Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
0 1 Disciplina: Análise acústica vocal Autores: Esp. Viviane Possa Patrício Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2020 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Viviane Possa Patrício Análise acústica vocal 1ª Edição 2020 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério Desenvolvimento da Capa Carolyne Eliz de Lima FICHA CATALOGRÁFICA PATRÍCIO, Viviane Possa. Análise acústica vocal / Viviane Possa Patrício. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2020. 63 p. ISBN: 978-65-87972-85-5 1. Acústica. 2. Vocal. 3. Voz. Material didático da disciplina de Análise acústica vocal – Faculdade UNINA, 2020. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 07 Aula 1 – Fundamentos da voz .................................................................... 08 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 08 1.1 A voz ............................................................................................. 08 1.2 Estruturas envolvidas na produção da voz .................................... 09 1.2.1 Sistema de pressão de ar ........................................................... 10 1.2.2 Sistema Vibratório ...................................................................... 15 1.2.3 Sistema de ressonância ............................................................. 17 Conclusão da aula 1 ................................................................................... 20 Aula 2 – Fala e linguagem .......................................................................... 21 Apresentação da aula 2 ............................................................................. 21 2.1 A voz na infância ........................................................................... 21 2.2 O cérebro ...................................................................................... 22 2.2.1 Desordens de fala e de linguagem ............................................ 23 2.3 A comunicação ............................................................................. 25 2.3.1 A voz e a fala na infância ........................................................... 26 2.4 Marcos no desenvolvimento ......................................................... 27 2.4.1 Linguagem pragmática ............................................................... 30 2.4.2 A voz e as emoções ................................................................... 32 Conclusão da aula 2 ................................................................................... 33 Aula 3 – Avaliação e acústica da voz .......................................................... 34 Apresentação da aula 3 ............................................................................. 34 3.1 Acústica da produção da fala ......................................................... 34 3.2 Exames fonoaudiológicos em crianças ......................................... 39 3.2.1 Exames auditivos ....................................................................... 39 3.2.2 Exames de processamento auditivo .......................................... 40 3.3 Princípios da acústica ................................................................... 42 3.3.1 Acústica da voz .......................................................................... 44 3.3.2 Softwares ................................................................................... 47 Conclusão da aula 3 ................................................................................... 47 Aula 4 – Alterações e patologias ................................................................ 48 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 48 4.1 Alterações da voz .......................................................................... 48 6 4.2 Disfonia ......................................................................................... 50 4.3 Transtornos da comunicação ........................................................ 52 4.3.1 Gagueira .................................................................................... 55 4.3.2 Voz fanha ................................................................................... 57 Conclusão da aula 4 ................................................................................... 58 Conclusão da disciplina ............................................................................. 59 Índice Remissivo ........................................................................................ 60 Referências ............................................................................................... 62 7 Prefácio Olá, Estudante! Seja bem-vindo(a) à disciplina de Análise acústica vocal. A voz é uma ferramenta fundamental para a comunicação, o estabelecimento de relações interpessoais e laborais, além de ser importante na expressão de ideias, sentimentos e vontades, sendo, por isso, o seu desenvolvimento saudável de extrema importância na infância. A primeira aula abordará os aspectos fundamentais para a compreensão de como a voz é produzida no corpo humano, trabalhando as estruturas anatômicas envolvidas no processoe suas características, bem como o seu funcionamento. Na segunda aula será possível entender como ocorre o processo de desenvolvimento da fala e da linguagem na infância, compreendendo marcos importantes em diferentes idades, além das características anatômicas que são particulares do público infantil. Na terceira aula, serão abordados os aspectos pertinentes à acústica vocal, além de diferentes ferramentas para que a realização da análise das estruturas vocais, além das particularidades que as crianças apresentam, a fim de que possa ser realizada de forma adequada ao público infantil. Por fim, na quarta e última aula, serão vistas as principais alterações ou patologias que podem influenciar a fala, compreendendo manifestações mais comuns na infância, como a disfonia, a gagueira e a voz fanha. Bons estudos! 8 Aula 1 – Fundamentos da voz Apresentação da aula 1 Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) à primeira aula da disciplina de Análise acústica vocal. Nesta aula serão trabalhados aspectos fundamentais para a compreensão de como a voz é produzida no corpo humano. Para isso, serão vistas as estruturas anatômicas envolvidas no processo, suas características, bem como o seu funcionamento. 1.1 A voz Cada voz é única e identifica a cada um de nós não apenas pelo seu som particular, mas também pelos diferentes sotaques, regionalismos, modo de se expressar, tom de voz, dentre outros. A voz transmite emoção e um pouco da personalidade de quem fala. Por esse motivo, compreender e trabalhar com a voz para estimular o seu pleno desenvolvimento, de forma saudável, é de extrema importância durante a infância e a presença do profissional de fonoaudiologia no ambiente escolar se mostra fundamental. Para que este diálogo aconteça, deve haver um trabalho conjunto de diferentes profissionais da equipe, centralizando o olhar na criança e ampliando o escopo de conhecimentos para tornar possível uma abordagem dinâmica e integral. Parte desse processo é compartilhar os conhecimentos específicos com os pais ou cuidadores, professores, pedagogos e gestores, a fim de que conheçam a importância desse trabalho e possam promover ações que envolvam a comunidade. Compreender o funcionamento adequado da voz envolve conhecer as estruturas envolvidas na sua formação e como se dá o seu funcionamento de maneira adequada. Além de conhecer as estruturas, é importante saber como elas funcionam em conjunto com as outras estruturas de um mesmo sistema e como podem interferir em outros sistemas. 9 1.2 Estruturas envolvidas na produção da voz A formação da voz é o resultado da interação de diferentes estruturas, que pertencem a diferentes sistemas e, muitas vezes, também apresentam outras funções que não estão diretamente relacionadas à produção de sons. Para compreender a anatomia e a fisiologia da voz é preciso compreender: ➢ O sistema respiratório; ➢ A laringe; ➢ Os músculos extrínsecos da laringe; ➢ A boca e a faringe; ➢ A face e a mandíbula. Cada uma dessas estruturas ou sistemas apresenta suas próprias características, compreendê-los isoladamente permite ao profissional direcionar o seu olhar para onde pode haver uma barreira e como superá-la. A interação desses sistemas, bem como as suas particularidades durante a infância, como o seu desenvolvimento, também são fundamentais para que a voz possa ser abordada na infância, respeitando os aspectos deste público. Algumas dessas diferenças serão abordadas na aula dois. ➢ O sistema respiratório: embora o som da voz seja produzido na laringe, ele só é possível devido ao fluxo de ar proveniente dos pulmões. Esse fluxo de ar é responsável por fazer vibrar as cordas vocais e, consequentemente, produzir o som; ➢ A laringe: a laringe é uma estrutura altamente especializada, ela abriga as cordas vocais ou pregas vocais, que são as estruturas que vibram para gerar som. Elas se aproximam quando se deseja cantar ou falar e se afastam durante a respiração normal; ➢ Os músculos extrínsecos da laringe: a laringe é composta por diversas estruturas musculares que tornam possível a mobilidade desta estrutura, permitindo a deglutição, a respiração e a formação da voz; 10 ➢ A boca e a faringe: É aqui que os sons provenientes da laringe são preparados para se tornarem a fala, eles são modulados e aumentados, devido às características da boca, da língua e do palato; ➢ A face e a mandíbula: Apresentam um papel importante para a ressonância vocal, o treinamento da voz e para a articulação das palavras. Agora que as estruturas e as suas funções gerais já foram brevemente abordadas, elas serão divididas para que seja possível abordar as especificidades de cada uma. Para fins didáticos, elas serão divididas da seguinte maneira: ➢ Sistema de Pressão de Ar; ➢ Sistema Vibratório; ➢ Sistema de Ressonância. Dentro dessas divisões, serão vistas as estruturas elencadas anteriormente, bem como seu funcionamento de forma mais detalhada para compreender seu funcionamento normal e tornar possível a identificação de possíveis alterações, quando elas estiverem presentes. 1.2.1 Sistema de pressão de ar É o sistema que fornece e regula a pressão de ar necessária para que as cordas vocais vibrem. Esse sistema, que basicamente compreende o sistema respiratório, é composto por diferentes estruturas, tais como: ➢ Pulmões; ➢ Diafragma; ➢ Músculos inspiratórios; ➢ Músculos expiratórios. 11 A respiração é um processo vital para os seres humanos, ela é feita com a ajuda dos pulmões, por meio de suas menores estruturas funcionais, denominadas alvéolos pulmonares. Os alvéolos pulmonares realizam as trocas gasosas do meio líquido (sangue) com o meio gasoso (o ar), captando oxigênio do ar inspirado e liberando o dióxido de carbono na atmosfera. Além de ofertar oxigênio para as células e expelir o dióxido de carbono pelos pulmões, a respiração, mobilizando esse volume de ar, também é considerada o motor ou o pilar da voz, provendo o fluxo de ar necessário para que as cordas vocais vibrem e o som seja produzido. Embora a respiração ocorra de maneira involuntária durante a maior parte do dia, como quando se está dormindo ou muito atento a realização de outras atividades, há uma alteração consciente de ritmo para que sejam produzidos a fala ou o canto. Existem duas maneiras de aumentar ou diminuir o tamanho da cavidade torácica, que é o que fará o fluxo de ar entrar ou sair dos pulmões e, assim, controlar o fluxo de ar que passará pela laringe. O primeiro é aumentar o espaço torácico fazendo com que as costelas se levantem, um movimento similar ao levantar uma alça de balde. As costelas, conectadas ao externo na região frontal e aos processos espinhosos, na região posterior, embora se movam em diferentes graus de acordo com sua posição, possuem a capacidade de expandir e levantar a caixa torácica. Esse movimento permite que ocorra a expansão da caixa torácica e, consequentemente, aumentará o espaço no interior dela. Quando as costelas se abaixam, o espaço interno diminui e o ar é expelido. A segunda forma é por meio do diafragma. O diafragma é um músculo localizado na parte inferior dos pulmões, que separa o sistema respiratório do sistema digestório. Quando este músculo está relaxado, ele se eleva, o espaço dentro da caixa torácica diminui e o ar é expelido. Quando este músculo se contraí ele desce, aumentando o espaço interno fazendo com que o ar entre nos pulmões. Esses mecanismos funcionam de maneira concomitante com o diafragma, as musculaturas respiratórias, as costelas e os pulmões funcionam de maneira coordenada. 12 Esse modelo pode ser melhor compreendido observando a imagem abaixo, que representa de maneira esquemática o funcionamento da inspiração e da expiraçãono organismo. Modelo esquemático dos processos de Inspiração e Expiração Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2316_Inspiration_and_Expiration.jpg A pressão também exerce um importante papel durante a respiração. Quando o diafragma é contraído, abaixando-se, a pressão dentro da caixa torácica fica negativa, enquanto o ar ambiente exerce uma pressão positiva, fazendo com que o ar, naturalmente, se desloque do meio no qual há pressão positiva para o meio com pressão negativa, ou seja, do meio externo para o interno, momento em que ocorre a inspiração. Quando a cavidade torácica se encontra cheia de ar, ocorre o processo inverso. A pressão interna é maior do que a externa, ocorrendo, então, a expulsão do ar para o meio exterior, a expiração. Esse processo é passivo e ocorre repetidamente, devido ao efeito que as pressões positiva e negativa exercem sobre essas estruturas, isso ocorre para que o oxigênio continue a ser ofertado para as células. 13 Os pulmões nunca se esvaziam completamente, pois há uma quantidade de ar que sempre permanece após as expirações máximas, esse volume é chamado de volume residual. Esse volume permite que os alvéolos pulmonares não colapsem, o que comprometeria a função respiratória de trocas gasosas que ocorrem nessas estruturas. Os músculos que realizam as movimentações da caixa torácica e estão relacionados à respiração podem ser divididos quanto à sua função: inspiratórios ou expiratórios. E também quanto ao seu nível de importância: primários ou acessórios (secundários). Os músculos inspiratórios primários são: diafragma e intercostais externos. Sendo que o diafragma é o principal, enquanto os intercostais externos realizam o movimento de elevar as costelas durante a inspiração. O diafragma possui uma porção superior, composta de tecidos tendinosos, que é passiva. Já a sua porção inferior é composta de fibras musculares contráteis que permitem o abaixamento voluntário do músculo, permitindo que mais ar entre nos pulmões. Os músculos expiratórios primários são os intercostais internos, oblíquos internos, oblíquos externos, reto abdominal e transverso abdominal. Esses músculos deprimem a caixa torácica realizando a expiração forçada. Além desses músculos, existem outros que atuam de forma auxiliar e podem ser chamados de músculos acessórios da respiração. Os músculos acessórios ou secundários da respiração são aqueles cuja função principal não é a realização dos movimentos respiratórios, como os músculos primários, mas, sim, uma função auxiliar quando existe uma sobrecarga sobre o sistema respiratório. Esses músculos são recrutados quando há excessivo esforço respiratório, quando há falta de ar ou angústia respiratória como é possível observar em crianças durante uma crise asmática, por exemplo. Alguns desses músculos são o esternocleidomastoideo, os escalenos, peitoral maior e menor, dorsais (latissimus dorsi), serráteis, dentre outros, podendo até mesmo envolver a musculatura facial (quando se observa um fenômeno chamado de “batimento de asa de nariz”). 14 Essas musculaturas são recrutadas para realizar um esforço de inspiração do ar, além da elevação das costelas (inclusive clavícula) e aumento no diâmetro da caixa torácica para melhorar a captação de oxigênio no ar ambiente. Na respiração correta, não patológica, não deve haver esforço. Por este motivo, essas musculaturas não devem ser recrutadas, os músculos do peito e pescoço devem estar relaxados. Portanto, deve-se tomar cuidado ao "encher o peito" para respirar, utilizando as musculaturas acessórias e comprimindo o pescoço, pois essa prática não é a mais adequada. Recrutar os músculos do pescoço realiza uma compressão na região laríngea que pode afetar a produção da voz, além de levar a fadiga dos músculos secundários e, consequentemente, má postura e dores. Quando ocorre a inspiração, deve haver uma expansão látero-lateral e ântero-posterior na região inferior das costelas e do abdômen, onde é possível sentir o diafragma. Também deve-se tomar cuidado para não confundir o diafragma com o abdômen. Ao manter essa expansão muscular diafragmática durante a produção da voz, evita-se que os músculos expiratórios entrem em ação e façam com que o ar seja expelido muito rapidamente. Isso também evita que haja um fechamento abrupto ou constrição da região laríngea, dificultando ou interrompendo a fala. Não se deve utilizar a garganta para tentar "segurar o fôlego". Em resumo, o ar inspirado não deve ser direcionado para o peito utilizando as musculaturas acessórias e, sim, para a região inferior das costelas, com a contração diafragmática. Assim, a respiração, particularmente profunda, não deve ser pensada como "encher o peito", mas, sim, como "fazer as costelas sorrirem", permitindo essa expansão da caixa torácica, sem uso da musculatura acessória e utilizando a respiração diafragmática. Existem diferentes dinâmicas que podem ser utilizadas para compreender a localização e o funcionamento diafragmático, bem como realizar o treinamento dessa musculatura para permitir emissões vocais durante maiores períodos. 15 1.2.2 Sistema Vibratório Esse sistema é composto pelas estruturas que permitem a realização da vibração das cordas vocais, transformando a pressão do ar gerada pelo sistema anterior em ondas sonoras que irão gerar o som da voz no próximo sistema. Esse sistema compreende as seguintes estruturas: ➢ Laringe; ➢ Cordas vocais. A laringe é uma estrutura complexa, na sua parte superior encontra-se a epiglote, mais abaixo encontra-se a glote, que é o espaço compreendido entre as cordas vocais. Durante a respiração, a glote deve estar aberta. Quando ocorre a deglutição, a glote deve estar fechada. Se há um reflexo de tosse, a glote se fecha e, então, se abre para que o ar saia e expulse qualquer resíduo de alimento ou líquido que possa estar nesta região, evitando que ele se desloque para os pulmões, gerando problemas respiratórios. Para que a voz ocorra, a glote se move de acordo com o ajuste de tensão realizado pelas cordas vocais, que pode ser modificado de acordo com treinamento específico. As cordas vocais não são um sistema autônomo, mas voluntário. A sua estrutura compreende um músculo delgado, que é denominado tireoaritenoideo, esse músculo pode ser contraído ou relaxado de acordo com o desejo do falante. A imagem abaixo representa a visão do interior da laringe, como vista por meio de um laringoscópio, mostrando as cordas vocais (em inglês, vocal fold) no centro da imagem. As cordas vocais na posição vista na imagem a seguir se encontram abduzidas (abertas), permitindo a passagem de ar durante a respiração. Embora sejam chamadas de cordas ou pregas, elas são, na verdade, uma membrana mucosa que reveste o músculo tireoaritenoideo. Assim, quando o ar que sai do pulmão passa pelas cordas vocais, elas se fecham (aduzem) de forma controlada para vibrar, essa vibração é direcionada 16 às estruturas fonatórias, que serão vistas na sequência e realizarão a modulação e amplificação dos sons. Visão laringoscópica do interior da laringe Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/50/Gray956.png Neste momento, as cordas vocais produzem um som similar a um zumbido, a voz como a ouvimos depende das estruturas que se encontram acima, no sistema de ressonância. Já na imagem a seguir, é possível observar a localização de diferentes estruturas da cabeça e pescoço que estão diretamente relacionadas à produção da voz. Embora divididas por questões didáticas, ambos os sistemas trabalham de forma conjunta, de forma que não há necessidade de criar uma separação visual para facilitar a compreensão. 17 Corte sagital apresentando as principais estruturas do sistema vibratório e deressonância Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mouth_Nose_Lateral_Sagittal.png 1.2.3 Sistema de ressonância Esse sistema transforma os sons que são produzidos pelas cordas vocais na laringe, que são similares a um “zumbido”, na voz humana, tal qual será ouvida. Esse sistema é formado pelas seguintes estruturas: ➢ Faringe; ➢ Cavidade oral; ➢ Cavidade nasal; ➢ Sinos nasais; ➢ Palato mole; ➢ Palato duro; ➢ Língua; ➢ Lábios; 18 ➢ Dentes; ➢ Mandíbula. A faringe é um tubo, relativamente flexível, que conecta o topo das cavidades oral e nasal à porção final da traqueia e do esôfago. Tudo aquilo que é respirado ou engolido passa por este tubo, onde será dividido novamente. É possível observar na imagem abaixo como a faringe apresenta diferentes divisões, relativas às funções que são desempenhadas nas diferentes áreas: a nasofaringe, a orofaringe e a laringofaringe. Divisões da faringe Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2305_Divisions_of_the_Pharynx.jpg Para controlar a abertura ou o fechamento na faringe e direcionar o alimento de forma correta para que não haja engasgamentos, ocorre a ação do palato mole, da língua e da epiglote em conjunto. Na deglutição, o bolo alimentar passa da cavidade oral para a faringe. A úvula e o palato mole fecham a comunicação na direção da cavidade nasal. A epiglote se fecha para direcionar o alimento para o esôfago. Neste momento, ocorre um evento chamado apneia por deglutição, ou seja, não é possível respirar e deglutir de forma concomitante durante a vida 19 adulta. Na próxima aula será abordado como esse processo é possível no início da vida. Na respiração, o ar proveniente da cavidade nasal ou oral passa pela faringe e vai para a traqueia, dando sequência às trocas gasosas no pulmão, retornando pelo mesmo caminho. Na cavidade oral são encontradas diferentes estruturas que permitem a articulação de consoantes (conforme será visto na terceira aula desta disciplina), bem como a modificação do seu formato, o que permite que uma grande variabilidade de sons possa ser produzida. A cavidade oral pode ser fechada ou aberta de acordo com a ação dos lábios, da ponta da língua, da base da língua ou com diferentes combinações dessas estruturas. ➢ Cavidade nasal: quando o ar é expelido por essa cavidade permite que sejam produzidos sons nasalados como o /m/, por exemplo; ➢ Sinos nasais: os sinos nasais apresentam um papel passivo durante a fala, mas são importantes para a ressonância e durante a pronúncia de consoantes como /n/ e /m/; ➢ Palato mole: o palato mole compõe a parte superior da metade posterior da cavidade oral, também pode ser denominado de véu palatino. Esta estrutura é flexível e pode se mover. Seu segmento posterior, a úvula, permite o fechamento da cavidade nasal da faringe. Esse mecanismo é importante ao engolir, nadar e durante a fala e o canto; ➢ Palato duro: o palato duro compõe a parte superior da metade frontal da cavidade oral. Esta estrutura é rígida (não flexível) e, portanto, apresenta um papel passivo; ➢ Língua: composta basicamente de músculos, é uma estrutura muito flexível, junto da mandíbula e dos lábios permite uma grande variabilidade no tamanho e no formato da abertura da boca. 20 Grande parte dos músculos da língua estão ancorados no osso hioide; ➢ Lábios: atuam na modulação dos sons, modificando sua forma e controlando o fluxo de ar. Também podem ser associados aos dentes na formação de consoantes como o /f/; ➢ Dentes: atuam junto dos lábios e da língua na modulação dos sons como uma estrutura passiva; ➢ Mandíbula: a sua abertura e fechamento altera o formato da cavidade oral, permitindo a modulação do som. Na terceira aula desta disciplina, essas estruturas serão abordadas de maneira mais detalhadas quanto à sua interdependência na formação de vogais e consoantes. Por hora, é importante compreender que cada uma dessas estruturas apresenta uma contribuição para que o ar e a vibração das cordas vocais se transformem na voz como a ouvimos. Pode-se perceber que a alteração no formato ou funcionamento de algumas dessas estruturas, bem como a sua ausência, irá influenciar em como se dá a formação do som. Portanto, conhecer essas estruturas atuando dentro de condições normais faz com que a identificação de anormalidades pelo profissional, aconteça de forma mais ágil. Também é importante ter em mente, especialmente durante a infância, que essas estruturas ainda estão se desenvolvendo e, por isso, apresentam diversas particularidades que serão exploradas na próxima aula. Conclusão da aula 1 Para compreender a voz, é necessário compreender todos os mecanismos que a tornam possível, aprender como deve ser a estrutura e o seu 21 funcionamento normal, permitindo identificar alterações de modo mais rápido e seguro. Nesta aula foram rememorados aspectos relativos às estruturas anatômicas envolvidas no processo de formação da voz, suas principais características, bem como o seu funcionamento. Atividade de Aprendizagem Elabore um pequeno resumo explicando como o ar que sai dos pulmões se transforma na voz falada. Aula 2 – Fala e linguagem Apresentação da aula 2 Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) à segunda aula da disciplina de Análise acústica vocal. Nesta aula será possível compreender como ocorre o processo de desenvolvimento da fala e da linguagem na infância, compreendendo marcos importantes em diferentes idades, além das características anatômicas que são particulares do público infantil. 2.1 A voz na infância Uma vez que se compreenda como as estruturas do corpo humano atuam de forma mecânica para a formação da voz, é importante verificar quais são os outros processos envolvidos para que os sons sejam considerados uma forma de linguagem. Também é importante reconhecer as áreas do cérebro que afetam a voz, bem como o seu papel na compreensão da linguagem, seja ela verbal ou não. O profissional deve observar quais são as áreas-chave que se relacionam, direta ou indiretamente, com a linguagem e com o processamento das informações que permitem estabelecer a comunicação de maneira adequada. 22 Para que a comunicação seja efetiva, ainda na infância, o bebê irá perceber a importância de estabelecer uma relação de comunicação com os pais. Ele (o bebê) perceberá que emitindo mensagens simples (como o choro), conseguirá obter uma resposta (como ganhar colo, por exemplo). Uma vez estabelecida a comunicação, a criança compreenderá que os sons que emite podem criar modificações no ambiente e, assim, irá explorando os movimentos da boca e gerando sons, conseguindo se comunicar cada vez mais claramente com o passar dos anos. A criança aprenderá a produzir os sons partindo dos mais simples (/g/, /m/ e /p/) para os mais complexos (/r/), enquanto adquire maior controle sobre as estruturas envolvidas. Além disso, existem peculiaridades anatômicas nesta fase, pois o corpo da criança ainda está se desenvolvendo, ao mesmo tempo em que a criança está adquirindo controle sobre essas estruturas. Também devem ser compreendidas as distinções entre a voz, a fala e a linguagem, como esse desenvolvimento ocorre na infância e quais são os principais marcos de desenvolvimento e os pontos em que é preciso estar atento. 2.2 O cérebro O cérebro exerce um papel fundamental no controle de diversas funções no corpo humano, com a voz não poderia ser diferente. Existem áreas no cérebro que estão fortemente relacionadas à fala e à linguagem. Compreender como ocorrem os processamentos cerebrais nessas áreas auxilia o profissional na identificação de determinadas alterações e permite que o direcionamento do tratamento ou do encaminhamento para outro profissional sejao mais adequado. Algumas das áreas mais importantes do cérebro que estão relacionadas às dificuldades de fala e da linguagem são: ➢ Área de broca; ➢ Área de Wernicke. 23 Representação da localização das áreas de Broca e de Wernicke no cérebro, visão lateral Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:BrocasAreaSmall.png Área de Broca: esta área se localiza no hemisfério esquerdo do cérebro e está fortemente associada à produção e à articulação da fala. A habilidade de articular as ideias, além do uso correto da linguagem falada e escrita, depende desta região. Esta área é responsável pela produção da fala. Área de Wernicke: esta região é importante para o desenvolvimento da linguagem e se localiza no lobo temporal, do lado esquerdo do cérebro. Esta área é responsável pela compreensão da linguagem. 2.2.1 Desordens de fala e de linguagem As dificuldades na fala podem ser tanto oriundas do próprio sistema fonatório, como será abordado de forma detalhada na aula quatro, quanto estarem relacionadas ao cérebro. Uma das dificuldades mais comuns que se enquadra nesses critérios são as afasias. Afasia é um termo que é utilizado para descrever a perda da habilidade de linguagem que já foi adquirida que pode causar problemas em diferentes áreas como a fala, a escuta, a leitura e a escrita. Em crianças, deve-se tomar cuidado para não confundir os atrasos na aquisição da linguagem ou as dislalias com a afasia, uma vez que para que esta última seja o caso, a criança já deve ter adquirido as habilidades de linguagem. 24 Há dois tipos de afasias muito importantes que estão relacionadas aos danos nas regiões do cérebro, vistas anteriormente, que são a Afasia de Broca e a Afasia de Wernicke. ➢ A afasia de Broca, também chamada de afasia expressiva, caracteriza-se pela dificuldade de se expressar pela fala, mas a compreensão permanece inalterada. Ela ocorre quando há um dano na área de Broca no cérebro, que pode ocorrer por diversos motivos, como traumatismos, tumores, hemorragias ou, em idades mais avançadas, acidente vascular cerebral (AVC). ➢ A afasia de Wernicke ocorre de maneira similar à afasia de Broca, mas quando ocorre um trauma na região de Wernicke. Ela também pode ser chamada de afasia sensorial, afasia de fluência ou afasia receptiva. É caracterizada pela dificuldade de compreensão da linguagem e falta de significado na fala. Enquanto a fala apresenta uma sonoridade adequada e muitas vezes gramaticalmente correta, as frases produzidas não têm significado. Na afasia de Broca a pessoa tem consciência da sua dificuldade, mas na afasia de Wernicke não. Outras dificuldades, como a dislexia e a disgrafia, por exemplo, podem estar relacionadas ao giro angular. Em casos de agnosias, elas podem estar relacionadas à área relacionada ao giro supramarginal. Já dificuldades de processamento auditivo podem se relacionar ao córtex auditivo primário. Essas dificuldades não serão abordadas nesta disciplina, mas é importante que o profissional da fonoaudiologia saiba reconhecê-las. Especialmente em casos nos quais a criança apresenta dificuldade de fala, após passar por traumatismos graves e ficar em ventilação mecânica, deve- se avaliar qual a possível causa para direcionar o tratamento. 25 Os professores, ao observarem dificuldades nas áreas que envolvem a linguagem e a fala, devem realizar o encaminhamento do aluno para a avaliação da fonoaudiologia. 2.3 A comunicação A comunicação é fundamental no dia a dia dos seres humanos e, portanto, é importante distinguir três tópicos que são fundamentais para que a comunicação ocorra, são eles: ➢ Voz; ➢ Fala ou Discurso; ➢ Linguagem. A voz é o som resultante da saída de ar dos pulmões que passa pelas cordas vocais na laringe e as faz vibrar. O discurso ou a fala é uma das formas de expressar a linguagem, envolve um processo coordenado da ação dos músculos da língua, lábios, mandíbula e trato vocal para a reprodução de sons reconhecíveis que compõe a linguagem. A linguagem é o conjunto de regras que permite que as pessoas expressem as suas ideias de forma que elas apresentem significado. A linguagem pode ser expressa de maneira verbal, escrita, cantada ou por meio de gestos. O discurso e a linguagem se desenvolvem nos primeiros três anos de idade. Neste período, o cérebro passa por diversas transformações e maturações, sendo um momento no qual a aquisição de habilidades de fala e linguagem são mais intensos. Essas habilidades são melhor desenvolvidas em ambientes que são ricos em estímulos e, portanto, são capazes de fornecer à criança uma maior variabilidade de sons e sinais, especialmente pela observação de outros interagindo em seu entorno. Se durante este período crítico a criança não for exposta a esses estímulos, ela pode apresentar grandes dificuldades para compreender o uso adequado da linguagem no futuro. 26 2.3.1 A voz e a fala na infância A produção da voz é resultado da complexa interação entre diferentes estruturas do corpo humano, que vão apresentando mudanças desde o nascimento, passando pela articulação de sons realizada pelo bebê até o desenvolvimento da fala produzida pela criança. Existem algumas características anatômicas que são importantes de serem diferenciadas entre as crianças e os adultos, essas diferenças devem ser consideradas durante a avaliação desse público, são elas: ➢ Posição da laringe; ➢ Ângulo das lâminas de cartilagem tireoide; ➢ Espessura e comprimento das cordas vocais. Posição da laringe: Ao nascer, a laringe da criança apresenta uma posição alta, mais alta que a dos adultos, similar àquela encontrada nos animais. Isso permite que a criança se alimente e respire ao mesmo tempo. Com o passar do tempo, a laringe se desloca verticalmente para baixo, na posição que permite a fala, mas não respirar e se alimentar concomitantemente. É possível observar que essa alteração pode ocorrer até os 15 anos: Ao nascimento, a laringe encontra-se em uma posição elevada no pescoço (bordo inferior da cricóide no nível de C3 a C4, o que facilita a amamentação e respiração simultâneas. A laringe desce progressivamente, até atingir o nível de C6 a C7, por volta dos 15 anos de idade (FREITAS, WECKX e PONTES, 2000, pág. 258). Por isso, não é incomum que as crianças apresentem dificuldade de deglutição na primeira infância, mesmo nunca tendo problemas para deglutir antes. 27 Ângulo das lâminas de cartilagem tireoide: A cartilagem tireoide, que protege as cordas vocais e cuja proeminência é popularmente conhecida como “pomo de Adão”, apresenta uma variação de ângulo com a idade. Em crianças, esse ângulo é de aproximadamente 130 graus e, conforme a idade vai passando, este ângulo vai diminuindo de maneira progressiva até a idade adulta. Na pré-adolescência, em mulheres, esse ângulo diminui para 120 graus, 110 para os homens que, na vida adulta, podem apresentar um ângulo de cerca de 90 graus. Espessura e comprimento das cordas vocais: A partir dos 10 anos de idade, as cordas vocais vão se tornar mais longas e menos espessas para os meninos e para as meninas, acompanhando o seu crescimento. Nos meninos, o comprimento das cordas vocais passa de 6mm (aos 10 anos), podendo chegar a valores entre 14,5 a 18mm, ao redor dos 20 anos de idade. Enquanto nas meninas, elas podem ir de 8mm (aos 10 anos) até 8,5 a 12mm, aos 20 anos. Quanto à espessura, essa tende a ser maior durante a infância do que na vida adulta, além disso, nesta fase, a estrutura apresenta maior probabilidade de desenvolvimento de edemas. Por este motivo, é mais comum que as crianças apresentem incômodos nessa região, como inflamações e dores de garganta. Com o passar dos anos, este desconforto tendea diminuir consideravelmente. 2.4 Marcos no desenvolvimento Os primeiros sinais de comunicação acontecem quando o bebê utiliza o choro para solicitar comida, atenção ou colo, por exemplo. Ao emitir essa 28 mensagem (o choro) recebe uma resposta do ambiente, como mamadeira ou colo e, desta forma, a comunicação ocorre. O desenvolvimento das habilidades de fala e de linguagem variam de criança para criança, mas alguns marcos devem ser observados para reconhecer quando há necessidade de encaminhar a criança ao atendimento especializado. Abaixo serão listados os marcos mais importantes por idade, além de alguns sinais de atenção que indicam a situação na qual a criança deve ser encaminhada para uma avaliação junto ao serviço de fonoaudiologia. No 1° ano: é esperado que a criança faça uso de gestos, obedeça a ordens simples (como: “dá tchau”) e imite alguns sons que ela escuta no ambiente, em geral é quando diz as primeiras palavras. Neste momento, é importante observar se há intenção e se a criança compreende a causa e efeito. Por exemplo, se chora e aponta o brinquedo e recebe aquele que foi apontado, acalma-se. Sinais de atenção: se a criança não chora, não balbucia e não reage a sons ou a vozes, se usa uma palavra inadequadamente, por exemplo, diz “mama” ou “papa” e aponta a parede ou o gato. Entre os 8 ou 9 meses já é esperado ouvir a criança balbuciar vogais e algumas consoantes, produzindo sons como /p/ ou /m/. Durante esse período, é importante promover situações que gerem estímulos para a criança, como ler para ela ou conversar com ela todos os dias, se possível, utilizando figuras ou ilustrações e apontando, para que ela comece a conhecer as palavras e o que elas significam para criar vocabulário. Aos 2 anos: este é um período importante no desenvolvimento da fala infantil, pois nessa idade é que já se pode verificar se a criança apresenta algum atraso na aquisição da fala. Nessa idade, a criança já deve ter um repertório em torno de 50 palavras, que podem ser combinadas para formar frases simples como: “mais suco” ou “minha bola”. 29 A pronúncia ainda está se desenvolvendo e, portanto, é esperado que as palavras, na maioria dos casos, tenham a sonoridade particular desta etapa, isso irá ser aprimorado ao longo do tempo. Também nessa fase ocorrem a formação das frases e a compreensão dos pronomes possessivos como “meu”, “seu” e “da vovó”, bem como dos pronomes pessoais, como “eu”, “você” e “ele”. Confusões no uso dessas expressões também são comuns e esperadas neste momento. Sinais de atenção: a criança não realiza a combinação de palavras, continua apenas balbuciando e apresenta um vocabulário inferior às crianças da mesma idade. Nesta idade podem ser feitas brincadeiras para que a criança aponte e nomeie objetos (match), para verificar se ela consegue associar a palavra ao seu significado. Por exemplo: “o que é isso?”, “cadê a bola?”, “cadê seu nariz”, dentre outros, estimulando o repertório verbal e a associação dos objetos com seus nomes. Aos 3 anos: com essa idade espera-se que a criança compreenda comandos compostos, por exemplo, “sente e então tome seu suco” ou “tire os chinelos antes de subir na cama”. Nesta idade, as palavras começam a ficar mais claras e a pronúncia vai se corrigindo, as frases ficam mais coerentes e é possível manter conversas simples, perguntando o que aconteceu na escola ou na creche, por exemplo. É esperado que a criança possa fazer um relato e responder às perguntas que lhe são feitas. Também deve ser capaz de responder a distância, como de outro cômodo, e pessoas de fora de seu círculo devem ser capazes de compreender o que ela diz. Sinais de atenção: se a criança ainda não realiza a combinação de palavras e se outras pessoas, que não convivem com a criança diariamente, não conseguem compreender o que ela diz. Se a criança ainda apresenta uma comunicação predominantemente não verbal, como apontar os objetos que deseja ao invés de falar o seu nome, deve- se encaminhá-la para a fonoaudiologia. 30 Aos 4 anos: nesta idade espera-se que a criança apresente uma linguagem mais clara e mais complexa, contando as atividades que realizou durante o dia. Pessoas que não são do convívio da criança, mas que eventualmente interagem com ela (como um vendedor, por exemplo), devem ser capazes de compreender o que a criança diz sem dificuldades. Agora, já é possível que a criança consiga seguir orientações mais longas, por volta de quatro comandos, como: “deixa essa bola aí fora, entra, toma banho e senta para jantar”. Sinais de atenção: não responde às perguntas, aponta o que quer ao invés de falar e não apresenta ampliação do seu vocabulário. Aos 5 anos: a partir dessa idade a criança já deve conseguir pronunciar a maior parte das consoantes de forma adequada e compreensível, responder a comandos e fazer suas solicitações de maneira clara. Sinais de atenção: não consegue manter uma conversa simples, tem dificuldade em falar (gagueja, fica nervoso ou retraído) ou fala de uma forma muito diferente de seus colegas da mesma idade. Algumas consoantes podem ser mais desafiadoras do que outras para a criança e a pronúncia de cada uma vai ocorrer em épocas diferentes, sendo esperado que ocorra da seguinte maneira: a pronúncia parte dos sons mais fáceis para os sons mais difíceis, sendo que inicialmente são produzidos sons de /p/ e /m/ indo até o /r/ ou /rr/, que são os sons mais complexos. Quando há um atraso na aquisição da fala ou ausência de resposta a sons e comandos, deve-se também realizar uma avaliação auditiva, pois, em alguns casos, essa dificuldade se deve a algum grau de déficit auditivo ou a problemas cognitivos ou de processamento. 2.4.1 Linguagem pragmática A linguagem pragmática se refere às habilidades sociais de linguagem que são utilizadas diariamente durante as interações sociais. Elas incluem o que é dito e como é dito, ou seja, os aspectos não verbais da comunicação também 31 devem ser considerados, como o contato visual, a linguagem corporal e as expressões faciais, dentre outros. Alguns exemplos de habilidades pragmáticas: ➢ Contato visual; ➢ Expressões faciais; ➢ Linguagem corporal; ➢ Entonação da voz; ➢ Compreensão de distância e espaço pessoal; ➢ Habilidades de conversação; ➢ Pedir ou oferecer ajuda de forma apropriada; ➢ Uso do humor; ➢ Fazer perguntas; ➢ Fazer contribuições relevantes ao tópico em questão; ➢ Fazer ajustes de linguagem, reagindo ao interlocutor; ➢ Dentre outros. Elas são essenciais para comunicar os pensamentos, ideias e sentimentos de uma pessoa, além disso, também se considera se essas interações são ou não apropriadas em determinadas situações. Crianças que apresentam dificuldades nesta área com frequência confundem as intenções comunicativas dos outros e, portanto, podem ter dificuldades de responder de maneira adequada verbal ou não verbal. 32 As dificuldades podem ser observadas em crianças com Transtorno do Espectro Autista, por exemplo, devido às suas dificuldades relacionadas à interação social. Crianças que apresentam desordens de linguagem também podem ter essa habilidade comprometida em algum nível. O auxílio visual de figuras ou símbolos pode ser uma estratégia utilizada para facilitar a compreensão de crianças que têm dificuldades com a interação social. 2.4.2 A voz e as emoções A voz se desenvolve a partir de uma combinação complexa entre diferentes fatores, como a hereditariedade (as características genéticas), o ambiente no qual a criança está inserida e as interações que levam ao seu treinamento vocal, seja ele profissional ou não. De acordo com Susanna Eken, em seu livro A voz humana (do inglês, The Human Voice) de 1998, a voz está diretamenterelacionada à vida emocional de cada pessoa e ao seu contato com o mundo exterior. Desde o nascimento, por meio da voz, a criança transmite suas emoções, como alegria ou medo. Posteriormente, desenvolve a fala utilizando os códigos da linguagem que a rodeia, estabelecendo a comunicação. O ambiente no qual a criança está inserida tem grande influência no desenvolvimento e estilo de sua fala, como ordens: "Fale mais baixo!" ajustam os padrões de fala da criança às demandas externas e, por vezes, podem afetar mesmo a sua musculatura fonatória, deixando-a fraca e tornando a voz fraca, hesitante e insegura. Essas condições podem afetar não apenas a força vocal, mas também a sintaxe e a linguística, até mesmo a articulação de palavras ou a expressão de confiança, de acordo com o desenvolvimento da criança até a idade adulta. Quando uma pessoa se sente ansiosa, física ou mentalmente, a repressão a essas sensações pode criar uma tensão excessiva na região frontal do pescoço, alterando até mesmo o controle da inspiração e expiração da respiração basal. 33 Assim, como a ansiedade pode afetar a fala, a fala também pode ser afetada pela ansiedade ou por emoções negativas, podendo gerar quadros como a gagueira, que será vista na aula quatro. A ansiedade, o medo, a timidez ou a insegurança podem fazer com que algumas crianças evitem se expressar de forma verbal e prefiram utilizar formas não verbais, como balançar a cabeça. Nem sempre isso implica em um problema de fonação, como atraso na aquisição da linguagem, por exemplo. De qualquer forma, o professor deve estar atento também a esses casos, realizando os encaminhamentos de forma adequada para melhor compreender o problema. Tanto os músculos envolvidos na respiração quanto os da laringe e das cordas vocais podem ser treinados e desenvolvidos, como qualquer outro músculo, de diferentes formas, de acordo com os objetivos e as necessidades de cada um. Assim, como no treinamento físico, o treinamento vocal em excesso pode causar uma sobrecarga, exaurindo o sistema e podendo até mesmo levar uma pessoa a apresentar sintomas de abuso vocal, por isso se deve tomar cuidado. Nas situações do dia a dia, a voz é moldada de maneira inconsciente e pela respiração espontânea, utilizando pouca energia e visando principalmente à comunicação. Treinamentos específicos voltados à correção de algum desvio ou patologia, ao uso da voz de forma profissional, seja ela cantada ou falada, demandará um esforço consciente acerca das estruturas envolvidas na fonação para utilizá-las de maneira adequada. Atividades que envolvam exercícios vocais ou respiratórios feitos em grupo dentro do ambiente escolar podem ser possíveis, desde que respeitadas as particularidades infantis e tomando-se o cuidado de não realizar os treinamentos de forma excessiva, bem como orientar as crianças para não se sobrecarregarem com eles. Conclusão da aula 2 Como a criança se encontra em um período de desenvolvimento, suas características não são as mesmas de um adulto. Essas peculiaridades devem 34 ser levadas em conta pelo profissional, respeitando essas características e observando também a individualidade para garantir o tratamento mais adequado a cada caso. Nesta aula, foi possível compreender melhor a forma como os processos de desenvolvimento da fala e da linguagem acontecem durante a infância, sendo apontados os marcos importantes que ocorrem em diferentes idades, além das características anatômicas particulares do público infantil. Atividade de Aprendizagem Agora que você já conhece as características do público infantil, aponte 3 diferenças entre o trato vocal de um adulto e de uma criança. Aula 3 – Avaliação e acústica da voz Apresentação da aula 3 Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) à terceira aula da disciplina de Análise acústica vocal. Nesta aula serão abordados os aspectos pertinentes à acústica vocal, além de diferentes ferramentas para que a análise das estruturas vocais possa ser realizada de forma adequada ao público infantil. 3.1 Acústica da produção da fala Para que os sons sejam produzidos de maneira que possam articular as palavras, não basta que o ar que sai dos pulmões faça vibrar as cordas vocais. A forma como se posicionam os lábios, a língua e outras estruturas permite a produção de consoantes e vogais com diferentes características. As vogais são produzidas exclusivamente por meio do processo de fonação ou vozeamento, ou seja, exclusivamente pela vibração das pregas vocais. 35 As vogais, diferente das consoantes, não são articuladas com obstáculos como a língua tocando os dentes ou os lábios, por exemplo, mas a sua diferenciação é feita de acordo com três critérios, que são: ➢ Altura ou abertura; ➢ Anterioridade; ➢ Arredondamento. Altura ou abertura: relaciona-se à posição em que a língua se encontra na boca, podendo estar na direção da mandíbula (baixa), entre a mandíbula e o palato (média) ou próxima ao palato (alta). Quando a classificação é feita pela abertura, as vogais podem ser com a língua baixa (vogais abertas), língua alta (fechadas) ou em uma posição intermediária (médias). A vogal /a/, por exemplo, é uma vogal baixa, durante a sua pronúncia a língua se encontra mais perto da mandíbula, já para a pronúncia da letra /i/ a língua se encontra em uma posição mais alta. Na figura abaixo pode se observar como a língua se posiciona para modular diferentes vogais. Posição da língua nas vogais Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cardinal_vowel_tongue_position-front.s vg 36 Observe também que o símbolo “ɛ” é usado internacionalmente para representar o “e” com acento agudo, pois nem todos os idiomas possuem acento gráfico, em português esse símbolo representa o “é”, neste material, para simplificar, será utilizado o símbolo /é/. Saiba Mais O alfabeto fonético internacional apresenta uma sistematização dos sons falados por meio de símbolos, ele pode ser consultado no site: https://www.internationalphoneti calphabet.org/ipa-sounds/ipa-chart-with-sounds/ (em inglês). Pode-se clicar nos símbolos e ouvir como é o som de cada um deles. Alguns autores, como Ohala (1997), sugerem que o uso da classificação quanto à altura pode levar a uma confusão entre a altura de uma nota e a altura da língua. Anterioridade: diz respeito à região da língua que auxiliará na modulação do som: porção posterior, central ou anterior. Arredondamento: trata de como os lábios estão posicionados para realizar a pronúncia, podendo ser paralelos ou formando um arredondamento. Essas são as modulações que irão formar as vogais, perceba que mesmo que as estruturas se movimentem, elas não bloqueiam ou interferem na passagem do ar, apenas realizam a sua modulação. No caso das consoantes, a alteração do fluxo do ar apresenta um componente importante em algumas delas, embora outras possuam características vozeadas, similares às vogais. Notoriamente, as consoantes apresentam-se em número significativamente maior do que as vogais e, além disso, mais complexo. Para melhor compreender como esses sons são formados, serão abordadas as suas diferentes classificações, que podem ser: ➢ Vozeamento; ➢ Ponto de articulação; ➢ Modo de articulação. 37 Vozeamento: refere-se à participação das cordas vocais na formação do som da consoante, ou seja, se há vibração ou não para gerar o som, podem ser de dois tipos: vozeadas ou desvozeadas. As consoantes vozeadas apresenta característica semelhante às vogais, que é a vibração que ocorre nas cordas vocais e pode ser palpada no pescoço, são elas: /b/, /v/, /d/, /z/, /j/, /g/, /m/, /n/, /nh/, /l/, /lh/, /r/ e /rr/. As consoantes desvozeadas (ou surdas) são aquelas que acontecem quando não ocorre a vibração das cordas vocais, casoque pode ser observado em: /p/, /f/, /t/, /s/, /x/ e /k/. Ponto de articulação: refere-se aos lugares nos quais o fluxo de ar se articula para a formação do som e é classificado de acordo com as estruturas envolvidas para que essa articulação ocorra. Existem dois tipos básicos de articuladores: os ativos e os passivos. Os ativos são os que se movem na direção dos passivos para que o som possa ser produzido. Já os passivos, como o próprio nome sugere, não se movem. Ao produzir o som de /f/, por exemplo, os dentes superiores tocam o lábio inferior, neste caso os dentes apresentam um papel de articulador passivo, pois são os lábios que se movem e, portanto, apresentam o papel ativo. Existem diferentes tipos de encontros estruturais que podem ocorrer para formar um ponto de articulação. Abaixo, alguns desses encontros poderão ser observados: Bilabiais: quando ocorre o contato dos lábios superiores e inferiores, como quando se pronuncia as consoantes /p/, /b/ e /m/. Dentais: a língua toca os dentes, formando os sons de /t/ e /d/. Alveolares: ocorre quando a língua toca nos alvéolos dos dentes, que pode ser compreendida como a região na qual os dentes “nascem”, próxima das raízes, não necessariamente no bordo entre os dentes e a gengiva, mas mais profundamente. Neste caso, são produzidos os sons de /s/, /z/, /l/, /r/ e /rr/. Labiodentais: os dentes da arcada superior tocam os lábios inferiores, resultando nos sons de /f/ e /v/. Palatais: quando a língua toca o palato são formados os sons de /x/, /j/, /lh/ e /nh/. Velares: a parte posterior da língua toca o palato mole, resultando nos sons de /k/ e /g/. 38 Modo de articulação: refere-se à alteração que ocorre no fluxo de ar para que a consoante seja pronunciada e se divide em dois tipos: oclusivas e constritivas. Oclusivas ou plosivas: caracterizam-se pela rápida liberação de uma grande quantidade de ar que se encontra previamente comprimida na cavidade intraoral. Por exemplo: /p/ e /t/. Constritivas: há um bloqueio parcial de ar, pode ser subdivididas em: Fricativas: as consoantes fricativas são caracterizadas por um som de fricção característico, realizado pelo aumento da pressão expiratória, o que gera um fluxo de ar turbulento que permite produzir os sons de /f/, /v/, /s/, /z/, /x/ e /j/. Para que se produza o som /f/ realiza-se um estreitamento durante a passagem do ar utilizando para isso o lábio inferior e os dentes superiores. Para o som de /s/ também há um estreitamento de ar, mas este é produzido entre o alvéolo e a língua. Laterais: o ar passa pelas laterais da boca, como ocorre em /l/ e /lh/. Vibrantes: quando ocorre a vibração da parte anterior da língua, como em /r/ e /rr/. Nasais: são aquelas consoantes cuja saída do ar ocorre pelo nariz, como pode ser ouvido em /m/, /n/ e /nh/. Assim, pode-se perceber como a acústica da voz depende, não apenas de diferentes estruturas, mas da complexa interação que elas podem apresentar, transformando os sons na fala. Além disso, regionalismos e sotaques podem interferir na forma como algumas palavras são pronunciadas, o que não altera o movimento para a modulação de determinado som. Em outras palavras, embora um carioca possa pronunciar “iXqueiro”, esta é uma forma característica da fala desta região, mas a forma como as vogais e consoantes se formam permanece a mesma. Uma vez que as estruturas e a sua interação sejam bem compreendidas dentro daquilo que é esperado, pode-se mais facilmente observar quando ocorrem alterações e, assim, direcionar o tratamento para a correção de maneira pontual. 39 3.2 Exames fonoaudiológicos em crianças Quando a criança apresenta algum distúrbio ou dificuldade na pronúncia ou apresenta algum comportamento vocal muito diferente dos seus pares, é normal que se realize a investigação do que está ocorrendo. A avaliação deve ser realizada por um profissional da fonoaudiologia, que irá investigar o que está acontecendo, fazendo uma anamnese para conhecer melhor a criança, se ela teve alguma patologia prévia ou cirurgia que possa ter ocasionado o problema, bem como investigar o seu histórico familiar. Além disso, é comum que sejam solicitados exames para a verificação de integridades estruturais ou funcionamento de determinados aspectos que sejam suspeitos de estar causando o problema. Esses exames podem avaliar a audição ou o processamento auditivo e seus resultados são comparados aos achados clínicos para que seja realizado o diagnóstico. Em alguns casos, a criança poderá passar por uma avaliação junto a diferentes profissionais para que sejam discutidos diagnósticos diferenciais, a fim de determinar pontualmente qual é a alteração. A realização dos exames na infância é importante porque muitas vezes a criança não tem consciência sobre a dificuldade auditiva que ela apresenta, pois como sempre a apresentou, ela não tem uma referência do que poderia ser considerado como “ouvir bem”. 3.2.1 Exames auditivos Quando existe a suspeita de que a dificuldade para falar é proveniente de um déficit auditivo, pode ser realizado um exame chamado de audiometria tonal limiar. Este exame busca verificar qual é a menor intensidade que a pessoa examinada pode ouvir e indica se há uma perda auditiva. No caso das crianças, pode ser feita uma audiometria infantil ou uma audiometria lúdica, que apresenta os mesmos objetivos. 40 No caso de crianças com menos de 2 anos de idade, esse exame pode ser realizado com auxílio de recursos visuais (audiometria de reforço visual) e pode ser aplicado a partir de 6 meses de idade. Independentemente de seu direcionamento, a audiometria é um exame não invasivo e indolor. O paciente fica em um ambiente com isolamento acústico, dentro de uma cabine (que não é trancada), utilizando fones de ouvido que emitem ruídos aos quais ele é orientado a reagir, apertando um botão ou levantando a mão, do lado onde ouve o som, por exemplo. Nas crianças, o exame ocorre de forma bastante semelhante. No caso da criança compreender a dinâmica do exame, ele é realizado da mesma forma que com os adultos. Caso a criança não tenha idade, maturidade ou compreensão para entender como deve se comportar para a realização do exame, é utilizado algum brinquedo. Em alguns casos, o exame é feito em mais de uma sessão, às vezes os pais são orientados a levar o brinquedo com o qual será feito o exame para casa e ensinar a criança a como utilizá-lo de maneira adequada para, com a criança “treinada”, fazer o exame. Existe também a audiometria vocal ou logoaudiometria, que é um exame realizado nos casos em que a pessoa ouve, mas não consegue distinguir as palavras que ouviu. Em geral, é realizado junto da audiometria. 3.2.2 Exames de processamento auditivo Há casos em que as estruturas responsáveis pela audição estão íntegras, portanto o problema auditivo pode estar presente no nervo auditivo ou na região do cérebro que processa essa informação. Para verificar a função do nervo auditivo e da via auditiva do tronco encefálico, é realizado um exame chamado de PEATE: Potenciais evocados auditivos do tronco encefálico. Esse exame também é conhecido como BERA (do inglês, Brainstem Evoked Response Audiometry). O exame é realizado de forma passiva, ou seja, independentemente da reação do paciente e, portanto, pode ser realizado em indivíduos de todas as idades, até mesmo por pessoas em estado de coma. 41 [...] o PEATE não é usado apenas para a determinação do nível mínimo de resposta auditiva, podendo também ser utilizado na caracterização do tipo de perda auditiva, da localização topográfica da lesão em nervo auditivo ou em tronco encefálico, monitorização de cirurgias de fossa posterior e monitorização de pacientes em Centro de Terapia Intensiva. Qualquer tipo de alteração auditiva, seja ela condutivaou neurossensorial, resulta em mudanças no traçado deste potencial (MATAS et al, 2005, pág. 282). O BERA avalia a integridade funcional da via auditiva neurológica, verificando o funcionamento do nervo auditivo até o centro encefálico por meio da captação da atividade eletrofisiológica, que ocorre em resposta a um estímulo acústico. Esse exame serve principalmente para investigar as perdas auditivas em crianças e é indicado quando há fatores de risco para perdas auditivas, como história na família, anomalias craniofaciais, infecções congênitas como rubéola, sífilis ou toxoplasmose ou fatores traumáticos, como fraturas ou traumatismo craniano. O exame não é invasivo e é indolor, sendo realizado muitas vezes com a criança em sedação. O exame pode ser feito também durante o sono natural, mas, muitas vezes, a criança apresenta resistência à sua realização ou acaba acordando. Com a sedação, as movimentações do corpo e dos olhos são suprimidas e, portanto, não causam interferências no exame. Desta forma, o exame é realizado em uma situação ideal. Em outras palavras, quando a criança realiza movimentos, essa atividade elétrica no cérebro pode ser interpretada como uma atividade auditiva quando, na realidade, não há atividade. Quando isso ocorre, uma perda auditiva completa pode ser interpretada como uma perda auditiva leve. Para a realização do exame, são higienizadas a testa e a região atrás das orelhas, onde serão posicionados os eletrodos (que podem ser autoadesivos ou coleados com fita tipo Micropore), além de também serem colocados os fones de ouvido. Durante a realização do BERA, os fones de ouvido emitirão alguns sons similares a cliques e os eletrodos irão captar a resposta a esses estímulos auditivos. 42 Essas respostas apareceram na tela como 7 ondas, sendo que cada uma representará uma das estruturas da via auditiva, como o núcleo coclear (onda III) ou lemnisco lateral (onda V), por exemplo. Quando se deseja verificar o funcionamento do sistema nervoso auditivo central, o exame feito é a avaliação do processamento auditivo central (PAC), que só pode ser realizado após os 6 anos. Os transtornos do processamento central auditivo estão relacionados à dificuldade do cérebro de identificar e processar essas informações de maneira adequada. Os sintomas mais comuns são desatenção, distração, dificuldade de memória, troca de letras (na fala e na escrita), dificuldade de entender o que escuta, ou seja, escuta, mas não entende. Dificuldade de conversar com várias pessoas ao mesmo tempo, às vezes, sendo essas crianças tidas como hiperativas, por isso esses exames devem ser comparados com exames comportamentais para fazer um diagnóstico diferencial. Quando ocorre uma perda auditiva e ela não é tratada de maneira correta ou leva muito tempo para ser identificada, pode ocorrer uma atrofia na região do cérebro, que faz o seu processamento. Uma vez identificado se o problema é auditivo ou de processamento da informação, pode-se, então, realizar o tratamento adequado, junto a uma equipe multiprofissional. Além dos exames auditivos, às vezes os exames das estruturas vocais podem ser necessários. 3.3 Princípios da acústica Devido ao seu caráter multidimensional, as formas para identificação e medição das perturbações que ocorrem na voz, bem como os tratamentos que podem ser realizados, são muito diversos e dependem também da abordagem individual de cada profissional, que pode variar de acordo com seu treinamento e preferências. 43 Algumas formas de avaliação serão abordadas brevemente, mas esta lista não apresenta a intenção de extinguir todas as possibilidades que podem ser encontradas. A avaliação vocal, muitas vezes, possui uma abordagem multidisciplinar, dependendo das necessidades particulares a cada tratamento, que deve ser feita de maneira individualizada. Alguns métodos bastante utilizados para avaliar a situação vocal e a identificação de patologias são: ➢ Laringoscopia; ➢ Avaliação perceptivo-auditiva; ➢ Programas de análise acústica. Esses métodos, em geral, são associados para que se obtenha o diagnóstico, portanto os resultados de uma avaliação perceptivo-auditiva são acompanhados na realização da análise acústica, por exemplo. Laringoscopia: realizada introduzindo uma câmera com iluminação pela boca ou pela narina do paciente, para a visualização das estruturas laríngeas. Permite observar o comportamento das estruturas durante a fala, o canto, a tosse e a deglutição. A laringoscopia é realizada sob anestesia tópica (local) e exige um jejum prévio, em torno de 8 a 12 horas. O exame pode ser um pouco incômodo e, em crianças, caso haja muita dificuldade, pode ser realizado em sedação, se for necessário. Avaliação perceptivo-auditiva: é a avaliação clássica realizada na prática clínica, embora tenha aspectos relacionados à subjetividade e à interpretação do avaliador, pode envolver o uso auxiliar de escalas para diminuir esses aspectos subjetivos. Uma escala comumente utilizada é a Escala GRBASI, que avalia 5 aspectos vocais, que são: rugosidade, soprosidade, astenia, tensão e instabilidade. Programas de análise acústica: a voz do paciente é gravada utilizando softwares específicos que fazem a medição e quantificação dos sinais sonoros, a fim de obter uma avaliação mais precisa. 44 Essas gravações apresentam grande utilidade para fazer comparativos durante o tratamento e acompanhar a evolução do paciente, verificar diferenças pré e pós-cirúrgicas, além de permitir a análise de diferentes variáveis por meio das ferramentas disponibilizadas por alguns softwares. A análise acústica, por si mesma, não é definitiva para a realização de diagnósticos, assim, ela deve estar associada à avaliação perceptivo-auditiva, realizada pelo fonoaudiólogo. 3.3.1 Acústica da voz A análise acústica da voz é uma ferramenta objetiva para mensurar diferentes parâmetros na voz falada, permitindo ao profissional a identificação de alterações vocais, respeitando parâmetros acústicos específicos. A utilização desse recurso auxilia na precisão e objetividade da avaliação, quando associada à avaliação perceptivo-auditiva, é uma ferramenta fundamental para uma análise quantitativa e qualitativa de diferentes aspectos vocais. Alguns dos parâmetros que podem ser observados são: ➢ Frequência fundamental; ➢ Shimmer; ➢ Jitter; ➢ Loudness; ➢ Rugosidade; ➢ Proporção Harmônico Ruído (PHR); ➢ Sharpness; ➢ Articulação. Frequência fundamental: refere-se à velocidade de repetição de uma forma de onda, durante um certo período. Sua medida é utilizada pela unidade c/s, que se refere aos ciclos por segundo. Também pode ser encontrada como Hz (Hertz). Embora as unidades de medida sejam diferentes, elas são equivalentes, ou seja, 1 Hertz é igual a 1 ciclo por segundo. 45 Este parâmetro está relacionado ao comprimento das cordas vocais, refletindo nas suas características biodinâmicas e como interagem com a pressão subglótica. Em crianças, esse valor se encontra ao redor de 250Cs (BRAGA, OLIVEIRA e SAMPAIO, 2009), no entanto, conforme as crianças, vão ficando mais velhas, este número tende a diminuir. Isso ocorre porque o crescimento da criança é acompanhado de um aumento no comprimento das cordas vocais, o que diminui este parâmetro. Além disso pode se observar o aumento da laringe e o seu melhor controle. Para fins de comparação, em homens adultos esse número fica entre 80 e 150Cs, nas mulheres se encontra entre 150 e 250Cs (BEHLAU, PONTES e TOSI, 1985). Shimmer e Jitter: são parâmetros que representam variações da frequência fundamental e os seus índices de perturbação. A diferença entre eles é que o shimmer se refere às perturbações relacionadas à amplitude e o jitter, às perturbações de frequência.➢ Jitter: é importante na determinação da estabilidade do sistema fonatório, a sua alteração ocorre quando há ausência de controle em relação às vibrações das cordas vocais. Seu limite de normalidade é até 0,5% (BEHLAU et al, 2001); ➢ Shimmer: relaciona-se à produção de ruídos e à intensidade da emissão vocal, como quando há soprosidade. Este parâmetro se encontra dentro da normalidade quando está até 3%. (BEHLAU et al, 2001). Por estar relacionado ao loudness, é possível encontrar a sua mensuração também em decibéis (dB). Os valores padrão são determinados para adultos, quando essas análises são realizadas em crianças, os valores de Jitter tendem a apresentar o mesmo comportamento, porém os de Shimmer mostram-se alterados. 46 O fato é que, em se tratando de vozes infantis, seja qual for o algoritmo empregado para a análise acústica, esta sempre apresenta resultados com grandes variabilidades nas produções vocais, determinando maiores perturbações no shimmer do que no jitter, dependendo da idade e estágio de desenvolvimento global (STEFFEN N., MOSCHETTI, 1997, pág. 331). Os valores de Shimmer apresentam alterações em crianças que apresentam vozes aparentemente normais, por este motivo, os autores não recomendam que eles sejam utilizados para a verificação de patologias vocais. Embora ainda existam poucas pesquisas nesta área, é possível que, futuramente, se estabeleça um consenso sobre valores adequados para crianças. De qualquer modo, é um campo de pesquisa que apresenta potencial para exploração. ➢ Loudness: relaciona-se à percepção de intensidade de um som e sua unidade de medida é o sone. ➢ Rugosidade: refere-se às irregularidades percebidas nas vibrações que ocorrem nas cordas vocais e sua unidade de medida é o asper. ➢ Proporção Harmônico Ruído (PHR): é um índice que permite relacionar o componente de ruído de uma onda acústica com o componente harmônico. Este índice faz um contraste entre o sinal regular proveniente das cordas vocais e o sinal irregular originado nas cordas e trato vocal. ➢ Sharpness: verifica os sons muito estridentes ou agudos, que apresentam componentes de alta frequência, sendo muito utilizado para avaliação de timbre. É diretamente proporcional à alta frequência. Sua unidade de medida é o acum. ➢ Articulação: relaciona-se aos processos que ocorrem nas ações motoras dos órgãos fonoarticulatórios, para que ocorra a produção e formação dos sons que compõem a fala (coarticulação). 47 Além desses aspectos, existem outras variáveis que podem ser avaliadas pelo profissional de acordo com o uso de instrumentos específicos, esses exames tendem a se apresentar de forma cada vez mais refinada com o desenvolvimento da tecnologia. 3.3.2 Softwares Existem à disposição diferentes tipos de softwares para realizar a gravação da voz e que permitem que o profissional realize a sua avaliação, alguns programas muito utilizados são: Voxtraining, Voxmetria, Audacity, Fonoview e PRAAT. A escolha de um software apropriado depende, além dos recursos proporcionados por ele, da preferência do profissional, que poderá escolher o que apresentar melhor usabilidade ou com que tiver mais familiaridade, além disso, também há opções entre softwares pagos ou livres. Conclusão da aula 3 O profissional da fonoaudiologia tem ao seu dispor diferentes ferramentas que lhe permitem realizar uma avaliação abrangente e objetiva, entretanto as peculiaridades da população infantil devem ser respeitadas para que os resultados obtidos sejam adequados. Nesta aula foram abordados diferentes aspectos pertinentes à acústica vocal, além de algumas das ferramentas para que a análise das estruturas vocais possa ser realizada de forma adequada ao público infantil. Atividade de Aprendizagem Descreva de forma resumida os principais cuidados que devem ser tomados na avaliação do público infantil. 48 Aula 4 – Alterações e patologias Apresentação da aula 4 Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) à quarta e última aula da disciplina de Análise acústica vocal. Esta aula abordará as principais patologias ou alterações que podem influenciar a fala, compreendendo as suas manifestações mais comuns na infância, como a disfonia, a gagueira e a voz fanha. 4.1 Alterações da voz As alterações de voz que surgem na infância podem ter consequências na vida adulta, interferindo tanto na comunicação do dia a dia com a família e os amigos quanto no trabalho, considerando que a voz é uma importante ferramenta na atividade profissional. Além disso, algumas condições podem afetar a autoestima da criança, interferindo em seus relacionamentos interpessoais e podem até mesmo impedi- la de fazer certas escolhas ou tomar determinadas atitudes, por medo ou vergonha de expor a sua voz. Identificar alterações na infância permite que uma investigação mais aprofundada ocorra, dando início ao tratamento precoce e melhorando as possibilidades prognósticas e, consequentemente, auxiliando no desenvolvimento da criança para uma adolescência e vida adulta com mais qualidade de vida. As alterações de fala podem ter diferentes causas e, portanto, o tratamento deve ser individualizado. Para melhor compreender como essas alterações ocorrem e quais são os seus principais sintomas, algumas dessas alterações serão abordadas a seguir, são elas: ➢ Atraso na aquisição da fala; ➢ Disfonia; ➢ Desordens comunicacionais; ➢ Gagueira; ➢ Voz fanha. 49 Atraso na aquisição da fala Assim como outros marcos importantes que ocorrem ao longo do desenvolvimento infantil, o momento em que uma criança começa a falar pode apresentar algumas variações. Conforme os marcos do desenvolvimento vistos na aula dois, primeiramente a criança compreende a linguagem, utilizando gestos como “dar tchau”, posteriormente ocorrem as vocalizações e, por fim, a fala. Assim, embora a idade na qual uma criança comece a falar possa variar individualmente, as etapas para que isso aconteça obedecem aos padrões já apresentados. Até os 12 meses, a criança já deve ser capaz de balbuciar sons e palavras simples, como “mama” ou “papa”, além de ser capaz de apontar e acenar. Se a criança não reagir aos sons, a audição deve ser investigada para verificar se não há algum nível de deficiência auditiva que possa estar comprometendo a percepção de sons e sua mimetização. Os atrasos na aquisição da fala podem ser percebidos quando os marcos esperados no desenvolvimento não estão sendo atingidos em um período adequado. Por exemplo, se aos 18 meses a criança ainda faz uso de gestos e não vocaliza ou vocaliza muito pouco, tem problemas para imitar ou repetir os sons que ouve, além de não compreender ordens simples como “dar tchau”, é recomendável consultar um profissional da fonoaudiologia. Se aos 2 anos ainda não forma frases ou palavras de maneira espontânea, faz os sons de maneira inadequada, como muito nasalados ou roucos, a aquisição da fala pode ser atrasada por problemas na cavidade oral, como alterações estruturais na língua, no palato ou no freno lingual, limitando os movimentos. Em alguns casos, o atraso na aquisição da fala pode estar relacionado a fatores cognitivos ou neurológicos, afetando as áreas do cérebro responsáveis pela coordenação motora das estruturas envolvidas na produção do som, na recepção e interpretação do som, dentre outras. Os atrasos de aquisição na linguagem e na fala devem ser investigados para compreender a causa do problema e realização adequada do diagnóstico para que o tratamento seja feito adequadamente. 50 A inserção do profissional de fonoaudiologia no primeiro contato da criança com a vida escolar, que pode ocorrer por volta dos 2 anos no caso de creches, por exemplo, aumenta as chances de identificação precoce do problema.
Compartilhar