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Introducao_a_Biblia_(Barclay)

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INTRODUÇÃO À BÍBLIA 
[Clique em ÍNDICE] 
 
William Barclay 
 
 
Tradutor e digitador: Carlos Biagini 
 
Título original: 
 
INTRODUCING THE BIBLE 
 
The Bible Reading Fellowship 
 
Edición Conjunta De 
Casa Unida De Publicaciones. 
S. A. Apartado Posta197-Bis 
 
06000 México, D. F. México. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 2 
WILLIAM BARCLAY (1907-1978) obteve o Mestrado em Artes e 
o Doutorado em Divindades na Universidade de Glasgow, Escócia, e na 
Universidade de Marburgo, Alemanha. Por muitos anos foi ministro da 
Trinity Church of Scotland, Igreja Trindade da Escócia. Comunicou as 
cadeiras de Divindades e Crítica Bíblica na Universidade de Glasgow. 
Como expositor da Bíblia alcançou uma grande popularidade na Grã-
Bretanha, por sua inigualável habilidade para combinar a erudição e 
exemplos que têm a virtude de esclarecer incógnitas não resolvidas por 
uma grande maioria de estudiosos. 
 
De William Barclay também apareceram em português: O Novo 
Testamento comentado, Palavras Gregas do Novo Testamento, A Carne 
e o Espírito. 
 
Em Introdução à Bíblia, o Dr. William Barclay propõe ao leitor 
submergir-se nesse mundo maravilhoso de história, literatura e 
sabedoria, que é a Bíblia. A intenção é ajudar o leitor a descobrir as 
riquezas que a Bíblia encerra para sua vida. 
O autor dá testemunho do valor da Bíblia como livro inspirado 
estabelece uma guia confiável para o estudo como os textos bíblicos 
alcançaram a posição de Escritura Sagrada, e explica a importância e a 
situação dos livros Apócrifos. Mas, acima de tudo, o Dr. William 
Barclay apresenta a Bíblia como a palavra de Deus que não perde sua 
vigência com o passar do tempo 
 
Para o Dr. Barclay o estudo bíblico constitui um das provocações 
mas desafiantes em nossos dias Por um lado, o ativismo ocidental arrasa 
com o tempo destinado à meditação, por outro, a Bíblia foi livro de 
cabeceira mas não obsoleto, de estudo sério e constante. Este escrito 
surge em resposta a essa provocação e é desejo do autor aplainar o 
caminho às pessoas que não têm estudos de teologia. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 3 
ÍNDICE 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
ORAÇÕES PARA O ESTUDO BÍBLICO 
 
PREFÁCIO 
 
CAP. I - UM LIVRO ANTIGO 
 
CAP. II - DESENVOLVIMENTO DO ANTIGO TESTAMENTO 
 
CAP. III - DESENVOLVIMENTO DO NOVO TESTAMENTO 
 
CAP. IV - OS APÓCRIFOS 
 
CAP. V - COMO ESTUDAR A BÍBLIA 
 
CAP. VI - O LIVRO INSPIRADO 
 
BIBLIOGRAFÍA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 4 
APRESENTAÇÃO 
 
A Bíblia, que da Reforma do século XVI deixou de ser o livro de 
uns poucos para converter-se no Livro para todos, é paradoxalmente um 
livro relativamente desconhecido. Embora seja o livro que mais tem sido 
se traduzido e difundido, há aspectos de seu conteúdo e de seu 
transformar histórico que, até agora, foram a província dos especialistas. 
A literatura que em torno da Bíblia se gerou através dos séculos, embora 
vasta e altamente informativa, não esteve ao alcance do leitor médio. Tal 
é o caso, por exemplo, dos estudos que sobre o desenvolvimento 
histórico do texto e cânon da Bíblia existem: não se têm escrito pensando 
no leitor médio da Bíblia, nem buscaram responder às interrogantes que 
esse mesmo leitor médio se expõe como resultado de uma leitura 
cuidadosa da Bíblia. 
Portanto, bem recebido é um livro como Introdução à Bíblia, do Dr. 
William Barclay, que definitivamente deve preencher um notável vazio 
na literatura portuguesa sobre texto e cânon da Bíblia. Em suas páginas, 
o autor conduz o leitor até as mais remotas origens do texto bíblico, e o 
faz com magistral simplicidade pedagógica. Nos seis capítulos que 
integram este livro, o leitor se informa a respeito do desenvolvimento 
histórico do Antigo Testamento, a partir da Reforma do rei Josias (621 
a.C.) e até o Concílio da Jâmnia (90d.C). Igualmente o leitor pode seguir 
o rastro da história do Novo Testamento, dos primeiros escritos do 
apóstolo Paulo (49-62 d.C.) até a Epístola de Atanásio (367 d. C.). 
 
Um tema que tem ocupado os eruditos bíblicos, e preocupado aos 
crentes simples, é o da presença no cânon bíblico dos chamados Livros 
Apócrifos, ou Deuterocanônicos. O autor aborda o tema com singular 
erudição e clareza, sinalizando abertamente os problemas que esta 
questão expõe e manifestando, ao mesmo tempo, seu próprio sentir, que 
é resultado de sua própria reflexão e avaliação destes livros e da 
evidência histórica. 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 5 
O Dr. William Barclay é amplamente conhecido na Grã-Bretanha e 
no mundo como expositor da Bíblia, o mesmo que como escritor e 
radiodifusor. Seu evidente interesse pela comunicação o levou a 
combinar a erudição com a simplicidade, de modo que seu estilo é ao 
mesmo tempo informativo e ameno. No presente livro, expressa sua 
convicção de que a Bíblia deve ser não só lida mas também estudada. "A 
Bíblia", diz-nos, "é um livro difícil, porque provém de diferentes 
linguagens e civilizações e aborda os temas mais acidentados... Como 
toda obra suprema, recebemos mais da Bíblia quanto mais esforço 
investimos nela". 
 
A versão em português de Introdução à Bíblia contribui 
grandemente para destacar o claro estilo do original inglês. Esperamos 
que os leitores da Bíblia em nossos países de portuguesa desfrutem 
da leitura deste livro, e que a informação que aqui está recolhida os 
conduza a um maior e mais profundo conhecimento da Bíblia e do 
Senhor da Bíblia. 
 
Tradução e adaptação para a 
 
BIBLIOTECA TEOLÓGICA, vol. 4. 
 
Carlos Biagini 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 6 
ORAÇÕES PARA O ESTUDO BÍBLICO 
 
A oração do salmista era: 
 
“Abre meus olhos, e olharei as maravilhas de sua lei” (Sl. 119:18). 
 
Ó Deus e Pai Nosso: Ao estudar Tua palavra, 
abre nossos olhos e ilumina nosso entendimento. 
Conceda que nossa mente possa conhecer Tua verdade e 
nosso coração possa sentir Teu amor. 
E logo confirma e fortalece nossa vontade para que saiamos 
para viver o que aprendemos, em nome de nosso Senhor 
Jesus Cristo. Amém. 
 
Ó Deus, 
Ajuda-nos a estudar Tua palavra. 
Não só para saber mais de nosso bendito Senhor, mas 
também para conhecê-Lo. 
Não só para aprender a respeito dEle, senão para nos 
encontrarmos com Ele. 
Que não só cresçamos em conhecimento, mas também o 
nosso amor aumente. Que não só O amemos com o coração, 
mas também Lhe obedeçamos com a vida. 
De tal modo que, ao conhecê-Lo, e amá-Lo, e obedecê-Lo, 
possamos também dizer: Para mim o viver é Cristo. Isto o 
pedimos confiados em Teu amor. Amém. 
 
 
 
 
 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 7 
PREFÁCIO 
 
Começo agradecendo ao Companheirismo de Leitura Bíblica e à 
Associação Internacional de Leitura Bíblica por me haver outorgado o 
privilégio e a responsabilidade de escrever este livro. Levo treze anos de 
dar classes de Bíblia numa congregação e vinte e cinco na universidade, 
e, por isso, agradeço a oportunidade de pôr por escrito as coisas, como 
creio que são, e de escrever algumas técnicas de estudo bíblico. 
Vivemos numa época particularmente favorável ao estudo bíblico. 
Nunca antes existiram tantos e tão bons materiais auxiliares de estudo. 
Durante muito tempo se escarneceu dos teólogos por causa da nebulosa 
linguagem que os caracterizava. É um fato que muitos deles escreviam 
só para impressionar seus colegas. Mas existe hoje o desejo fresco de 
comunicar a teologia ao leigo, mais que ao erudito na matéria. Existe um 
maior desejo de comunicar-se, como há tempo não o houve. 
Além disso, existe hoje, e isto é mais importante, a disposição de 
sentar-se para estudar juntos, o que é algo inusitado. 
 
Hoje vemos a católicos e protestantes estudar juntos a Bíblia. Há 
nova simpatia entre conservadores e liberais, entre fundamentalistas e 
radicais. Ninguém abandona sua posição ou convicção, mas todos estão 
dispostos a juntar-se para conversar, mesmo quando não estejam de 
acordo. E não faltaram ocasiões emque o diálogo lhes permitiu 
descobrir que não estão tão distanciados como criam estar. Eis aqui uma 
nova situação que oferece um grande potencial. 
Agostinho Birrel costumava dizer que cada estudante deveria ler 
obrigatoriamente obras com as quais estivesse em total desacordo 
Igualmente, o estudo bíblico é mais proveitoso num grupo misto, 
onde há grande variedade de pontos de vista, que numa piedosa reunião 
de mentes afins. Os desacordos podem ser o melhor estímulo para o 
pensamento e a motivação para novas descobertas, visto que mal 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 8 
poderemos estar seguros numa posição que ainda não tivemos que 
defender. 
 
Outra nova atitude no público consiste em ver a Bíblia como livro 
de estudo e não de simples leitura. Nosso venerável sistema de ler um 
capítulo diário, e só lê-lo, tem caído em desuso. E nosso clássico grito de 
guerra, de que o melhor intérprete da Bíblia é a própria Bíblia, não pode 
mais ser aceito. A Bíblia é um livro difícil, porque provém de diferentes 
linguagens e civilizações e aborda os temas mais acidentados. Por isso, 
deve aproveitar-se toda ajuda que facilite seu estudo. Como toda obra 
suprema, recebemos mais da Bíblia quanto mais esforço investimos nela. 
 
Este livro não tem o propósito de ganhar adeptos à minha maneira 
de pensar, mas sim de ajudá-los a pensar. É meu desejo e oração que 
estas páginas capacitem o povo a entender melhor a Bíblia, a amá-la 
mais, e a que por meio dela possa encontrar-se mais claramente a Jesus 
Cristo. 
 
 
William Barclay 
Universidade do Glasgow, Escócia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 9 
CAPÍTULO I 
UM LIVRO ANTIGO 
 
O título do primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster é 
"Das Sagradas Escrituras". No próprio princípio deste documento básico 
para a Igreja da Escócia estabelece-se que os livros da Bíblia "foram 
dados por inspiração de Deus como nossa regra de fé e prática". Segue 
explicando a confissão que a autoridade das Escrituras "depende 
totalmente de Deus" e são, portanto, "a palavra de Deus". Acrescenta 
mais adiante que "nas Escrituras se expressa todo o conselho de Deus 
sobre tudo o que é necessário para sua própria gloria, a salvação do 
homem, a fé e sua prática, ou, pode deduzir-se delas por boa e necessária 
consequência, e às quais nada se deve acrescentar em nenhum tempo 
embora sejam novas revelações do Espírito ou simples tradições 
humanas", e que as Escrituras constituem a última corte de apelações 
em toda controvérsia religiosa. 
 
Tal é a posição que se dá à Bíblia. Desde o primeiro momento esta 
se destaca por uma posição extraordinária. A Bíblia começou a ser 
escrita faz uns três mil anos e sua parte mais recente foi escrita faz uns 
mil e oitocentos anos, não obstante isso, a Igreja a reconhece como sua 
autoridade definitiva e inapelável. 
 
Em certo sentido, tal posição da Bíblia é única. É verdade que 
existem ainda livros muito antigos, mas nenhum deles é visto como 
autoridade definitiva e inapelável. Nossos médicos já não nos aplicam 
tratamentos segundo Galeno ou Hipócrates; os arquitetos deixaram que 
lado as diretrizes do Vitrúvio; os agricultores esqueceram os ditames de 
Varrão; e os astrônomos já não se guiam pelos estudos de Ptolomeu. 
Estas obras continuam ainda sendo lidas, mas como etapas, não como a 
meta do caminho; são interessantes, e são lidas como curiosidades, mas 
não como autoridades. Entretanto, embora a Bíblia tem livros mais 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 10 
antigos que qualquer de tais obras, para o cristão continua sendo a regra 
suprema de fé e prática. 
 
Em outro sentido, existem certos paralelos. Enquanto houver quem 
leia poesia, haverá quem lê Homero; enquanto houver quem estuda 
filosofia, haverá quem estuda Platão e Aristóteles; enquanto houver 
quem se interessa na ética da "boa vida", haverá aqueles que buscam a 
Epicteto e a Marco Aurélio; enquanto houver quem ama a beleza, haverá 
quem esquadrinha os estatutos de Praxiteles. As coisas não se descartam 
simplesmente por serem antigas. Muitos produtos da antiguidade 
encontram-se entre as mais valiosas posses da humanidade. Não 
obstante, não há livro que pretenda ter a autoridade absoluta que a Bíblia 
reclama para si; nenhum outro livro declara, como a Bíblia, que não há 
nada mais que lhe acrescentar, como o afirma a Confissão de Fé de 
Westminster. O que, pois, de especial tem este livro? 
 
1. A Bíblia possui tal beleza intrínseca que, à margem de outras 
coisas, tão somente isso a transforma numa obra imortal da literatura. 
Com apenas repassar umas breves linhas a pessoa sente encolher-lhe o 
coração perante o encanto de suas palavras: 
As muitas águas não poderiam apagar o amor, nem os rios, afogá-lo; 
ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de 
todo desprezado (Ct. 8:7). 
 
Saul e Jônatas, queridos e amáveis, tanto na vida como na morte não 
se separaram! Eram mais ligeiros do que as águias, mais fortes do que 
os leões (2Sm 1:23). 
 
Então, o rei, profundamente comovido, subiu à sala que estava por 
cima da porta e chorou; e, andando, dizia: Meu filho Absalão, meu 
filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, 
Absalão, meu filho, meu filho! (2Sm. 18:33). 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 11 
Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração de 
Jerusalém, bradai-lhe que já é findo o tempo da sua milícia, que a sua 
iniquidade está perdoada (Is. 40:1-2). 
 
Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o sol, 
nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os 
apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes 
enxugará dos olhos toda lágrima (Ap. 7:16-17). 
 
Seria fácil encher a metade deste livro com passagens semelhantes. 
 
Cada um de nós tem suas próprias passagens e versículos com sua 
inescapável beleza, estampados indelevelmente na memória. 
 
Se fosse apenas questão de beleza, a Bíblia teria já direitos 
indisputáveis à grandeza. Coleridge opinava que o estudo constante da 
Bíblia livraria a todos de cair na vulgaridade de estilo. Não importa qual 
seja a fé que se professe ou não professe, ninguém pode pretender ter 
adquirido uma sólida educação até ter lido este monumento literário. 
 
Longino, retórico grego, escreveu uma das obras cimos de crítica 
literária, intitulada Do Sublime. Para o Longino, a suprema qualidade do 
escritor era a sublimidade. Uma moeda que cai ao solo costuma deixar 
escapar um tinido, que denuncia a qualidade de sua liga metálica; 
Longino expressou de maneira inimitável que o sublime é o retintim da 
alma. Ainda o mundo não encontrou outro livro que possua a sublime 
qualidade da Bíblia. 
 
Certamente a Bíblia é credora à grandeza por sua beleza 
indiscutível. Mas, em certo sentido ao menos, isto catalogaria a Bíblia 
como um luxo e não como uma das necessidades essenciais da vida. 
Assim que para nos explicar a singularidade que a Bíblia reclama que 
temos que ir para além da beleza. 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 12 
II. A Bíblia é indispensável como texto de história. Seu fundo são 
os movimentos históricos dos grandes impérios do Oriente Médio: Egito, 
Assíria, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma. Sem a Bíblia a história do 
Oriente Médio careceria de importantes dados. 
 
Certo, a história para os judeus não corresponde ao conceito que 
dela tem o historiador profissional. Na história bíblica se mede a estatura 
dos personagens pela obediência ou desobediência a Deus. Por exemplo, 
do rei Asa diz-se que aos olhos de Jeová "fez o que era reto" (1Rs 
15:11), e do rei Jeorão que "fez o que era mau" (2Rs 3:2). A Onri de 
Samaria são dedicadas apenas umas quantas linhas, para dizer que fez o 
que era mau aos olhos do Senhor (1Rs 16:25-28); entretanto, a história 
secular vê a Onri como um dos reis mais destacados, politicamente 
falando. O historiador bíblico dedica mais tempoem nos falar de Elias e 
Eliseu que ao fundo dos acontecimentos de impacto mundial. Às 
manobras do rei Acabe para apoderar-se da vinha de Nabote é dedicado 
todo um capítulo (1Rs 21). Tudo isto é certo, mas sem os historiadores e 
profetas do Antigo Testamento nosso conhecimento histórico do Oriente 
Médio ficaria incompleto. Como texto da história a Bíblia ocupa um 
lugar proeminente 
 
Mas é preciso repetir que isto não basta. A Bíblia não se ocupa só 
do tempo, mas também da eternidade. Assim que devemos ir para além a 
fim de ver no que reside sua singularidade. 
 
III. Do ponto de vista linguístico, a Bíblia tem primordial 
importância. Constitui o monumento supremo do hebraico clássico; 
ali se encontra toda sua primitiva literatura nacional, e toda a literatura 
hebraica. Ainda mais importante do ponto de vista linguístico, é que 
o Novo Testamento vem a ser o único exemplar escrito no grego popular 
que se falou durante o primeiro século. Abordaremos o tema mais 
adiante, mas brevemente adiantaremos alguns detalhes. Quando 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 13 
Alexandre Magno conquistou o mundo antigo, levou consigo a língua 
grega que, obviamente, não podia ser o grego clássico da Idade de Ouro. 
Tratava-se de um dialeto simplificado chamado Koiné, ou seja o grego 
comum, que normalmente não teria espaço na literatura helênica. O 
único caso existente do Koiné escrito é o Novo Testamento. Os 
linguistas gregos chegaram a afirmar que, se o Novo Testamento 
chegasse, por alguma razão, a perder seu valor religioso, seguiria não 
obstante sendo uma das obras mais importantes da linguística universal. 
Isto, novamente, é insuficiente. Embora haja um livro que seja o 
paraíso dos linguistas, isso não garante que sirva de entrada a um paraíso 
superior. 
 
IV. A Bíblia é indispensável como tesouro de sabedoria ética. 
A antiguidade contava com um gênero literário denominado Literatura 
Sapiencial. Tratava-se de sabedoria prática, capaz de ensinar ao homem 
a triunfar na vida honestamente. O livro de Provérbios é o exemplo 
perfeito: onde quer que a seja lido, encontra orientação prática para a 
vida, escrita em estilo vivaz e inesquecível. 
 
Filho meu, não rejeites a disciplina do SENHOR, nem te enfades da 
sua repreensão. Porque o SENHOR repreende a quem ama, assim 
como o pai, ao filho a quem quer bem. Feliz o homem que acha 
sabedoria, e o homem que adquire conhecimento; porque melhor é o 
lucro que ela dá do que o da prata, e melhor a sua renda do que o 
ouro mais fino. Mais preciosa é do que pérolas, e tudo o que podes 
desejar não é comparável a ela. O alongar-se da vida está na sua mão 
direita, na sua esquerda, riquezas e honra. Os seus caminhos são 
caminhos deliciosos, e todas as suas veredas, paz (Pv. 3:11-17). 
 
Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê 
sábio. Não tendo ela chefe, nem oficial, nem comandante, no estio, 
prepara o seu pão, na sega, ajunta o seu mantimento. Ó preguiçoso, até 
quando ficarás deitado? Quando te levantarás do teu sono? Um pouco 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 14 
para dormir, um pouco para tosquenejar, um pouco para encruzar os 
braços em repouso, assim sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a 
tua necessidade, como um homem armado (Pv . 6:6-11). 
 
Dificilmente errará o caminho quem oriente sua vida com os 
provérbios. 
 
Quanto ao Novo Testamento, Paulo sempre termina suas cartas 
oferecendo conselhos extremamente práticos, e até os não cristãos 
costumam dizer que, se aceitássemos e praticássemos os ensinos do 
Sermão da montanha, teríamos o céu na terra. 
 
Não há dúvida de que a Bíblia constitui uma guia incomparável a 
uma vida melhor, e uma mina inesgotável de bons conselhos. 
Infelizmente, a vida nos ensina que os bons conselhos por si mesmos 
não melhoram ninguém. Se assim fosse, faz muito que seríamos 
perfeitos. Se quisermos descobrir o caráter único da Bíblia, não devemos 
nos conformar com a afirmação de que a Bíblia é uma fonte 
incomparável para nos ensinar a viver bem. 
 
V. Aproximamos-nos mais à questão medular quando afirmamos 
que a Bíblia é um livro excepcionalmente eficaz. A. M. Chirgwin incluiu 
em seu livro The Bible in Modern Evangelism (A Bíblia na 
evangelização atual), um capítulo ao que intitulou "Lucros", do qual 
extraímos os seguintes casos 
 
No Brasil vivia um senhor Antônio de Minas, a quem seu amigo 
vinha importunando para que comprasse uma Bíblia. Por fim a comprou, 
mas ali mesmo jurou que a queimaria tão logo chegasse a sua casa. Na 
casa o fogo estava apagado; mas em seu afã de queimar a Bíblia tornou a 
acendê-lo. Antes de lançar a Bíblia ao fogo, abriu-a para facilitar a 
combustão. Por um momento ficou aberta no Sermão da montanha. Seu 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 15 
olhar deteve-se ali. As palavras tinham algo magnético. Perdeu a noção 
do tempo, e leu e leu durante toda a noite. Amanhecia quando, posto em 
pé, declarou: "Creio". 
 
Um nova-iorquino de uma gang acabava de sair do cárcere e se 
encaminhava para reunir-se com sua antiga turma para planejar um 
ataque. Ao chegar à Quinta Avenida aproveitou a oportunidade para 
"surrupiar" um transeunte. Escapuliu-se até o Parque Central para 
examinar o despojo e, para seu desencanto, encontrou-se sendo um 
flamejante possuidor de um Novo Testamento. Como sobrava tempo 
livre, começou a lê-lo despreocupadamente: mas logo a leitura o 
absorveu. Horas depois compareceu perante seus comparsas, cantou-lhes 
o que acabava de ler, e ali mesmo rompeu com eles e com seu passado 
criminal. 
 
Um colportor atravessava à meia-noite um bosque siciliano quando 
foi assaltado por um facínora com arma na mão. O assaltante lhe 
ordenou acender uma fogueira e queimar os livros que levava. O 
vendedor de Bíblias pediu permissão para ler em alta voz fragmentos dos 
livros antes de queimá-los. Começou com o Salmo 23, seguiu com a 
história do Bom Samaritano, e logo com o Sermão da montanha. De 
outra Bíblia leu o hino do amor. Em cada caso o bandoleiro comentava: 
"Este é um bom livro: não o queimaremos. Dá-me aqui". Finalmente, 
não foi queimado um único livro, embora o salteador os levou todos. 
Anos depois, ambos voltaram a encontrar-se. O ex-salteador de 
caminhos era agora um ministro de Jesus Cristo. "Graças aos seus 
livros", ele disse ao colportor. 
Esta é uma amostra mínima do que a Bíblia pode fazer. Aqui temos 
um livro poderoso, operante, eficaz e dinâmico. Este dado nos aproxima 
mais ao seu segredo. Se um livro operar mudanças assim, então pode ser 
qualificado com toda justiça como único. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 16 
VI. Aqui chegamos ao miolo da questão; ao porquê de este livro 
antigo continuar sendo sempre pertinente e poderoso. A Bíblia é quase a 
única coisa imutável. As leis e os costumes mudam, e em certa medida 
muda também a moral. Por exemplo, nas primeiras páginas do Antigo 
Testamento não aparece objeção alguma à poligamia patriarcal. Em parte 
a religião mesma muda também. Por exemplo, a religião judia se 
baseava-nos sacrifícios sangrentos, mas isso já não faz parte de nossa 
religião. A única coisa invariável são as relações pessoais. Enquanto a 
gente siga sendo gente, as relações pessoais seguirão sendo as mesmas. 
O amor e o ódio, a lealdade e a traição, a amizade e a inimizade 
permanecem sempre. 
Sobre isto é o que trata a Bíblia: das relações entre homem e 
homem, entre homem e mulher, mas sobretudo, entre o homem e Deus, e 
entre Deus e o homem. Por isso a Bíblia é antiga e moderna ao mesmo 
tempo. Vejamos um exemplo, simples e encantador: Jacó teve que servir 
sete anos para que Labão lhe permitisse casar-se com sua filha. " Assim, 
por amor a Raquel, serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como 
poucos dias, pelo muito que a amava" (Gn. 29:20). Histórias e situações 
como estas jamais passarão na moda, enquanto houver homens e 
mulheres. 
A Bíblia permanece sempre nova porque não se enfoca apenasem 
leis, regras e regulamentos, mas principalmente em homens e mulheres, 
e em suas relações mútuas e em suas relações com Deus. A Bíblia é o 
livro do amor dos uns pelos outros. e do amor por Deus o qual é eterno. 
 
VII. Isto nos leva a última e suprema razão que faz da Bíblia um 
livro único e sempre indispensável. A esta razão teremos oportunidade 
de voltar repetidamente. Só na Bíblia podemos encontrar a Jesus Cristo. 
Virtualmente, não existe outra fonte de informação sobre a vida, palavras 
e ensinos de Jesus. Sem a Bíblia só contaríamos com recursos vagos e 
opiniões abstratas, o que está intimamente relacionado com nosso ponto 
anterior. Só em Cristo e através de Cristo, as relações com nossos 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 17 
semelhantes são relacionamentos de amor. Só nEle e por meio dEle 
podemos ter relacionamento com Deus. 
Sendo tão antiga, a Bíblia é sempre aplicável porque trata das 
imutáveis relações pessoais entre os homens, entre o homem e a mulher, 
e entre os homens e Deus. É sempre indispensável porque nela 
encontramos o retrato da única pessoa no céu e na terra em quem tais 
relações alcançam sua perfeição. 
 
VIII. Concluiremos com algo expresso pela Confissão de Fé de 
Westminster, com a qual começamos. Depois que a confissão deixou 
estabelecido que a Bíblia contém tudo o que é necessário para nossa 
salvação, acrescenta: "Entretanto nossa persuasão e completa convicção 
de que sua verdade é infalível e sua autoridade divina, provêm da obra 
interior do Espírito Santo, quem dá testemunho ao nosso coração com a 
palavra divina e por meio dela". E acrescenta: "reconhecemos que é 
necessária a iluminação interna do Espírito de Deus para a compreensão 
salvífica de tudo o que se revela em Sua palavra" 
A doutrina dos judeus sobre o Espírito era muito singela mas 
abrangia tudo. Para eles o Espírito tinha duas funções: revelar a verdade 
de Deus aos seres humanos e capacitá-los a reconhecer essa verdade. 
Assim que, para entender e apropriar-se totalmente do significado da 
palavra de Dias, os homens necessitam que o Espírito habite em seu 
coração. Isto significa simplesmente que a leitura bíblica deve ir sempre 
unida à oração. Bem faremos em nos aproximar à Bíblia com a oração 
do George Adam Smith nos lábios: 
Deus todo-poderoso e misericordioso, que deste a Bíblia como 
revelação de Teu grande amor aos homens, e de Teu grande poder e 
vontade de nos salvar. Concede-nos que seu estudo não seja em vão por 
causa da dureza e despreocupação de nosso coração, mas sim por meio 
dela sejamos confirmados no arrependimento, animados na esperança, 
fortalecidos para o serviço, e saturados com o verdadeiro conhecimento 
de Teu filho Jesus Cristo. Isto o pedimos confiados em Teu amor. Amém. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 18 
CAPÍTULO II 
DESENVOLVIMENTO DO ANTIGO TESTAMENTO 
 
Começaremos a estudar o processo de integração até o ponto em 
que a Bíblia ficou completa. Dito tecnicamente, estudaremos a formação 
do cânon das Escrituras. O cânon das Escrituras é a lista de livros aceitos 
pela Igreja Cristã como sua regra escrita de fé: é a lista dos livros 
"oficiais" da Igreja, e que a Igreja considera como autoridade definitiva 
para a relação de sua própria história e para a formação de sua vida e 
doutrina. 
 
A palavra cânon em si é muito interessante. Provém da voz semítica 
kaneh, cano. Um cano reto pode servir de regra para traçar linhas retas. 
Por isso cânon veio para significar regra, embora não para traçar linhas 
retas, senão para levar uma vida reta. O cânon vem a ser a regra que 
serve para determinar o que é o correto em qualquer circunstância. 
 
A regra tem também tem marcas para medir as linhas que traça, o 
que confere outro significado à palavra cânon. Tais marcas ou gradações 
se convertem numa lista Por exemplo, o cânon da missa é a lista 
daqueles a quem se lembra na missa. 
 
O cânon das Escrituras é, pois, a lista dos livros que a Igreja 
reconhece como sua autoridade Mas uma lista, neste sentido e uso, 
contém livros aos quais algo lhes foi feito: foram incluídos na lista, mas 
estes mesmos livros afetam a tudo o mais: tornam-se a regra para julgar 
todas as coisas. 
 
De modo que, a Igreja foi a que definiu o cânon ou livros da Bíblia. 
A Igreja existiu muito antes de que existisse a Bíblia; em tal sentido, 
pode afirmar-se que não foi a Bíblia a que fez a Igreja, mas foi a Igreja 
que fez as Escrituras. A Igreja primitiva carecia de Novo Testamento, 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 19 
pois estava ocupadíssima em escrevê-lo. Por outro lado, os livros 
bíblicos não são volumes comuns que sofrem passivamente o que lhes 
possa suceder. São obras ativas, com poder para guiar e dirigir a vida e a 
obra da Igreja. 
 
Estudemos como se integrou a lista de livros que a Igreja reconhece 
como autoridade, e que logo se tornaram os documentos fundamentais da 
fé cristã. 
 
Se na atualidade pedirmos uma Bíblia numa livraria receberemos 
um só volume: um livro. Mas ao abri-lo encontraremos várias listas de 
livros do Antigo e do Novo Testamento. Normalmente se adjudicam 39 
livros ao Antigo Testamento e 27 ao Novo, para um total de 661ibros. 
Isso quer dizer que, ao comprar um exemplar da Bíblia, estamos na 
realidade adquirindo toda uma biblioteca dentro de duas capas. E se 
investigarmos com algum detalhe esta biblioteca portátil, acharemos que 
para escrevê-la foram requeridos, pelo menos, mil anos e que seus livros 
foram sendo redigidos nos dias do mundo antigo, da remota Babilônia 
até a Roma dos Césares. 
 
Se tivéssemos vivido então, jamais teríamos cometido o erro de ver 
a Bíblia como um só livro, pela simples razão de que o próprio livro, tal 
como hoje o conhecemos, ainda não existia. Na antiguidade, as obras 
literárias se escreviam em rolos. Nosso livro atual, primeiro chamado 
codex ou códice, veio aparecendo para o segundo século de nossa era. Os 
livros do Antigo Testamento foram escritos em couros; os do Novo 
Testamento começaram a ser escritos em papiros manufaturados com 
cana do rio Nilo. Este cana é uma variedade de junco que chega a crescer 
em maior altura que um homem e é mais grosso que um punho humano. 
A polpa do junco se cortava em lâminas que se acomodavam cruzadas ao 
longo sobre outras colocadas em longitude, eram umedecidas, calcadas, 
e logo se poliam com pedra pedra-pomes, até que ficava uma substância 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 20 
de cor café parecida com o papel. A palavra Bíblia procede do vocábulo 
grego biblos. No princípio chamava-se biblos ao junco para papiro. Logo 
o próprio papiro foi chamado biblos. Depois biblos chegou a significar o 
rolo de papiro já escrito, até que se fixou o nome de biblos para designar 
o livro. O papiro pode durar indefinidamente se for conservado seco, 
embora vá ficando cada vez mais quebradiço. 
 
O papiro não era barato. Cortava-se em folhas de 25 x 20 cms. As 
folhas mais comuns custariam o equivalente a US$ 0.03 dólares e as 
mais finas a US$ 0.15 dólares cada uma. Os preços poderiam parecer 
baixos, mas é preciso considerar que o salário do trabalhador equivalia a 
uns US$ 0.06 dólares diários. As folhas de papiro se uniam até formar 
uma banda longa à qual se aderia um rolo de madeira em cada extremo. 
Ao ir lendo, a tira se desenrolava com uma mão e se enrolava 
simultaneamente com a outra As colunas de escritura tinham de 6.2 a 7.5 
centímetros de largura. 
 
Durante o período intermediário que vai desde o desaparecimento 
do rolo à aparição do livro ou códice, os livros eram imprimidos em 
papiro. Mas o comum era escrever em pele de bezerro, também 
conhecida como virtulina charta. O pergaminho tinha tomado seu nome 
de Pérgamo, seu principal centro manufatureiro, e por isso também era 
chamado pergaméné carta. 
 
O papiro e o pergaminho têm a vantagem de ser muito duráveis, 
mas em conjunto representavam uma dupla desvantagem para os antigos: 
 
I. O rolo não podia ser usado sem ser desenrolado.Portanto, o rolo 
não podia ter mais de 9 metros de comprimento, onde quase não caberia, 
digamos, o evangelho de Lucas, ou o de Mateus, ou Atos dos Apóstolos. 
Por isso era impossível para os antigos conceber a qualquer dos dois 
testamentos bíblicos como um só livro. O Antigo ou o Novo Testamento 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 21 
teriam representado toda uma coleção muito custoso de rolos escritos. 
Ainda na primeira etapa do códice teriam sido necessários três ou quatro 
volumes para conter o Novo Testamento devido ao tipo de encadernação 
Para os antigos, a Bíblia era toda uma biblioteca, e eles estavam 
conscientes disso. 
 
II. A segunda desvantagem eram os altos custos do papiro e do 
copiado. A unidade de medida para o trabalho copiado era o stichos 
(stichoi no plural). Se o stichos teria sido contado como uma linha, não 
seria possível pagar, pois ficaria ao arbítrio do copista a quantidade de 
palavras que copiaria numa linha. O stichos tinha como base o 
hexâmetro típico de Homero, que constava de 16 sílabas. Portanto, o 
pagamento ao copista se calculava em stichoi. Há um manuscrito do 
Novo Testamento que data do século VI, chamado o Códice 
Claramontano, que anota o número de stichoi de cada livro. Por 
exemplo, Mateus tem 2.600, Lucas 2.900, Atos 2,600, Romanos 1.040, 
Colossenses 251, 2 João 20, e Apocalipse 1.200. O imperador 
Diocleciano fixou a tarifa por decreto. Segundo isto, copiar 100 stichoi 
custava entre 20 e 25 denários, aproximadamente uns US$ 0.06 dólares, 
ou seja US$ 1.65 dólares por cada cem linhas copiadas. Copiar um 
exemplar de São Mateus, por exemplo, custaria US$ 40.00 dólares mais 
o custo de papiro. Estes custos tão elevados se mantiveram assim até a 
aparição da imprensa. Só até então apareceu a Bíblia num só volume. O 
qual significou que antes disso só contadas pessoas podiam possuir a 
Bíblia completa. 
 
Vejamos agora como se formou a biblioteca divina do Antigo 
Testamento até tomar sua forma atual. 
Os judeus dividiam seus textos sagrados em três seções: a Lei, os 
Profetas e os Escritos. Tal classificação se remonta ao ano 180 a.C. 
Jesus Ben Siraque escreveu originalmente no hebraico um livro 
sapiencial que hoje conhecemos como Eclesiástico. Quarenta e oito anos 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 22 
depois seu neto, então vivia no Egito, traduziu-o ao grego considerando 
que era obra valiosa e digna de ampla difusão. No Prólogo que lhe 
escreveu faz referência aos ensinos da Lei, os Profetas e sucessores. 
Repete a referência à Lei e aos Profetas e "aos outros livros de nossos 
pais". 
 
A Lei é constituída pelos cinco primeiros livros do Antigo 
Testamento: Gênesis, Êxodo. Levítico, Números e Deuteronômio, 
conhecidos também como o Pentateuco, que em grego significa cinco 
rolos. 
 
Os Profetas são divididos em duas seções. Primeiro, os Profetas 
Anteriores, que abrangem os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis. 
contavam-se como quatro livros, pois 1 e 2 de Samuel e 1 e 2 de Reis 
consideravam-se um livro cada um. Nós vemos estes livros como 
históricos, mas para os judeus eram proféticos, devido em parte porque 
tratam a respeito de grandes profetas como Elias e Eliseu e, em parte, 
porque para os judeus Deus se revela na história tanto ou mais que nas 
palavras humanas. 
 
Em seguida colocava-se a seção de Profetas Posteriores: Isaías, 
Jeremias, Ezequiel e os doze chamados profetas menores: Oseias, Joel, 
Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, 
Zacarias, e Malaquias. O nome de menores não se deve a que sejam 
considerados inferiores ou menos profetas, mas ao fato de que suas 
profecias são menos extensas que as dos três primeiros. E visto que os 
doze menores sejam classificados como um só livro, os Profetas 
Posteriores eram contados também como quatro. 
Os Escritos são na realidade uma coleção miscelânea que se 
classificava de diversas maneiras. Uma delas incluía, primeiro, três 
livros poéticos: Salmos, Provérbios e Jó; segundo, os cinco megilloth 
(rolos), cada qual relacionado com um dos grandes festivais judeus, 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 23 
como segue: o Cantar dos Cantares, alegorizado até relacioná-lo com a 
libertação do Egito, associava-se com a Páscoa e era lido no oitavo dia 
da festa. Rute se relacionava com o Pentecostes (ou seja a celebração da 
colheita de frutos), por tratar-se de um idílio durante a temporada de 
colheitas; lia-se no segundo dia do Pentecostes. Lamentações era lido em 
9 de Abe, aniversário da destruição do templo de Salomão. Eclesiastes 
era lido no terceiro dia da Festa dos Tabernáculos, quando se 
comemorava a peregrinação pelo deserto: Durante esta celebração o 
povo abandonava seus lares e viviam ao ar livre, em choças de 
ramagens. A leitura do Eclesiastes tinha como objetivo enfatizar que se 
devia lembrar a Deus no meio da prosperidade material. O livro de Ester 
era lido na Festa de Purim, a que servia de razão e justificação. 
 
Estes cinco megilloth eram os únicos Escritos que se liam na 
sinagoga, e só nas celebrações mencionadas. 
 
Terceiro, havia um livro profético, o de Daniel. Finalmente vinham 
dois livros históricos, Esdras-Neemias considerados um só e Crônicas. 
 
Todos estes livros contavam como 24 para os judeus, cifra a que 
chegavam porque os classificavam assim: 
cinco livros da Lei; 
quatro livros dos Profetas Anteriores (1, 2 Samuel e 1, 2 Reis 
contavam como dois livros); 
quatro livros dos Profetas Posteriores (considerando os 12 
como um); 
onze livros dos Escritos (Esdras-Neemias e os dois de 
Crônicas vistos como um só livro) . 
 
Agora detalharemos como foi que adquiriram caráter de Escritura 
cada uma destas três seções do Antigo Testamento. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 24 
A Lei, para o judeu, era e continua sendo o mais importante do 
mundo; é o eixo do culto na sinagoga e a essência de toda verdadeira 
religião. A palavra lei não é a mais adequada em nosso idioma, porque 
tem uma conotação extremamente legalista. Mas a Lei judaica vai muito 
além das regras, regulamentações, proibições e mandamentos. Torah é 
como se chama no hebraico, e significa instrução mais que lei. A Torah 
vem sendo essa instrução que Deus comunica aos homens e que, ao 
obedecê-la estes, permite-lhes encontrar vida neste mundo e no 
vindouro. Sustentavam os judeus, que a Lei tinha sido criada antes do 
próprio mundo, e que Deus tinha consultado a Lei antes de criar o 
mundo. Afirmavam que com o advento pleno do reino de Deus os 
Profetas e os Escritos feneceriam, mas a Lei permaneceria para sempre. 
 
Sustentavam, além disso, que Deus tinha entregue literalmente e de 
própria mão toda a Lei a Moisés, e que ao principiar cada dia Deus 
apartava um tempo para estudar a Lei. Tinham o propósito de que a 
infância judaica "gravasse em sua alma" a Lei. Desde a infância eram 
instruídos nela, e foram muitos os judeus que preferiram morrer antes 
que perjurar dela, pois a consideravam nada menos que a própria palavra 
de Deus. A Lei, pois, era o centro de tudo; e embora o resto das 
Escrituras ocupava um lugar proeminente, contudo as tinham como um 
simples comentário da Lei. Esta er lida versículo por versículo, primeiro 
no hebraico, e logo era traduzido ao idioma da congregação. Como 
chegou a ocupar a Lei uma posição tão elevada? A seguir trataremos de 
reconstruir este processo. E embora seja uma reconstrução mais que 
fatos comprovados, ajusta-se aos fatos e é aceita pela maioria dos 
eruditos veterotestamentários. 
 
Existe um ponto de partida com relação à Lei, e bem dramático por 
certo. A religião judaica encontrava-se em condição bastante lastimosa. 
Depois que morreu o bom rei Ezequias, sucederam-no Manassés e 
Amom, os quais eram pouco menos que pagãos (1Rs 21) E cujos 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 25 
reinados combinados se prolongaram durante mais de meio século, 
deixando ao judaísmo em seu mais sob nível. Então, no ano 621 a.C.; 
subiu ao trono ojovem Josias e fez o reto aos olhos de Jeová". 
 
Entre outras coisas, Josias iniciou a reparação e reconstrução 
do abandonado Templo, e foi então quando o sacerdote Hilquias 
encontrou o livro da Lei na Casa do Senhor. Quando o rei e o povo 
leram a Lei, foram movidos ao arrependimento e à reforma, e foi assim 
como este livro veio a ser para eles a palavra mesma de Deus (1Rs 22-
23). Indiscutivelmente tratava-se do livro do Deuteronômio escrito por 
um profeta e sacerdote nos lôbregos dias de Emanasse e Amom, quando 
não havia liberdade de expressão, e o escondeu no Templo para que a 
seu tempo fora encontrado. 
 
Aqui se inicia o movimento inteiro. Por assim dizer, é a primeira 
vez que se canoniza um livro e se transforma em palavra de Deus para o 
povo de Deus. Além disso, foram recuperados outros fragmentos da Lei 
que se acrescentaram à coleção e foram tidos em alta estima. Entre eles 
estava a mais antiga exposição da Lei, também conhecida como o 
livrinho da Aliança, em Êxodo 34. Recuperaram, além disso, o próprio 
livro da Aliança, quer dizer, as condições que o povo havia aceito 
quando Deus o tomou como Seu povo e lhes prometeu que Ele seria o 
seu Deus. Isto se encontra em Êxodo 20:22-23:33, e em sua forma atual 
se remonta por ano de 900 a.C. 
 
Posteriormente, em meados do século VI a.C. foi acrescentada outra 
grande seção. A própria essência do judaísmo se acha na expressão; 
"Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo" (Lv. 19:2). 
Assim surgiu o chamado Código de Santidade. A expressão "santo". 
neste sentido significa "diferente". Deus é o ser excelsamente diferente, o 
absolutamente diferente, como também tem sido chamado. O povo de 
Deus, do mesmo modo, deve ser diferente: não viverá como o resto das 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 26 
nações, e aceitará o fato de que é um povo destinado a ser diferente. E o 
sumário da vida diferente que deve levar, encontra-se no Código de 
Santidade em Levítico 17-26. 
 
Aqui temos, pois, as grandes seções da Lei; a voz de Deus que 
agora chega de maneira mais completa e direta ao Seu povo. Trata-se do 
antigo livrinho da Aliança. e1libro da Aliança mesmo (Deuteronômio) e 
o Código de Santidade. 
 
Gradualmente vai-se integrando a Lei. Aqui é onde convém 
destacar algo que já vai emergindo, e é que não houve ninguém que se 
assentou a escrever intencionalmente um livro das Escrituras. Os livros 
que logo se formaram nas Escrituras, durante anos e séculos tinham 
vindo fortalecendo e ajudando o povo. Através das centúrias tinham 
demonstrado ser, nem mais nem menos, a palavra de Deus; por seus 
próprios méritos tinham estabelecido seu próprio direito a ser 
reconhecidos como a palavra de Deus à humanidade. O que depois 
constituiu as Escrituras não era nada novo para então, mas sim o tempo 
lhes tinha dado sua identidade como tais. 
 
Mas no Pentateuco temos algo mais que leis e instrução. Todo o 
material da Lei contido no Pentateuco está localizado dentro do contexto 
de uma narração que parte da criação do mundo até a entrada à terra 
prometida. Dentro desta narração sucedem alguns fenômenos 
extremamente interessantes. Ao estudá-la, descobrimos que se trata de 
um verdadeiro composto procedente de diversas fontes. 
 
Tradicionalmente é considerada como obra de Moisés, mas dali a 
pouco fica claro que houve outros participantes em seu desenvolvimento. 
A lista dos reis de Edom, que aparece em Gênesis, vem prolongada pela 
seguinte expressão: "São estes os reis que reinaram na terra de Edom, 
antes que houvesse rei sobre os filhos de Israel." (Gn. 36:31). Saul foi o 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 27 
primeiro rei de Israel, e viveu séculos depois de Moisés; pelo que mal 
poderia este fazer referência a rei algum de Israel. Gênesis 14:14 conta 
que Abraão perseguiu os seus inimigos "até Dã". Mas Dã não recebeu 
este nome até o tempo dos Juízes, depois da época de Moisés. Em 
Gênesis 21:34 e 26:14-18 menciona-se os filisteus, mas estes não 
aparecem senão muito tempo depois de Moisés, ao redor do 1200 a.C. A 
maior abundância, Deuteronômio 34:1-8 narra a morte de Moisés. E é 
extremamente improvável que Moisés tenha relatado sua própria morte! 
 
Assim como é indubitável que Moisés foi o grande legislador de 
Israel, é indisputável também que nos primeiros cinco livros do 
Antigo Testamento "colocou a mão" mais alguém que o próprio Moisés. 
Encontramos neles mais de uma narrativa e de um escritor. 
 
Há outros indícios de que se trata de uma narrativa com 
acrescentados. Frequentemente se acham duas narrações do 
acontecimento. Há duas crônicas da fundação de Berseba, uma 
relacionada com Abraão e outra com Isaque (Gn. 21:31 e 26.:33). Há 
duas histórias de como Betel obteve seu nome: segundo uma, Jacó a 
nomeou a caminho de Padã-Arã; segundo a outra, quando voltava de 
Padã-Arã (Gn. 28: 19; 35:15). Relata-se de duas maneiras a expulsão de 
Agar e Ismael: numa, o fato sucede antes do nascimento da criança (Gn 
16:6-16); e na outra, depois do nascimento de Ismael (Gn 21:9-21). 
 
Há duas versões da história da criação. Numa, o homem é criado 
ao terminar todo o processo criativo, quando o mar e os continentes, 
as plantas, os animais e as aves já tinham sido criados. Segundo esta 
versão o homem e a mulher foram criados simultaneamente (Gn. 1). Na 
outra (Gn. 2), o homem é criado no princípio do processo, logo o jardim, 
os animais e as aves, e logo a mulher é feita da costela do varão. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 28 
No relato do dilúvio se entretecem duas histórias sobre a arca. 
Numa delas entram sete casais de cada animal; na outra entram um par 
de cada um (Gn. 7:2-3; 7:8-9). Ao longo do Gênesis podem perceber-se 
duas versões, duas fontes e dois relatos lado a lado. O compilador do 
último formato é tão honesto, tão respeitoso de suas fontes, que quando 
conta com duas delas inclui ambas. 
 
Agora, em algumas ocasiões nota-se algo mais nesta compilação. O 
hebraico tem duas palavras para designar a Deus: Elohim e Iahweh 
ou Yahweh. A última tem grande interesse e importância, pois é similar à 
palavra Jeová, que é sua forma mais comum. No original hebraico não 
existem letras vocais, só consoantes; não foi senão até muito depois 
quando se acrescentaram pequenos sinais vocálicos sob as consoantes 
para indicar a pronúncia adequada. O nome de Deus se representa com 
as quatro consoantes hebraicas YHWH, que os judeus jamais se atrevem 
a pronunciar, por considerar que o nome de Deus é muito sagrado para 
ser articulado. 
 
Existe também a palavra Adonai, que significa Senhor. Os judeus 
tomaram as vogais de Adonai, e as anexaram às quatro consoantes 
sagradas YHWH de onde obtiveram a forma Jeová. Assim que a palavra 
Jeová compõe-se das letras YHWH soletradas com as vogais hebraicas 
da palavra Senhor, mas a forma genuína é Iahweh (Yahweh), 
impronunciável por ser tão sacrossanta. 
 
Nas versões inglesas do Antigo Testamento, Elohim é traduzido 
simplesmente como Deus, mas YHWH é traduzido Senhor, em 
versais e versaletes. Como em Gênesis 2:4-5.6. Ao examinar 
cuidadosamente estes antigos manuscritos, encontramos que em algumas 
seções se chama Deus, Jeová ou Jeová Deus, conforme proceda no 
original do Elohim ou Iahweh. Por exemplo, no princípio da Bíblia, no 
primeiro relato da criação, provém de Elohim e se chama Deus (Gn. 1:1-
Introdução à Bíblia (William Barclay) 29 
3), conquanto no segundo relato da criação é mencionado como Jeová 
Deus (Gn. 2:4-24). No relato da arca, onde os animais entram em casais 
simples, o mandato é dado por Deus (Elohim) (Gn. 7:9), e em que 
entram sete casais (7:1-2), por Jeová. De modo que, no princípio da 
Bíblia encontramos duas fontes entretecidas, numa das quais chama-se a 
Deus Elohim e em outra em que se chama Iahweh, que se traduz 
respectivamente como Deus e Jeová. Com o tempo, ambas as fontes 
chamam a Deus Jeová, Senhor, pois na fonte quecomeça chamando 
Elohim a Deus, achamos o conhecido relato em que Moisés descobre que 
Deus Se chama Jeová ("Eu sou aquele que sou". Ex. 3:13-16), que é a 
lição que Moisés recebe no misterioso incidente da sarça incandescente 
(Êx. 3:1-6). 
 
Fica, pois, de relevo que a Lei, o Pentateuco, não surgiu por geração 
espontânea. Levou-se séculos para gerá-lo. Constitui a essência destilada 
da voz de Deus à humanidade - de palavra e fato – através dos tempos. 
Aqui se concentra a voz de Deus em seu percurso pelos séculos: 
primeiro o livrinho da Aliança, seguido do livro maior da Aliança; logo 
Deuteronômio, logo o Código de Santidade, e finalmente o relato dos 
atos de Deus pelos homens, compilado por dois escritores distintos. 
Posteriormente tomam forma e se entretecem ambos os relatos com tal 
honestidade que nada se omite nem se muda; e, finalmente, culmina 
nessa maravilhosa amálgama de lei e história que, para os judeus, 
continua sendo a palavra de Deus, sem paralelo na terra. 
 
Mas fica pendente responder: Quando deixou a Lei de ser um 
simples livro maravilhoso para converter-se nas Escrituras? 
Quando deixou de ser um livro para converter-se na Bíblia? O que 
equivale a perguntar: Quando a seção mais antiga da Bíblia começou a 
ser considerada definitivamente como a palavra de Deus? Há três 
indicações que nos ajudam a fixar tal data. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 30 
I. Uma das grandes datas foi quando se traduziu ao grego o Antigo 
Testamento, crônica que deixamos para o Capítulo IV. No momento nos 
interessa somente a data em que apareceu a Septuaginta, que é como foi 
chamada a tradução grega do Antigo Testamento. Indubitavelmente 
trata-se de uma data importante. A esfera do Antigo Testamento ficou 
limitada só aos hebreus enquanto se manteve nesse idioma, mas quando 
foi traduzido ao grego converteu-se na posse de todo o mundo. A 
tradução teve lugar durante o reinado de Ptolomeu II, chamado Filadelfo, 
que reinou no Egito do ano 285 aos 246 a.C. A princípio só se traduziu a 
Lei, a única coisa que os judeus contemporâneos consideravam Escritura 
Sagrada. Isto nos permite asseverar que para o ano 270 a.C. a Lei 
certamente era considerada Escritura. Poderíamos remontar-nos ainda 
mais atrás? 
 
II. Até o dia de hoje, os samaritanos não aceitam como Escritura 
todo o Antigo Testamento, mas unicamente a Lei, o Pentateuco. O que 
significa que se segregaram do resto da nação quando a Lei era já 
Escritura, mas ainda não o era o resto do Antigo Testamento. Tal 
separação teve lugar aproximadamente no ano 400 a.C. Portanto, já para 
esta data a Lei era considerada como a palavra de Deus. 
 
III. Lendo Neemias 8-10, achamos que o escriba Esdras lê ao povo 
"o livro da Lei", e que o povo o aceita como a Lei de Deus e como lei 
para suas vidas. O qual sucedeu à volta do exílio. Daí em diante, os 
judeus seriam para sempre o Povo do Livro, e esse livro seria o livro da 
Lei. Isto também sucedeu pelo ano 400 a.C. 
 
Tudo indica que a Lei converteu-se em Escritura e ficou 
estabelecida como a palavra de Deus aos homens quatrocentos anos 
antes que Jesus viesse ao mundo como homem. Podemos, pois, dar por 
sentado, que a Lei, o Pentateuco, ou os primeiros cinco livros do Antigo 
Testamento, foram considerados como Escritura desde ano 400 a.C. 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 31 
Durante quase 2.400 anos os homens acharam a palavra de Deus nos 
livros da Lei. E deve haver algo excepcional num livro que guiou a 
humanidade durante séculos e milênios. 
 
Lembremos agora que começamos a história da formação do 
Antigo Testamento apontando que os judeus o dividiram em três seções: 
a Lei, os Profetas e os Escritos. Já vimos como a Lei foi compilada e se 
converteu em Escrituras para o ano 400 a.C., assim que agora 
concentraremos nossa atenção nos Profetas. Embora já vimos que para o 
judeu a Lei era sem comparação a parte mais importante das Escrituras, 
para a maioria dos atuais eruditos bíblicos os Profetas ficariam acima da 
Lei. Para a maioria de nós talvez constituam a coisa mais preciosa do 
Antigo Testamento, com exceção dos Salmos. Vejamos como os 
Profetas chegaram a ser também a palavra de Deus. 
 
Conforme vimos, os Profetas foram divididos em Anteriores e 
Posteriores. Os Anteriores compreendem os livros de Josué, Juízes, 
Samuel e Reis. Desconhece-se absolutamente quem escreveu estes 
livros. Nem sequer lhes foram adjudicados títulos tradicionais, tais como 
se adjudicaram a Moisés todos os livros da Lei. Mas a tradição judaica 
credita a Josué como o autor do livro deste nome, a Samuel como autor 
dos livros de Juízes e Samuel, e a Jeremias como autor dos livros dos 
Reis. Segundo o cômputo judaico, estes quatro livros foram terminados 
entre os séculos VI e V a.C. 
 
Poderia parecer estranho que se classifique como livros proféticos 
os compreendidos por nós entre os livros históricos, mas para isso 
existem duas razões. Primeira, estes livros falam dos grandes profetas 
que agiram antes de aparecerem os profetas literários; os profetas não 
literários, como Samuel, Natã, Elias e Eliseu, certamente dirigiram 
material profético. Segundo, os judeus levavam a história muito a sério. 
Consideravam que os eventos históricos revelavam nada menos que 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 32 
Deus em ação; para eles, a história era o cenário da atividade de Deus, e 
criam que Deus falava mediante os eventos históricos, os quais 
demonstravam a veracidade da mensagem profética. A história, enfim, 
para eles era a voz de Deus que, através das centúrias, proclama que o 
bem espera os justos e aos ímpios os espera o desastre. Parecia-lhes 
perfeitamente natural considerar profética à história, pois a viam como 
uma manifestação do governo de Deus. 
 
Ao considerar os Profetas Posteriores, os grandes nomes proféticos, 
é conveniente ter em mente um esquema cronológico enquanto os lemos, 
e conhecer o fundo histórico de seus escritos. 
 
Os primeiros destes profetas foram Amós e Miqueias, que 
apareceram a meados do século VIII, quando se aproximava a invasão da 
Palestina pelos assírios, e quando o reino de Samaria foi destruído para 
sempre em 722 a.C. Ambos os profetas sublinham a nota que do 
princípio ao fim constituirá a mensagem profética e o próprio coração de 
sua mensagem. Tal mensagem se sintetiza na bem conhecida expressão: 
proclamação do monoteísmo ético. O que significa isto? 
 
Comecemos pela palavra monoteísmo. O homem creu em Deus de 
três maneiras. A primeira delas se conhece como politeísmo. Polloi, em 
grego, significa muitos: theos, Deus ou um deus. Assim que politeísmo é 
a palavra que descreve a religião que tem muitos deuses. Este tipo de 
religião foi praticada pelos antigos gregos e romanos, e incluía Zeus, 
Apolo, Ateneu e Afrodite, entre outros deuses. É a fase dos muitos 
deuses. 
 
Segundo, o henoteísmo é a etapa em que se crê num só deus válido 
para um grupo, mas sem excluir os deuses dos demais. Considerava-se 
que cada país tinha um deus cuja influência se limitava ao território 
nacional, e ninguém negava que os deuses de outros países fossem 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 33 
igualmente reais e poderosos dentro de sua esfera de influência. Isso 
o compreendeu Jefté quando perguntou aos amonitas: "Não é certo que 
aquilo que Quemos, teu deus, te dá consideras como tua possessão? 
Assim, possuiremos nós o território de todos quantos o SENHOR, nosso 
Deus, expulsou de diante de nós" (Juí. 11:24). Aqui podemos notar que 
Yahweh era o único Deus para os hebreus, sem prejuízo de que Quemos 
fosse igualmente real para os amonitas. Nesta etapa cada nação tinha o 
seu próprio deus, e era o único verdadeiro para eles, mas isso não negava 
nenhum direito aos deuses de outras nações. 
 
Por último está a fé monoteísta: só há um Deus de todos os seres 
humanos; Deus deste universo e de qualquer outro universo existente ou 
por existir. 
 
Esta foi a mensagem inicialdos profetas: há um Deus e só um, e 
Israel deve ser-lhe fiel. Coisa nada fácil. Visto que cria-se que cada 
nação possuía seu próprio deus, quem chegava a um país estrangeiro 
levava. por assim dizê-lo, seu próprio deus e lhe construía ali um 
santuário. Isto foi o que sucedeu com Salomão, quando Israel se 
converteu em grande potência política: vieram as alianças estrangeiras 
que, com frequência, eram afiançadas casando o rei de um país com uma 
princesa do país aliado. Isso fez Salomão, e as princesas estrangeiras 
trouxeram os seus próprios deuses e deusas, contaminando assim a 
verdadeira religião com tantas crenças falsas (1Rs. 11:1-8). O 
monoteísmo parece algo perfeitamente natural na atualidade; mas 
naqueles dias constituía uma grande descoberta, que cabia aos profetas 
preservar. 
 
Mas estes grandes profetas não só ensinavam o monoteísmo, mas 
também o monoteísmo ético. Atualmente religião e moralidade andam de 
mãos dadas. Mas, por estranho que pareça, na antiguidade iam de mãos 
dadas religião e imoralidade. Citaremos três exemplos. Na antiguidade, 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 34 
quando alguém fundava uma cidade, levantava os primeiros alicerces e 
seus portais sobre o corpo sacrificado de seu próprio filho (1Rs. 16:34), 
No culto do deus Moloque se sacrificavam crianças (2Rs. 23:10). O culto 
de Baal era um culto à fertilidade; considerava-se que os baalins faziam 
crescer as sementes e maturavam as vinhas. Viam o sexo como a mais 
potente fonte de fertilidade. Por isso se somavam aos templos de baales 
muitas sacerdotisas que eram realmente prostitutas consagradas. O ato 
sexual, realizado com elas, constituía um ato de adoração. Estas 
"sacerdotisas" eram as prostitutas cúlticas condenadas por Oseias (4:14) . 
Os profetas tiveram que ensinar as pessoas que nem o mais elaborado 
ritual do mundo pode substituir a castidade pessoal, a justiça social e o 
amor para com o homem e para com Deus. A profecia de Amós foi 
considerada como "um clamor de justiça social", e um dos versículos 
bíblicos mais citados é o de Miqueias (6:6-8) onde se diz que Deus não 
quer sacrifícios senão que façamos justiça, amemos a misericórdia e nos 
humilhemos perante Ele. Isto constitui atualmente parte de nossa 
religião, mas foram sensacionais descobertas em tempos dos primeiros 
profetas. Foram eles os grandes monoteístas éticos, cujo tema era que há 
um só Deus, e que os verdadeiros sacrifícios são a castidade, a 
misericórdia e a fidelidade. 
 
No mesmo século VIII a.C. surgem dois dos grandes profetas 
antigos, que trazem consigo suas próprias ideias predominantes. Vimos 
que o grande clamor de Amós e Miqueias é sua insistência na justiça 
social. Mas Oseias é, acima de tudo, o profeta do amor. Ao falar de 
Deus, Oseias fala de si mesmo. Deus lhe ordenou tomar uma mulher da 
rua. fazê-la sua esposa, e tratá-la com amor. Mas ela abandonava o lar e 
voltava para sua vida passada; cada vez que ela voltava para casa, o 
profeta a recebia com um amor que jamais se deu por vencido. Oseias 
apresentava um argumento vivo: Se um homem pode amar assim, quanto 
mais pode Deus amar? 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 35 
Vimos, pois, a Miqueias e Amós com seu enfoque na justiça social 
e a Oseias com sua ênfase no amor. Mas ainda falta um dos grandes 
profetas do século VIII. O livro de Isaías conta com três seções, a 
primeira das quais, capítulos do 1 a139, pertence ao mesmo período. 
Isaías foi um aristocrata, amigo de reis, e a nota dominante de sua 
mensagem é a santidade. "Santo, santo, santo, é o SENHOR dos 
Exércitos" (Is. 6:3). Isaías sempre confronta os homens com o Deus 
santo, e sempre insiste em que nada pode substituir a justiça e o amor. 
Toda a cadeia de sacrifícios, novilúnios, sábados e preces são inúteis em 
si mesmas: 
Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; 
defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas (Is. 1:10-17). 
 
De modo que, cada um dos grandes profetas do século VIII tem seu 
tema dominante: Amós e Miqueias, a justiça social; Oseias, o amor; 
Isaías, a santidade. Ao lê-los é muito conveniente ter em mente o tema 
pessoal de cada um. 
 
Nos séculos VII e VI a.C. houve outro grupo de profetas que 
proclamaram a palavra de Deus à luz do momento que viviam, sempre 
interpretando seu momento histórico à luz do propósito de Deus. No 
ano 627 a.C., Sofonias viu na invasão cita proveniente do Este, o 
princípio do juízo que Deus tinha preparado para os assírios, moabitas, 
filisteus e também para Judá. Interpretou-a como advertência de que o 
Dia do Senhor estava perto. Simultaneamente, Naum ocupava-se em 
predizer graficamente a queda de Nínive. No momento pareceu como se 
Deus fosse intervir espetacularmente na história, mas o que sucedeu foi 
que surgiu outra grande potência: Babilônia. É então quando Habacuque 
questiona por escrito a causa da tardança de Deus, ao ver que as tiranias 
não faziam mais que suceder umas após outras. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 36 
Surgiram então dois dos maiores profetas, que descobriram o que 
teria que resgatar a religião judaica do colapso. Coube a Jeremias viver a 
queda de Jerusalém às mãos dos babilônios, no ano 586 a.C., enquanto 
que Ezequiel viveu com o povo o exílio em Babilônia, onde sonhava 
com uma nova ordem das coisas no futuro. Mas a maior contribuição que 
forneceram ambos os profetas foi estabelecer que a religião não só é de 
caráter nacional, mas também pessoal, e ainda mais que isso. 
 
Resulta-nos atualmente difícil compreender que precisaram 
transcorrer vários séculos para que o indivíduo emergisse como tal. Com 
antecedência, os seres humanos não se viam como indivíduos, mas sim 
como membros de um grupo, quer fosse a tribo, a família ou a nação a 
que pertenciam. Bom exemplo disto encontramos no Antigo Testamento 
em relação ao pecado de Acã. Apesar de que Deus tinha ordenado a 
destruição de todo o despojo na guerra com Jericó, Acã reservou algo 
para si. As consequências resultaram desastrosas para toda a nação 
Quando se descobriu que Acã era o culpado, tomaram junto com "seus 
filhos, suas filhas, seus bois, seus asnos, suas ovelhas, sua tenda e tudo 
o que tinha" e tudo isto foi destruído totalmente (Js. 7:1-26). O castigo 
recaiu sobre o grupo e não só sobre o indivíduo 
Na Austrália podemos ainda encontrar algo semelhante. Os 
aborígenes australianos são considerados entre os grupos mais primitivos 
que restam no mundo. Não faz muito ainda, se fosse perguntado a um 
deles seu nome, respondia com o nome de sua tribo: "Pertenço a tal 
tribo. ..." 
 
Quando alguém se vê como parte de um grupo, ao sobrevir um 
desastre nacional também se vem a rivalidade a fé. Mas quando se 
descobre que a relação com Deus não depende da pertinência a um 
grupo, senão de que se é uma pessoa, então a relação individual com 
Deus prevalecerá acima de todo conflito ou catástrofe coletiva Isto é 
precisamente o que descobriram Jeremias e Ezequiel: que o indivíduo 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 37 
está com relação a Deus não por ser judeu mas por ser pessoa. Foi assim 
como descobriram a religião pessoal que, como toda grande descoberta, 
foi algo simples mas como poucos, de suma importância. 
 
Surgiu por então o novo poderio persa, sobre o qual a segunda 
seção de Isaías tem algo extraordinariamente importante a dizer. Esta 
seção abrange os capítulos do 40 ao 55. Ciro, o caudilho persa, não só 
não tinha intenção de libertar os judeus do jugo babilônio, mas também é 
improvável que tivesse ouvido falar de Yahweh, ou que lhe desse 
alguma importância em caso de que assim teria sido. Mas Ciro ocupava 
um lugar no plano e propósito de Deus, e Deus Se refere a ele dizendo 
que "Ele é meu pastor e cumprirá tudo o que me apraz". Deus ungiu a 
Ciro e o toma pela "mão direita" (Is 44:28; 45:1). Ciro teria que libertar 
os judeus. Embora não o soubesse, ele era só um instrumento nas mãos 
de Deus. Eis aqui uma verdadeirafilosofia da história: toda a história 
está nas mãos de Deus, e até quem jamais tenha ouvido falar de Deus 
pode, sem o saber, ser servo e instrumento dEle. Com uma fé assim 
qualquer um pode enfrentar o mundo. 
 
Nesta porção de Isaías encontramos a figura do Servo Sofredor, que 
tanto influiria no pensamento neotestamentário e até no do próprio Jesus. 
A figura do Servo Sofredor culmina em Isaías 53, onde este é ferido por 
nossas rebeliões e moído por nossos pecados (v. 5). O perfil completo do 
Servo Sofredor encontra-se nos chamados Quatro Cânticos do Servo (Is 
42:1-4: 49:1-7; 50:4-9; 52:13–53:12). Observe-se que os verbos-chave 
de Isaías 53, até o versículo 10, estão no tempo pretérito. É porque 
descrevem a alguém que o profeta sabe que sofreu, mais que alguém que 
devia vir. É verdade que às vezes o profeta estava tão seguro de seu 
anúncio que se referia a Ele como algo já efetuado, embora Isaías 53 não 
deveria ser lido dessa maneira. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 38 
Segundo Isaías 53, quem é aquele que sofre? Esta pergunta sempre 
tem fascinado e evitado os eruditos. Parece-me que quem melhor trata o 
tema é C. R. North, em seu livro The Suffering Servant in Deutero-Isaiah 
(O Servo Sofredor em Deutero-Isaías) North relata que S. R. Driver, 
eminente estudioso do Antigo Testamento, pensava escrever um 
comentário sobre Isaías, mas desistiu de fazê-lo perante o emaranhado 
labirinto de interpretações que existem em torno do servo. 
 
Será este servo o próprio Isaías, quem segundo a tradição judaica 
sofreu o martírio e foi sepultado na tumba de um criminoso? Assim 
parece tê-lo pensado o eunuco etíope (At 8:34). Ou se referirá a 
Jeremias, quem se vê a si mesmo como "manso cordeiro, que é levado ao 
matadouro" (Jr. 11:19)? Ou será Joaquim descrito pela tradição judaica 
como aquele que se entregou a Nabucodonosor em sacrifício para salvar 
Jerusalém da destruição (2Rs. 24:8-20)? Ou, em vez disso, refere-se a 
Zorobabel, quem depois de jogar papel preponderante no exílio 
desaparece misteriosamente da narração (Ag. 1:1, 12, 14; 2:21-23; Zac. 
4:6-10)? Ou, é o Servo a própria nação de Israel, que sofre em redenção 
por seus pecados e os do mundo? Não sabemos. Mas o que sabemos, 
sem lugar a dúvida, é que a figura do Servo Sofredor se realizará 
absolutamente em Cristo. Em todo o Novo Testamento Jesus vai sendo 
identificado com o Servo Sofredor (At. 3:13; 3:26; 4:27,30: 8:26-35; Mt. 
8:14-17; 12:14-21; Lc. 22:37; 2Co. 5:21; 1Pe. 1:19; 2Pe. 22:25). 
Nenhuma figura do Antigo Testamento se acha tão incrustada no Novo, 
como esta do Servo Sofredor do Segundo Isaías. 
 
Encontramos, depois que Assíria e Babilônia passam à história, que 
uma nova potência mundial aparece no cenário. Trata-se da Pérsia, a 
quem cabe a vez de dominar os acontecimentos. Para os judeus isto se 
reveste de grande importância, pois os persas lhes permitiram retornar a 
Jerusalém depois do cativeiro em Babilônia. E a fins do século VI e 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 39 
durante o século V se apresentam Ageu e Zacarias, animando-os a 
reconstruir o Templo em ruínas e a tratar de restaurar a glória perdida. 
 
Também se encontra ali Obadias, quem recrimina a Edom porque 
permaneceu indiferente perante a escravidão dos judeus. Além disso, 
está Joel, quem anima o povo em momentos difíceis, assim como 
Malaquias os estimula a restaurar o ardor de uma fé que tinham deixado 
esfriar. Quando a devoção decaiu, o povo tratou de substituir a Deus 
com cultos inferiores e ofertando o mais barato e comum ao seu alcance 
(Ml. 1:6-14). E quando o desânimo e o desespero reinam., Malaquias 
trata de avivar em seus corações o fogo da devoção. 
 
Resta mencionar o livro do profeta Jonas. Embora pequeno, é 
um dos mais grandiosos do Antigo Testamento, porque demanda dos 
judeus o abandonar seu exclusivismo. Chama-os a levar a palavra de 
Deus aos gentios, a alegrar-se quando eles também aceitam a mensagem 
de salvação, e a crer que mesmo Nínive pode ser salva igualmente, se ela 
se arrepender. No Antigo Testamento Jonas é o livro missionário por 
excelência e, talvez, um dos últimos, pois provavelmente data do século 
IV a.C. 
 
Agora nos cabe perguntar quando foi que os livros proféticos 
deixaram de ser meras joias da literatura devocional para fazer parte das 
Escrituras. 
 
I. Cabe aqui a mesma observação que fizemos a respeito de outros 
livros do Antigo Testamento. Muito antes de que fossem parte integral 
da Escritura já eram conhecidos, utilizados e amados. Já tinham 
demonstrado o seu poder para iluminar a mente, e para consolar e 
fortalecer o coração, o que lhes valeu um lugar nas Escrituras. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 40 
Foi durante o exílio quando as obras dos profetas chegaram a 
ser conhecidas e amadas, em virtude de duas razões: anunciaram a sorte 
que aguardava o pecador, o desobediente e aquele que abandona o 
caminho de Deus para seguir seus próprios caminhos. Isto se cumpriu ao 
pé da letra e agora o povo conhecia de sobra o que esperava a uma nação 
que desatendia a voz de Deus. Cumpriu-se o anúncio dos profetas, mas 
a mensagem profética não terminou ali. Assim como tinham proclamado 
uma mensagem de condenação para o desobediente proclamavam 
também outra mensagem de esperança para o penitente. E os judeus 
estavam convencidos de que assim como se cumpriu a condenação, 
também veriam realizar a esperança. Em seu livro How to Read the Bible 
(Como ler a Bíblia), F. C. Grant assinala o processo seguido pela 
mensagem profética: 
 
a) Seus pecados estão por encontrar você: é seguro que a justiça lhe 
sobrevirá ... logo. 
b) Embora o castigo de Deus seja severo, Ele continua preocupado 
por aqueles a quem castiga, pois o Seu propósito não é aniquilar, mas 
antes, salvar. 
c) Nesta última hora, antes de que o juízo o alcance, arrependa-se! 
Se você o fizer, Deus suspenderá a ameaça de castigo e restaurará ao seu 
favor. 
d) Deus, quem certamente conhece tudo o que tem que passar, 
sabe também que há de sobreviver um pequeno remanescente de 
arrependidos, à maneira do toco de uma árvore. Destes brotos ele poderá 
levantar de novo a nação ou família da Aliança, que tenha escolhido. 
 
Ou seja, que a mensagem profética se compunha de ameaça e 
promessa em partes iguais, de catástrofe e resgate de meia-noite e 
amanhecer. Os judeus, pois, liam e estudavam os profetas e deles 
recebiam fortaleza; sabiam que se tinham razão quanto ao juízo, tinham 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 41 
também razão quanto à anunciada restauração. Nos dias de maior 
tribulação acharam esperança profética. 
 
II. Mas houve outro fator que contribuiu para outorgar lugar 
destacado a esta literatura profética. Era considerada um grande exemplo 
de uma voz que tinha sido silenciada para sempre. Já não havia quem 
dissesse: "Assim diz o Senhor". Como dizia nostalgicamente o Salmista: 
"Já não vemos os nossos símbolos; já não há profeta; nem, entre nós, 
quem saiba até quando" (Sl. 74:9). Pelo menos na época de Zacarias, já 
se considerava um enganador a quem pretendia ser profeta: "Quando 
alguém ainda profetizar, seu pai e sua mãe, que o geraram, lhe dirão: 
Não viverás, porque tens falado mentiras em nome do Senhor; seu pai e 
sua mãe, que o geraram, o traspassarão quando profetizar" (Zc. 13:3). E 
até nos Apócrifos se lê: "Foi esta uma grande tribulação em Israel, 
qual não tinha havido desde o dia em que não mais aparecera um profeta 
no meio deles" (1Mc 9:27, Bíblia de Jerusalém). E acrescenta, à eleição 
de Simão como príncipe e sumo sacerdote, que isso era "até que surgisse 
um profeta fiel" (1Mc. 14:41, BJ). Esperariam, pois, "à espera de que 
viesse algum profeta que se pronunciasse a esse respeito" (1Mac. 4:46, 
BJ). A princípios do século IV a.C. os profetas já pertenciam ao passado 
esplendoroso, cuja voz se apagou para sempre, o que lhes outorga uma 
grandeza inigualável. 
 
III. Sóé possível deduzir a partir de quando as profecias eram 
consideradas parte das Escrituras. No segundo livro dos Macabeus 2:13, 
diz-se que Neemias "tinha reunido uma biblioteca e posto nela os livros 
dos reis, dos profetas e os de Davi e as cartas dos reis sobre as ofertas". 
Sempre foi parte da tradição judaica que Esdras teve grande participação 
na formação da coleção escriturística. Embora simples tradição, bem 
poderia ser que para então, 400 a.C., os escritos proféticos estivessem já 
colecionados e organizados. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 42 
Há, entretanto, algo que nos poderia dar uma pista razoável. 
Evidentemente o livro de Daniel é profético, pois prediz o futuro. O 
estranho é que os judeus nunca o classificaram entre os livros proféticos, 
mas sim entre os Escritos. Isto indicaria que Daniel apareceu quando 
a lista dos profetas foi enclausurada, pois de outra maneira ele teria sido 
incluído nela. Visto que o livro de Daniel deve datar-se para o ano 165 
a.C, poderíamos assumir como provável que, para então, já se tinha 
fechado a lista de nomes dos profetas. De modo que, existe a 
possibilidade de que os profetas tenham sido considerados como 
Escritura ao redor do ano 200 a.C. 
 
O Antigo Testamento foi integrando-se lentamente e ganhando a 
aceitação irrefutável por causa de ser muito evidente sua inspiração. Para 
o ano 400 a.C. a Lei já era considerada Escritura Sagrada e 
provavelmente para o ano 200 a.C. os Profetas formavam par com a Lei. 
Só resta que vejamos como alcançaram a mesma posição os Escritos e 
neles focaremos agora nossa atenção. 
 
Vimos que os Escritos constavam de onze livros: Salmos, 
Provérbios, Jó, Eclesiastes, Cantar dos Cantares, Rute, Lamentações, 
Ester, Esdras-Neemias, Crônicas e Daniel. Os Escritos não constituem 
um grupo unificado e homogêneo como os da Lei e os Profetas. Mais 
parece uma coleção miscelânea que se chegou a ver como livros 
isolados. Nunca alcançaram a posição dos outros dois grupos. Alguns se 
liam em algumas ocasiões especiais na sinagoga mas não de maneira 
regular e sistemática como a Lei e os Profetas. Quando os judeus 
falavam de suas Escrituras tinham em mente a Lei e os Profetas. Cristo 
declarou que não tinha vindo para destruir a Lei e os Profetas, e sim para 
cumpri-los (Mt. 5:17), sustentou que a Lei e os Profetas residem no 
princípio de fazer aos outros como queremos que nos façam a nós (Mt 
7:12). A Lei e os Profetas antecediam a vinda do Reino (Lc. 16:16), 
foram precisamente Moisés e os Profetas os que Cristo explicou e 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 43 
interpretou a caminho de Emaús (Lc. 24:27), e são eles os que se leem na 
sinagoga (At. 13:15). Se alguma outra seção for acrescentada às 
Escrituras no Novo Testamento, essa seção é a Lei, os Profetas e os 
Salmos (Lc. 24: 44). 
 
Nos Escritos há um pouco de tudo. Em How Came the Bible? 
(Como Veio a Bíblia?), E. J Goodspeed os divide assim: 
Discussão filosófica da religião: Jó e Eclesiastes; 
Lamentos: Lamentações; 
Cantos de amor: Cantares; 
Relatos: Rute e Ester; 
História sacerdotal: Crônicas. 
 
Em How to Read the Bible (Como ler a Bíblia), F. C. Grant 
distingue neles: 
Poesia: Jó, Salmos, Cantares e Lamentações; 
Sabedoria: Eclesiastes e Provérbios; 
Narrações: Ester e Rute; 
Profecia: Daniel; 
História: Esdras- Neemias e Crônicas. 
Os Escritos constituem a literatura religiosa de toda uma nação, e 
nela foram ganhando seu lugar, não como um todo, mas sim ocupando 
seu lugar um por um. 
 
Mas antes teríamos que nos perguntar como é que alcançaram a 
categoria de Sagradas Escrituras. Vimos visto que a partir do século IV 
a.C. os judeus tinham a convicção de que a voz de Deus havia cessado. 
O que equivaleria a dizer que qualquer livro posterior a Esdras não tinha 
possibilidade de incorporar-se às Escrituras por estar fora do período 
considerado de inspiração direta. Os rabinos chegaram a uma conclusão 
bastante estranha a este respeito 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 44 
Se o autor de um livro era conhecido, mas se sabia que o que tinha 
escrito caía fora do período de inspiração, então sua obra não podia ser 
incluída na lista de Escritura Sagrada. Isto sucedeu com o livro 
Eclesiástico, que é um livro formidável e cuja omissão do cânon foi 
lamentada por muitos. Foi escrito por Jesus Ben Siraque, ao redor do ano 
180 a.C. e traduzido ao grego por seu neto em 132 a.C. Tanto o autor 
como a data eram conhecidos, e portanto foi eliminado do cânon. 
 
Por outro lado, os rabinos sustentavam que se o livro era de autor 
desconhecido e tinha suficiente validez religiosa para aspirar ao cânon, 
então podia ser-lhe lhe atribuído qualquer das figuras consagradas dentro 
do período de inspiração. Em consequência, visto que ninguém sabia 
quem tinha escrito Rute, foi atribuído a Samuel, Lamentações a 
Jeremias, Provérbios e Eclesiastes a Salomão, Jó a Moisés, Cantares 
a Salomão (ou pelo menos ao período de Ezequias). Todos os Salmos se 
adjudicaram a Davi, mesmo quando a metade do livro diz muito 
claramente: "Aqui terminam as orações de Davi, filho de Jessé" (Sl 
72:20). Esdras e Neemias foram atribuídos a Esdras, quem adquiriu uma 
posição única na tradição judaica. Os rabinos afirmavam que "A Torah 
foi esquecida por Israel até que Esdras veio de Babilônia e a 
restabeleceu". Acrescentavam que, se a Lei já não tivesse sido dada por 
Moisés, Esdras teria sido o indicado para recebê-la. Já retomaremos o 
lugar de Esdras na tradição. Realmente foi muito afortunado que os 
rabinos judeus tenham encontrado a maneira de preservar estes livros, 
pois de outra maneira poderiam ter desaparecido. 
 
Agora assomamos ao processo que conduziu a que estes Escritos 
fossem reconhecidos como Escrituras canônicas, e logo os 
consideraremos um por um. Há cinco evidências fragmentárias que se 
combinam para nos proporcionar a data. 
 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 45 
I. Já mencionamos a citação em 2 Macabeus 2:13, que fala da 
biblioteca fundada por Neemias e de como colecionou os livros sobre os 
reis, os profetas e os escritos de Davi. Se for possível considerar esta 
data como histórica, então podemos afirmar que Neemias começou a 
colecionar os Salmos e assim pôs a base para essa seção das Escrituras 
que depois foi conhecida como os Escritos 
 
II. Também fizemos referência ao prólogo que escreveu o neto de 
Jesus Ben Siraque quando traduziu ao grego o livro escrito por seu 
avô. Em tal prólogo faz menção aos grandes e ricos tesouros de instrução 
e sabedoria transmitidos pela tradição, incluindo a Lei e os Profetas e os 
livros de seus seguidores. Fala de como seu avô tinha estudado a Lei, os 
Profetas e os livros de nossos antepassados. Fala da Lei, os Profetas, e 
outros livros. Nunca emprega o termo de Escritos para designá-los, mas 
é evidente que para ele havia uma adição à Lei e os Profetas, quer dizer, 
uma terceira seção das Sagradas Escrituras. 
 
III. Deste modo mencionamos que Lucas 24:44 fala de que Jesus, 
depois da Ressurreição, explicou aos Seus discípulos o que a Lei, os 
Profetas e os Salmos diziam dEle. 
 
IV. No livro apócrifo 4º. de Esdras, que nas edições dos livros 
apócrifos aparece como 20 de Esdras, há um relato (Capítulo 14) 
extremamente fictício da obra de Esdras. Para então já se perdeu a Lei e 
Esdras tinha sido designado por Deus para restaurá-la. Segundo este 
relato, Esdras foi levado a um campo, junto com outros cinco homens, e 
ali lhe deu de beber, numa cálice, um líquido que ardia como fogo. 
Durante quarenta dias e quarenta noites, Esdras ditou sem parar aos 
cinco escribas até completar noventa e quatro livros. Então, segue a 
lenda, o Altíssimo lhe disse: "Publica os vinte e quatro livros que 
escreveu primeiro e deixa que todos os leiam, sejam dignos ou não de lê-
los. Mas conserva os setenta que escreveu por último, para dá-los aos 
Introdução à Bíblia (William Barclay) 46 
sábios de seu povo". Certamente,

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