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liberdade provisoria - covid - trafico privilegiado

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Bárbara Guilherme
OAB/MG 135.326
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CENTRAL DE FLAGRANTES DA COMARCA DE BELO HORIZONTE - MG 
PROCESSO DISTRIBUIDO POR DEPENDÊNCIA 
PEDRO VINICIUS JUNIOR DA SILVA, Solteiro, nacionalidade Brasileira, natural de RIO CASCA, nascido(a) aos 23 de Setembro de 1998, filho(a) de SIMONE ALVES DA SILVA e PEDRO RODRIGUES BONIFACIO, RG nº 20249071 /SSP, CPF nº 02106668627, Ensino médio incompleto ( 2º grau), ESTUDANTE, com endereço no(a)RUA GILSON MIRANDA, 75, Nº CERTO 77, bairro NOVO ARÃO REIS, BELO HORIZONTE - MG, CEP 30000000, por sua advogada infra assinado, vem respeitosamente, à presença de V. Exa., requerer
LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA C/C PRISÃO DOMICILIAR
com fundamento no art. 5º, LXVI da Constituição Federal e art. 310, parágrafo único do Código de Processo Penal, pelos motivos que passa a expor:
Em data de 19 de Fevereiro de 2021, por volta das 22h e 48min, que durante operação policial no bairro Novo Aarão Reis na rua Cinquenta"A", abordou PEDRO VINICIUS JUNIOR DA SILVA, ao retornar do beco, atirando ao solo 01 (uma) pedra amarelada com características de crack, em uma busca pessoal ainda foi localizado no bolso da bermuda mais 03(três) pedras com as mesmas características que aquela dispensada.
Indagado negou envolvimento com tráfico de drogas, que instantes antes de ser abordado um outro indivíduo que estaria dentro do beco havia corrido em direção a um matagal, que este indivíduo seria conhecido na região por Neném.
Informa ainda ser apenas usuário, nega comercializar entorpecentes, esclareceu que no local onde estava tinha mais pessoas, e que os militares abordaram outras pessoas que ali estavam, não sendo conduzido os demais. 
Certo que os militares na abordagem dos demais transeuntes teriam o dever de conduzir todos, com intuito de preservar a verdade dos fatos, podendo os que ali se encontravam serem testemunhas das alegações policiais.
Deixando margem da dúvida, quanto a comercialização de entorpecentes, pois alega o flagranteado que após conversa com o “suposto” traficante foi liderado pelos policiais e não relatou o nome do traficante, por temer sua vida.
Ao iniciarmos a leitura do artigo 302 do CPP, o qual nos apresenta as espécies de prisão em flagrante, encontramos quatro situações, cada qual com suas especificidades e requisitos de validez, a seguir enunciadas:
“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”   
Ao partirmos para a análise específica do inciso II, art. 302 do CPP, vemos situação bastante peculiar, em que não pode o autor da conduta criminosa se afastar do local da prática do crime, entendimento apresentado por Renato Brasileiro de Lima:
“A expressão “acaba de cometê-la” deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de absoluta imediatidade (sem qualquer intervalo de tempo). Em outras palavras, o agente é encontrado imediatamente após cometer a infração penal, sem que tenha conseguido se afastar da vítima e do lugar do delito”
Seja como for, quer se trate de flagrante próprio, quer de flagrante impróprio ou de flagrante presumido, a consequência jurídica será sempre a mesma: ô recolhimento à prisão, comunicando-se imediatamente o juiz competente, o Ministério Público e a família do preso ou pessoa por ele indicada (art. 306, CPP). 
DA INCONSTITUCIONALIDADE NO CASO CONCRETO:
O Direito Penal, segundo as modernas teorias do Direito, deve ser a ultima ratio, e deve ser chamado apenas para tutelar ofensa a bens jurídicos relevantes. É evidente que a vida do usuário de drogas que está se mutilando é um bem jurídico relevante, porém este bem é dele, e só a ele pertence. Utilizando drogas, o maior prejudicado é o usuário, e puni-lo é desarrazoado, pois seria apenas mais uma punição.
Neste sentido cumpre salientar de que o viciado em drogas é uma vítima do tráfico de drogas, e como tal não merece punição por sua conduta, mas sim tratamento.
A lei 11.343/06 trata de forma mais branda o porte para uso de drogas, conforme dispõe o artigo 28, in verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Luiz Flávio Gomes, em seu ministério classifica este tipo como uma infração penal sui generis, pois foge ao conceito de crime, que exige uma pena para sua configuração.
Um tema relevante ao Direito, sobre o artigo em questão, é sua inconstitucionalidade, por afronta aos princípios constitucionais.
Neste sentido, é relevante o ministério de Cristiano Avila Maronna:
Para além da demonização de certas substâncias, não é mais possível à ciência jurídica ignorar a existência de um antagonismo evidente entre a destinação pessoal do consumo e a proteção jurídica à SAÚDE pública: se o consumo é pessoal, afeta a saúde individual. Não há alteridade, apenas autolesão, o que inviabiliza a atuação do Direito Penal. Nullum crimen nulla poena sine iniuria.
(...)
Por todo o exposto, não há mais como prevalecer o vetusto – e equivocado – entendimento de que o consumo pessoal de drogas afeta a saúde pública. 
Tratando-se de conduta autolesiva, não há espaço para a intervenção penal. Por isso, o art. 28 da Lei 11.343/2006 é inconstitucional.
Diante do exposto, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 28 neste caso em concreto, uma vez que a conduta do réu consiste em autolesão, não tutelada pelo direito penal.
DO ESTADO DE TOTAL DEPENDÊNCIA QUÍMICA DO ACUSADO
Primeiramente é importante destacar que o conduzido é VICIADO, - sendo que a própria quantidade da substância apreendida, conforme laudo preliminar de constatação é ínfima. 
Ademais, não existe prova que o acusado comercializava substâncias entorpecentes, apenas, pode-se concluir por tudo que se verificou no escorço probatório de que o acusado é na realidade usuário.
Não se vislumbra nos autos, qualquer tipo de finalidade de tráfico de droga. 
Portanto, pela lógica processual, provas e elementos que indicam insegurança a atitude do réu em relação à mercancia, pequena quantidade encontrada com a mesmo, lucidez no interrogatório do réu, que em momento algum assumiu a autoria deste tipo de crime, e pela sua vida pregressa, ou seja, não existem registros e muito menos notícia de que seja traficante de tóxicos.
O magistrado Guilherme de Souza Nucci adverte:
O disposto no Art. 28, parágrafo 2.° da lei 11.343/2006, não difere, na essência, da previsão feita no antigo Art.37 da Lei 6.368/76. Para distinguir o crime de tráfico ilícito de entorpecente do simples porte para uso nunca foi tarefa fácil e continuará a ser árdua atribuição do magistrado. Ilustrando, a conduta trazer consigo consta tanto do Art.33 quanto do art.28 desta lei. Se a redação de cada tipo penal fosse devidamente aprimorada seria desnecessária a previsão feita no Art. 28 parágrafo 2.°. Enquanto isso não ocorre, é fundamental que se verifique, para a correta tipificação da conduta, os elementos pertinentes à natureza da droga, sua quantidade, avaliando local, condições gerais condições gerais, circunstâncias envolvendo a ação e a prisão, bem como a conduta e os antecedentes do agente.”
 
Sabe-se que a quantidade de droga não deve ser analisada, pois, o que caracteriza o crime de tráfico é a DESTINAÇÃO DO TÓXICO para a venda, fato que não se comprova nos autos, pelo que a descaracterização desse crime é medida de justiça e sapiência. Para a cominação da infração penal, deve ser adotado critérios valorativos que para efeitosdidáticos juntamos abaixo:
Para a distinção entre o traficante e o usuário, o Art. 37 da Lei 6.368/76 prevê a tipificação do infrator após a adoção de vários critérios valorativos– dentre eles a quantidade da substância entorpecente apreendida e a maneira como ela está acondicionada – não havendo, no entanto, hierarquia de valores”(Ap.1.0024.04.195574-1, rel. Paulo Cézar Dias, 22.03.2005 DJ 04.05.2005).
Nesse ínterim, tarefa árdua para os magistrados verificarem a diferença entre o traficante do usuário estabeleceu o preceito normativo!
Importante colacionar o entendimento da Egrégia Corte – Superior Tribunal de Justiça  acerca da inconstitucionalidade da regra que proíbe a conversão da pena do art. 33 da Lei 11.343 em penas restritivas de direito, conforme se pode extrair do informativo oficial daquela Colenda Corte verbis:
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento de uma arguição de inconstitucionalidade que, sendo acolhida, poderá permitir a conversão de penas de prisão aplicadas a condenados por tráfico de drogas em penas restritivas de direitos. O relator do habeas corpus que debate a questão, ministro Og Fernandes, votou no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade material de expressões contidas nos artigos 33 e 44 da nova Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343/2006). 
Nesses artigos consta que, ao condenado pelos crimes previstos naquela norma, é vedada a conversão em penas restritivas de direitos, ainda que esta tenha sido fixada em menos de quatro anos. O julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do ministro Ari Pargendler, para melhor exame do caso. O ministro Og Fernandes concluiu que a proibição à substituição viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena e da proporcionalidade. Para o ministro relator, permitir a conversão da pena não é uma chancela à impunidade. Para ele, distinguir o grande traficante daquele que comete o crime para sustentar o vício tem sido um desafio para os magistrados aplicarem com justiça penas pelos crimes relacionados ao tráfico de drogas, sendo oportuno diferenciar a punição que cabe a cada um. 
As penas restritivas de direito, “apelidadas” de penas alternativas, existem no Brasil desde 1984. Entre elas estão a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos, a limitação de fim de semana, a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. 
O ACUSADO É USUÁRIO, PRIMÁRIO, POSSUI TRABALHO LICITO, TEM RESIDÊNCIA FIXA, NÃO FAZ PARTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, sendo justificada a ilegalidade de sua prisão.
Assim ocorre a inconstitucionalidade da Lei quer por violação do Princípio do Estado Democrático de Direito (art. 1° da Constituição), quer por violação do princípio de presunção de inocência. Daí, e ainda por força do § 2° do art. 5°, deriva o princípio constitucional da proibição de excesso, cujo conteúdo essencial deve enteder-se como referido não ao direito, mas ao preceito constitucional, sendo que mesmo admitindo-se a anulação do direito subjetivo de certo indivíduo em determinadas circunstâncias, nunca esta restrição poderá ser absoluta, ou seja, a Lei Ordinária pode não admitir a liberdade provisória quando confrontada com o caso concreto, não pode, porém, vedá-la em caráter genérico. Já quanto a presunção de inocência, a inconstitucionalidade se dá quando a norma confere à prisão preventiva funções de defesa social, com fins de exemplaridade, pois estaria, na prática, transferindo o efeito intimatório e repreensivo da pena para a prisão preventiva, o que é absurdo.
Amplo é o repertório jurisprudencial no que concerne às inconstitucionalidade. Conforme jurisprudência:
"Lei 8.072/90 - Crimes hediondos, prática de tortura, tráfego ilícito de entorpecentes e terrorismo - Insuscetibilidade de indulto e liberdade provisória, pela presumida periculosidade dos agentes, prevista no art. 2°, I e II, "in fine" - Vedação insubsistente, por contrariar os incs. XLII, LXVI, LIV, LV e LVII do art. 5° da cf (respectivamente: proibição apenas da graça e da anistia; princípio da liberdade provisória; princípio do devido processo legal; princípio do contraditório e da ampla defesa; princípio da presunção de inocência) - Declarações de votos." (RT 671/323).
Vejamos, porém, o art. 310 do Código de Processo Penal:
Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:           
 I - relaxar a prisão ilegal; ou           
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou              
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança
Parágrafo único.  Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação
Pois bem, de acordo com este artigo, somente poderá ser preso o agente quando presentes os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, quais sejam:
"... garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente da autoria.
Ocorre, Excelência, que a prisão do requerente não se enquadra em nenhum dos pressupostos acima elencados, como bem pode-se notar dos autos de prisão em flagrante.
DO PEDIDO
Ante o exposto, requer liberdade provisória sem fiança do artigo 33 da Lei 11343/06, com a expedição do devido alvará de soltura.
Caso assim não se entenda, desde já postula também a concessão da liberdade provisória cumulada com as medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, uma vez que a prisão é a ultima ratio a ser seguida pelo julgador.
Assim não entendendo Vossa Excelência seja concedido ao peticionário, a prisão domiciliar conforme PORTARIA CONJUNTA nº19/PR-TJMG/2020 e CONSIDERANDO O Decreto de Emergência com numeração especial 113 de 12 de março de 2020.
Por tudo, requer a intimação do Ilustre representante do Ministério Público, nos termos da lei.
Requer ainda prazo para juntar procuração.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Belo Horizonte, 20 de fevereiro de 2020.
BÁRBARA GUILHERME FERNANDES DE SOUZA
OAB/MG 135.326
 
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