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Socialização fé e poder

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SOCIABILIZAÇÃO, FÉ E PODER: UMA ANÁLISE ACERCA DO PAPEL SOCIAL DAS IRMANDADES NAS MINAS SETECENTISTAS
.
Leonardo Augusto dos Santos, graduando em História, FESBH.
leonardo.augusto83@yahoo.com.br
Marcelina das Graças de Almeida, Prof.ª. Dra. Orientadora. 
marcelinaalmeida@yahoo.com.br
Resumo: O presente artigo analisa o papel social desempenhado pelas irmandades mineiras nos setecentos onde sustentadas pelos leigos, essas associações surgem a partir da ingerência do Estado Absolutista português frente as questões sociais e espirituais. A Igreja Católica por sua vez atrelada a Coroa, e por força da instituição do padroado régio não tem uma atuação efetiva nos assuntos religiosos e sociais da época. As irmandades foram durante o século XVIII o principal meio de ajuda mútua entre os irmãos associados, que eram assistidos em situações que demandasse ajuda tais como: miséria, doença, viuvez, prisão, morte e a garantia de sepultamento digno. Desta forma, percebe-se que as irmandades não se preocupavam apenas com o “bem estar” espiritual, mas também, com todas as questões que envolvessem seus irmãos. O artigo verifica como se processou o assistencialismo social nos setecentos mineiro, contextualizando a atuação da Igreja católica no referido século, bem como analisando através do livro de compromisso as práticas sociais desempenhadas pela irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté.
Palavras-chave: Irmandade; Igreja; Sociabilização; Leigos; Minas Gerais.
Abstract: This article analyzes the role played by social sororities in mining where seven hundred held by laymen, these associations arise from the interference of the Absolutist State Portuguese forward social and spiritual issues. The Catholic Church in turn linked to the Crown, and under the patronage of the royal institution has no activeness in social and religious affairs of the time. The brotherhoods in the eighteenth century were the primary means of mutual aid between siblings associates, who were assisted in situations that demanded aid such as misery, sickness, widowhood, imprisonment, death and ensuring proper burial. Thus, it is clear that the brotherhoods were not concerned only with the "well-being" spiritual but also with all matters involving his brothers. The article examines how social welfare is sued in seven hundred miner, contextualizing the role of the Catholic Church in that century, as well as looking through the book of compromise social practices performed by the fellowship of Santo Antonio da Vila Nova da Rainha's Caeté.
Keywords: Brotherhood; Church; Socialization; Laity; Minas Gerais.
INTRODUÇÃO
A vida religiosa na Capitania de Minas foi marcada por grande movimentação dos moradores para a construção de novas igrejas que dessem conta do fervor religioso que pairava sob o século XVIII. Todos ou quase todos os núcleos da sociedade da colônia mineira tiveram suas igrejas construídas em honra aos seus oragos[footnoteRef:1]. [1: O santo da invocação que nomeia uma capela ou templo ou a uma freguesia. ] 
O catolicismo durante os setecentos caracterizava-se pela grande participação de leigos[footnoteRef:2], mais precisamente, com a atuação das irmandades. Essas associações começam a se despontar a partir da iniciativa do Estado Absolutista português, ao proibir o estabelecimento de religiosos regulares na Capitania de Minas. Ficando a cargo dos leigos elementos constituintes das irmandades, a difusão da fé católica, a exteriorização do culto e o assistencialismo espírito-social. Uma vez que o Estado absolutista português não se fazia presente em um primeiro momento nas questões religiosas e sociais da sociedade, então, foi no seio dessas associações que a população encontrou refúgio para as questões espirituais e sociais e, [2: Fiéis, pessoas que não possuem ordem religiosa.] 
[...] nessa perspectiva, então, é que se compreende a proliferação dos templos religiosos nas Minas Gerais setecentistas, especialmente quando se tem em conta a quase total isenção de responsabilidade do Estado em relação a auxílios para aquelas edificações e para aqueles grêmios [...]. (BOSCHI, 1986, p.176).
Outro fator que pode ter contribuído para o surgimento das irmandades foi a instabilidade e insegurança em que vivia a sociedade mineira no início do século XVIII, cujo futuro dependia da sorte de encontrar pedras preciosas. Pode-se dizer ainda que, as “[...] irmandades mineiras coloniais surgiram como instituições nas quais as pessoas buscavam apoio mútuo e solidariedade [...]”. (BOSCHI, 1986, p.176)
Várias foram as irmandades que se constituíram ao longo do século XVIII na capitania, desempenhando diversos papéis, seja na prática de seus ofícios como: festividades, missas, procissões e rituais fúnebres, ou seja na ajuda fraterna aos irmãos e na orientação para a boa conduta social. Portanto, fazer parte de uma determinada irmandade era a forma que muitas pessoas viam de serem subsidiadas em suas necessidades futuras. Ser irmão professo de uma irmandade existente era garantir o amparo em situações de miséria, doença, morte, viuvez, prisão e a garantia de um sepultamento digno. Desta forma, mais que ajuda espiritual, a maioria das associações ofereciam amparo a seus membros. Daí a necessidade de entender os mecanismos de sociabilidade e religiosidade praticados no setecentismo mineiro pelas irmandades, principalmente no tocante ao assistencialismo social exercido por esses sodalícios.
Assim, a pesquisa se justifica na mediada em que se busca compreender o papel social desempenhado pelas irmandades na colônia mineira durante o século XVIII, se fazendo necessário entender como a religião e suas práticas se fixaram na colônia mineira através da omissão do Estado Absolutista português, frente às questões religiosas e sociais, influenciando os hábitos comportamentais e culturais da população local. Apesar da interferência praticada pelo Estado e pela Igreja, as irmandades tiveram relevante papel ao atendimento das necessidades sociais e devocionais dos irmãos professos uma vez que,
[...] não se poderia, portanto, estudar a evolução social de Minas, suas peculiaridades, sua dinâmica própria, suas projeções históricas, sua influência no comportamento social e político da coletividade mineira contemporânea, sem, antes de tudo, estudar a história das irmandades religiosas. Constituíram estas a mais viva expressão social da Capitania, da Província e mesmo do Estado [...] (SALLES, 2007, p. 181).
Para analisar o papel assistencialista desempenhado pelas irmandades nos setecentos mineiro foi realizado um levantamento bibliográfico relativo à historiografia referente às irmandades no contexto social, bem como, àquela concernente a religiosidade na Capitania de Minas. Cabe destacar além do estudo de Fritz Teixeira de Salles (2007), o estudo de Caio César Boschi (1986). Ambos analisaram as diversas formas de assistência social praticadas pelas irmandades erigidas no decorrer do setecentos na Capitania de Minas, permitindo compreender como a sociedade se organizou em torno desses sodalícios[footnoteRef:3]. Salles (2007) se atém mais à interpretação dos compromissos desses sodalícios, já Boschi (1986), enfatiza a relação entre Estado- Igreja- irmandade. A consulta a documentos textuais como os livros de compromissos que consistiam em um estatuto particular a cada irmandade, também foi feito com o propósito de analisar as regras sob as quais estavam submetidos os irmãos professos, e as práticas sociais que aquela irmandade estaria disposta a oferecer a seus membros. A consulta aos livros de receita e de despesas nos permitiu estabelecer uma comparação entre as irmandades, no que diz respeito a valores para a admissão e o pagamento dos anuais. [3: Sociedade de pessoas que vivem em comum ou que convivem em associação.] 
Apesar de vasta documentação consultada sobre as irmandades para a produção desse artigo, nos ativemos à análise do livro de compromisso da irmandade de Santo Antônio da freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso da VilaNova da Rainha do Caeté, datado de 1738, sob a perspectiva de analisar sua estrutura e funcionamento.
A IGREJA SOB A ÉGIDE ABSOLUTISTA: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DA ATUAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NAS MINAS SETECENTISTA
Nas Minas Gerais setecentistas, a vida social fora marcada por grande fervor religioso, pela participação ativa dos leigos e pela falta de interesse da Coroa nas questões religiosas. Pode-se perceber que, um dos fatores que fez com que os leigos tivessem maior evidência durante o século XVIII na Capitania de Minas, foi a instituição do padroado, onde os monarcas portugueses sob o título de grão mestre da Ordem de Cristo[footnoteRef:4],“[...] o direito de cobrança e administração dos dízimos eclesiásticos[...]” ( HOONAERT, 1992, p.162). Além de intervir nas questões religiosas e nas escolhas de nomes para ocupação dentro de uma diocese e paróquias. [4: Título esse concedido pela Santa Fé conferia aos reis lusitanos] 
No entanto, Adalgisa Arantes Campos, em seu trabalho intitulado A mentalidade religiosa dos setecentos: O Curral del Rei e as visitas religiosas, relata que, “[...]ainda que a Igreja mineira estivesse submetida ao Padroado, ela contou com o veículo de atuação tridentina: a Visita Pastoral e as Devassas[...]” (CAMPOS, 1997, p.15), e Caio César Boschi diz que “[...] o clericalismo idealizado pelo Concílio de Trento[footnoteRef:5], não deitou suas raízes no Brasil[...] (BOSCHI, 1986, p.64), quando Campos (1997) estabelece essa ligação entre a visita pastoral e a atuação tridentina, ela reforça a ideia da fiscalização exercida pelos bispos nas dioceses, através das visitas pastorais[footnoteRef:6], que tinha como intenção criar um laço de aproximação entre os bispos e a sociedade. Estes eram vistos como pastores, e sua função durante a visita era a de acompanhar e controlar o comportamento dos fiéis. As visitas pastorais foram prescritas no Concílio de Trento. Boschi (1986) se refere ao clericalismo como sendo não dominante na colônia, a mentalidade tridentina não pode ser implantada em sua totalidade, pois a instituição do Padroado se fez de maneira incisiva. [5: Sobre a idealização tridentina ver HOORNAET, Eduardo. História da Igreja no Brasil.4ed. São Paulo: Paulinas, 1994. Tomo II/I. p.155.] [6: Sobre as visitas pastorais ver OLIVEIRA, Alcilene C. de. A Difusão da Doutrina Católica em Minas Gerais no século XVIII: análise das pastorais dos bispos. História: Questões e Debates, Curitiba, n.36,2002. UFPR.
] 
A partir da instituição do padroado podemos perceber a relação existente entre a Igreja e o Estado Absolutista português que, se caracterizava pelo regalismo[footnoteRef:7], onde o rei exercia seu poder nas questões eclesiásticas. [7: Segundo Hoonaert (1992, p.164) O regalismo é a intromissão do poder civil nos negócios eclesiásticos.] 
Mas como poderia uma instituição religiosa exercer sua função atrelada ao Estado colonizador? A intromissão da monarquia portuguesa nos negócios eclesiásticos só fez com que sua força colonizadora se legitimasse, e desta forma, a atuação da Igreja estaria limitada às demandas e necessidades da coroa[footnoteRef:8], deixando de lado a evangelização e a propagação do cristianismo entre a população, onde “[...] submissos ao Estado, bispos e padres acabaram cuidando exclusivamente de seus próprios interesses e/ou dos da Coroa. Não evangelizaram, no sentido cristão: não foram suporte nem agentes da religião católica [...]” (BOSCHI, 1986, p.64). Não poderia desta forma uma sociedade que estava imersa em um sistema de lutas, incertezas e instabilidades esperar muito de uma Igreja que se fixava nas bases monárquico-colonizadoras, e ao invés de desempenhar seu papel no âmbito cristão, “[...] o trabalho dos homens da Igreja na Colônia foi essencialmente o de desempenhar uma função política no quadro geral da colonização [...]” (BOSCHI, 1986, p. 61). [8: A coroa estava preocupada com o controle da produção aurífera, com o pagamento dos impostos e com o contrabando prática comum na colônia mineira, então as atividades eclesiásticas estavam voltadas para a conscientização do homem, e de enfatizar os “castigos” articulando as noções de pecado e salvação.] 
Percebe-se que, a dependência e por que não dizer a submissão do episcopado e de todo o clero fora legitimado pela instituição do Padroado. Ao rei caberia manter economicamente a Igreja e o clero, atuando efetivamente na cobrança dos dízimos que unido aos impostos cobrados à população, seriam usados em benefício da coroa, deixando de lado na maioria das vezes, a utilização dos dízimos nas obras religiosas, esse recolhimento deveria ser repassado em favor da Igreja e para o pagamento das côngruas, isto é, uma espécie de subsídio financeiro concedido aos vigários, padres e bispos, bem como se responsabilizar pela construção de novas igrejas e manutenção dos cultos. 
Estando a Igreja Católica sob a égide do Estado Absolutista, caberia a este manter financeiramente o corpo eclesiástico, estando dependente desse Estado, o “[...] clero prestou à monarquia inconteste provas de sua lealdade, omitindo invariavelmente a respeito das injustiças do sistema, algumas das quais, pelo menos em princípio, feriam os princípios da religião que ele apostolava [...]” (BOSCHI, 1986, p.63). 
Portanto, sendo mantida pela Coroa e ligada diretamente a esta, a Igreja não atuou efetivamente nas questões espirituais e sociais, deixando de lado o assistencialismo para com os fiéis e, através de suas ações políticas acabara legitimando a colonização portuguesa no seio da sociedade mineira. Os eclesiásticos sendo subsidiados pela Coroa estavam sujeitos às condições estabelecidas pelo El-Rei, que portando o consentimento papal para a intervenção nos negócios da Igreja muitas das vezes deixavam de exercer com suas obrigações para com os sacerdotes e sociedade. 
A partir de toda essa limitação imposta a Igreja pelo Estado Absolutista português pode-se perceber a importância histórica das Irmandades no século XVIII em Minas Gerais. Na Capitania de Minas durante o século XVIII a expressividade dos ritos religiosos era exposta de forma opulenta, as procissões, missas, rituais fúnebres eram manifestações que envolviam toda a sociedade e estas eram realizadas com toda pompa necessária, principalmente aquelas praticadas externamente.
É então a partir da ingerência do Estado Absolutista em prover os cultos religiosos e as festas dedicados aos santos é que podemos notar o aparecimento das associações formadas por leigos que nesse momento surgem como uma espécie de ajuda ao Estado onde “[...] além de aliviá-lo do compromisso de aplicação dos dízimos eclesiásticos recolhidos na implementação do culto religioso, os irmãos leigos acabaram por absorver a responsabilidade dos serviços sociais a toda a população colonial” (BOSCHI, 1986, p.65).
As irmandades foram para o Estado Absolutista português uma espécie de “válvula de escape”, onde o mesmo afastava de si o compromisso de resolução das questões sociais e “[...] a monarquia absoluta nesse momento empenhava-se em laicizar a assistência social, com o firme propósito de legitimar seu poder e domínio [...]” (BOSCHI, 198, p.53). Nesse propósito de legitimação de poder, o Estado fez com que as irmandades se proliferassem de forma rápida, tendo como pressuposto que eram erigidas para o serviço de Deus e para a veneração dos seus oragos. Nos livros de compromissos consultados pode-se verificar essa preocupação dos leigos em constituir uma irmandade em honra a um santo padroeiro. Vejamos o caso da irmandade da igreja matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, de 1738:
[...] Dizemos devotos e fregueses da igreja matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso da Vila Nova da Rainha que eles entre si tem ajustado instituir e levantar uma irmandade a mesma senhora para todos os anos a festejarem com zelo e devoção tratando de sua capela maior e porque não podem fazer sua autoridade[...]o reverendo Vigário dará pelo que pedem a Vossa Mmª lhe faça me conceder a licença para que possam instituir e levantara dita irmandade e juntamente fazer seu compromisso para por ele ser governado tudo de baixo do poder da igreja[...].[footnoteRef:9] [9: Compromisso da irmandade de igreja matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, cap I,arq. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.
] 
Percebe-se a partir do trecho citado acima, do compromisso da irmandade, que o objetivo desses sodalícios era de instituir e levantar uma irmandade para festejar seu santo e de zelar pelo templo. Preocupação essa que a população agremiada tinha, pois, o Estado e o clero não apresentavam essa preocupação com o zelo. Nota-se, porém, que mesmo a Igreja não tendo participação efetiva nos cuidados dos templos, os sodalícios estavam sob a égide dela e do Estado, visto que a aprovação de seus compromissos, segundo Hoonaert (1992, p.235) “[...] competia ao rei de Portugal, como Grão-Mestre da Ordem de Cristo, uma vez que durante o período colonial, o rei tinha consentimento papal para intervir nos negócios da igreja [...]”.
Igreja, Estado e leigos formavam na colônia mineira um elo de interesses mútuos. A Igreja agindo como instrumento do Estado, que por sua vez não dispendia atenção para os negócios religiosos e sociais, e a participação dos leigos, frutos dessa interação Estado/Igreja, abraça a religião e suas doutrinas e consequentemente os serviços sociais e caritativos, que por ora deveriam ser obrigações e deveres do Estado e da Igreja.
FÉ, PODER E RIQUEZA: ANÁLISE DO COMPROMISSO DA IRMANDADE DE SANTO ANTÔNIO DA VILA NOVA DA RAINHA DO CAETÉ (1738). - FORMAÇÃO DA MESA ENTRE OS IRMÃOS: OS MODOS DE ADMINISTRAR A IRMANDADE
Para compreender um pouco sobre essas associações religiosas e as formas como elas se organizavam, analisaremos o livro de compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté, datado de 1738.
O livro de compromisso era o documento pelo qual as irmandades descreviam seus regulamentos, aos quais estariam submetidos os irmãos professos. Salles aponta que “[...] esse livro era, então, enviado a Lisboa para a sua aprovação pelo rei. Algumas vezes a coroa aprovava esse texto, riscando, do mesmo, itens ou capítulos inteiros [...]” (2007, p.52). Talvez seja esse o motivo que fez com muitos livros de compromissos resistissem ao tempo, e chegassem aos dias atuais em bom estado de conservação, nos permitindo através de análises, compreender como se processava a formação de uma irmandade.
Pode-se imaginar a burocracia que estava submetida às irmandades para conseguir a aprovação de seu compromisso. As irmandades mesmo que apresentando um caráter independente, estavam ligadas ao Estado e a Igreja, pois viam com bom gosto a atuação dessas associações que dependiam de suas licenças para se estabelecerem. Seria essa uma forma de dominação por parte da coroa para poder controlar a abertura de irmandades. “[...] No âmbito dos compromissos, pode-se ainda analisar outra forma clara de controle e dominação das irmandades pela Coroa, isto é, as restrições exaradas nos alvarás de confirmação [...]” (BOSCHI, 1986.p 121).
As associações religiosas formadas por leigos, ou seja, as irmandades, foram importantes meios de sustentação da fé católica nas minas setecentistas, principalmente na sustentação dos cultos religiosos. Fazer parte de uma irmandade nos setecentos mineiro era como se assegurar ou se prevenir nas necessidades, que por ventura pudessem aparecer. Afinal, em meio a uma sociedade sedenta de enriquecimento e isenta de apoio por parte do colonizador, no caso os portugueses, se fazia necessário contar com o apoio desses sodalícios.
O livro de compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha é datado de 1738, e foi elaborado com 26 capítulos. Este documento é uma rica fonte de pesquisa, pois trata em detalhes todo o processo organizacional da irmandade, onde são descritos as obrigações de cada membro da mesa diretora, as questões relacionadas ao assistencialismo, e as obrigações que estavam sujeitos os irmãos professos. Quanto a estruturação da irmandade, a mesma era constituída por: 1 Juiz, 1 tesoureiro, 1 escrivão, 1 procurador e 12 irmãos. É importante ressaltar que, para ocupar esses cargos era necessário seguir alguns padrões ditados pelo compromisso. No referido documento lemos: “Para Juiz e escrivão desta santa irmandade serão homens de posses, capazes de deporem de suas esmolas a tempo satisfatório, para procurador o mais zeloso que aparecer”[footnoteRef:10]. [10: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté, arq. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.
] 
Por se tratar de uma irmandade de brancos, a irmandade de Santo Antônio, em seu capítulo I assim descreve: “A esta santa irmandade, será admitido por irmão, toda pessoa branca que for de boa vida e procedimento bom e sendo assim poderão receber juntos aos irmãos da mesa por votos de todos dela”.
Apesar da intensa restrição por parte da irmandade para a aceitação de irmãos a se tornarem membros desse sodalício, ainda pode-se observar que, na Capitania de Minas existem as que acolhem em seu seio, os mais diversos tipos de pessoas, conforme aponta Salles,
[...] Comparando os textos dos compromissos das corporações de brancos com as de pretos, vemos que os primeiros proíbem o ingresso do homem de cor, ao passo que as Irmandades de pretos permitem a entrada de qualquer indivíduo, inclusive de brancos. Além disso, especificam que filhos de qualquer nação podem ingressar, quando os brancos proíbem a entrada de pessoas originárias de “qualquer infecta nação”, isto é, judeus, mouros ou africanos [...] (2007, p.82).
Outras questões ainda são abordadas no livro de compromisso da irmandade de Santo Antônio como, a agremiação de novos irmãos, os valores a serem pagos de entrada e de anuais, quantidade de missa a se celebrar para o fiel defunto, procissões, assistência social e o cuidado com o ritual fúnebre. Fato evidente são a organização e burocracia que as irmandades apresentavam. Verificou-se que além do livro de compromisso a irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté, possuía mais 4 livros. Este fato é importante, pois durante a pesquisa não foi percebido a descrição nos outros livros de compromissos analisados a existência de outros estatutos como podemos perceber a partir do trecho a seguir,
[...] Haverá nesta santa irmandade quatro livros numerados e rubricados por fora, para se conhecerem o termo dos assentos dos irmãos, outro para as eleições que escreverá o escrivão, outro para a despesa eleita que o procurador fizer ao tesoureiro em que ambos assumirão, outro para as missas de capelas e dos irmãos que falecerem, que o tesoureiro o terá em seu poder [...][footnoteRef:11]. [11: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
O capítulo X do livro de compromisso esmiúça em detalhes todo o controle para a aceitação de uma pessoa para integrar o quadro da irmandade, onde se reforça a ideia da superioridade dos brancos nessa associação.
[...] Todo homem branco, quiser ser irmão, sendo de bom procedimento e boa vida aceitarão sem repugnância alguma e, dado caso que haja algum irmão que o queira impedir se fará diligência para se saber a causa e motivo para que o tal sujeito não seja irmão. E logo se achando ser ódio ou mal querança, logo a irmandade o sujeito impugnado o aceitarão [...][footnoteRef:12]. [12: Idem, op. cit.] 
 
Este trecho traça o perfil exigido para se tornar irmão. Verifica-se também que a vida da pessoa interessada em ser admitida era literalmente vasculhada, com o propósito de se levantar dados da sua conduta social. O capítulo X do livro de compromisso deixa claro ainda a preocupação da mesa diretora em admitir pessoas brancas e de bom convívio. Esse cuidado pode ser explicado talvez pela preocupação das irmandades em querer ser bem vista pela sociedade, Estado e Igreja.
É interessante observar o fechamento da irmandadepara a entrada de homens de cor, sendo esta exclusiva para brancos, contudo, Salles aponta que, 
[...] comparando os textos dos compromissos das corporações de brancos com as de pretos, vemos que os primeiros proíbem o ingresso do homem de cor, ao passo que as irmandades de pretos permitem a entrada de qualquer indivíduo, inclusive de brancos. Além disso, especificam que filhos de qualquer nação podem ingressar, quando os brancos proíbem a entrada de pessoas originárias de “qualquer infecta nação”, isto é, judeus, mouros ou africanos [...] (SALLES, 2007, p.82).
Fazer parte de uma irmandade em um primeiro momento pode parecer fácil. A partir das análises dos livros de compromissos, verifica-se certa burocracia e ônus para se tornar irmão. A tabela abaixo mostra os valores cobrados por algumas irmandades, no que diz respeito ao pagamento da entrada e anuais.
TABELA 1: Pagamento de entrada e de anuais cobrados pelas irmandades mineiras.
	ORAGO
	LOCALIZAÇÃO
	VALOR DE ENTRADA
	VALOR DOS ANUAIS
	São Miguel das Almas
	Caeté – Freguesia de N.S do Bom Sucesso
	Não verificado no livro de compromisso
	Não verificado no livro de compromisso
	Santíssimo Sacramento
	Congonhas – N.S do Pilar
	5 oitavas de ouro
	2 oitavas de ouro
	Santo Antônio
	Caeté - Freguesia de N.S do Bom Sucesso
	2 oitavas de ouro
	2 oitavas de ouro
	Nossa Senhora da Representação
	Caeté - Freguesia de N.S do Bom Sucesso
	Não verificado no livro de compromisso
	8,5 oitavas de ouro
	Santíssimo Sacramento
	Caeté - Freguesia de N.S do Bom Sucesso
	0,5 oitava de ouro
	0,5 oitava de ouro
	Virgem Senhora do Rosário dos Pretos
	Morro Vermelho 
	0,5 oitava podendo chegar a 10 oitavas de ouro
	0,5 oitava podendo chegar a 5 oitavas de ouro
	Nossa Senhora das Mercês dos Pretos Crioulos
	Mariana - Comarca dos Rios das Mortes 
	0,5 oitava de ouro
	0,5 oitava de ouro
	Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
	Sabará - Arraial de Santa Rita, Freguesia de Santo Antônio no Rio Acima
	1 oitava de ouro
	8 venteis. 
	 Da igreja matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso
	Caeté - Freguesia de N.S do Bom Sucesso
	2 oitavas de ouro
	1,5 oitava de ouro
Fonte: Elaborado pelo autor.
Cabe verificarmos o valor cobrado pela irmandade de Santo Antônio, por ela se tratar de uma associação formada por brancos. Os valores cobrados não eram tão exorbitantes. Pode-se supor que a sociedade da Vila Nova da Rainha do Caeté, não era uma sociedade que apresentasse pessoas com vasto cabedal[footnoteRef:13]. Salles nos fornece preciosa conversão em réis e cruzeiro desses valores exigidos pelas irmandades: [13: Conjunto de bens que formam a riqueza e patrimônio de uma pessoa.] 
[...] uma oitava corresponde à oitava parte da onça; esta equivale a 31 gramas, (isto é, 31.913 gramas). Em Portugal e, portanto, também em Minas, no século XVIII, uma oitava valia mil e duzentos réis, que correspondem a mil e quarenta cruzeiros, calculada ao valor atual do grama do ouro em 20 cruzeiros. Depois da capitação, volta a oitava a valer mil e duzentos réis [...] (2007, p.88) .
Para ser aceito como irmão era preciso pagar oitavas de ouro, no ato da entrada, bem como contribuir nas missas e na ajuda aos irmãos necessitados, era necessário ainda, que o irmão contribuísse anualmente com o valor estipulado pelo livro de compromisso. A forma de sustento das irmandades era justamente esses pagamentos, e as ofertas dadas pelos irmãos. Portanto, pode-se inferir quão rigorosa era a cobrança dessas taxas e a fiscalização para com a utilização do ouro da irmandade. Esta prática pode ser notada respectivamente nos capítulos XV, XVI e XIX do livro de compromisso:
[...] Haverá nesta santa irmandade uma caixinha pequena com três chaves e cada um de seu dono, os quais as chaves serão repartidas nas mãos dos oficiais, uma terás o juiz, outra o escrivão. E outra o procurador, e a caixinha terá o tesoureiro em seu poder ou ficará na Igreja na casa da irmandade se for segura. E não abrirá a não ser em mesa para se botar algum ouro ou dinheiro quando a irmandade o tiver ou também quando se quiser tirar para alguma obra da irmandade [...] [footnoteRef:14]. [14: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
[...] O juiz ou tesoureiro dessa santa irmandade não poderão fazer gastos sem junto dos irmãos da mesa e não se podendo convocar todos, havendo sempre irmãos da mesa se poderá fazer, mas poderá o juiz ou o tesoureiro em causas úteis e lícitas até a quantia de 10 ou 12 oitava de ouro [...] [footnoteRef:15]. [15: Idem, op. cit.] 
[...] sem pagar por 3 anos as usas esmolas pedindo aso visitadores 3 vezes pelo procurador por mandado da mesa e não se querendo ou satisfazendo as dívidas esmolas, o poderão riscar [...][footnoteRef:16]. [16: Ibidem, op. cit.] 
Esse rigor é característico das irmandades nos setecentos mineiro. Toda a decisão a ser tomada precisava passar pelo crivo da mesa administrativa. A organização apresentada no livro de compromisso da irmandade de Santo Antônio revela a força desses sodalícios na sociedade mineira. Uma lástima é o capítulo referente ao processo de eleição para a composição da mesa, onde o mesmo se encontra ilegível, impossibilitando a sua leitura. Mas o que se sabe é que as eleições aconteciam no dia de Santo Antônio, ou seja, no dia 13 de junho. 
O capítulo XVII descreve como se dará a eleição do capelão, responsável por rezar as missas, acompanhar os funerais, ouvir confissões dos irmãos da irmandade, e a este era pago uma quantia estipulada pela irmandade ou acordado entre ambas as partes.
[...] Em mesa e por votos dos irmãos que nela servirem, se elegerá um sacerdote para capelão o que mais conveniente parecer para acompanhar nossos irmãos defuntos, e para dizer cada domingo do ano uma missa pelos irmãos vivos e defuntos para o que lhe pagará a irmandade a esmola ou por ele se ajustar [...][footnoteRef:17] [17: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
Este capítulo comprova que os capelães buscavam apoio financeiro dentro das irmandades, exercendo suas atividades sacerdotais em favor dos irmãos, sendo considerados como funcionários desses sodalícios, “[...] a Coroa parecia acreditar que o ministério sacerdotal poderia se sustentar por conhecenças, benesses e pés-de-altar [...]” (BOSCHI, 1986, p.73), e esses benefícios na maioria das vezes não era suficiente para o clero se manter. É importante salientar que “[...] dentro da irmandade, o sacerdote, comumente denominado capelão, não passa de um funcionário da irmandade, submetido a mesa administrativa [...]” (CAMPOS, 1996, p. 72)
FIGURA 1: Frontispício do compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Pilar das Congonhas do Sabará, 1725.
FONTE: ALMADA. (2006, p. 148)
FIGURA 2: Organização visual dos capítulos do livro de compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Pilar das Congonhas do Sabará, 1725.
FONTE: ALMADA (2006, p. 86)
Portanto, a irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté (1738), traz em seu livro de compromisso toda a organicidade de uma associação, onde podemos perceber que os leigos tiveram grande interesse em propagar a fé católica a partir de suas ações religiosas. É notório também que o modo de administrar a irmandade era algo burocrático, onde todos tinham seus deveres e obrigações, e estes deveriam ser seguidos à risca. Por exemplo, as questões financeiras eram bem tratadas para o próprio bem da irmandade. 
 As restrições com as outras raças só reforça a ideia da marginalização do negro nos setecentos mineiro, mesmo estes tendo suas irmandades, a mesa deveria ser composta por homens brancos. A irmandade de Santo Antônio é datada de 1738, contudo, a sua aprovação se deu em 1785, 47 anos depois, já no final da segunda metade dos setecentos.
PARA O AGRADO DE NOSSO DEUS E PARA A SALVAÇÃO DA ALMA: AS PRÁTICAS SOCIAIS DESEMPENHADAS PELA IRMANDADE DESANTO ANTÔNIO DA VILA NOVA DA RAINHA DO CAETÉ (1738)
No século XVIII em Minas Gerais pairava sobre a sociedade um clima de incertezas e inseguranças, onde os interesses de se enriquecer saltavam aos olhos daqueles que viam na atividade mineradora o meio rápido para esse fim.
As irmandades, ou seja, as associações religiosas constituídas por leigos foram o principal meio de assistencialismo da região das minas setecentistas. Era preciso que essas pessoas que estavam envoltas a corrida do ouro e outros metais preciosos fossem amparados em suas mazelas. O Estado e a Igreja Católica não se encarregaram em suprir as necessidades espirituais e sociais da população.
Desta forma, nesse contexto de omissão dos principais órgãos sociais da época surgem as irmandades formadas por leigos, tendo a fé, o poder e a riqueza como bases sustentadoras das irmandades. A fé expressada nos cultos aos santos, nas celebrações das missas, na concessão de indulgências e principalmente nos ofícios fúnebres. Muitas irmandades mineiras agremiaram em seu seio centenas de pessoas, e através do número de pessoas agremiadas essas associações se tornavam ricas por via das contribuições estipuladas que estes eram obrigados a pagar. Assim, tendo um número expressivo de contingente agremiado e um vasto cabedal logo esta irmandade se sobressairia na sociedade despertando os interesses da população. 
 Salles afirma que o poder ou autoridade de uma agremiação religiosa nada tem a ver, em princípio, com seu sentido social. Isto é, o que levava uma irmandade a ser promovida “[...] era tão somente o seu poder econômico e social, expresso no número de irmãos arregimentados [...]” (2007, p.52). Apesar do interesse da população em usufruir dos benefícios concedidos aos irmãos professos das irmandades, o poder dessas associações estava diretamente ligado ao número de irmãos arregimentados em seu corpo, e das pessoas que a compunham e, não no seu papel social.
Fazer parte de determinada irmandade era a forma que muitas pessoas viam de serem subsidiadas em suas necessidades futuras, portanto, ser irmão professo de algumas das Irmandades existentes era garantir o amparo nas situações de miséria, doença, morte, viuvez, prisão e a garantia de um sepultamento digno. Mais que ajuda espiritual, a maioria das associações oferecia amparo a seus membros. 
A religião nos setecentos mineiro era o principal meio de sociabilização e distração entre as pessoas, como afirma Salles:
[...] toda população tinha nas cerimônias do culto sua ocupação predileta. A religião era o divertimento, através das grandes festividades que se multiplicavam o ano todo, graças as irmandades, a religião era também convívio, nas palestras pelos adros das capelas antes e depois das cerimônias; a religião estava ainda ligada à morte, ao nascimento e ao casamento. Os atos religiosos não se resumiam apenas àqueles dos domingos e dos santificados. Havia, também, as novenas promovidas pelas irmandades, bênção à tarde nos dias úteis, à qual as corporações exigiam o comparecimento dos filiados (irmãos), com suas opas, isto é com sua responsabilidade social. Era a participação na vida da comunidade [...] (2007, p. 177).
As irmandades foram o apoio que o Estado Absolutista português encontrou para afastar de si essas responsabilidades, ficando a cargo desses sodalícios as procissões, os enterros, e a manutenção dos templos religiosos. O caráter social obtido pelas irmandades permeavam diversos setores da vida social de um indivíduo, como citado anteriormente. A garantia de um sepultamento digno, talvez fosse o maior interesse da população, pois no século XVIII a salvação da alma era a preocupação do homem colonial. Para muitos uma garantia para se ter uma boa morte, isso porque, “[...] quando falecer será obrigado a irmandade mandar dizer 10 missas pela sua alma, lhe dará sepultura a seu corpo nas covas das irmandades quando capazes de se entrar nelas [...]”.
As irmandades, com a preocupação de arregimentar um número expressivo de irmãos, a estes ofereciam a garantia do sepultamento digno e a certeza de que sua alma gozaria dos sufrágios. E as irmandades “[...] renitente a preocupação com a morte, mantêm-se os gestos piedosos em ralação ao ato de se dar sepultura digna ao falecido, bem como os pedidos e orações dedicados aos mortos [...]” (ALMEIDA, 2007, p.90), em seu livro de compromisso no capítulo VIII, a irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté solicita ao Bispo a concessão de covas,
[...] pedimos ao reverendíssimo Bispo pelo amor de Deus atendendo a este nosso grande zelo e segmento dessa irmandade e para que se faça de todos, mais desejados, nos mande conceder 5 ou 6 covas dos que tem a fábrica da Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, para enterrar nossos irmãos que vierem a falecer [...][footnoteRef:18]. [18: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
A família do defunto encontrava na celebração das missas a garantia do conforto na hora da angústia e da perda, e “[...] já que o havia perdido, desejava assegurar-lhe o máximo de felicidade na outra vida [...]” (SALLES, 2007.p 120). Como pode- se observar, a preocupação dos homens do século XVIII era com a felicidade pós-morte e não com a conduta na terra enquanto vivo. O caráter solidário em relação a morte esta justamente na obrigação dos irmãos em rezar missas e acompanhar o defunto até o sepultamento, “[...] mandar celebrar missa, melhor ainda, frequentá-la, traz grandes frutos para os vivos e para os mortos [...]” ( CAMPOS, 1996, p. 67).
As obrigações dos irmãos vivos para com os mortos não se resume apenas à participação do sufrágio da missa, de acordo com o capítulo XII do compromisso da irmandade de Santo Antônio, 
[...] quando Deus for servir de levar para si algum irmão ou irmã toda a irmandade se juntará para o enterrarem, saindo com seu guião e cruz da dita Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso em forma de irmandade e os irmãos com suas opas brancas e com velas e tochas acesas nas mãos, e da mesma forma retornarão depois do enterro para dita Igreja e cada irmão rezará para o outro que falecer 1 rosário por sua alma, no mesmo dia que o tal irmão falecer e não podendo fazer por alguma grande ocupação ou impedimento o rezará sem falta no outro dia [...][footnoteRef:19] [19: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
A partir desse trecho podemos observar como deveria ser pomposo o ritual fúnebre, e a verdadeira preocupação da irmandade em satisfazer o desejo do defunto de ser bem enterrado.
Outro aspecto da maior relevância concernente ao assistencialismo social encontrado no compromisso da irmandade de Santo Antônio era a assistência praticada caso algum irmão adoecesse. Essa questão é retratada no capítulo XIII do compromisso da referida irmandade:
[...] Sendo o caso de algum irmão ou irmã desta santa irmandade de adoecer será obrigado o procurador a visita-lo e depois dar a saber ao juiz e escrivão para que também o visite e se for em grande pobreza na sua doença se lhe dará uma boa esmola para se socorrer sua necessidade e se acaso falecer não tendo nada de seu, sempre a irmandade o enterrará [...][footnoteRef:20]. [20: Idem, op. cit.] 
O auxílio garantido pela irmandade se estende também as mulheres viúvas e aos filhos legítimos, vejamos:
[...] Será esta santa irmandade obrigada a enterrar as mulheres dos irmãos que forem casados e filhos que sejam ainda naturais dos ditos irmãos enquanto não forem emancipados, as ditas mulheres e filhos não gozarão das missas e se o irmão falecer e sua mulher não casar e for sempre continuando com as mesadas ficarão sendo irmão e gozará das missas, e se acaso cair em pobreza sendo viúva será a irmandade obrigada a enterrá-la e fazer-lhe todos os sufrágios como irmã que é [...][footnoteRef:21] [21: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Novada Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
Verifica-se certo rigor por parte da irmandade em estender os benefícios às esposas e aos filhos do irmão. O interessante é observar que a irmandade mesmo que indiretamente influência a vida dos irmãos, quando em seu livro de compromisso ela relata que somente as mulheres e filhos que não forem emancipados não gozarão do benefício, deixando a margem aqueles que fossem fruto de uma união instável, não reconhecida pela Igreja.
A irmandade de Santo Antônio não fugiu as características sociais que caracterizavam as outras irmandades. É importante lembrar que, as ações sociais desempenhadas por esses sodalícios eram comuns á época, deixando explícitos os pontos que temia a sociedade. Eram estes: a morte, o sepultamento, a garantia de assistência na doença, prisão, viuvez, dentre outros. Então as pessoas buscavam nas irmandades seus interesses individuais, porém contribuindo para o interesse comum.
Estando expostas as situações que a corrida atrás do ouro pudesse trazer, uma pessoa estaria fadada a marginalização, se não fosse irmão (ã) de uma irmandade. Para Salles, 
[...] o primeiro objetivo da criação das irmandades religiosas no mundo católico, foi, obviamente, propagar a vida espiritual e a educação religiosa. No entanto, em Minas do século XVIII, embora conservando esta finalidade inicial, as confrarias se projetam numa atividade muito mais ampla, quase transformando a corporação religiosa em certa estrutura formal ou orgânica, cujo conteúdo principal se expressa na formulação da assistência social e securitária adequada ao meio e à época [...] (2007, p. 119).
É importante ressaltar que os negros foram acolhidos nas irmandades mesmo que, na maioria das vezes não pudessem expressar sua cultura, e ser inserido em uma irmandade era um dos únicos ou único meio de associação permitido aos cativos, “[...] as irmandades eram a oportunidade que estes cativos e ex-cativos afrodescendentes, tinham de garantir auxílio [...]” (CRUZ, 2007, p. 12).
Finalizando esta análise utilizaremos o capítulo XIX do livro de compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté, que ilustra a preocupação espiritual e social da irmandade para com a sociedade mineira setecentista:
[...] E por que o fim principal que com esta irmandade se pretende o bem espiritual de nossas almas e limpeza de nossos costumes, e santa vida com a qual vão os nossos serviços ao glorioso Santo Antônio em cujo favor e amparo esperamos alcançar nossa salvação. É necessário que todos entendam que ao assistir suas obrigações e ao visitar o irmão enfermo são obras mui agradáveis a Deus e ao mesmo santo com os quais esperamos merecer o prêmio da eterna glória e nesta vida graça para vivermos [...][footnoteRef:22] [22: Compromisso da irmandade de Santo Antônio da Vila Nova da Rainha do Caeté. APM, Belo Horizonte, 1738. Optou-se pela atualização ortográfica.] 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 Poder entender a religiosidade mineira setecentista desenvolvida pela sociedade através dessas associações religiosas formadas por leigos, é se deparar com inúmeras questões, sejam elas, sociais, econômicas, políticas e religiosas que permeiam os horizontes das irmandades e da sociedade mineira.
Inicialmente, pode-se dizer que as irmandades surgem num momento de falta de interesse do Estado Absolutista português em gerir a sociedade, no tocante ao assistencialismo social e religioso, e a Igreja católica por sua vez, atrelada a este Estado, não coloca em prática as suas ações evangelizadoras deixando à margem seu papel apostólico e agindo como força legitimadora da colonização.
As irmandades serviram de apoio para diversas pessoas da população mineira que estavam imersas no sistema colonizador. Fome, morte, doença, prisão, abandono, viuvez eram constantes no século XVIII, na Capitania de Minas. As irmandades agiram justamente nessas questões ajudando mutuamente os irmãos professos. Esses sodalícios foram a força propulsora da fé católica e da devoção aos santos, agindo única e exclusivamente para os interesses de seus associados. Várias foram as irmandades que se constituíram ao longo do século, atendendo a diversas camadas sociais. 
Em sua afirmativa, Salles nos diz que as irmandades setecentistas “[...] constituíram estas a mais viva expressão social da capitania, da província e mesmo do Estado [...]” (2007, p.181). Eis então, a necessidade de compreender e estudar essas associações que contribuíram para a disseminação da fé católica e acima de tudo, contribuíram para a formação das festas religiosas mineiras que ainda persistem até os dias atuais. 
Portanto, as irmandades atendiam além das necessidades espirituais, as necessidades pessoais dos irmãos, através da ajuda fraterna. As irmandades foram um importante instrumento de assistencialismo nas Minas setecentistas assistindo seus irmãos em várias questões que demandassem ajuda. 
Contudo, pode-se dizer que os objetivos ora levantados foram atingidos no decorrer da pesquisa, principalmente aquele que trazia o ponto principal dessa pesquisa, o papel social desempenhado pelas irmandades. A consulta aos livros de compromisso nos mostrou que essas associações traziam consigo interesses, poder e fé, que foram paulatinamente construídos no decorrer dos setecentos. Podemos constatar que as irmandades foram instituições de grande prestígio social e por isso se fez necessário estuda-las para compreender a dinâmica colonial, a difusão da fé católica e da cultura e o processo de estratificação social ocorrido nas minas setecentistas.
Acreditamos que, a sociabilidade prestada por estas irmandades chamavam a atenção de várias pessoas da sociedade, sendo assim, estes sodalícios poderiam ser considerados como espaço de poder e prestígio nas Minas Setecentista.
REFERÊNCIAS
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Tese (Doutorado em História Social da Cultura) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
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HOORNAET, Eduardo. História da Igreja no Brasil.4ed. São Paulo: Paulinas, 1994. Tomo II/I.
OLIVEIRA, Alcilene C. de. A Difusão da Doutrina Católica em Minas Gerais no século XVIII: análise das pastorais dos bispos. História: Questões e Debates, Curitiba, n.36,2002, p. 189-217.UFPR.
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FONTES MANUSCRITAS
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AVC-01 - Compromisso da Irmandade das Almas da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Caethé – 1713.
AVC-05. DOC 01 – Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nossa Senhora do Pilar das Congonhas – 1725 
DOC2 – Compromisso da Irmandade de Santo Antônio da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Vila Nova da Rainha do Caethé – 1738.
AVC-02 – Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da Representação da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso – 1738.
AVC-03 – Compromisso da Irmandade da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso de Vila Nova da Rainha do Caethé – 1738. 
AVC-08 – Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso – 1745. 
Casa Borba Gato –Sabará
Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos – Arraial de Santa Rita, Freguesia de Santo Antônio no Rio Acima, Comarca do Sabará – 1782.
Livros de Receitas e despesas – Igreja do Rosário, comarca do Sabará.
FONTES DIGITALIZADAS
Compromisso da Irmandade da Virgem Senhora do Rozario dos Pretos do Arrayal do Morro Vermelho da Freguezia da Senhora do Bom Sucesso do Caeté Comarca do Sabará – 1790. <http://www.brasiliana.usp.br> . Acessado em 30/07/2012.
Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora das Mercês dos pretos crioulos da Comarca do Rio das Mortes, Bispado de Mariana, Capitania de Minas Gerais – 1796. <bhttp://www.brasiliana.usp.br>. Acessado em 30/07/2012.
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