Já os judeus costumavam chamar os cinco primeiros livros de Moisés a partir das duas primeiras palavras que apareciam no texto. Assim, seus títulos hebraicos seriam: 20 Torá Bereshit (No princípio...) (Gênesis) Shemot (Os nomes...) (Êxodo) Vayikra (E Ele chamou...) (Levítico) Bamidbar (No deserto...) (Números) Devarim (As palavras...) (Deuteronômio) NEVIIM (Profetas): Yehoshua (Josué) Shoftim (Juízes) Shmuel (I & II Samuel) Melakhim (I & II Reis) Yeshayah (Isaias) Yirmyah (Jeremias) Yechezqel (Ezekiel) Os Doze (tratados como um livro) Hoshea (Hosea) Yoel (Joel) Amos Ovadiá (Obvadia) Yoná (Jonas) Mikhá (Micah) Nachum Chavakuk (Chabacuque) Tzefanyá (Zephanias) Chagai Zecharia (Zacarias) Malachi KETUVIM (Escritos): Tehilim (Salmos) 21 Mishlei (Provérbios) Iov (Jó) Shir Ha-Shirim (Cântico dos cânticos) Ruth Eichá (Lamentações) Kohelet (nome do autor) (Eclesiastes) Esther Daniel Ezra & Nechemyah (Nehemia) (tratado como um livro) Divrei Ha-Yamim (As palavras dos diasdays) (Crônicas) Além disso, existe uma discussão (mais à frente falaremos dela) concernente aos chamados livros apócrifo ou deuterocanônicos. Trata-se de uma coleção de livros que não faziam parte do cânon original da Bíblia Hebraica (e por isso foram rejeitados pelos protestantes), mas que terminaram aceitos e incluídos pelas igrejas Ortodoxa, Etíope e Católica. Se colocássemos os livros da Bíblia numa estante de biblioteca eles estariam assim organizados segundo a forma cristã: 22 Figura 1 Como você pode ver pelo desenho acima, os cinco primeiros livros (coloridos de marrom) foram escritos por Moisés e recebem o nome de Pentateuco. Eles trazem a história do mundo desde a criação até à primeira parte da história do povo hebreu e seu período de peregrinação no deserto, quando ainda não eram uma nação propriamente dita. Isso vai desde as origens da humanidade até por volta do século XIV a.C. A seguir temos mais três livros (também em tom marrom) que narram episódios ocorridos no tempo em que Israel se assentava na terra prometida e vivia governado por Juízes e Sacerdotes. Já a coleção seguinte (em tom verde) dá sequência à história contando uma nova fase administrativa em que Israel agora era governado por reis. Essa fase foi interrompida pela tragédia do cativeiro da 23 Babilônia que pôs fim à monarquia de Israel. Ambas as coleções são classificadas como Livros Históricos e cobrem um período de aproximadamente 700 anos que vai desde o século XIV até ao século VI a.C. (Ver figura 1) Os três livros em cor bege (Esdras, Neemias e Ester) narram episódios ocorridos após o cativeiro Babilônico, quando o povo já não tinha mais um rei e lutava para reconstruir sua identidade nacional. Eles também fazem parte dos Livros Históricos e podem ser situados no século V a.C. A próxima coleção de cor vermelha poderia ser chamada de um parêntese na cronologia dos fatos, pois traz uma coleção de músicas, poesias, drama e ditos populares que narram a sabedoria do povo de Israel. Tanto é que os especialistas costumam chamar essa coleção de Livros Poéticos ou Sabedoria. Um destaque especial é a história de Jó, o homem que representa o sofrimento de todos os que se sentem abandonados por Deus. (Ver figura 1). Então a história dá um recuo para apresentar um conjunto especial de livros chamados Proféticos. Trata-se da coleção de oráculos e episódios históricos envolvendo homens que tiveram o dom de profecia e exortaram Israel e outros povos a voltarem-se para Deus especialmente nos tempos da monarquia e no período pós-cativeiro. Note que eles estão divididos em dois grupos identificados por dois tons de azul. ( Conferir figura 1) Os primeiros quatro livros (Isaías, Jeremias, Lamentações e Ezequiel) são – devido ao seu volume de conteúdo literário – chamados profetas maiores e os demais (que na bíblia hebraica aparecem como umsó livro), profetas menores. O livro de Daniel – que aqui aparece no grupo dos profetas menores – é um caso à parte. Os cristãos o reconhecem como profeta, mas no meio judaico ele é reconhecido apenas como um homem sábio, não como um profeta. Embora, a bem da verdade, os sábios do Talmude eram divididos quanto a isso e Jesus chamou a Daniel de profeta (MATEUS 24:15). 24 O Talmude é uma coleção de 63 tratados judaicos envolvendo assuntos religiosos, legais, éticos e históricos compilados por antigos rabinos. Ele foi publicado no V século d.C. na Babilônia onde viviam muitos judeus. É a mais importante coleção de leis e interpretações do judaísmo seguida até hoje pelos judeus ortodoxos. Veja Halachot Gedolot Capítulo 76; Seder Olam Rabbah, capítulo 20; Comentário do Rabino Shlomo Ytizchaki Rashi ao Megillah, ibid. Eis a seguir um esquema cronológico dos livros do AT em relação à história que eles relatam. Figura 2 Observando essa seção de estudos temos então as coleções que formam o Novo Testamento. Os quatro primeiros livros em amarelo são os evangelhos que narram a vida e o ministério de Jesus Cristo. A seguir temos, isolado dos demais, o livro de Atos que conta a história da Igreja Cristã primitiva com destaque para o ministério do apóstolo Paulo. (Ver figura 1) 25 A longa coleção como mostra a (Figura 1) – dividida em dois tons de verde – são as cartas ou epístolas cristãs. As treze primeiras são atribuídas à autoria de Paulo e, por isso, chamadas Epístolas Paulinas. As demais são conhecidas como epístolas universais e foram escritas por outros autores. Epístola vem do grego antigo e significa uma espécie de carta especial enviada a um amigo ou a uma comunidade em particular, tratando de assuntos políticos, filosóficos, morais ou teológicos. Um caso especial é quanto a Hebreus. Os autores ainda estão divididos quanto à sua autoria, se ela pertence ou não à pena do apóstolo Paulo. Há quem diga que ela nem pode ser considerada uma epístola, mas que seria antes um sermão ou tratado teológico baseado nos ensinamentos de Paulo. Seja como for, ainda que a autoria não seja diretamente paulina, o conteúdo certamente é. Finalmente, o último livro em roxo é o Apocalipse, cujo conteúdo traz revelações dadas por Deus ao apóstolo João para mostrar os eventos que ocorreriam no mundo e na história da igreja desde os dias apostólicos até à segunda vinda de Cristo e a restauração de todas as coisas no paraíso restaurado por Deus. (Ver fiura 1) Livro por Livro A Bíblia demorou muitos anos para atingir a forma e o conteúdo que hoje conhecemos. Ela começou a ser escrita no século XV a.C. e terminou no final do I século d.C. Logo foram mais de 1.400 anos de produção efetuada por certa de 40 diferentes autores. O AT foi escrito na região de Israel, na Babilônia (onde o povo judeu ficou exilado), no Egito e na Pérsia. Já o NT foi escrito em Israel, Síria, Ásia Menor, 26 Roma (Itália) e partes da moderna Grécia e Turquia (que faziam parte do antigo Império Romano). A maior parte dos Livros do AT foi escritos em Hebraico, com algumas poucas sessões em Aramaico e o NT foi todo escrito em grego koiné – uma versão popular do grego clássico falado na antiga Grécia. Uma vez apresentada a organização da Bíblia em livros e a lógica por detrás desta listagem, seria interessante conhecer um pouco de cada livro, sua origem, seus propósitos, possível data e autoria e o significado de seus títulos. Algumas autorias e datas serão hipotéticas, pois se baseiam na tradição judaica. Outros já são mais seguros de serem classificados. Igualmente as datas são aproximadas e remontam a quando o livro começou a ser redigido. Alguns, no entanto, demoraram décadas para assumir a forma que estão hoje. É o caso de Isaías e Daniel que começaram a ser escritos quando os respectivos profetas ainda eram jovens e terminaram quando já eram avançados em anos. Antigo Testamento Pentateuco ou Torá – Torá, como já foi dito, significa Lei e refere-se, normalmente, aos cinco primeiros livros escritos por Moisés. Pentateuco é o nome grego da mesma coleção e quer dizer “cinco rolos” ou “cinco livros”. Livro Significado Conteúdo Data e Autoria Gênesis Origem Este livro mostra a história desde a criação e queda do ser humano até a entrada dos filhos de Jacó para viverem no Egito. Moisés – ca. 1450 a.C. Êxodo Saída Como Deus livrou os hebreus da escravidão no Egito e fez uma aliança com eles. Moisés – ca. 1450 a.C. Levítico Nome de uma Leis e Moisés – ca. 27 das tribos de Israel regulamentos acerca do oficio no santuário. 1450 a.C. Números Relativo so censo do povo hebreu Censo do povo hebreu promovido durante sua caminhada pelo deserto Moisés – ca. 1450 a.C. Deuteronômio Repetição das leis Moisés pronuncia três discursos de despedida antes de morrer. Neles recapitulou com o povo as leis dadas por Deus Moisés – ca. 1450 a.C. Livros históricos Josué Nomeado segundo o autor principal Viória dos israelitas sobre seus inimigos cananeus. Distribuição das tribos na terra prometida. Josué (24.26) e outros autores (24.29-33). Ca. 1350 a.C. Juízes Juízes Os istaelitas tomam atitudes que quebram seu pacto com Deus. O Senhor, então, manda juízes para livra-los de povos inimigos Samuel (?) ca. 930 a.C. Rute Nomeado segundo a personagem principal Narra a história dos ancestrais do rei Davi. Samuel (?) ca. 960 a.C. Samuel I e II Nomeado segundo autor principal Começos da Monarquia em Israel Samuel; Natã e Gade ( 1 Cr 29.29) ca. 900 a.C. Reis I e II Reis História da monarquia unida e dividida de Israel Jeremias (segundo a tradição e o Talmude) Esd 1:1; 2 Cr 36:22 ca. 600 28 a.C. Crônicas I e II Relatos História da Monarquia de Saul à chegada de Nabucodonosor Esdras (segundo a tradição) 450 a.C. Esdras Nomeado segundo o autor Restauração de Judá na terra de Canaã Esdras (porque muito se fala dele na primeira pessoa) ca. 450 a.C. Nemias Nomeado segundo o personagem principal Recnstrução de Jerusalém Neemias (segundo a tradição) ca. 450 a.C. Ester Nomeado sengundo a personagem principal Uma história de heroísmo e libertação dos judeus durante o governo da Pérsia Mardoquel (?) cerca de 500 a.C. Livros Poéticos Jó Nomeado segundo o personagem principal Uma das mais antigas teodiceias lidando com o problema do mal e do sofrimento humano. Moisés (segundo a tradição) ca. 1450 a.C. Salmos Derivado de Psalterion um instrumento musical de cordas Coletânia de hinos do povo judeu. Vários Provérbios Provérbios Coletânea de ditados de sabedoria Salomão (segundo a tradição) (1 Rs 4.29-34; 10.24), Pv 1.1, Mais poemas de Agur (cap. 30), Lemuel (cap. 31). Foram compilados pelos escribas de Ezequias (25.1).960 a.C. Eclesiastes Pregador Meditação sobre o significado da contingência desta vida. Salomão (segundo a tradição) ca. 960 a.C. Cantares Cânticos Este poema Salomão 29 descreve o gozo e o êxtase do amor. Simbolicamente tem sido aplicado ao amor de Deus por Israel (segundo a tradição) 960 a.C. Livros Proféticos Profetas maiores – Os profetas maiores são a coletânea de profecias mais extensas. Assim o termo “maior” efere-se ao tamanho ou ao tempo em que tais profetas permaneceram profetizando. Isaías Segundo o autor O profeta Isaías trouxe a mensagem do juízo de deus às nações, anunciou um rei futuro, à semelhança de davi, e prometeu uma era de paz e tranquilidade. Isaías ca. 700 a.C. Jeremias Segundo o autor Muito antes da destruição de Judá pela Babilônia, Jeremias predisse o justo juízo de deus. Embora sua mensagem seja majoritariamente de destruição, Jeremiastambém falou do novo pacto com Deus. Jeremias ca. 587 a.C. Lamentações Segundo o autor Tal qual Jeremias havia predito, Jerusalém caiu cativa da Babilônia. Este livro registra cinco "lamentos" pela cidade caída. Lamentações ca. 600 a.C. Ezequiel Segundo o autor A mensagem de Ezequiel foi dada aso judeus cativos da Babilônia. Ezequiel usou histórias e parábolas para falar do juízo, da esperança e da restauração de Israel. Ezequiel ca. 700 a.C. Daniel Segundo o autor Daniel se manteve fiel a Deus, mesmo Daniel ca. 600 a.C. 30 enfrentando muita pressões quando cativo na Babilônia. Este livro inclui as visões proféticas de Daniel. Profetas menores – São os doze últimos livros do AT, assim conhecidos por seu pequeno volume literário. Oseas Segundo o autor Oséias se vale de sua experiência conjugal, em que ele era dedicado à sua esposa, mesmo sabendo que ela era infiel, para ilustrar o adultério que Israel tinha comentido contra Deus e para mostrar como o fiél amor de Deus pelo seu povo nunca muda. Oseas 750 a.C. Joel Segundo o autor Depois de uma praga de gafanhotos, Joel admoesta o povo para que se arrependa. Joel 800 a.C. Amós Segundo o autor Durante um tempo de properidade, este profeta de Judá pregou aos ricos líderes de Israel sobre o Juízo de Deus; insistia em que pensassem nos pobres e oprimidos, antes de pensarem em sua própria satisfação. Amós 760 a.C. Obadias Segundo o autor Obadias profetizou o juízo sobre Edom, um país vizinho de Israel. Obadias 586 a.C. Jonas Segundo o autor Jonas não queria pregar para a gente de Nínive, que era inimiga de seu próprio país. Quando, finalmente levou a mensagem enviada por Deus, seus habitantes se arrependeram. Jonas 760 a.C. Miqueias Segundo o autor A mensagem de Miquéias para Judá era de juízo, invés de perdão, esperança e Miqueias ca. 700 a.C. 31 restauração. Especialme nte notável é um versículo em que resume o que Deus requer de nós (6:8). Naum Segundo o autor Naum anunciou que Deus destruiria o povo de Nínive por sua crueldade na guerra. Naum 612.C. Habacuque Segundo o autor Este livro apresenta um diálogo entre Deus e Habacuque sobre a justiça e o sofrimento. Habacuque 600 a.C. Sofonias Segundo o autor Este profeta anunciou o dia do Senhor, que trazia juízo a Judá e às nações vizinhas. Esse dia, que haveria de vir seria de destruição para muitos, mas um peueno remanescente, sempre fiel a Deus, sobreviveria para abençoar o mundo inteiro. Sofonias 630 a.C. Ageu Segundo o autor Depois que o povo voltou do exílio, Ageu o admoestou para que dessem prioridade a Deus e reconstruíssem em primeiro lugar o templo, mesmo antes de reconstruírem suas casas. Ageu 520 a.C. Zacarias Segundo o autor Como Ageu, Zacarias instou o povo a reconstruir o templo, assegurando-lhes ajuda e benção de Deus. Suas visões apontavam para um futuro brilhante. Zacarias 520 a.C. Malaquias Segundo o autor Após o retorno do exílio, o pov voltou a descuidar de sua vida religiosa. Malaquias passou a inspirá-los novamente, falalndo-lhes do "Dia do Senhor". Malaquias 450 a.C. Novo Testamento Evangelhos – Os Evangelhos são ainda divididos em duas partes: primeiro vêm os chamados “Evangelhos Sinóticos”, isto é, evangelhos oriundos de 32 uma só ótica. Depois, em separado, vem o Evangelho de João que segue um estilo e fontes próprias. Mateus Segundo o autor Este evangelho cita muitos textos do velho Testamento. Ele se destinava primordialmente ao público como o Messias prometido nas Escrituras do Velho Testamento. Mateus narra a história de Jesus desde seu nascimento até sua ressureição e põe ênfase especial nos ensinamentos do Mestre. Mateus ca. 60 d.C. Marcos Segundo o autor Marcos escreveu um Evangelho curto, conciso e cheio de ação. Seu objetivo era aprofundar a fé e a dedicação da comunidade para a qual ele escrevia. Marcos ca. 50 d.C. Lucas Segundo o autor Neste Evangelho é enfatizado como a salvação em Jesus está ao alcance de todos. O evangelista mostra como Jesus estava em contato com as pessoas pobres, com os necessitados e com os são desprezados pela sociedade. Lucas ca. 60 d.C. João Segundo o autor O Evangelho de João, pela sua forma, se coloca à parte dos outros três. João organiza sua mensagem enfocando sete sinais que apontam para Jesus como João Ca. 96 d.C. 33 Filho de Deus. Seu estilo literário é reflexivo e cheio de imagens e figuras. Atos – esse é o único livro do gênero no Novo Testamento. Ele conta a história original do inicio da Igreja Cristã com ênfase no trabalho de Paulo. Atos Segundo o conteúdo Um relato dos eventos da história e da ação da igreja Cristã primitiva, mostrando como a fé se propagou no mundo mediterraneo de então. Lucas ca. 65 d.C. Cartas de Paulo – a coleção de cartas ou epístolas chamadas paulinas compreende um total de treze correspondências que Paulo teria enviado às igrejas por ele fundadas na Ásia Menor. A ordem que se encontram no NT não correspondem à data em que foram escritas. Elas foram organizadas não cronologicamente, mas de acordo com sua extensão. Teólogos liberais têm colocado em dúvida a autoria paulina de várias cartas atribuídas ao apóstolo. Com base nesta compreensão, eles dividem assim essa parte do Novo Testamento: 1 – Cartas proto-paulinas: são as cartas que seguramente teriam sido escritas por Paulo. São elas: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses, I Tessalonicenses e Filemon. 2 – Cartas deutero-paulinas: são aquelas cuja não é segura ou é negada por certo número de teólogos. A saber: Efésios, Colossenses e II Tessalonicenses. 34 3 – Cartas trito-paulinas: epístolas que, segundo alguns comentaristas, dificilmente seriam do apóstolo Paulo, pois usam uma linguagem diversa e tratam de problemas que existiam nas comunidades no final do I Século. Hebreus ainda é um caso à parte. Alguns exegetas chegam a dizer de maneira bem humorada que a epístola de Paulo aos hebreus não é epístola, não é de Paulo e não é aos hebreus. Contudo, ainda que assim seja, seu conteúdo e sua teologia são profundamente paulinas pelo que podemos, sem cometer um grande equívoco, situá-la entre o chamado corpus paulinum. Outro aspecto interessante é o de que as cartas não foram escritas do próprio punho do Apóstolo. Ele as ditava (cf. Rom 16:22) e às vezes assinava (cf. Gal 6:11). Talvez a carta a Filemon tenha sido o único escrito com sua própria mão. Neste módulo adotamos a apresentação mais conservadora que aceita como autênticas as cartas tradicionalmente atribuídas a Paulo – acrescida da carta aos hebreus. As datas são igualmente hipotéticas. Sendo assim, esta é a divisão que propomos: 1 – Cartas maiores: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas e I e II Tessalonicenses. 2 – Cartas da prisão (escritas quando Paulo estava preso em Roma): Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon. 3 – Cartas pastorais: I e II Timóteo e Tito. Romanos Segundo o destinatário Paulo escreve aos romanos sobre a vida no Espírito, que é dada pela fé aos que crrêm em Cristo. O apóstolo reafirma a grande bondade de Deus e declara que, atavés de Jesus Cristo, Deus nos Paulo, 58 d.C. 35 aceita e nos liberta de nossos pecados I e II Coríntios Segundo o destinatário Uma análise dos problemas enfrentados pela igreja de Corinto. Discenção, imoralidade, problemas quanto a forma da adoração pública e confusão sobre os dons do Espírito. Paulo escreve sobre as dificuldades que alguns falsos profetas haviam trazido ao seu ministério. Paulo, 57 d.C. Gálatas Segundo o destinatário A liberdade da pessoa que crê em Cristo com respeito à Lei.Paulo declara que é somente pela fé que as pessoas são reconciliadas com Deus. Paulo, 57 d.C. Efésios Segundo o destinatário O tema central desta carta é o propósito eterno de Deus: Jesus Cristo é a cabeça da igreja, que é formada a partir de muitas nações e raças. Paulo, 63 d.C. Filipenses Segundo o destinatário A enfase desta carta está no gozo que o crente em Cristo encontra em todas as Paulo 64 d.C. 36 circunstâncias da vida. Colossenses Segundo o destinatário o apóstolo Paulo conclama aos cristão de Colossos que abandonem suas superstições e tomem a Cristo como o centro de sua vida. Paulo 63 d.C. I e II Tessalonicenses Segundo o destinatário O apóstolo Paulo dá orientações aos cristãos de Tessalonica a respeito do estado dos mortos e da segunda vinda de Cristo. Paulo 49 e 52 d.C. I e II Timótes Segundo o destinatário Estas cartas serviram de orientação a Timóteo, um jovem líder da igreja primitiva. O apóstolo Paulo lhe dá conselhos sobre a adoração, o ministério e os relacionamentos dentro da igreja. Paulo, 63 d.C. Tito Segundo o destinatário Tito era ministro em Creta. Nesta carta Paulo o orienta sobre como ajudar os novos cristãos. Paulo 64 d.C. Filemon Segundo o destinatário Filemon é instado a perdoar seu escravo Onésimo que havia fugido. Filemon deveria aceitá-lo Paulo 63 d.C. 37 de volta como a um amigo em Cristo. Hebreus Segundo o destinatário Nesta carta, o autor exorta os novos cristãos a não observarem mais os ritos cerimoniais do judaismo, pois, em Cristo, eles já foram todos cumpridos. ?, 62 d.C. Epístolas universais – Tratam-se de cartas inspiradas, mas que não foram escritas por Paulo. Elas são chamadas de universais, gerais ou católicas por que são dirigidas às comunidades cristãs como um todo. Cada uma foi nomeada de acordo com seu autor. Tiago Segundo o autor Irmão do Senhor Jesus, este Tiago foi apedrejado até a morte, pastor da igreja em Jerusalém. Sua carta é para encorajar os crentes que punham sua fé à prova exortar e instruí-los concernentes ao resultado da fé, na vida de retidão e boas obrasTiago aconselha os cristãos a viverem na prática sua fé e, além disso, oferece idéias sobre como isso pode ser feito. Tiago ca. 49 d.C. I e II Pedro Segundo o autor Estas cartas foram escritas para confortar os cristãos da igreja primitiva que Pedro ca. 60 d.C. 38 estavam sendo perseguidos por causa de sua fé. Nelas, Pedro adverte os cristãos sobre os falsos mestres e os estimula a continuarem leiais a Deus. I, II e III João Segundo o autor A primeira carta explica deste corpus traz verdades básicas sobre a vida cristã com enfase no mandamento de amarem uns aos outros. A seguir, temos outra carta dirigida à "senhora eleita e aos seus filhos". Nela o autor adverte os cristãos quanto aos falsos profetas. Finalmente, em contraste com sua segunda carta, esta fala da necessidade de receber os que pregam a Cristo. João ca. 90 d.C. Judas Segundo o autor Judas (que não é o apostolo que traiu o senhor), possivelmente outro irmão de Jesus e de Tiago. Ele adverte seus leitores sobre a má influência de pessoas alheias à irmandade dos cristãos. Judas ca. 65 d.C. 39 Apocalípse – este é outro escrito de característica única na coleção de textos do NT. Ele segue as características de um tipo de literatura chamada apocalíptica, relativamente comum entre os judeus. É uma forma distinta de fazer profecias. Apocalipse Nomeado segundo o estilo. Foi escrito para encorajar os cristãos que estavam sendo perseguidos e para firmá-los na confiança de que deus cuidará deles. Usando símbolos e visões, o escritor ilustra o triunfo do bem sobre o mal e a criação de uma nova terra e um novo céu João 90 d.C. A palavra “católica” embora hoje designe o nome do maior ramo eclesiástico do cristianismo, tinha outro sentido no passado. Ela vem do grego katholikos com o sentido de “geral” ou “universal”. É esse o sentido usado em relação às epístolas não paulinas do NT. Geografia dos Eventos Bíblicos No mapa abaixo temos a abrangência geográfica dos eventos mencionados na Bíblia, indicando a localidade onde os mesmos tiveram lugar. Como você pode ver, embora Deus tenha escolhido os judeus para revelar sua Palavra profética, a revelação não ficou restrita aos limites de Israel. <arte> 40 Figura 3 Uma coletânea de histórias É muito interessante observar que a Bíblia é antes de tudo um livro de histórias e também um livro histórico. Ou seja, não se trata de uma coleção de lendas como as mitologias gregas ou as fábulas de Isopo e La Fontaine. Os episódios descritos são reais e tiveram seu lugar na história. Ao invés de inspirar os profetas a escreverem um tratado filosófico sobre a divindade, a Providência preferiu dar aos homens um livro que narra a história de Deus em meio à história da humanidade. Por isso, não seria errado chamar a Bíblia de “uma história de Deus”, embora, é claro, sendo um ser eterno, o Altíssimo não possa ser confinado aos limites de uma biografia. Existem cinco vantagens básicas em se descrever a Deus através de uma história de suas ações: 41 1- Todos geralmente gostam de histórias. Adultos, crianças, iletrados ou eruditos e todos têm facilidade para reproduzir pelo menos a essência de seu conteúdo. Assim fica mais fácil, às gerações que se seguem, transmitir o conteúdo da revelação divina. 2- Histórias dão um fundamento racional e evidenciável para a mensagem que se pretende transmitir. Ou seja, se a história que a Bíblia apresenta for verdadeira ela será verificável e a Teologia que se assenta nesta história também o será. Logo, é possível verificar sua legitimidade. Mesmo, é claro, que jamais possamos provar ou explicar com critérios humanos eventos como, por exemplo, a ressurreição de Cristo dentre os mortos. 3- Histórias reais costumam deixar traços em todas as culturas que testemunharam seu acontecimento. Logo, pressupondo que as bases históricas da Bíblia (a criação, a queda humana, o dilúvio etc) sejam eventos de repercussão universal, é de se esperar que outras culturas fora da Bíblia também façam menção deles e isso permite que mesmo povos que não tiveram contato direto com a revelação escriturística possam ter algum acesso, por mínimo que seja, às verdades ali apresentadas. 4- Quando uma história é boa, as pessoas tendem naturalmente a transmiti-la para outros. É como uma boa piada que mesmo quem não é muito engraçado arrisca repeti-la na esperança de que outros riam também. 5- Finalmente, recontar uma história passada traz consigo a vantagem de repetir emocionalmente o evento como se o mesmo estivesse mais uma vez acontecendo diante dos nossos olhos. Isso ajuda na preservação do fato e da mensagem que ele contém. 42 Um livro perigoso A Bíblia traz sobre si uma reinvindicação muito séria que, se for verdadeira, faz dela o livro mais importante de todos os tempos e se for mentirosa o mais terrível que a humanidade já produziu. Ela diz que é de origem divina: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça” (II Tim. 3:16). Por isso o escritor George Bernard Shaw estava de certo modo correto quando chamou a Bíblia de “o livro mais perigoso do mundo”. Afinal de contas, um livro que se declara vindo de Deus só pode ser creditado a dois fatores: histerismo ou inspiração. Seja qual for a alternativa adotada, é impossível ficar neutro em relação a ele, principalmente nós que vivemos no ocidente. Ou ela é inteiramente absoluta ou incrivelmente obsoleta. Imagine agoraque a Bíblia nunca houvesse sido escrita? Ou preservada até nossos dias? O que teria acontecido? Uma resposta precisa é difícil de ser dada, mas James Kennedy e Jerry Newcombe lançaram-se ao desafio de encontrar uma resposta. Eles escreveram juntos o livro What If the Bible Had never Been Written? (E Se a Bíblia nunca houvesse sido escrita?) e concluíram que praticamente todos os grandes exploradores, cientistas, escritores, artistas, políticos e educadores do ocidente foram tão influenciados por este livro que sem ele esses homens jamais teriam feito as contribuições que fizeram. Exagero? Difícil dizer. Mas pelo menos uma coisa pode ser dita e que calaria muitos que consideram a Bíblia um livro sem significado positivo. Dizem que certa vez um antropólogo descrente da Bíblia estava entrevistando o missionário Kata Ragoso, da nova Guiné. Em uma de suas perguntas ele insinuou o que o nativo achava de ter sua cultura terrivelmente modificada pelos hábitos trazidos por esse livro de brancos. Era realmente um motivo de agradecimento? 43 Se é motivo para eu agradecer, não sei – respondeu Ragoso – mas para você deveria ser, caso contrário eu o estaria agora cozinhando para o meu almoço conforme o costume de meus ancestrais que praticavam canibalismo! Imagine agora os milhares, milhões de pessoas, que tiveram sua vida mudada para melhor por causa da leitura deste livro chamado Biblia Sagrada! É claro que houve muitos outros clássicos que trouxeram benefícios para a humanidade, mas nenhum deles transformou diretamente tantas multidões de diferentes níveis sociais e culturais. Tome por exemplo um livro como O Capital de Karl Marx. Ele realmente influenciou muito os rumos da economia moderna, mas quantos presidiários poderiam ser citados que deixaram o mundo do crime por terem lido os escritos de Marx? Quantos assassinos se arrependeram de seus crimes e mudaram de vida por terem lido os pensamentos do marxismo? Quantas pessoas tiveram uma morte mais tranquila porque em seu leito um amigo leu trechos sobre a dialética e a luta de classes? Isso mostra que o mundo pode estar repleto de bons e excelentes livros, mas só a Bíblia pode se dizer inspirada. E o que significa essa palavra “inspiração”? De um modo bastante simplificado podemos dizer que inspiração significa “que vem diretamente de Deus”, isto é, que tem origem divina. Em latim, esse termo significa “soprar para dentro”, assim como um adulto faz ao insuflar um balão de ar. Seria também essa a imagem figurativa de Deus soprando o Espírito na mente de uma pessoa. Em seu correspondente grego, esse termo só aparece uma vez no Novo Testamento nesta passagem de II Timóteo 3:16. Ali, ele vem da junção de duas palavras gregas Theos (que quer dizer Deus) e Pneustos (que quer dizer sopro, espírito). Logo, algo que foi soprado por Deus, ou simplesmente “inspirado” por ele – o mesmo sentido da versão latina. 44 Inspiração e revelação Quando Paulo diz que toda Escritura é inspirada por Deus, está evidentemente fazendo referência à já mencionada coleção de livros sagrados que ele conhecia em sua época, a saber: a Lei, os Profetas e os Salmos conforme vimos em Lucas 24:44. Todos vieram de Deus e para os cristãos ambos (Antigo e Novo Testamentos) são considerados Escrituras (I Cor. 2:10-13; I Timóteo 5:18; II Pedro 3:15-16). Isso nos leva a entender que a inspiração envolve, via de regra, um agente humano usado por Deus. É, noutras palavras, a operação divina que toma conta do autor sagrado, esclarecendo-o, guiando-o, assistindo-o na execução de sua tarefa. Foi isso que o autor de Hebreus quis dizer ao afirmar que Deus falou nos tempos antigos aos pais pelos profetas (Heb 1:1). Mas como se dava esse processo? Veja essa declaração de Davi em 2ª Samuel 23:2: “O Espírito do Senhor fala por meu intermédio”. Somando o que foi dito com essa declaração de Davi, podemos concluir que a Bíblia é um livro divino, mas não caiu pronto do Céu. Ela foi se formando ao longo do tempo, admitiu rascunhos, contextos, pequenas edições. Para que a Bíblia se concretizasse, o Espírito Santo Se serviu de instrumentos que eram humanos e que conservavam a respectiva personalidade, o caráter, talento e gênio, os hábitos intelectuais e poderes de estilo típicos de sua época. Deus não violentou nem destruiu as faculdades daqueles que escolheu para transmitir sua mensagem. O autor continuava sendo um ser humano com suas pecualiaridades e seu próprio modo de pensar. É claro que Deus não permitiria à humanidade do profeta intervir de modo a prejudicar o conteúdo da revelação. Não obstante, é notório, por exemplo, que homens simples como Pedro e João escreveram de modo simples, com vocabulário reduzido e expressões mais simplórias, bem diferente de Salomão ou Paulo com toda a erudição que lhes dizia respeito. Por isso A carta aos Romanos é muito mais primorosa e repleta de figuras literárias que o discurso de Pedro expresso no livro de Atos capítulo 3. 45 De acordo com o que a própria Bíblia nos dá a entender, com a história de Gênesis capítulos 1 a 3, não era plano original de Deus usar um livro para se comunicar com os seres humanos. Ao que tudo indica, Adão e Eva tinham franca comunhão com seu Criador e, possivelmente, outros agentes celestiais. Mas a entrada do pecado causou uma ruptura entre criatura e Criador (Isa. 59:2). O Senhor agora tinha de usar outros meios de se comunicar com o ser humano e a revelação nos indica alguns deles: 1 – anjos vindos em forma humana (Zac. 1:9; Luc. 1:11, 18, 19). 2 – visões (Daniel 7:2; Apoc. 1:19) 3 – sonhos (Números 12:6; Gênesis 37:5 e 9). 4 – a impressão do Espírito Santo (II Pedro 1:21; II Sam. 23:11 e 12). 5 – as obras da natureza (Romanos 1:20; Col. 1:13-18) 6 – revelações especiais feitas até por quem não é profeta (Mateus 27:19) Algumas destas formas de comunicação divina podem ocorrer ainda em nossos dias. Mas a providência não as considerou o canal mais seguro para garantir a preservação dos oráculos celestiais, por isso o Senhor resolveu escolher alguns em especial para que fossem usados como escritores inspirados por ele para produzirem o seu livro especial – inspirado e autenticado pelo próprio Espírito de Deus. Esse livro conteria a revelação especial de Deus dada aos homens. A Bíblia diz que os que foram eleitos para a tarefa de produzir a Bíblia eram “movidos pelo Espírito Santo de Deus” (II Pedro 1:21), logo, as palavras, expressões, concatenação das ideias poderiam até ser humanas mas a autoria em última instância pertencia a Deus. O teólogo alemão Karl Rahner (1961) encontrou um modo interessante de explicar esse fenômeno. Ele percebeu que o termo latino “autor” para designar Deus como autor das escrituras poderia ser um tanto dúbio, então, ele se lembrou que em alemão você pode falar de alguém como autor literário (Verfasser) ou como como originador de um livro (Urheber). Assim, 46 segundo Rahner, Deus originou os livros sagrados, isto é, propiciou que fossem produzidos, mas não os escreveu no sentido de que ditou suas palavras ou utilizou- se do profeta como se fosse uma máquina de escrever ou um teclado de computador ele inspirou os pensamentos e ensinos na mente de seus servos, mas a linguagem e as imagens usadas eram do próprio profeta em meio à cultura e cosmovisão em que ele estava. Os agentes humanos poderiam, portanto, se valer de pesquisa, depoimento de testemunhas, descrição de eventos e até material que não fosse inspirado (Lucas 1:1-4). Todos esses métodos, no entanto, tinham a direção do Espirito Santo a fim de que o lado humano não afetasse a essência daquilo que Deus intentava transmitir (João 16:13 cf. Apoc. 22:19). É interessante definir a palavra profeta que vem originalmente do mundo grego para referir-seao que fala algo em lugar de uma autoridade espefialmente divina ou sobrenatural. Por isso ele pode em algumas vezes dar uma advertência, revelar uma situação ou ainda antever acontecimentos futuros. Varios povos, além dos judeus, diziam possuir mensageiros com dom profético, entre eles estavam os mulçumanos, os sibilinos e os gregos, dentre outros. No caso bíblico, a orientação é checar se um profeta vem ou não de Deus pois assim como há verdadeiros profetas também há falsos líderes dizendo-se inspirados por Deus quando na verdade não receberam nenhuma mensagem do Altíssimo (cf Deut 18:20-22; Mat 7:15-20; Rom 16:17-18; I Tes. 5:20-21) REFLETINDO: Como podemos reconhecer um falso profeta? Estudando a Bíblia. Se alguém prega algo que vai contra a Bíblia, é falso profeta. Também é importante ver se a profecia se cumpre. Se não acontecer, é porque veio da imaginação da pessoa, não de Deus. 47 Por isso, é possível dizer que a Escritura também tem característica autoritativa. Ela não pode ser desrespeitada (João 10:35), nem violada sem consequências (Mateus 5:17-20). Ela vem de Deus (Mateus 22:31; II Pe 1:18-20). Foi revelada e inspirada por ele. Os termos “inspiração” e “revelação” são muitas vezes empregados indistintamente, por exprimirem apenas aspectos diferentes da mesma verdade grandiosa. As Escrituras podem, em resumo, ser definidas como uma produção literária feita por escritores inspirados, contendo uma série de revelações de Deus feitas ao ser humano. Revelação bíblica é Deus tornar conhecido Seus pensamentos, Suas intenções, Seus desígnios, Seus mistérios (Isa 55:8-9; Rom 11:33-34; Apoc 1:1). Considerando que existe um Deus que transcende o universo, é razoável supor que esse mesmo Deus se revele às suas criaturas numa linguagem que elas possam compreender. Caso contrário, ficaria sem sentido a comunicação divino/humana o conhecimento do altíssimo permaneceria uma utopia. A Bíblia é a mensagem de Deus posta em palavras humanas, porque ele resolveu revelar-se à humanidade para que essa mesma humanidade compreenda suas verdades. A Escritura, pois, tem que ver mais com o conteúdo desta revelação. A Bíblia está repleta de expressões como: “e falou o Senhor”, “eis o que diz o Senhor”, “veio a mim a palavra do Senhor”. Daí estar corretíssimo referir-se a esse conjunto de revelações como sendo a “Palavra de Deus”. A propriedade de denominarmos o conjunto destas revelações de “A Palavra de Deus”. Etimologicamente, revelação vem do latim “revelo”, que significa descobrir, desvendar, levantar o véu. Revelação significa, portanto, descobrimento, 48 manifestação de algo que está escondido. A palavra grega correspondente à latina “revelação” é “apocalipse”. Por isso é importante ao se falar de “inspiração” bíblica, ter bem claro também o que ela não é: 1 – Não é uma inspiração humana natural. Muitos pensam que os autores da Bíblia eram apenas gênios literários como Carlos Drummond de Andrade ou Cora Coralina. A Escritura é muito clara em dizer que a genialidade de sua mensagem não vinha da capacidade natural deles. Deus falava através deles (2Sm 23.2 c/c At 1.16; Jr 1.9 c/c Ed 1.1; Ez 3.16-17; At 28.25). 2 – Não é uma inspiração emocional ou até mesmo espiritual como a que sentimos hoje diante de uma música inspiradora ou oração fervorosa. A emoção de um culto inspirador pode até conter graus de elevação espiritual, momentos em que nos sentimentos mais cheios de poder ou mais emotivos. Isso não dava com o profeta de Deus, ou ele era plenamente inspirado por Deus ou não era. Não havia graus de inspiração. Além disso, sensação comum da presença de Deus pode ser algo permanente (I Joao 2:27), ao passo que a manifestação profética era algo ocorrido num dado momento em que o vidente mal esperava (Dan. 10:4 e 5). 3 – A inspiração não admite hierarquias proféticas. Ou seja, um profeta não é mais ou menos inspirado que outro. Uns podem ter tido visões historicamente mais relevantes, outros podem ter recebido apenas a mensagem audível e nada mais, porém, uma vez reconhecidos como legítimos nenhum deles foi mais ou menos inspirado que o outro. O profeta simplesmente é ou não é inspirado não existe graus de inspiração profética. 49 4 – Inspiração não é onisciência. Ou seja, o projeta muitas vezes se limitava a reproduzir aquilo que via, conforme o Senhor lhe mostrava. Ele mesmo, muitas vezes, não entendia plenamente todas as nuanças daquilo que o Senhor comunicava nem discernia os detalhes do futuro cumprimento de suas profecias. Daniel é um caso clássico. A Bíblia diz que ele chegou a adoecer por não compreender perfeitamente tudo o que vira em visão e, ao que tudo indica, mesmo por ocasião de sua morte ainda guardava muitas incógnitas em seu coração. Muitos que vierem depois dele, entenderiam suas profecias melhor do que ele mesmo (Daniel 12:4 e 9). 5 – A inspiração não se prende às intenções do profeta. Foi por perceber esta realidade que os exegetas usaram uma expressão latina “sensus plenior” cuja tradução literal seria “um sentido mais amplo”. Isto quer dizer que o texto pode nos dizer mais do que o profeta intentava transmitir, pois as intenções de Deus podem ser mais profundas e abrangentes que o contexto imediato do autor bíblico (BROWN, 1955). Por exemplo, Isaías 7:14 ao profetizar que uma virgem daria a luz a um menino especial provavelmente estaria pensando num príncipe de seus dias que nasceria da casa de Acaz. Ele nunca imaginaria a figura de uma virgem de Nazaré carregando um recém-nascido numa manjedoura da cidade de Belém. É importante, porém, que se diga que esse conhecimento mais profundo do texto só pode ser descoberto pela iluminação que o Espirito Santo concede à medida que a igreja vai se aprofundando no entendimento da revelação dada por Deus. 6 – A inspiração também não é um ditado de Deus ao profeta. Existe uma ideia popular de origem desconhecida, segundo a qual Deus teria feitio um ditado verbal ao ouvido do escritor bíblico, de modo que não haja espaço para a atividade pessoal nem para o estilo do escritor inspirado. Isso não é verdade. Lucas, por exemplo, fez cuidadosa investigação de fatos conhecidos (Lucas 1:4) e Pedro reconhecia que o estilo de Paulo era difícil às vezes de ser entendido (II Pedro 3:16). Essa teoria do ditado faz dos escritores bíblicos verdadeiros gravadores de áudio sem nenhum tipo de 50 noção ou raciocínio. Pelo contrário, eles eram serem pensantes que interagiam com a mensagem que recebiam de Deus. 7 – A inspiração não é uma mera reflexão. Essa ideia, hoje pouco em voga, fez sucesso nos anos 1920 quando foi pela primeira vez exposta no livro “Eu e TU” escrito pelo filósofo existencialista Martin Buber. Ele a chamou de Teologia do Encontro. Na sua opinião, Deus e o profeta se encontravam misticamente, mas Deus não falava nada. Apenas deixava-se sentir. Então, depois de um tempo, o profeta escreve uma reflexão pessoal de seu encontro com Deus e os homens a canonizam. Um dos grandes divulgadores desta teoria para os arraiais do cristianismo foi Emil Brunner. A declaração de que a Escritura é inspirada por Deus é feita de várias formas ao longo da Bíblia. No Novo Testamento encontramos referências aos profetas mais antigos como “Homens que falaram da parte de Deus” e “que foram movidos pelo Espírito Santo”, “o Espírito de Cristo que estava neles testificou”. Existem, portanto, cinco textos principais que você deveria aprender para entender essa ideia de revelação e inspiração bíblica. Observe abaixo: 1 – 2Timóteo 3:16 – “Toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça”. 2 – 2Pedro 1:20-21 – “Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escrituraé de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”. 3 – Mateus 5:17-18 – “Não cuideis que vim destruir a Lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo, que até que o Céu e a Terra passem, nem um jota ou til se omitirá da Lei, sem que tudo seja cumprido”. 51 4. João 10:35 – “A Escritura não pode ser anulada”. 5. João 17:17 – ‘A tua Palavra é a verdade’. A Inspiração é uma operação do Espírito Santo, atuando nos homens, de acordo com as leis da constituição humana; que não é neutralizada pela influência divina, mas aproveitada como um veículo para a expressão completa da mensagem de Deus. A Inspiração está geralmente combinada com o progresso moral e espiritual do Doutrinador, de maneira que há no todo uma conformidade moral entre o Profeta e a sua doutrina. (WESTCOTT Apud APOLINÁRIO 1989) O bispo Ellicott, em seu livro “Aids to Faith”, escreveu: A Escritura é a revelação através de meios humanos da inteligência infinita de Deus para a mente finita do homem, e reconhecendo nós na palavra escrita não só o elemento divino, mas também o elemento humano, cremos verdadeiramente que o Espírito Santo penetrou tanto a mente do escritor, iluminou a sua alma, e apoderou-se dos seus pensamentos que ele, sem lhe ser tirada a sua individualidade, recebeu tudo quanto era necessário para o habilitar a expor a Verdade divina em toda a sua plenitude. (ELLICOTT Apud APOLINÁRIO 1989, p.411). Em suma, as verdades contidas na Bíblia são divinas, mas o modo de expressá-las é humano. Noutras palavras, este é um livro onde Deus fala com sotaque humano. Mas isso envolve outra pergunta-chave que tem a ver com a indagação inicial deste tópico. Como saber que livros são ou não inspirados por Deus para acrescentá-los ou removê-los do cânon sagrado? 52 O CÂNON BÍBLICO 2 CONHECIMENTO Conhecer os aspectos relevantes da Introdução à Bíblia com ênfase no processo seletivo dos livros que compõem a coleção do Velho e do Novo Testamento. HABILIDADE Ser capaz de compreender e interpretar textos sobre o tema bem como fazer exposição escrita, pública em eventos, palestras, seminários em ambiente acadêmicos e religiosos acerca do tema. ATITUDE Buscar desenvolver e exercitar capacidade reflexiva crítica acerca do objeto estudado e incorporá-la na sua práxis acadêmica e religiosa. 53 Como foram escolhidos os livros da Bíblia? A Bíblia Sagrada hoje é composta de 66 livros que são reconhecidos tanto por católicos quanto protestantes, evangélicos e cristãos ortodoxos. Os católicos e ortodoxos, é claro, acrescentam alguns livros à coleção que ainda serão estudados nesta disciplina. Eles são chamados de deuterocanônicos ou apócrifos, dependendo do autor que se lê. Seja como for, o que nos interessa por ora é descobrir por que estes e não outros livros foram incorporados no cânon das Escrituras. A resposta é simples: porque estes foram inspirados por Deus para esse fim. Mas como saber quais foram inspirados? Existe uma acusação muito conhecida de que os livros da Bíblia foram decididos por questões políticas, desenvolvidas especialmente em convocações eclesiásticas como o famoso concílio de Niceia realizado no ano 325 d.C. Basta uma pesquisa na Internet e você verá uma quantidade enorme de sites dizendo que este concílio, convocado pelo imperador Constantino, foi o primeiro encontro de todos os bispos da Igreja Cristã, e que nele inventaram ou editaram o Novo Testamento removendo, por exemplo, textos que narravam um casamento entre Jesus e Maria Madalena ou que negavam a divindade de Jesus. Ainda segundo essa teoria, foi ali que queimaram ou proibiram a leitura de muitos outros evangelhos que continuam verdades históricas sobre Jesus que não foram aprovadas pela igreja. Esses evangelhos foram considerados apócrifos e banidos do cristianismo oficial. Estas afirmações, no entanto, não são precisas e não coincidem com a verdade dos fatos. Basta para isso pesquisar as atas que mostram o que foi 54 discutido no concílio e o que os mais antigos historiadores falaram a respeito dele. O imperador Constantino, por exemplo, que convocou o encontro, não tinha nenhuma cultura formal ou teológica para decidir nada. Embora ele fosse realmente um líder político, sua intenção não era tomar partido de um ou outro lado, mas fazer com que a igreja que ele estava apoiando eliminasse divisões internas que poderiam prejudicar o processo. Estas divisões eram em concernentes à relação divina entre Jesus e Deus Pai; a construão da primeira parte de um credo da igreja, a fixação da data da páscoa e a promulgação de do chamado direito canônico que seria um conjunto de leis e regulamentos adotados pelos líderes da igreja para a organização do cristianismo em Roma. Quanto aos anais do encontro, os 318 bispos reunidos expediram um credo (symbolum), 20 cânones e uma carta à Igreja de Alexandria. As atas, é claro, chegaram até nós de forma fragmentária mas em nenhuma delas, nem mesmo no registro dos historiadores que descreveram o encontro, há qualquer indício que afirme que no Concílio de Niceia discutiu-se quais os evangelhos fariam ou não parte do Novo Testamento. Não há menção a esse assunto em nenhuma das pautas, muito menos em relação ao estabelecimento de uma lista oficial de livros que comporiam a Bíblia Sagrada. Um cânone ou cânon é um termo que deriva da palavra grega kanon, que designa uma vara utilizada como instrumento de medida, e que normalmente se caracteriza como um conjunto de regras (ou, frequentemente, como um conjunto de modelos) sobre um determinado assunto. A evidência, aliás, aponta no sentido contrário. Embora houvesse por algum tempo certa disputa quanto aos livros de Hebreus, Tiago, II Pedro, II João, Judas e Apocalipse, os cristãos primitivos já tinham em mente que livros eram ou não inspirados por Deus para compor as Escrituras cristãs. 55 O cânon Muratoriano escrito 150 anos antes do concílio já mencionava os evangelhos que fariam parte da Bíblia. Esse mesmo cânon, juntamente com Origenes (outro escritor antigo do cristianismo) possivelmente já utilizavam os 27 livos que temos hoje no Novo Testamento. Igualmente, outros autores que viveram bem antes do concílio – como por exemplo, Papias, Justino e Ireneu de Lion - também já abordavam a questão dos evangelhos e dos livros neotestamentários que seriam ou não inspirados por Deus (ACKROYD e EVANS, 1970). Tatiano foi outro autor convertido ao cristianismo pela pregação de Justino, o Martir, em torno de 150 d.C. .Após longos estudos de doutrinação ele retornou à Síria e organizou uma composição dos quatro evangelhos com o fim de harmonizá- los em todas as suas narrativas. Essa composição recebeu o nome de “Diatessaron” que quer dizer “harmonia através dos quatro”. Em pouco tempo essa obra serviu de texto litúrgico para a igreja siríaca centralizada em Edessa. Mesmo entre os autores controversos, reconhecidos como hereges pela igreja do II século, encontramos pistas de um cânon formalizado pela maioria da igreja Cristã. Marcião de Sinope é um exemplo clássico. Atuando ainda como bispo na Ásia menor, ele propôs uma cisão teológica entre o que ele chamou de “Deus do Novo Testamento” e “Deus do Antigo Testamento”. O primeiro seria um Deus bom, caridoso e cheio de misericórdia para com os homens. Já o segundo seria um Deus legalista, condenador, pronto para condenar a quem cometesse o menor deslize. Em virtude deste raciocínio, Marcião rejeitou praticamente todo o Antigo Testamento e só aceitou partes do Novo. Seu cânon constava apenas das epístolas de Paulo (menos as epístolas pastorais) e do evangelhode Lucas, com exceção dos textos que ligavam Jesus ao Antigo Testamento. Embora alguns acadêmicos reputem o cânon de Marcião como original ou como evidência de que não havia ainda uma lista oficial de livros inspirados dentro 56 do cristianismo, é possível ver aqui outra hipótese: de que já havia um cânon quase totalmente sistematizado. Caso contrário, a tarefa de Marcião se limitaria a criar um cânon e não rejeitar uma lista já existente. Em favor desta ideia é possível citar uma passagem de Tertuliano que diz: “Desde que Marcião separou o Novo Testamento do Antigo, ele segue necessariamente aquilo que ele mesmo separou, ao passo que foi apenas por sua própria autoridade que ele separou o que antes estava unificado. Sendo, pois, algo unificado antes de sua separação, o fato desta subsequente separação prova o fato de que foi um homem que efetuou essa separação”. (De praescriptione haereticorum 30). Portanto, embora pudesse haver ainda uma ou outra disputa acerca de alguns livros, pode-se dizer que grande parte do Novo Testamento já era reconhecida como tal na metade do segundo século d.C. ou até antes disso. Numa carta escrita no ano 367 d.C. Atanásio, bispo de Alexandria, apresentou uma lista dos livros que comporiam os 27 que temos hoje no Novo Testamento. Ele foi o primeiro a usar a palavra “canonizados” para se referir a eles (BRAKKE, 1994). Assim, percebe-se que os membros da Igreja de longa data reconheciam os autores que eram inspirados por Deus e esses próprios autores já sabiam que estavam escrevendo um livro especial. Isso, aliás, já vem desde os tempos do Antigo Testamento quando um profeta iniciava sua mensagem dizendo “Veio a mim a Palavra do Senhor dizendo...” ou “Assim diz o Senhor”. Estas expressões indicam que eles sabiam de antemão que estavam escrevendo uma Escritura Sagrada e que sua mensagem era de procedência 57 divina. A questão era confirmar se sua “consciência profética” era verdadeira ou charlatã e havia critérios para isso. Afinal, embora houvesse a advertência dada pelo próprio Deus para não se desprezassem as profecias (I Tes 5:20) e que cressem nos profetas a fim de prosperar e estar seguros (II Cron. 20:20), o povo também era orientado a não acreditar rapidamente em qualquer um que se dizia mensageiro do Senhor. "Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora." I JOÃO 4:1 (veja também Mateus 7:15). Em primeiro lugar, o verdadeiro profeta deveria promover a obediência a Deus (Deut.13:1-4). Suas profecias, quando não fossem claramente condicionais deveriam se cumprir para que o povo soubesse que o Senhor realmente falou por intermédio dele (Jer. 28:9). O verdadeiro profeta sempre discursará em harmonia com a Lei de Deus e as outras revelações anteriormente dadas (ISA. 8:19 E 20). Finalmente, as obras desse profeta, isto é, os frutos de sua vida, revelariam ou não suas credenciais divinas (Mateus 7:25). E o principal de seus frutos seria, para os cristãos do I século, o enaltecimento da pessoa de Jesus Cristo (I JOÃO 4:1-3). Os apóstolos receberam a promessa de que o Espírito Santo lhes faria lembrar todas as coisas que o Cristo havia dito (João 14:26). Este mesmo Espírito os conduziria a toda verdade (João 16:13). Eventos fenomenais ocorridos por ocasião do Pentecostes e testemunhados por milhares de pessoas em Jerusalém confirmavam que sua mensagem não era fruto de uma histeria ou alucinação (ATOS 2:4). O canon do novo testamento O mesmo se pode dizer da inesperada e espantosa conversão de Paulo, um dos principais inimigos do cristianismo. Sendo ele mesmo autor de boa parte do Novo Testamento, a Igreja com o tempo reconheceu suas credenciais proféticas e recebeu suas cartas como Palavra de Deus (I Tes. 2:13). Estas mesmas cartas ou cópias delas circulavam pelas igrejas ainda durante o período apostólico (Col. 4:16) 58 e o próprio apóstolo Pedro reconheceu-as como inspiradas por Deus equivalentes às demais Escrituras Sagradas (II Pedro 3:15-16). Paulo, por sua vez, citou uma expressão de Cristo possivelmente retirada de Lucas 10:7 e a introduziu com a expressão “Pois assim declara a Escritura” (I TIM. 5:18). A Igreja Cristã foi definida em Efésios 2:20 como uma casa “fundamentada nos apóstolos e profetas”. Ora, tal expressão indica que eles já trabalhavam com escritos tanto de um grupo quanto de outro. Logo, essa larga aceitação de livros ainda nos tempos apostólicos em contraste com umas poucas disputas ocorridas posteriormente indicam que eles já tinham bem amadurecida a ideia de possuírem uma coleção de escritos inspirados. É possível, contudo, que alguns destes escritos não tenham sobrevivivo até nossos dias. Um caso exemplar seria a forte suspeita de que Paulo havia escrito mais de duas cartas aos coríntios e que, infelizmente, se perderam. Em duas passagens, ele se refere a conteúdos enviados à igreja mas que não estão em nenhuma parte das cartas atuais. Em I Coríntios 5:9 ele fala de uma carta anterior, de modo que a que chamamos Primeira Coríntios na verdade não foi a primeira. Já em II Coríntios 2:4 ele diz que escreveu anteriormente aos membros em meio a muita tribulação e angústia, mas os estudiosos não conseguem ligar com o conteúdo de Primeira Coríntios de modo que são grandes as possibilidades de haver outra(s) cartas perdidas de Paulo. E temos ainda uma referência em Colossenses 4:16 a uma carta enviada aos cristãos de Laodiceia, cujo conteúdo ninguém atualmente conhece. De igual modo, alguns estudiosos pensam que a Carta aos Filipenses seria, na verdade, uma coleção de vários bilhetes. Mas, por que algumas cartas se perderam? Por que não foram preservadas? Não o sabemos. O máximo que se pode dizer é que o que foi 59 preservado por Deus foi o suficiente para a nossa salvação e não é fruto de decisões conciliares posteriores. Veja que curioso o exemplo de Clemente de Roma: por volta do final do I século d.C., ele estava atuando como presbítero da igreja cristã e, estando em Roma, enviou cartas para a igreja em Corinto. Ele também se demonstrou familiarizado com as cartas de Paulo e as tratou como palavra de Deus. Alguns pensam que esse Clemente seria o mesmo mencionado por Paulo em Filipenses 4:3 (veja Eusébio de Cesareia, Ecclesiastical History, III. 38, 4) . Clemente também faz menções ocasionais a certas “palavras de Jesus” e, embora elas fossem autoritativas para ele, não são tratadas como “evangelhos” muito menos como escritos inspirados. Ao que tudo indica eram sentenças que ele tinha de memória, possivelmente transmitidas de maneira oral, mas que não foram preservadas de forma escrita como no caso dos evangelhos. Noutras palavras, diferente das epístolas de Paulo, esses ditos de Cristo, conquanto fossem significativos para o autor, não eram reputados como Escritura Sagrada do cristianismo (METZGER, 1987). Se levarmos em conta o fenômeno da inspiração profética, podemos dizer que Deus determinou o cânon e a igreja apenas o reconheceu e aceitou. Não foi ela quem o criou. A Palavra de Deus era reconhecidamente inspirada e tinha autoridade religiosa desde sua concepção. Sua origem era celestial como diz o Salmo 119:89: “Para sempre, ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu.” Que critérios, portanto, teria a Igreja cristã primitiva para reconhecer os livros que eram inspirados por Deus? 60 Por evidências indiretas e citações de vários autores antigos, eis algumas perguntas básicas que eles provavelmente fariam: 1 – Este livro fora escrito por um profeta ou seguidor direto de Cristo de quem as pessoas davam bom testemunho? 2 - Os apóstolos ainda vivos aprovavam seu conteúdo ou eram seus autores diretos?
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