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AS VILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS Arquitetura e as relações urbanas nos Núcleos Habitacionais Ferroviários Marcelo de Morais D i s s e r t a ç ã o de M e s t r a d o Apresentada ao programa de Pós-Graduação: Tecnologia do Ambiente Construído, Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Professor Orientador: Dr. Nabil Georges Bonduki São Carlos, Dezembro de 2002 2 EPÍGRAFE “A história deve ser o ponto de partida de todo projeto arquitetônico. Um projeto não pode nascer do nada. Sem o componente histórico, não passa de um objeto isolado. Sem passado, não é possível pensar no futuro. O passado é a memória do homem, com todas suas fantasias e esperanças. E a arquitetura é o receptáculo da história, o território da memória do homem. Os monumentos, os templos, os palácios do passado, tudo isso faz parte da história da arquitetura, testemunhando a evolução humana.” (BOTTA apud WOLF, 2001, p.59). 3 4 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que contribuíram para a realização de meu trabalho, em especial àqueles que me acompanharam nessa jornada que transcorreu como um desafio e um sonho de ver a pesquisa realizada. A todos os funcionários da Escola de Engenharia de São Carlos que me auxiliaram durante o mestrado, em especial ao Marcelo Celestini, que sempre se prontificou a auxiliar-me nos prazos e nos processos burocráticos que transcorreram ao longo do curso. Aos funcionários dos Museus e Bibliotecas em que pesquisei, pela imensa compreensão e auxílio no trabalho documental; destaco a paciência dos ferroviários do Departamento de Patrimônio da FEPASA SA, que dispuseram boa parte de seu tempo elucidando alguns fatos e me acompanhando por entre as pilhas de documentos. Entre eles, o Eng. Celso Marcondes foi um dos responsáveis pela autorização do meu acesso aos documentos históricos da Companhia. Aos funcionários da Prefeitura Municipal de Araraquara, que contribuíram na coleta de dados sobre as Vilas do município e me incentivaram na finalização do trabalho. À Professora Dra. Telma de Barros Correia e ao Professor Dr. Ricardo Siloto da Silva, pela contribuição na banca de qualificação, na qual apresentaram observações e questionamentos valiosos para o desenvolvimento do trabalho. Ao meu orientador, Professor Dr. Georges Nabil Bonduki, que me incentivou no estudo das Vilas Ferroviárias Paulistas e pela sua contribuição na conclusão do trabalho, auxiliando junto ao CNPQ e à CAPES para que financiassem parte deste trabalho, viabilizando desta forma a realização das pesquisas e dos levantamentos iconográficos. À grande amiga Liene Cunha Viana, que com dedicação e paciência me auxiliou na revisão final do texto. A todos os meus familiares, que estiveram presentes em mais esta etapa, dando-me forças para que conseguisse finalizar a dissertação; agradeço aos meus pais por terem me ensinado a acreditar em meus sonhos. Em especial, à Ana Maria, presente em cada momento, acolhendo-me e dando-me forças para que conseguisse transpor as madrugadas que passei em claro. Ao estímulo de poder conviver e compartilhar ao seu lado as dificuldades e alegrias de nossas vidas. 6 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS.____________________________________________________________9 LISTA DE TABELAS___________________________________________________________18 RESUMO._____________________________________________________________________19 ABSTRACT.___________________________________________________________________20 INTRODUÇÃO.________________________________________________________________21 I - AS FERROVIAS PAULISTAS 1- Histórico do desenvolvimento do estado de São Paulo em função das ferrovias .________26 2 - O apogeu ferroviário, o surgimento das primeiras Companhias de Estrada de Ferro. _____32 2.1 - Estrada de Ferro Santos – Jundiaí .__________________________________35 2.2 - A Companhia Paulista de Estradas de Ferro. _________________________36 2.3 - Companhia Ituana de Estradas de Ferro._____________________________38 2.4 - Companhia Sorocabana.__________________________________________40 2.5 – Companhia Mogiana.____________________________________________41 2.6 - Companhia São Paulo – Rio de Janeiro.______________________________42 2.7 - Companhia de Rio Claro._________________________________________44 2.8 - Pequenos ramais férreos .________________________________________ 45 2.9 - Noroeste . ____________________________________________________46 2.10 - Estrada de Ferro Araraquara._____________________________________47 2.11 - Estrada de Ferro São Paulo – Minas._______________________________48 3 – Considerações Finais, o Declíno Ferroviário.____________________________________49 II - AS VILAS OPERÁRIAS E NÚCLEOS FABRIS 1 - A habitação como questão social._____________________________________________55 2– As Vilas Operárias._________________________________________________________70 2.1- As Vilas Operárias Particulares._____________________________________71 2.2- As Vilas Operárias de Empresa._____________________________________77 2.2.1- Os núcleos fabris.__________________________________________84 III – AS VILAS FERROVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO 1 - As vilas como sustentação do modo de produção ferroviário ._______________________88 2 - Inventário e descrição das Vilas Ferroviárias no Estado de São Paulo._________________98 2.1- Paranapiacaba: uma Company Town brasileira.________________________106 2.2- Vilas Ferroviárias da Companhia Sorocabana. ________________________117 2.3.- Vilas Ferroviárias da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.__________151 2.4.- Vilas Ferroviárias da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro._________165 2.5.- Vilas Ferroviárias da Estrada de Ferro Araraquara.____________________172 2.6.- Vilas Ferroviárias da Estrada de Ferro São Paulo – Minas.______________178 3 - Aspectos relevantes das Vilas Ferroviárias._____________________________________180 8 IV - AS VILAS FERROVIÁRIAS DE ARARAQUARA.____________________________184 1– Vila ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em Araraquara.__________191 2. - Vila da Estrada de Ferro Araraquara._________________________________________198 CONCLUSÃO________________________________________________________________214 BIBLIOGRAFIA______________________________________________________________220 BIBLIOTECAS E ARQUIVOS PESQUISADOS. __________________________________232 APÊNDICE __________________________________________________________________233 9 LISTA DE FIGURAS Figura Capa. Destacando-se na paisagem de Paranapiacaba a torre do relógio ao alcance da vista dos funcionários da Inglesa única lembrança da estação completamente destruída no incêndio de. (Foto, 1998). CAPÍTULO I Figura 1.1. Ilustração da “The Rocket” , primeira estrada de ferro ligando Liverpool a Manchester..........................................................................................................................................31 Figura 1.2. Trecho da serra do mar........................................................................................34 Figura 1.3. Ponte sobre o Rio Mogi-Guaçu...........................................................................37 Figura 1.4. Pequena composição da EFS. ...........................................................................40 CAPÍTULO II Figura 2.1. Os Bairros pobres de Londres, sob os viadutos ferroviários; gravura de Gustave Doré. ....................................................................................................................................58Figura 2.2. Uma rua de um bairro pobre de Londres (Dudley Street); gravura de Guustave Doréde 1827.......................................................................................................................................59 Figura 2.3. Casa Modelo desenhada por Henry Roberts a pedido do príncipe Alberto.......61 Figura 2.4. Familistério em Guise de J. B. Godin….............................................................63 Figura 2.5. Cidade industrial de Robert Owen. Vista de uma unidade proposta para Harmony E.UA. ..................................................................................................................................63 Figura 2.6. Bairro Siemensstadt, Berlim , 1929......................................................................66 Figura 2.7. Habitações Mínimas no Bairro Dammerstock.....................................................67 Figura 2.8. Conjunto Habitacional de Pruitt-igoe..................................................................68 Figura 2.9. Villa Economizadora Paulista..............................................................................77 Figura 2.10. Vista geral das habitações Vila Maria Zellia.....................................................82 Figura 2.11. Escola Villa Maria Zellia...................................................................................82 Figura 2.12. Igreja Villa Maria Zellia....................................................................................82 Figura 2.13. Villa Cerealina, Construída pelas Industrias Matarazzo...................................83 10 Figura 2.14. Vila dos Engenheiros Barragem de Ibitinga......................................................87 Figura 2.15. Vila dos Barrageiros, localizada na ciddade de Iacanga..................................87 CAPÍTULO III Figura 3.1. Trabalhadores realizando corte para construção da estrada de ligação entre Santos e Mairinque.............................................................................................................................90 Figura 3.2. Construção de Vila Ferroviária da Companhia Paulista....................................92 Figura 3.3 e 3.4. Casas financiadas pela CAPs da Paulista no município de Campinas.....93 Figura 3.5 e 3.6. Casas financiadas pela CAPs da Mogiana no município de Campinas.....93 Figura 3.7. Acampamento provisório implantado no Alto da Serra.....................................103 Figura 3.8. Obras de Arte......................................................................................................107 Figura 3.9. Patamares de onde localizava-se os sistemas funiculares...................................108 Figura 3.10 e 3.11. Máquinas que tracionavam o sistema funicular baseado em cabos de aço sem fim..............................................................................................................................................108 Figura 3.12. “loco-breques”, locomotivas que tracionavam as composições no sistema funicular............................................................................................................................................108 Figura 3.13. Implantação da Vila de Paranapiacaba...........................................................109 Figura 3.14. Antigo hospital Vila Velha. .............................................................................109 Figura 3.15 e 3.16. Casas que foram construídas na “Vila Velha” sem o recuo que passou a ser usado nas tipologias adotadas na Vila Martin Smith. ...............................................................109 Figura 3.17. Tipologia de um dormitório para solteiros, Vila Martin Smith. ....................110 Figura 3.18 e 3.19. Tipologia geminada de dois dormitórios, Vila Martin Smith. ..............110 Figura 3.20 e 3.21. Vila de Paranapiacaba, esplanada da Estação e Torre do relógio.....111 Figura 3.22 e 3.23. Tipologia três dormitórios, isolada no lote reservada para funcionários com cargos de chefia ou serviços vitais para ferrovia, Vila Martin Smith. ....................................111 Figura 3.24. Tipologia três dormitórios, em primeiro plano placa de sinalização das ruas, Vila Martin Smith. ............................................................................................................................111 Figura 3.25. Viela sanitária uma das características higienistas encontradas na Vila Martin Smith. ...............................................................................................................................................112 11 Figura 3.26. Ao fundo casa do Eng. e logo a frente Alojamento Vila Velha.......................112 Figura 3.27. Vista do “Castelinho” localizado na cota mais alta da Vila Martin Smith....113 Figura 3.28 e 3.29. Fotos do fogão e da Lareira do “Castelinho”. ............................... ....113 Figura 3.30. Vista do “Castelinho” para o mercado onde era comercializado os produtos perecíveis como hortifrutigranjeiros. ..............................................................................................114 Figura 3.31. Lata utilizada para efetuar o pagamento dos funcionários da São Paulo Railway. ............................................................................... ...........................................................114 Figura 3.32 e 3.33. Clube Lira Serrano na Vila Martin Smith. ...........................................114 Figura 3.34 Vista geral de uma rua da Vila Martin Smith, ao fundo o clube Lira Serrano. ............................... ............................... ............................... .................. ............................... .......115 Figura 3.35. Coperativa que funcionava como posto de abastecimento de suprimentos da Vila Martin Smith. .............................. ............................... ............................... .............................115 Figura 3.36. Delegacia em ruínas na Vila Martin Smith. ....................................................115 Figura 3.37. Posto Médico na Vila Martin Smith. ...............................................................115 Figura 3.38 e 3.39. Vista da passarela metálica interligando a Vila Martin Smith com a Parte Alta da Vila de Paranapiacaba. .............................................................................................116 Figura 3.40. Vista dos prédios comercias onde se concentra grande parte dos Estabelecimentos que vendiam bebida alcoólica na Parte Alta da Vila de Paranapiacaba...........116 Figura 3.41. Vista Parte Alta Paranapiacaba. ..................................................................117 Figura 3.42. Vista Parte Alta Paranapiacaba. .......................................................................117 Figura 3.43. Vista geral Vila MartinSmith e Vila Velha de Paranapiacaba........................117 Figura 3.44. Implantação Esplanada da estação de Iperó. ................................................120 Figura 3.45. Casa chefe de estação, esplanada da estação de Iperó. ................................121 Figura 3.46 e 3.47. Casas da Vila Santo Antônio em Iperó. .............................................121 Figura 3.48. Casa da Vila Santo Antônio em Iperó. .........................................................122 Figura 3.49. Plantas e Fachadas das casas da Vila Santo Antônio em Iperó. ................122 Figura 3.50. Implantação da Vila Santo Antônio em Iperó. ............................................123 Figura 3.51. Estação de Mairinque. ...................................................................................124 12 Figura 3.52 e 3.53. Fotos aéreas de Mairinque.. ...............................................................125 Figura 3.54. Armazém regulador da Sorocabana em Mairinque. ...................................125Figura 3.55, 3.56, 3.57 e 3.58. Casas localizadas em a frente da estação de Mairinq....126 Figura 3.59. Foto aérea da cidade de Mairinque. ............................................................127 Figura 3.60 e 3.61. Loteamento Fazenda Mairinque. ......................................................127 Figura 3.62, 3.63, 3.64 e 3.65. Casas localizadas em a frente da estação de Mairinque.........................................................................................................................................128 Figura 3.65, 3.66 e 3.67. Casas de linha em Mairinque. ..................................................128 Figura 3.68 e 3.69. Estação de Botucatu em 1906 e segunda estação em 1922...............129 Figura 3.70. Estação de Botucatu em 1934. ......................................................................129 Figura 3.71. Casa do chefe de estação de Botucatu. .........................................................130 Figura 3.72 e 3.73 Casas de Funcionários da Sorocabana em Botucatu. .......................130 Figura 3.74. Foto aérea da estação e esplanada de Botucatu. ..........................................130 Figura 3.75. Implantação das casas de Funcionários da Sorocabana em B.otucatu. ......131 Figura 3.76. Foto casa modernista de Botucatu. ...............................................................131 Figura 3.77 e 3.78. Outras casas em Botucatu. .................................................................132 Figura 3.79. Implantação da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. .................................132 Figura 3.80 Foto aérea da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. ....................................133 Figura 3.81 Plantas da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. ..........................................134 Figura 3.82, 3.83 e 3.84 Casas da Vila de Sambaiatuba em São Vicente. ........................134 Figura 3.85 e 3.86. Casas de madeira em São Vicente. ......................................................135 Figura 3.87, 3.88, 3.89 e 3.90. Outras tipologias encontradas em São Vicente. ................135 Figura 3.91 Foto aérea da esplanada de estação de São Vicente. .....................................135 Figura 3.92. Planta de regularização dos Sobrados da Sorocabana em santos.. .............136 Figura 3.93 e 3.94. Sobrados da Sorocabana em santos. ..................................................136 Figura 3.95. Planta de regularização dos Sobrado de 74m² da Sorocabana em santos................................................................................................................................................137 Figura 3.96, 3.97 e 3.98. Sobrados da Sorocabana em santos. .........................................137 13 Figura 3.99 e 3.100. Foto aérea do Porto de Santos, detalhe dos sobrados da Sorocabana.......................................................................................................................................138 Figura 3.101 e 3.102. Outras tipologias adotadas pela sorocabana em Santos. .............138 Figura 3.103 e 3.104. Estação de Luz. ............................................................................,.139 Figura 3.105. Torre estação Júlio Prestes............................................................................,139 Figura e 3.106. Projeto para a estação Júlio Prestes_Samuel e Cristinao Neves................................................................................................................................................,139 Figura e 3.107. Prédio de Apartamentos de três dormitórios.............................................,140 Figura e 3.108. Prédio de Apartamentos de três dormitórios............................................,.140 Figura e 3.109. Projeto de Prédio para Pernoite ...............................................................,141 Figura e 3.110 e 3.111. Tipologia de três pavimentos adotada pela Sorocabana em São Paulo. .............................................................................................................................................,141 Figura e 3.112, 3.113, 3.114 e 3.115. Casas com influências modernistas em São Paulo................................................................................................................................................,142 Figura e 3.116, 3.117, 3.118, 3.119, 3.120 e 3.121. Outras tipologias adotadas pela Sorocabana em São Paulo. ..............................................................................................................142 Figura e 3.122 e 3.123. Tipologias da Sorocabana na Vila Leonor em Osasco. ..........................................................................................................................................................143 Figura e 3.124. Foto aérea Vila Leonor em Osasco. ..........................................................143 Figura e 3.125 e 3.126. Sobrados da Sorocabana em Osasco. ...........................................143 Figura 3.127. Foto aérea Sobrados da Sorocabana em Osasco. ....................................... 143 Figura 3.128. Ante-projeto proposto pelo Eng. Willian Finger para núcleo residencial em Carapicuíba. .................................................................................................................................. .144 Figura 3.129. Plantas fachadas de um e dois dormitórios para núcleo residencial em Carapicuíba. .................................................................................................................................. .145 Figura 3.130. Perspectiva Escola, núcleo residencial em Carapicuíba. ...........................146 Figura 3.31. Ante projeto escola, núcleo residencial em Carapicuíba................................147 Figura 3.132. Foto aérea edifícios implantados em Carapicuíba. ...................................147 14 Figura 3.133. Detalhe edifício e escola Carapicuíba. ........................................................148 Figura 3.134. Implantação com 32 blocos, edifício_tipo6, Carapicuíba. ...........................148 Figura 3.135. Projeto e perspectiva edifício tipo6, Carapicuíba. .......................................149 Figura 3.136. implantação com 6 blocos, edifício_tipo6. ...................................................149 Figura 3.137. Fachada Principal, edifício_tipo6. . ............................................................149 Figura 3.138. Fachada Posterior, edifício_tipo6. ...............................................................150 Figura 3.139. Planta Baixa, edifício_tipo6. ........................................................................150 Figura 3.140 e 3.141. Vistas, edifício_tipo6. .......................................................................150 Figura 3. 142 . Vista da Vila Arens. .....................................................................................153 Figura 3.143 e 3.144. Planta baixa e vista de casa geminada em Jundiaí. .........................153 Figura 3.145, 3.146 e 3.147. Casa tipo 4, para Vila Operária da CP, com três dormitórios. ...........................................................................................................................................................154 Figura 3.148. Palnta da casa tipo 4, para Vila Operária da CP, com três dormitórios. ...........................................................................................................................................................155 Figura 3.149. Palnta da casa tipo 2, para Vila Operária da CP, com dois dormitórios......... ...........................................................................................................................................................155 Figura 3.150 e 3.151. Tipologias adotadaspela CP em Jundiaí. ........................................155 Figura 3.152. Casa do Engenheiro residente CP em Franca...............................................156 Figura 3.153. Implantação Vila da CP. em Barretos............................................................157 Figura 3. 154. Evolução das aberturas segundo Lúcio Costa ............................................157 Figura 3.155, 3.156 e 3.157. Casas geminadas da Vila da CP. em Barretos......................158 Figura 3.158. Foto aérea da Vila da CP. em Barretos .......................................................158 Figura 3.159. Casa isolada no lote na Vila de Barretos......................................................159 Figura 3.160. Foto aérea da esplanada da estação de Bebedouro. ...................................159 Figura 3.161. estação de Bebedouro. ..................................................................................160 Figura 3.162 e 3.163. Casas em renque Bebedouro. ..........................................................160 Figura 3.164. Primeira estação de Bebedouro. ...................................................................160 Figura 3.165, 3.166, 3.167 e 3.168. Casas em renque Bebedouro. ....................................161 15 Figura 3.169. Implantação Vila em Bebedouro. ................................................................161 Figura 3.170. Foto aérea Vila em Bebedouro. ...................................................................161 Figura 3.171. Implantação Vila em Bebedouro. ................................................................162 Figura 3.172. Implantação Vila Industrial em Campinas. .................................................163 Figura 3.173, 3.174, 3.175 e 3.176. Vila Industrial da CP em Campinas..........................164 Figura 3.177. Vila construída pela CP em Campinas. .......................................................164 Figura 3.178 e 3.179. Vila construída pela CP em Campinas. ..........................................165 Figura 3.180. Foto aérea Vila construída pela CP em Campinas. ....................................165 Figura 3.181. Casa do Engenheiro residente......................................................................165 Figura 3.182. Oficina de Locomotivas Companhia Mogiana. ............................................168 Figura 3.183. Implantação da Vila e estação da Mogiana em Campinas. .........................168 Figura 3.184. Casa para Mestre de linha da Mogiana em Campinas. ..............................169 Figura 3.185, 3.186, 3.187 e 3.188. Casas construídas pela Mogiana em Campinas. .......169 Figura 3.189 e 3.190. Casas construídas pela Mogiana em Campinas...............................170 Figura 3.191. Foto aérea Uberaba. ....................................................................................170 Figura 3.192. Foto aérea Vila da Mogiana em Uberaba. ....................................................171 Figura 3.193, 3.194 e 3.195. Casas da Vila Mogiana em Uberaba. ...................................171 Figura 3.196. Vila Ferroviária da Mogiana em Uberaba. .................................................171 Figura 3.197. Vila Ferroviária da EFA em São Jisé do Rio Preto. ....................................173 Figura 3.198, 3.199, 3.200 e 3.201. Casas da Vila Ferroviária da EFA em São Jisé do Rio Preto. ................................................................................................................................................174 Figura 3. 202. Foto aérea estação de Jales. .......................................................................175 Figura 3.203, 3.204 e 3.205. Casas da EFA em Jales. ........................................................175 Figura 3.206. Planta e fachada de tipologia construída pela EFA em Jales. .....................176 Figura 3.207, 3.208, 3.209, 3.210 e 3.211. Casas construídas pela SPM em Altinópol......179 Figura 3.212, 3.213 e 3.214. Casas de turma em Aguaí. .....................................................179 CAPÍTULO IV 16 Figura 4.1. Plantas e fachadas de Habitação Operária em Araraquara. ............................186 Figura 4.2. Planta da cidade de Araraquara........................................................................189 Figura 4.3. Foto aérea da cidade de Araraquara. ..............................................................190 Figura 4.4. Vila Ferroviária da Companhia Paulista. .........................................................191 Figura 4.5. Vista aérea Vila Ferroviária da Companhia Paulista e o barracão do IBC. ......192 Figura 4.6. Implantação da Vila Ferroviária da Companhia Paulista. ..........................................................................................................................................................192 Figura 4.7. Planta das Casas da Vila Paulista. ...................................................................193 Figura 4.8. Casas em renque e Geminada da Vila Paulista. ............................................. 194 Figura 4.9. Vista do banheiro localizado no fundo do lote, corredor lateral e as cas.s de madeira. ...........................................................................................................................................194 Figura 4.10. Vista aérea da Vila da Companhia Paulista. ..................................................195 Figura 4.11. Armazém de café. .............................................................................................195 Figura 4.12. Casas de Turma ao longo da Linha da CP. .....................................................197 Figura 4.13. Vista aérea da Vila Paulista. ...........................................................................197 Figura 4.14. Primeira Oficina da EFA em Araraquara. .....................................................198 Figura 4.15. Escola Profissionalizante da EFA. ..................................................................200 Figura 4.16. Oficinas da EFA. ............................................................................................203 Figura 4.17. Vista aérea da Vila da EFA. ...........................................................................204 Figura 4.18. Implantação Vila da EFA. ..............................................................................205 Figura 4.19. Vista das Casas da EFA. ................................................................................205 Figura 4.20. Planta das Casas da EFA. ..............................................................................206 Figura 4.21. Casas neocolonias conhecidas por missões espanholas. ................................207 Figura 4.22. Vista geral da Vila Ferroviária. ......................................................................207 Figura 4.23. Vista geral da Estação e Rotunda. ..................................................................208 Figura 4.24. Vista casa tipo 5. ..............................................................................................208 Figura 4.25. Vista casa tipo 4. ..............................................................................................208 Figura 4.26. Vista aérea da Vila da EFA . ...........................................................................209 17 Figura 4.27. Conjunto da EFA na rua Dr.Leite de Morais, ao lado da estação. ...........................................................................................................................................................210 Figura 4.28. Escola da EFA ao lado da estação. ................................................................211 Figura 4.29. RAPA, mercado que atendia aos ferroviários . ...............................................211 Figura 4.30. RAPA, Casa de turma, localizada ao longo davia férrea . ............................211 18 LISTA DE TABELAS Tabela 01. Relação entre o número de Funcionários das Companhias Ferroviárias e o de habitações.........................................................................................................................................101 Tabela 02. Cidades com intensa atividade Ferroviária . ....................................................105 Tabela 03. Média da área construída por casa por Empresa. ............................................180 Tabela 04. Distribuição dos atendimentos habitacionais no Estado de São Paulo.(1937- 64).....................................................................................................................................................182 Tabela 05. Evolução da População de Araraquara.............................................................184 Tabela 06. Crescimento populacional de Araraquara.........................................................184 Tabela 07. Estatística industrial em Araraquara.................................................................199 Tabela 08. Evolução do número de edificações em Araraquara 1921 – 1940 em Araraquara.......................................................................................................................................199 Tabela 08. Evolução do número de edificações em Araraquara 1921 – 1940 em Araraquara.......................................................................................................................................200 19 RESUMO O desenvolvimento econômico do estado de São Paulo tomou proporções significativas no século XIX, com o binômio café e ferrovias, que proporcionou outra dinâmica à vida urbana paulista, influenciando na aceleração do processo de industrialização do estado. Dentro deste contexto surgem as Vilas Ferroviárias, que viabilizaram operacionalmente o modo de produção ferroviário, espalhando-se pelo interior de São Paulo. Percussoras dos modelos adotados nas Vilas Operárias, garantiam o funcionamento do Complexo Ferroviário Paulista vinte e quatro hora por dia, fixando os trabalhadores nas proximidades do leito ferroviário e de suas oficinas. Com as mais diversas tipologias e características urbanísticas ímpares, o inventário e a descrição das Vilas significativas do estado de São Paulo, realizados neste trabalho, demonstram a importância desses empreendimentos e a sua localização estratégica para as Ferrovias; seu estudo elucida parte da memória viva do estado, de um tempo em que, impulsionadas pelas locomotivas, novas fronteiras se estabeleceram para o desenvolvimento paulista. Em outras épocas orgulho nacional, o complexo ferroviário, atualmente em estado de abandono e degradação, não pode ser tratado como um obstáculo físico que segmenta as cidades. A importância da interligação regional e a influência que todo complexo ferroviário exerceu no passado deve retomar as discussões urbanas em busca do desenvolvimento regional sustentável das cidades paulistas. 20 ABSTRACT The economic development of Sao Paulo state took on significant dimensions in the nineteenth century as a result of the dinamic between coffee plantations, railways and paulista urba n life, which accelerated the state's industrialization process. In that context, the Railways Villages started to emerge, spreading through the countryside of Sao Paulo and offering operational viability to the railway production. As the first models later were adopted by the Works Villages, they guaranteed full-time work to the Paulista Railway Complex settling the workers near the railways and its garages.Presenting an uneven and wide variety of urb anistic characteristics, the inventory and description of these significant villages of Sao Paulo state, included in this research, prove its importance and strategic location to the railways. Studying this subject clarifies part of the state's memory up to including the time that new frontiers were being set ted to the Paulista develelopment, impelled by the locomotives. Although once the railways villages were considered to be a symbol of national pride, nowadays they are frequently seen in neglected a nd degraded condition. However, they must not be considered as a physical obstacle which segment s the towns. The importance of the regional interconnection and the Railway Complex's influence in the past must be taken up in urban discussions again, aiming for a balanced regional development of the Paulista towns. Introdução ______________________________________________________________________________________________________ ASVILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 21 INTRODUÇÃO O desenvolvimento urbano e econômico de São Paulo esteve atrelado, desde o final do século XIX, ao traçado ferroviário. Com o advento do binômio café-ferrovias, ocorreu um grande crescimento no estado, as atividades agrárias de subsistência sendo substituídas pelas plantações de café e pelas atividades urbanas que apareceram com o incremento da economia, gerado pela expansão do trabalho assalariado. As Vilas Operárias surgiram no século XIX como uma das soluções adotadas para resolver o problema de habitação da classe trabalhadora. Podemos classificá-las em dois tipos distintos de empreendimentos: Vilas Operárias Particulares (segundo Bonduki (1998), construída por particulares para a venda ou locação) e Vilas de Empresa (as quais edificavam suas casas buscando resolver parte do problema da falta de moradia de seus funcionários, principalmente os que exerciam função fundamental para a empresa, sendo necessária sua presença nas proximidades do local de trabalho). Entre essas últimas, destacam-se os Núcleos Fabris ou Company Towns que, segundo Correa (1998) e Minami (1994), constituem-se de Vilas autônomas, geralmente isoladas da malha urbana, criadas com a função de viabilizar a produção de diversos setores das indústrias, precursoras do pensamento urbanístico moderno. As Vilas Operárias e as Ferroviárias, como se poderá constatar por meio de nosso trabalho, apresentaram características peculiares que aproximam umas às outras. Ambas eram modelos de produção de habitação que possuíam como característica principal fixar parte da mão-de-obra nas proximidades do local de trabalho. No período em que as Vilas Ferroviárias foram empreendidas outros setores investiram em Habitação. Entre eles, os IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), criados nos moldes das CAPs (Caixa de Aposentadoria e Pensões), com a função principal de reverter benefícios previdenciários, também investiram em habitação, devido à alta rentabilidade do mercado imobiliário no período. Segundo Bonduki (1998), a questão da habitação social era tratada, pelos Institutos Previdenciários, com caráter ambíguo: ora como forma de garantir o bem estar social, ora como instrumento de capitalização dos recursos recolhidos pelo sistema previdenciário, dessa forma distanciando-se do caráter social de tais empreendimentos. É possível realizar-se, assim, uma analogia entre esses empreendimentos e as Vilas Operárias de empresas e Núcleos Fabris. Muitas vezes, enquanto o discurso das empresas buscava demonstrar o aspecto social de seus empreendimentos habitacionais, na verdade o que realmente Introdução ______________________________________________________________________________________________________ ASVILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 22 interessava eram as formas como aquele capital ali empregado garantiria seu retorno, na confecção dos produtos industriais e na operacionalidade da empresa. Outro órgão criado na década de 30, por Getúlio Vargas, com a finalidade de resolver o problema habitacional, foi a Fundação da Casa Popular (FCP), que empreendeu seus conjuntos por todo o país. Tais empreendimentos, noentanto, não lograram sanar a grande carência habitacional que surgia no período de acelerado desenvolvimento industrial (influenciado pelo crescimento econômico gerado pelo complexo cafeeiro). Os trilhos acompanhavam e muitas vezes antecediam as plantações de café que surgiam em São Paulo. Tomando a dianteira entre os outros produtos de exportação brasileiros, o café rapidamente se difundiu no interior do estado - segundo Milliet (1982), o processo de migração do café para o Oeste Paulista desenvolveu e urbanizou o interior do estado. Devido à carência de infra-estrutura encontrada nos locais por onde passava, a ferrovia adotou a construção de casas como uma forma de viabilizar seu modo produção e expansão de suas linhas. Com seu crescimento, a necessidade das Ferrovias em investir em habitação se torna comum em todas as Companhias Ferroviárias, as quais garantiam casas para os serviços essenciais a seu funcionamento, privilegiando e controlando desta forma os setores estratégicos da empresa. Uma outra característica comum entre as Vilas Operárias e Ferroviárias era sua localização em relação ao local de trabalho. As Companhias Ferroviárias foram dos primeiros setores produtivos a adotar no Brasil a construção de casas para seus funcionários, como forma de reter a força de trabalho próxima de suas instalações (Blay, 1985, p. 32 ). A partir do final do século XIX, até a primeira metade do XX, com o desenvolvimento econômico do estado de São Paulo, ligado à lavoura cafeeira e à política expansionista das Ferrovias, as Companhias de Estrada de Ferro começaram a investir em habitação, como forma de viabilizar a operacionalização de suas linhas e garantir seu funcionamento vinte e quatro horas por dia. O projeto, adotado como política das próprias empresas, era uma forma de servir parte de seus funcionários (os que possuíam alguma característica essencial para o funcionamento da empresa), fornecendo-lhe infra-estrutura necessária e de condições mínimas de higiene, mas também de mantê-los na maior parte do tempo sob seu controle, próximos do local de trabalho, facilitando eventuais serões extras essenciais ao funcionamento da ferrovia. Praticamente ao longo de toda a linha, na qual localizavam-se também as ofícinas, armazéns, entroncamentos e estações, distribuíam-se as casas destinadas aos funcionários das estradas de ferro. As chamadas Vilas Ferroviárias tinham como tendência, além de uma organização sanitarista - forma de oferecer condições morais e de higiene para os trabalhadores -, a finalidade de trazer para Introdução ______________________________________________________________________________________________________ ASVILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 23 perto a mão-de-obra, a fim de que os empregados pudessem ser controlados e ficassem à disposição das empresas praticamente vinte e quatro horas por dia, mantendo em pleno funcionamento os maquinários das ferrovias e facilitando a sua manutenção. De extrema importância para o desenvolvimento do interior do estado de São Paulo, como alternativa apresentada pelas Companhias Ferroviárias para a escassez de moradias existente no início do século XX, esses núcleos habitacionais construídos pelas Companhias Ferroviárias tiveram também papel fundamental no próprio desenvolvimento do ferroviário, na medida em que as Vilas funcionavam como extensão do trabalho ferroviário, fixando os operários em locais estratégicos para o bom funcionamento da empresa ferroviária, garantindo a pontualidade das composições e a manutenção permanente das linhas férreas. As Vilas de Ferrovia brasileiras são relativamente pouco estudadas nos meios científicos. É notável, especialmente, a inexistência de trabalhos de arquitetura a respeito da importância das Vilas Ferroviárias, suas contribuições em relação aos aspectos construtivos, tecnológicos e arquitetônicos. Existem alguns trabalhos de sociologia, economia, história e sobre a preservação das ferrovias – entre eles, podemos citar os estudos de Liliana Segnini (Ferrovia e Ferroviários), Flávio Azevedo Marques de Saes (As Ferrovias de São Paulo – Paulista, Mogiana e Sorocabana), Wilson Cano (Raízes da Concentração Industrial em São Paulo), Sergio Silva (Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil), Sérgio Milliet (Roteiro do Café e outros ensaios) e Adolpho Augusto Pinto (História da Viação Pública e As Estradas de Ferro de São Paulo); sobre conservação de patrimônio e Arquitetura Ferroviária e Urbanismo encontramos a obras de Beatriz Mugayar Kühl (Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo), Nilson Guirardello (À beira da linha: Formações urbanas da Noroeste Paulista) e Issao Minami (Vila Martin Smith no Alto da Serra em São Paulo: um Exemplo Típico de “Model Company Town” e Expressão e Representação do Espaço Urbano por Meio da Codificação Visual da Imagem: Memória da Vila de Paranapiacaba). Relativamente às outras vilas construídas pelas Companhias Ferroviárias, não há trabalhos que as abordem sistematicamente, e nem que busquem organizar todos os dados relativos à grandiosidade dos empreendimentos e seu reflexo na produção arquitetônica das Ferrovias. As Empresas Ferroviárias foram um dos setores que investiram em habitação para seus funcionários. Segundo nosso levantamento, em um período do final do século XIX até a metade do XX, no qual o processo de urbanização estava se iniciando no estado, as cinco principais Companhias Ferroviárias de São Paulo empreenderam aproximadamente 6.000 casas – sem contarmos as Vilas construídas pela São Paulo Railway, entre elas a de Paranapiacaba, que sozinha possui 300 casas e as Vilas empreendidas pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em São Paulo. Introdução ______________________________________________________________________________________________________ ASVILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 24 As Vilas Operárias e as Ferroviárias foram empreendidas em grande número no país e se apresentaram como solução para a viabilização do novo modo de produção que surgiu com o desenvolvimento industrial, trazendo consigo inovações construtivas e arquitetônicas para a área habitacional. O objetivo principal de nosso estudo é sistematizar os dados levantados em pesquisa realizada em bibliotecas, museus e arquivos das Ferrovias, relativo aos núcleos, vilas e conjuntos de casas ferroviárias construídas pelas Companhias Sorocabana, Paulista, Mogiana, Estrada de Ferro Araraquara e Estrada de Ferro São Paulo - Minas, as quais formaram a já extinta Fepasa. Assim, esta pesquisa visa elucidar a importância quantitativa e qualitativa do patrimônio ferroviário em seus aspectos técnico-construtivos e arquitetônicos, e localizar os empreendimentos no estado por meio do mapeamento das Vilas Ferroviárias. Dessa forma, busca-se apresentar os empreendimentos realizados pelas Companhias Ferroviárias que formavam a extinta FEPASA e, de forma mais específica, abordar as Vilas Ferroviárias construídas na cidade de Araraquara, analisando seus aspectos arquitetônicos, urbanísticos e os motivos que levaram à implantação do conjunto naquela cidade. Alicerce do modo de produção ferroviário gerado pelo binômio café-ferrovias, essas Vilas garantiam o apoio operacional, fixando o trabalhador no local de trabalho, dado essencial para o avanço da malha ferroviária que, entre outros produtos, levava consigo os materiais de construção que revolucionaram nossa arquitetura, as mercadorias manufaturadas e os maquinários importantes para o desenvolvimento industrial do estado. Retornando para o porto de Santos depois de prover o interior de produtos importados que operariam uma transformação no modo de vida – assim como nas técnicas e materiais construtivos - os trens levavam o principal produto de exportação do estado (o café) e outras mercadorias de menor relevância. No entanto, a importância das VilasFerroviárias de São Paulo não reside apenas em seu papel no modo operacional das ferrovias; mas também na arquitetura, marcando um período de transformação do processo construtivo ferroviário. Além disso, aquelas Vilas são significativas porque, em face à parca produção habitacional no país, seus empreendimentos foram mais que relevantes, e trouxeram consigo uma grande diversidade tipológica, bem como influências oriundas de outros países, que acabaram por se espalhar por construções de todo o interior do estado. A ferrovia, atualmente, mesmo quando desativada, encontra-se presente na maioria das cidades paulistas por meio de suas realizações, entre as quais estão as Vilas destinadas a Introdução ______________________________________________________________________________________________________ ASVILAS FERROVIÁRIAS PAULISTAS 25 trabalhadores. Estas, em muitos locais serviram elas mesmas como primeiro pólo urbanístico, lançando as bases para a fundação das cidades; em outros, tiveram papel fundamental na expansão dos núcleos urbanos, determinando-lhes em alguns casos até mesmo o traçado futuro. A fim de desenvolver nossa dissertação, trabalhamos, inicialmente, na realização de pesquisa bibliográfica a respeito de habitação social, das Vilas Operárias, os Núcleos Fabris – e sua efetivação no Brasil -, assim como do desenvolvimento histórico das estradas de ferro no estado de São Paulo e outros trabalhos relacionados à ferrovia. Em uma segunda etapa dos trabalhos buscamos, em fontes como arquivos históricos (Arquivo Departamento de Patrimônio da FEPASA, Arquivo Histórico Municipal de Araraquara , Arquivo Histórico Rodolfo Telarolli, Arquivo da Secretaria Estadual de Cultura), museus (Museu Ferroviário Barão de Mauá em Jundiaí, Museu da Estrada de Ferro Araraquara e Museu Municipal Araraquara) e em algumas das Vilas remanescentes, dados referentes às Vilas de Ferrovia construídas pelas cinco maiores Companhias Ferroviárias no estado de São Paulo (as quais, posteriormente, deram origem à já extinta FEPASA). Entre esses dados, verificamos, entre todos os empreendimentos: quantidade de vilas, quantidade de casas em cada uma delas, tipologia das construções, materiais empregados na implantação dos núcleos. Especificamente em relação aos empreendimentos realizados em Araraquara - nosso estudo de caso -, abordamos também o histórico do desenvolvimento da cidade, o entorno e a função das Vilas do município. Por meio do mapeamento das Vilas de Ferrovia paulistas e da realização de um levantamento quantitativo, relacionando-as com as cidades das quais fazem parte, buscamos estabelecer a influência que esses núcleos exerceram sobre o modo de produção ferroviário, bem como sua distribuição no estado. Desta forma, nosso trabalho resgata um dos esteios do modo de produção ferroviário e da política de expansão cafeeira no estado: as Vilas de Ferrovia, que se consolidaram como empreendimentos necessários para o funcionamento da malha ferroviária. Suas características arquitetônicas inseriram novos conceitos e tipologias em várias cidades do interior paulista. Localizadas ao lado das estações, ao longo das linhas ou em núcleos próximos às atividades ferroviárias, as Vilas fizeram parte do processo de consolidação do binômio café-ferrovias e refletem o posicionamento empresarial em face da questão habitacional como uma das formas de se alcançarem os interesses capitalistas (por meio da concessão de moradias aos funcionários). Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 26 I - AS FERROVIAS PAULISTAS 1 – Histórico do desenvolvimento do estado de São Paulo em função das ferrovias A região correspondente ao estado de São Paulo, desde o início da colonização do país até o advento das ferrovias, possuía uma grande dificuldade de interligação com os mercados externos, devido à trabalhosa transposição da Serra do Mar. Esse isolamento do Planalto foi objeto de diversos estudos de pesquisadores do passado paulista. Por intermédio das Bandeiras, fundaram-se os primeiros povoados do interior, caracterizados pela pequena propriedade, a agricultura de subsistência, a policultura e o nomadismo dos habitantes. Matos (1990) compara a vida do desbravador paulista à do nordestino, encontrando entre elas a existência de uma grande diferença nos meios de produção: os estados do Nordeste gozavam do desenvolvimento proporcionado pelo Ciclo do Açúcar e toda a riqueza que deste provinha. Com relação às vilas de São Paulo, no entanto, o autor constata que “o núcleo paulista foi de uma pobreza talvez sem igual no país. Tanto, que seus filhos precisaram deixá-lo à procura de atividades em outras áreas” (MATOS, 1990, p. 25). Esse fato deveu-se principalmente às modalidades de expansão paulista: o pastoreio e o apresamento de indígenas, que só podem ser compreendidos se considerarmos as condições físicas, sociais e econômicas que vigoraram no desenvolvimento do Planalto, isolado da orla marítima. Com extrema dificuldade para se relacionar com a metrópole e com outras regiões do país, o povoamento da região nos dois primeiros séculos coloniais foi reduzido, ocorrendo apenas a transformação de algumas aldeias indígenas em freguesias, vilas e cidades. Agregado a esse fato, e devido a esse desenvolvimento deficitário, houve um enfraquecimento desses povoados e uma migração em busca de alternativas. Segundo Matos: O povoamento e conseqüente desenvolvimento das regiões de mineração tornaram-nas dentro em pouco capitanias autônomas, destacadas de São Paulo, de maneira que, ao atingir os meados do século XVIII, a primeira capitania paulista vê-se reduzida a menos de um terço de sua área original. O despovoamento quantitativo e qualitativo que sofre a capitania com a corrida para as minas leva-a a tais condições de decadência, o que redundou na sua própria extinção. Em 1748 desaparecia, assim, a Capitania de São Paulo, então simplesmente anexada ao governo do Rio de Janeiro. Dezessete anos perdurou esta situação, único hiato em toda a Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 27 história administrativa de São Paulo. Em 1765, era novamente restaurada a capitania paulista, compreendendo apenas o atual território do Estado de São Paulo e mais o Paraná, o qual, só em 1853, portanto já no segundo reinado, seria constituído em província autônoma, o último dos muitos ‘cortes’ sofridos por São Paulo durante sua história quadrissecular. (MATOS, 1990, p. 29). De acordo com os historiadores, a restauração sócio-econômica de São Paulo deu-se no início do chamado “Ciclo Paulista do Açúcar”, quando a província voltou a exercer certa influência no país. Esse ciclo foi de fundamental importância, portanto, para o desenvolvimento da cafeicultura e de todo o processo de desbravamento do interior paulista por esta desencadeado, pois funcionou como um financiador, garantindo capitais e mão-de-obra para o processo. O advento da cultura da cana-de-açúcar impulsionou ainda o surgimento dos centros urbanos e núcleos de povoamento periféricos no estado. Além da representatividade desta nova atividade econômica, começaram com ela a se desenvolver importantes alterações nos sistemas de transportes e comunicações, os quais utilizavam ainda, muitas vezes, os difíceis caminhos das Bandeiras. Porém, as ligações entre o Planalto e o litoral permaneceram precárias por muito tempo, e a relação cana-de-açúcar - atividade tropeira caracterizava a vida econômica de São Paulo ainda no século XVIII. O caminho do Planalto até a cidade de Santos, de extrema importância para a história do desenvolvimento dos transportes em São Paulo, a princípio só era possível de serfeito a pé. Parte das mercadorias era transportada por índios, e a dificuldade de escoamento tornava impraticável a expansão das lavouras naquela região. Com o aumento da produção, quando do advento da cultura da cana, tornou-se necessária a implantação de uma forma mais eficaz de escoamento de cargas. Foram então realizadas diversas melhorias no “Caminho do Mar”, entre fins de 1791 e começo de 1792. De acordo com Matos, parte do trecho passou a poder ser percorrida com tropas de bestas; o leito da estrada, porém, ainda não era carroçável. Esse fato ocorreria somente no início do século XIX, já no Primeiro Reinado, o que representou talvez um dos grandes momentos da história dos transportes do território paulista. Nesse período, o advento das ferrovias também estava próximo de se concretizar. Analisando o histórico da implantação e expansão das ferrovias em São Paulo, podemos perceber que o processo de povoamento do estado, assim como seu desenvolvimento, só foram Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 28 possíveis graças ao transporte ferroviário, que seguia as plantações de café ou ia desbravando as matas para que as linhas adentrassem pelo interior do território paulista. O café passou a se destacar como o principal produto exportado pelo Brasil a partir de 1870. Nesse período, a exportação era realizada também com a borracha e o fumo. Devido à diminuta quantidade de produtos que sustentavam nossa economia e à dependência desses produtos em relação ao mercado externo, nossa economia era extremamente frágil. O Brasil era o maior produtor de café, responsável por 70% do total do produto consumido no mundo; o estado de São Paulo se destacava no país, fornecendo 60% das exportações de café (PRADO JÚNIOR, 1998). O café trouxe consigo novas divisas para a economia brasileira, operando uma transformação não apenas nas exportações do país, mas também no modo de produção e na própria sociedade. Uma das características dessa transformação que ocorreu no período de ascensão do café como esteio da economia brasileira foi a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho assalariado, o que contribuiu para o desenvolvimento do mercado, a rápida expansão das estradas de ferro e o surgimento das primeiras indústrias. Tais fatos puderam se consolidar apenas com a grande acumulação de capitais gerados pelo café. Suas principais crises (que se iniciaram já em 1886) fizeram com que ocorresse um aquecimento de novos setores da economia capitalista, como alternativa para os capitais excedentes da produção cafeeira (SILVA, 1986). Outro fato importante a ressaltar é a presença de capitais estrangeiros, que passam a investir no país. Esses capitais representaram importante contribuição principalmente na construção das Estradas de Ferro e na implantação e melhoramento de outros serviços públicos, como eletricidade, gás e transportes urbanos, além de incentivar maciçamente o processo de imigração de trabalhadores – o que levou à criação de um mercado de trabalho assalariado no país que substituiria a mão de obra escrava (SILVA, 1986). Apesar de sua importância para a economia paulista, o cultivo do café não se iniciou no estado, mas no vizinho Rio de Janeiro. Na década de 1880 ocorreu um processo de deslocamento das plantações de café, que deixaram o estado do Rio de Janeiro e migraram para São Paulo (MILLIET, 1982). Essa mudança pode ser explicada pela decadência (até a eliminação) do uso do trabalho escravo, que predominava no estado do Rio de Janeiro. O novo modo de produção das fazendas cafeeiras atrelava-se à figura do imigrante, que chegava ao país em grandes levas (2/3 dos imigrantes que aportaram no Brasil dirigiu-se às plantações de café). Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 29 Outro fator determinante do desenvolvimento das plantações cafeeiras no território paulista foi a especificação criada para o beneficiamento do café, que passou a aparecer com freqüência nos centros urbanos onde a ferrovia possuía influência. As ferrovias exerceram também um papel econômico no aumento da produção cafeeira, pois com a facilidade de escoamento da produção das fazendas tornava-se possível a ampliação das áreas de plantio – anteriormente, parte da produção era perdida ou extraviada do seu destino pelo precário transporte, realizado por muares e sujeito a diversas intempéries (CANO, 1977). O processo de consolidação da concentração capitalista no estado de São Paulo não pode se reduzir, segundo Cano (1977), na análise da economia cafeeira em São Paulo antes de 1930, mas sim em todo o “complexo econômico cafeeiro”, presente nas relações que surgiram com aquela atividade, assim como ao processo de migração das plantações de café para Oeste Paulista . Dentro deste contexto, poderemos observar o papel das Vilas Ferroviárias em face dos volumes de investimentos que surgiram com a expansão ferroviária, ou seja, o complexo ferroviário e todas as suas edificações. Sobre o complexo econômico cafeeiro, Cano (1977) relata também como os principais componentes e as variáveis que iriam completar o ciclo capitalista proporcionado pelos excedentes das plantações de café transformaram o estado de São Paulo em grande centro de expansão da economia capitalista: i) atividade produtora de café ii) a agricultura produtora de alimentos e matérias primas, vista em dois seguimentos: o primeiro, representado pela produção desenvolvida dentro da área da propriedade cafeeira, quer como cultivos intercaldos, quer como produção elaborada em terras cedidas pelo próprio proprietário aos trabalhadores do café; o segundo, pela agricultura que produz essencialmente para o mercado, operando fora da propriedade cafeeira; iii) a atividade industrial, que em função do objeto de análise, deve ser vista também em pelo menos três segmentos: um, representado pela produção de equipamentos de beneficiamento de café; outro pela importante indústria de sacarias de juta para a embalagem do café, e o terceiro, representando os demais compartimentos produtivos da indústria manufatureira, entre os quais, notoriamente se destaca a têxtil; iv) a implantação e desenvolvimento do sistema ferroviário paulista; Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 30 v) a expansão do sistema bancário; vi) a atividade do comércio de exportação e de importação; vii) o desenvolvimento de atividades criadoras de infra-estrutura - portos e armazéns, transportes urbanos e comunicações - bem como daqueles inerentes à própria urbanização, como o comércio por exemplo; viii) finalmente, a atividade do Estado, tanto do governo federal como do estadual, principalmente pela ótica do gasto público. Além dos elementos acima, destaco as seguintes variáveis: i) o movimento imigratório; ii) a disponibilidade de terras; iii) os saldos da balança comercial com o exterior e com o resto do país; iv) o capital externo; v) e por último, as políticas de defesas e valorização do café (CANO, 1977, p. 21). Os principais componentes e as variáveis acima citadas demonstram a importância do café e das atividades que surgem com a nova concentração urbana. O desenvolvimento e a implantação do sistema ferroviário exerceu,então, uma grande influência no processo de acumulação de capitais e de estímulo ao surgimento de novas indústrias. Além disso, o desenvolvimento da ferrovia proporcionou também o surgimento de inúmeras inovações na arquitetura. A importação de novos materiais para construção levou a um aumento significativo no ramo das construções. De acordo com Mautner (1992), o mercado daconstrução civil se desenvolveu rapidamente naquele período, a indústria da construção civil ligando-se diretamente à expansão do ciclo cafeeiro e dos novos meios de transporte, em especial a ferrovia. A fim de possibilitar a implantação da cultura cafeeira no país, o ciclo do açúcar foi um dos sistemas de produção que destinou parte acumulação de seus capitais a essa nova cultura. O café, por sua vez, por meio de seus excedentes de capital, estimulou direta e indiretamente o processo de industrialização de São Paulo e levou a uma nova fase na economia paulista, provocando a implantação e expansão das linhas ferroviárias. São Paulo entrou em uma fase de grande crescimento com o advento das ferrovias. Impulsionadas pelo binômio café - ferrovia, que agia fixando a população no interior, de 1900 a 1930 nasceram mais de 120 cidades e “a população do estado em milhões de habitantes passava, de Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 31 0,8 em 1872 para 1,40 em 1890 e 2,3 em 1900; daí até 1920 este total seria duplicado, atingindo 4,6 milhões” (CANO, 1977, p.70). Dessa forma, como afirmamos anteriormente, a expansão das estradas de ferro através do estado de São Paulo constituiu-se no fato decisivo para que a região pudesse não apenas se desenvolver, como se tornar um dos mais povoados estados brasileiros e grande potência econômica nacional. Assim, justifica-se a pertinência e relevância de se estudar a questão habitacional do estado em função do desenvolvimento ferroviário. Como veremos na seção seguinte, devido à migração para as cidades e ao aumento populacional que ocorreu em função dessa transferência, a necessidade de construção de novas habitações se tornou patente. Além disso, é necessário considerar-se que a expansão das ferrovias foi, ela própria, responsável pela criação de inúmeras cidades, ao agregar pessoas no entorno de trechos importantes das linhas. No estado de São Paulo, especificamente, essas características fizeram com que ferrovia e habitação se tornassem elementos intimamente associados. Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 32 2 – O apogeu ferroviário, o surgimento das primeiras Companhias de Estrada de Ferro A ferrovia talvez tenha sido uma das maiores invenções da era industrial. Transformou o modo de vida que imperava até seu surgimento pois, rompendo as barreiras de tempo e espaço, transformou a sociedade, a qual passou a existir cada vez mais em função do tempo. As distâncias passaram a ser transpostas com maior facilidade e o novo modo de locomoção substituiu as tropas de muares e as diligências que anteriormente trafegavam por entre caminhos tortuosos. Dessa forma, ocorreu uma mudança no modo de produzir (que precisou se acelerar), no comércio (também mais rápido e eficiente) e na própria vida das pessoas, dentro dessa nova sociedade cujas exigências e recompensas progressivamente se afastavam da tradicional. O início da era ferroviária se deu na Inglaterra, com a invenção da primeira locomotiva. Quando da inauguração, naquele país, do primeiro trecho que ligaria duas importantes cidades da era industrial, o interesse por esse meio de transporte já despertava no Brasil. De acordo com Pinto: Havia apenas algumas dezenas de annos que as estradas de ferro tinham começado a apparecer na Europa. A princípio sob forma de simples caminhos feito de trilhos de madeira, como os que usavam nas usinas de New Castle, na Inglaterra, por tracção animada; depois em 1770, sobre trilhos de ferro fundido; mais tarde, em 1820, sobre trilhos de ferro laminado e logo em seguida com o emprego das primeiras machinas locomotivas, entre as quaes é digna de citar-se a que Stephensob produziu e fez trabalhar, em 1829, no caminho de ferro de Liverpool a Manchester, contendo os principaes elementos das machinas modernas, taes como a applicação do princípio de adherencia, a caldeira tubular e a tiragem produzida pelo escapamento do vapor da chaminé – quando se deu no Brasil o primeiro passo para a introducção no paiz d’esse extraordinário instrumento de civilização e progresso. (PINTO, 1903, p. 22). A primeira iniciativa nesse sentido ocorreu em 31 de outubro de 1835. Promulgada pelo Regente do Império, Padre Diogo Antônio Feijó, a Resolução número 101 da Assembléia Legislativa determinava que o governo concederia privilégios para a implantação de uma ou mais Figura 1.1. Ilustração da “The Rocket” , primeira estrada de ferro ligando Liverpool a Manchester em 1829 (Arquivo museu histórico Barão de Mauá, 1998). Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 33 companhias que pretendessem construir estradas de ferro que ligassem o Rio de Janeiro às capitais das províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. A Resolução estabelecia, entre outras vantagens, a concessão da exploração das ferrovias por um período de quarenta anos; a importação, com isenção de impostos, de máquinas e equipamentos necessários para a implantação das estradas de ferro; a cessão gratuita de terrenos do Estado para a construção dos trilhos, ou direito de desapropriação de terras privadas que os caminhos percorressem. Nesse período, denominado por Pinto de “Primeira Fase de Implantação das Ferrovias”, apesar de terem ocorrido as primeiras tentativas de realização de diversas concessões, nenhuma foi concretizada. O autor justifica esses fracassos como característicos de um primeiro momento, no qual o grande esforço do país para que esses empreendimentos se concretizassem foi vão, devido ao fato de este encontrar-se “na infância de seu desenvolvimento econômico” (PINTO, 1903, p. 27), com uma população ainda insignificante diante de sua grandeza territorial. Além disso, outro fator relevante para esse fracasso foi a insegurança dos capitais estrangeiros em investir em uma colônia que tinha conseguido sua independência havia tão pouco tempo. Entre as tentativas frustradas nessa época podem-se destacar duas, que ocorreram no estado de São Paulo. A primeira delas, em 1838, outorgava à firma Aguiar, Viúva, Filhos & Companhia e à Platt & Reid a concessão para a construção de uma estrada de ferro que ligaria Santos à zona central da província. A prioridade na construção dessa obra justificava-se pela grande importância de tais logradouros para a época. Apesar de o país ter sua economia baseada na produção da cana-de-açúcar, o café começava a se destacar como o novo esteio do estado. Em pouco tempo, a cultura cafeeira suplantaria a do açúcar. Vindo pelo Vale do Paraíba, migrado de terras fluminenses, o café logo dominou todo o oeste paulista. Também de grande importância foi a concessão que o inglês Thomaz Cochrane recebeu do governo imperial para a construção de uma estrada de ferro que ligaria o Rio de Janeiro à Província de São Paulo. A ferrovia não se concretizou. Porém, alegando que sua empresa iria à ruína se o governo não garantisse o pagamento dos juros para o capital necessário à construção da estrada, Cochrane reivindicou mais privilégios. O processo de tramitação das reivindicações ocorreu entre 1840 e 1842, sob a justificativa de que em diversos países a garantia de juros era uma forma de viabilizar as estradas de ferro. Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 34 O governo recusou-se a dar a Cochrane tais privilégios. Com isso, o capital para a viabilização das estradas de ferro voltou-se para países que concediam essas garantias. Na década de 50, o país tornou-se mais suscetível a empreendimentosferroviários pois, após a extinção do tráfico de escravos, o capital até então empregado no comércio negreiro ficou livre. Além disso, o país gozava de uma maior estabilidade política, com o fortalecimento da ordem pública interna. De acordo com Matos, “uma nova era de prosperidade abre-se para o país na segunda metade do século, refletindo-se nos mais variados setores da vida nacional, principalmente no desenvolvimento da civilização material” (MATOS, 1990, p. 63). Em 1852, de acordo com Pinto, inaugura-se a “Segunda Fase das Ferrovias”. Por intermédio da Lei Geral número 641, promulgada naquele ano, o governo concederia privilégios à construção total ou parcial de uma estrada que tivesse início na corte (Rio de Janeiro) e terminasse em São Paulo e Minas Gerais. A favor dessa concessão estariam: o direito de desapropriação de terrenos; o uso de madeira, minerais e outros materiais que fossem encontrados nesses terrenos; a isenção de impostos sobre a importação de trilhos, máquinas e demais objetos destinados à construção da estrada; privilégios de zona de extensão de 5 léguas tanto de um lado como de outro da estrada, e ao longo de todos os trilhos; garantia de juros de até 5% do capital empregado na sua construção. Além desses 5% dos juros dados pelo governo imperial, a província do Rio de Janeiro comprometeu-se a pagar mais 2%, em contrato estabelecido em 10 de maio de 1855. A empresa que incorporou a estrada chamava-se Companhia de Estrada de Ferro D. Pedro II. No entanto, a estrada não foi concluída em toda sua extensão, devido às dificuldades de transposição da Serra do Mar e a outros interesses, como sua localização a oeste das fazendas de café, direção oposta ao projeto inicial. Puseram-se em funcionamento somente os trilhos de Visconde de Mauá a Petrópolis. Em 1865, a estrada foi encampada pelo governo imperial, que deu continuidade às obras, e em 1875 os trilhos chegavam ao seu destino, no Vale do Paraíba. Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 35 Em São Paulo as necessidades de se construir uma ferrovia eram cada vez maiores. Os transportes em operação na época e as condições precárias dos caminhos que desciam ao litoral não condiziam com a produção de açúcar e do café, que começava então a avançar pelo Noroeste. Eram claras as vantagens que tal estrada traria para a província: o desenvolvimento do comércio de Santos e a possibilidade de aumentar as exportações, a expansão do processo de colonização do estado, o incentivo ao trabalho livre, a redução dos custos de transportes. 2.1 - Estrada de Ferro Santos - Jundiaí A firma Aguiar, Viúva, Filhos & Cia, detentora da concessão para a construção da estrada de ferro que ligaria Rio Claro a Santos, não conseguiu viabilizá-la devido à falta de recursos. Sem condições de obtê-los, o empreendimento foi abandonado, e os estudos e levantamentos topográficos realizados pelo engenheiro inglês Mornay, guardados por Frederico Foomm, representante da companhia, até a sua morte. Sua viúva entregou os planos a um seu parente, o Marquês de Monte Alegre. Seu protegido, o Visconde de Mauá, vendeu-os, juntamente com a concessão, à Companhia Inglesa pela quantia de quarenta e cinco mil libras esterlinas. Esses planos serviram de base para o atual traçado da estrada de Santos a Jundiaí. Com a aprovação dos artigos da Associação da Companhia da Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí, em 6 de Junho de 1860, na cidade de Londres, constituiu-se a firma que brevemente construiria a primeira ferrovia de São Paulo, a São Paulo Railway Company. A construção dessa estrada começou em 24 de novembro de 1860. A obra teria que transpor, em seu trecho mais difícil, uma diferença de nível de 800 metros. A densa floresta da Mata Atlântica e as chuvas torrenciais que causavam grandes desabamentos aumentavam enormemente o custo do empreendimento. Porém, as dificuldades não foram intransponíveis: a subida da Serra foi vencida por intermédio da construção de vários patamares, e em 16 de fevereiro de 1867 os 139 quilômetros de estrada foram entregues ao público. Efetuou-se, assim, um grande passo para o desenvolvimento ferroviário do estado de São Paulo. Figura 1.2. Trecho da serra do mar (Arquivo museu histórico Barão de Mauá, 1998). Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 36 2.2 - A Companhia Paulista de Estradas de Ferro Logo após a conclusão da obra, tratou-se de organizar um projeto para a construção de uma articulação da ferrovia, ligando São Paulo a Cachoeira. Nos moldes da concessão cedida para a empresa inglesa, o projeto que privilegiaria o Norte do estado de São Paulo e a região Sul de Minas, não se viabilizou naquele momento. Muito importante para São Paulo, esse prolongamento, a ser realizado pela Companhia Paulista, teria início em Jundiaí, com direção ao Oeste do estado. Acompanhava, portanto, o processo de migração que ocorria naquele momento, no qual o café deixava o solo fluminense e o vale do Paraíba em busca das terras roxas da região a ser privilegiada pela estrada.Outro motivo para o delineamento da um novo traçado para as estradas de ferro era a grande importância da cidade de Campinas na época. Destacado centro agrícola, funcionava como ponto de escoamento da produção dos cafezais que se alastravam pelo interior do estado. Além disso, era precursora de atividades pioneiras em diversas áreas, como a indústria, a educação e a área hospitalar, constituindo-se em um dos centros urbanos e culturais mais importantes do país. A concessão feita pelo Império estendia-se até a região de Rio Claro. No entanto, a São Paulo Railway não possuía interesse em estender seu traçado pela província, pois sua localização já era estratégica, garantindo ao capital inglês o monopólio de toda a mercadoria que se destinava ao porto de Santos, pelo qual saía a carga vinda de diversos locais. Por isso, a empresa construiu a estrada somente até Jundiaí. A necessidade de a estrada de ferro avançar para o interior era evidente, e o desinteresse da “Inglesa” em prolongar seus trilhos até Rio Claro levou o então presidente da província de São Paulo, Joaquim Saldanha Marinho, a interessar-se pelo projeto de extensão dos trilhos até o interior do estado. Sendo Campinas o ponto-chave do prolongamento, naquela cidade, em 16 de dezembro de 1867, foi lançada a idéia da criação de uma companhia nacional, a qual se realizaria pela iniciativa de fazendeiros, negociantes e capitalistas, visando atender ao crescimento da lavoura cafeeira na região. Capítulo I _______________________________________________________________________________________________ AS FERROVIAS PAULISTAS 37 A São Paulo Railway Company alegava ao governo imperial que tal empreendimento necessitaria da garantia de 7% de juros do capital investido na construção da estrada, somando-se 9% com os 2% garantidos pela província. O governo e a elite do estado de São Paulo passaram então a exercer uma pressão sobre a companhia, para que esta abrisse mão da concessão. Sua desistência possibilitou a formação da Companhia Paulista. De acordo com Pinto: Tendo a São Paulo Railway Company declarado desistir do direito de preferencia que, pelo seu contracto, lhe cabia, em egualdade de condições, para o prolongamento da linha ferrea além de Jundiahy, desistencia que era mais tarde officialmente acceita pelo Governo, a 30 de janeiro de 1868 installava-se provisoriamente na capital da Província a Companhia Paulista das Estradas de Ferro de Jundiahy a Campinas. (PINTO, 1903, p. 38). Com a desistência da empresa inglesa, realizou-se uma assembléia, na qual foram discutidos e aprovados os estatutos
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