Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DOCÊNCIA EM SAÚDE AUDIOLOGIA INFANTIL 1 Copyright © Portal Educação 2013 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de Setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842a Audiologia infantil / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2013. 160p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-824-6 1. Audiologia - Crianças. I. Portal Educação. II. Título. CDD 573.89 2 SUMÁRIO 1 LINGUAGEM E AUDIÇÃO ......................................................................................................... 4 2 DESENVOLVIMENTO HUMANO .............................................................................................. 11 2.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO .................................................................... 11 2.2 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO NORMAL DA LINGUAGEM .......................................... 13 2.3 ORIENTAÇÕES AOS PAIS E CRIANÇAS COM ATRASO DE LINGUAGEM ........................... 22 3 MECANISMO AUDITIVO .......................................................................................................... 25 3.1 AS VIAS AUDITIVAS ................................................................................................................ 38 3.2 A FISIOLOGIA DA AUDIÇÃO .................................................................................................... 40 3.3 PROCESSO PERCEPTUAL AUDITIVO .................................................................................... 41 4 A DEFICIÊNCIA AUDITIVA NA INFÂNCIA .............................................................................. 43 4.1 IDENTIFICAÇÃO DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES AUDITIVAS ..................................... 46 4.2 CLASSIFICAÇÃO DA PERDA AUDITIVA NA INFÂNCIA .......................................................... 53 4.3 ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA NA INFÂNCIA ......................................................... 57 5 AVALIAÇÃO AUDIOLÓGICA ................................................................................................... 72 5.1 AVALIANDO CRIANÇAS DE ZERO A SEIS ANOS .................................................................. 93 5.2 AVALIANDO BEBÊS DE ZERO A QUATRO MESES ............................................................... 95 5.3 AVALIANDO AS CRIANÇAS DE QUATRO A VINTE QUATRO MESES .................................. 97 5.4 TESTE DE BOEL ..................................................................................................................... 102 5.5 AUDIOMETRIA CONDICIONADA ............................................................................................ 104 5.6 TESTES OBJETIVOS ............................................................................................................... 106 3 5.7 PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL ............................................................................ 107 6 (RE) HABILITAÇÃO DA CRIANÇA COM DIFICULDADES AUDITIVAS ................................ 109 6.1 ORALISMO ............................................................................................................................... 114 6.2 COMUNICAÇÃO TOTAL .......................................................................................................... 116 6.3 BIMODALISMO ........................................................................................................................ 118 6.4 BILINGUISMO .......................................................................................................................... 120 6.5 LIBRAS – LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ........................................................................... 123 6.6 MÉTODO VERBOTONAL ........................................................................................................ 125 6.7 MÉTODO LING ........................................................................................................................ 128 6.8 MÉTODO AUDIO + VISUAL DE LINGUAGEM ORAL .............................................................. 130 6.9 MÉTODO PERDONCINI .......................................................................................................... 130 7 FAMÍLIA, CRIANÇA E SOCIEDADE ....................................................................................... 131 8 AMPLIFICAÇÃO SONORA INDIVIDUAL ................................................................................ 137 8.1 CUIDADOS E MANUTENÇÃO DO APARELHO AUDITIVO .................................................... 142 9 IMPLANTE COCLEAR ............................................................................................................. 145 10 INCLUSÃO ESCOLAR ............................................................................................................ 153 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 157 4 1 LINGUAGEM E AUDIÇÃO A linguagem é um código usado para transmitir ideias sobre o mundo que nos cerca; é um sistema de comunicação natural ou artificial, humano ou não. Refere-se a qualquer meio de comunicação, como a linguagem corporal, as expressões faciais, a maneira de nos vestirmos, as reações de nosso organismo ou a linguagem de outros animais; os sinais de trânsito, a música, a pintura, enfim, todos os meios de comunicação, sejam cognitivos (internos), socioculturais (relativos ao meio) ou da natureza, como um todo. A comunicação satisfaz a necessidade básica do ser humano, isto é, o saber. É um dos mais penetrantes, complexos e importantes aglomerados de seu comportamento social. O cotidiano é afetado seriamente pelas nossas comunicações com os outros. Segundo estudiosos, a linguagem é ao mesmo tempo uma função e um aprendizado. É função no sentido de que todo o ser humano normal fala e a linguagem constitui um instrumento necessário para ele; e é um aprendizado porque o sistema simbólico linguístico, que a criança deve assimilar, é adquirido progressivamente pelo contato com o meio. A linguagem está diretamente relacionada à elaboração e simbolização do pensamento humano; é por seu intermédio que o homem estabelece contato com os seus semelhantes, compartilha experiências, pensamentos, ideais e desejos, na busca de novas experiências e conhecimentos. A comunicação se desenvolve por meio das formas pré-verbais, correspondendo a uma série de comportamentos usados com finalidade comunicativa, mas que incluem o uso das palavras. A comunicação almeja garantir a interação criança/adulto, caracterizando uma função social – se a comunicação evolui, começam a ser incorporadas condutas verbais ou linguísticas nas formas pré-verbais, tendo início as palavras para a comunicação. Linguagem Comunicação Ser humano 5 De acordo com Vygotsky (1989), a linguagem tem inicialmente uma função comunicativa, ela começa a ser utilizada, gradual e crescentemente, orientada em parte e para si mesma; opera como uma espécie organizadora e avaliadora da própria ação ou da resolução de situações problemáticas. Portanto, a linguagem pode ser tanto verbal quanto não verbal. Ela é verbal quando expressada oralmente (intermédio da fala); essa fala é exteriorizada pelo pensamento abstrato, feita por meio do uso do sistema simbólico ou palavras contidas no código da língua. O código é o conjunto de representações concretas da linguagem humana, constituídopor instrumentos convencionais, tais como: signos, sinais e símbolos ordenados a fim de formarem determinada língua. A linguagem não verbal é aquela que envolve o uso de gestos indicativos e/ou representativos, expressão corporal e facial, paralinguagem, manifestada por intermédio de qualidades e características vocais específicas. A capacidade de aquisição da linguagem é notável por sua universalidade em toda a raça humana, sendo uniforme e específica desta. Nos primeiros anos de vida uma criança é capaz de dominar um sistema linguístico idêntico àquele empregado pelas pessoas que o cercam, mas para tanto ele deve ser estimulada pelos sons da língua, aprender que os objetos e pessoas têm nomes que são constituídos de sons específicos que seguem uma sequência. O sistema auditivo faz parte de um sistema amplo e complexo que é a linguagem, tendo em vista que é necessária a integridade da audição como um todo, partindo da detecção até a memória auditiva para que haja o desenvolvimento da comunicação. A aquisição da linguagem pela audição é uma função que depende do tempo e está relacionada a períodos de maturação precoce, que são denominados períodos críticos para o desenvolvimento das funções Verbal Não verbal 6 biológicas, as quais são responsáveis pela aquisição da linguagem em tempo certo. A audição e a linguagem são funções diretamente relacionadas, interdependentes, que estabelecem o contato do homem com o meio ambiente, promovendo a sua integração intelectual e social. São funções essenciais à intercomunicação oral dos seres humanos. A necessidade de se ouvir bem torna indispensável à prevenção e à reabilitação dos problemas auditivos em crianças. Em especial a prevenção da deficiência auditiva na criança oferece o seu direito fundamental e essencial ao ser humano, o desenvolvimento da linguagem para a comunicação e a vida em sociedade. Para o desenvolvimento da linguagem falada é de suma importância a sequência a seguir: Linguagem Audição 7 Para manipular as características e os processos do mundo que nos cerca, a audição, portanto, desempenha um papel decisivo, pois esta primeira etapa é a fase de recepção dos estímulos sensoriais (auditivos, visuais e cinestésicos) sob o comando do Sistema Nervoso Central (SNC). O desenvolvimento da linguagem falada é feita tanto em nível periférico como central. A audição nos mantém informado sobre as atividades que estão ocorrendo a distância, funcionando como mecanismo de alerta e defesa contra o perigo. A integridade das vias auditivas (veremos no tópico Mecanismo Auditivo) favorece a localização da fonte sonora, porém a aquisição da linguagem pela audição requer tempo de maturação e treino auditivo. Desenvolver a capacidade de receber, reconhecer, identificar, discriminar e manipular as características e processos do mundo que nos cerca. Desenvolver a capacidade de compreender, decodificar, associar a linguagem falada, ou seja, a interpretação dos sons linguísticos que a criança ouve em seu ambiente. Desenvolver a capacidade de produzir os sons da fala, emitir. 8 No entanto, na segunda fase, que é o desenvolvimento da capacidade de compreensão, decodificação e associação da língua, funciona como uma função mental (interpretando os sons) onde os centros de associação do SNC devem estar íntegros para que processos com memória, organização e motivação funcionem corretamente junto das experiências emocionais. A terceira etapa, que é exatamente o desenvolvimento da capacidade de produzir os sons da fala, enfim, de emitir a mensagem sonora, envolve uma atividade motora, onde o SNC comanda a habilidade fonoarticulatória para a produção dos sons da fala. Com a fala podemos externar o pensamento, desejos por meio da linguagem verbal, mas, para tanto, é necessário que a criança necessite e deseje se comunicar. Para que a criança fale é preciso separar a ideia principal, colocá-la em simbologia verbal adequada, depois em forma gramatical e vocalizar de forma adequada e correta (acionando os órgãos fonoarticulatórios - OFAs). Estímulos sensoriais Sistema Nervoso Periférico Sistema Nervoso Central Localização, fonte sonora e Linguagem Compreensão Decodificação Associação 9 A linguagem oral para ser realizada necessita de órgãos periféricos e de um sistema nervoso apropriado. A criança quando nasce é envolvida por estímulos linguísticos e nem por isso ela começa a falar assim que nasce, pois precisa do amadurecimento e desenvolvimento de certos potenciais orgânicos. É muito importante o “período crítico”, porém ótimo período para o aprendizado e desenvolvimento de habilidades como a linguagem; no entanto, esse período tem início e fim. A atividade verbal prepara a criança para o aprendizado linguístico, que passa por estágios característicos (sons guturais, balbucios, holofrases). É de suma importância a integridade do sistema nervoso central. O cérebro possui funções específicas para o desenvolvimento da linguagem oral, daí a importância da atenção da família, cuidadores e terapeutas em relação à: Atenção: a capacidade de demonstrar interesse numa atividade, objeto ou pessoa. Concentração: a capacidade de manter a atenção por algum tempo numa determinada atividade sem que haja desvios ou perda de interesse. Cognição: fazer descobertas por meio de etapas elaboradas (raciocínio indutivo, dedutivo, avaliativo), ter consciência da descoberta feita e depois ter possibilidade de reconhecer o que foi descoberto (respeitando as etapas do desenvolvimento). Julgamento das relações: usar o conhecimento adquirido para comparar e avaliar Externar o pensamento Produzir os sons Emitir a Fala 10 dentro de certos critérios como: correto, igual, útil, certo, errado etc. Organização simbólica: capacidade de catalogar o material concreto recebido de forma abstrata. Percepção: reconhecer os estímulos seja ele auditivo, visual, tátil ou gustativo. Raciocínio indutivo: capacidade de gerar alternativas lógicas a partir de um determinado fato. Raciocínio dedutivo: capacidade de gerar conclusões lógicas a partir dos dados recebidos. Controle dos impulsos: capacidade de saber selecionar e controlar reações a determinados estímulos de forma apropriada. Memória: capacidade de inserir e armazenar dados. Retenção: capacidade de reter na memória os estímulos recebidos para futuro reconhecimento. As funções supracitadas são indispensáveis para o desenvolvimento da linguagem e consequentemente para a oralidade, porém etapas no desenvolvimento devem ser respeitadas, como vamos ver mais adiante com os estágios de Piaget, em que a criança no seu relacionamento com o meio passa por quatro períodos no processo evolutivo da espécie humana. A criança possui uma estrutura biológica que possibilita o desenvolvimento mental a partir da interação do sujeito com o objeto a conhecer. O envolvimento da criança com o mundo ao seu redor faz com que ela tenha condição suficiente para o desenvolvimento cognitivo e oral, mas para desenvolver a oralidade os estímulos mais importantes para a construção da fala são os sonoros. 11 2 DESENVOLVIMENTO HUMANO 2.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO O processo de transformação e desenvolvimento da criança vai depender de como ela elabora e assimila as suas interações com o meio, isso porque a visada conquista do equilíbrio do organismo (a maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e o exercício do raciocínio) reflete as elaborações possibilitadas pelos níveis de desenvolvimento cognitivo que o organismo detém em diversos estágios da sua vida. Piaget considera quatro períodos no processo evolutivo da espécie humana que são caracterizados “por aquilo que o indivíduo consegue fazer melhor” no decorrer das diversasfaixas etárias ao longo do seu processo de desenvolvimento. Cada período é caracterizado por formas diferentes de organização mental que possibilitam as diferentes maneiras do indivíduo relacionar-se com a realidade que o rodeia. A seguir os períodos detalhados: Período Sensório-motor: no recém-nascido as funções mentais limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos, assim sendo, o universo que circunda a criança é conquistado mediante a percepção e os movimentos (como a sucção, o movimento dos olhos e 1º Período ‐ Sensório‐motor (0 a 2 anos) 2º Período ‐ Pré‐operatório ( 2 a 7 anos) 3º Período : Operações Concretas ( 7 a 11 ou 12 anos) 4º Período : Operações Formais (11 a 12 anos em diante) 12 etc.). Com o passar do tempo à criança vai aperfeiçoando os movimentos reflexos e adquirindo habilidade, e chega ao final do período sensório-motor já se concebendo dentro de um “universo” (com objetos, tempo, espaço, causalidade, objetividade, comunidade), agindo e interagindo. Período Pré-operatório: o aparecimento da função simbólica é o que inicia este período. Nessa concepção, o cognitivo é anterior à linguagem; na linha piagetiana, a linguagem é considerada como condição necessária, mas não suficiente ao desenvolvimento, pois existe um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado pela linguagem, enfim, a linguagem depende do desenvolvimento intelectual. Nesse período a criança tem a capacidade de atuar de forma lógica e coerente, sendo o egocentrismo social e intelectual característico desta fase. Período das Operações Concretas: nesta fase a criança estabelece relações e coordena pontos de vista diferentes, integrando-os de modo lógico e coerente. Outro ponto importante é a capacidade da criança internalizar as ações, ou seja, ela começa a realizar operações mentalmente e não mais apenas por meio de ações físicas típicas da inteligência sensório-motora. Contudo, a criança consegue raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas conceituais como as ações executadas mentalmente se referem, nesta fase, a objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta. Período das Operações Formais: a criança amplia as capacidades conquistadas na fase anterior, onde consegue raciocinar sobre hipóteses na medida em que ela é capaz de formar esquemas conceituais abstratos e por meio deles executar operações mentais dentro de princípios da lógica formal. Ao atingir essa fase, o indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ele consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a idade adulta. Portanto, com o estudo das etapas de Jean Piaget, podemos concluir que, a princípio, o desenvolvimento da linguagem necessita dos aspectos cognitivos, porém alcançado o segundo estágio a linguagem mostra o seu valor, ficando questionável o que seria mais importante: linguagem ou cognição. Aquisição Desenvolvimento Linguagem Cognição 13 2.2 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO NORMAL DA LINGUAGEM A aquisição da linguagem amplia noções de tempo, espaço, capacidade de raciocínio, planejamento e avaliação de ações realizadas. Para tanto, durante o primeiro ano de vida as crianças precisam estar expostas a um mínimo de input linguístico (informações e experiências linguísticas que a criança recebe de seu meio social). O ambiente linguístico da criança é considerado como aspecto de muita importância na aquisição da linguagem. A linguagem é considerada a primeira forma de socialização da criança e, na maioria das vezes, é efetuada pelos pais por meio de instruções verbais durante atividades diárias, assim como por intermédio de histórias que expressam valores culturais. A linguagem oral corresponde ainda a uma habilidade especial dos seres humanos compreendida como um sistema de duas faces: SIGNIFICANTE e SIGNIFICADO. O “significante” refere-se ao aspecto formal da linguagem e é constituído pela junção hierárquica dos elementos fonemas, palavras, orações e discurso. O “significado” refere-se ao aspecto funcional da linguagem, considerado como responsável pela comunicação no meio social. As frases são as unidades básicas para a comunicação de uma ideia e para adquirir à linguagem a criança precisa dominar vários subsistemas da língua, que inclui o sistema fonêmico, o sistema semântico, a sintaxe e a pragmática. Sistema Fonêmico – está relacionado aos sons de forma geral (sua combinação Significante Significado 14 vogal/consoante). Sistema Semântico – pode ser presenciado em torno do primeiro aniversário, quando a maior parte das crianças começa a dizer os primeiros sons com significado, ao usar palavras isoladas, que representam na maioria das vezes coisas ou pessoas. Sintaxe – aparece aproximadamente na metade do segundo ano; as crianças dominam os morfemas gramaticais de suas línguas. Pragmática – vai além de significados e regras gramaticais, enfatizando os fatores comunicativos da linguagem, pois relaciona a linguagem com o contexto da fala. O estudo da pragmática relaciona os aspectos fonológicos, semânticos e sintáticos da fala. Os fonemas são os sons básicos que quando combinados formam palavras. Esses sons são as primeiras emissões vocais do primeiro ano de vida, podendo ser chamados de lalação. Durante as primeiras semanas, são apenas gritos – futuramente esses gritos começam a diferenciar-se por sua tonalidade e ritmo. Alguns gritos correspondem à sensação de mal-estar e outros à sensação de prazer. Para Newcombe (1999), os bebês de primeiro mês são capazes de discriminar fonemas, mas incapazes de produzi-los. Somente no terceiro mês de vida é que os bebês começam a arrulhar e a fazer sons vocálicos. De acordo com as fases de Piaget o cérebro funciona com material simbólico; os sistemas supracitados e as habilidades mentais comentadas anteriormente necessitam de outras habilidades para funcionar. O cérebro usa informações e associações específicas que são basicamente de quatro tipos: Figurativas: as informações concretas percebidas na forma de imagem. Simbólicas: as informações em forma de sinais denotativos (letras, números e etc.). Semânticas: as informações em forma de construções mentais ligadas a palavras. Comportamentais: informações figurativas e não verbais que surgem na interação com o outro (atitudes, desejos, intenções e etc.). Além de todas as habilidades citadas que são importantes para o desenvolvimento da linguagem, não podemos nos esquecer de falar do adequado funcionamento do sistema auditivo e da estabilidade emocional. A audição subentende algumas habilidades imprescindíveis para aquisição da linguagem oral como: Consciência auditiva: capacidade de reagir ao estímulo sonoro, ter a sensação do som. Identificação sonora: saber de onde veio o som, associar corretamente o barulho à 15 fonte; isso requer que a criança atribua um significado ao som, necessitando enfim de memória auditiva. Localização sonora: habilidade em determinar de que direção está vindo o som. Discriminação sonora: capacidade de poder diferenciar um som do outro. Atenção auditiva: habilidade em poder concentrar a atividade psíquica num determinado estímulo sonoro. Memória auditiva: capacidade de reter, reproduzir e reconhecer os estímulos auditivos anteriores apresentados. Sequenciação: capacidade em perceber e repetir a ordem em que os sons são produzidos. Análise e síntese: capacidade em identificar e separar as características individuais de um som inserido num contexto e depois ser capaz de reunir tais características novamente para formar um todo. A necessidade da estabilidade emocional é de suma importância para o desenvolvimento do ser como um todo. Uma criança pode ser considerada equilibrada emocionalmente se estiver em harmonia com o meio e consigo mesma. Observe o esquemaabaixo: Para que a criança fale, tem que existir a quem falar (pessoas), de que falar (eventos, assuntos, enfim, material) e, por último, deve haver “porque falar” (a criança tem que ter a necessidade da expressão oral, ela tem que ter vontade). A estimulação do ambiente é peça- chave: a interação “mãe e filho” influencia no desenvolvimento da linguagem, a criança procura a figura que lhe oferece conforto e segurança, passando a necessidade de se comunicar com ela. As influências externas (do meio) vão fornecer um modelo linguístico, o tipo de estímulo e a exposição ao material linguístico. A mãe é modelo da linguagem e a criança vai seguir inconscientemente desde o primeiro dia de nascida. Por isso, o modelo que a criança tem em casa pode ajudar muito no planejamento de uma possível habilitação ou reabilitação de uma Pessoas Material, eventos, assuntos Necessidade e vontade 16 criança, ou simplesmente nortear uma simples orientação, prática comum em consultório e na escola. É necessário termos em mente o desenvolvimento da linguagem nos dois primeiros anos de vida – isso fornecerá suporte para irmos além na hora de orientar, avaliar e planejar a terapia fonoaudiológica. Sabemos que desde o seu primeiro minuto de vida o bebê já começa a se comunicar e essa comunicação é feita por meio do choro, que com o passar dos tempos passa de indiferenciado para diferenciado (fome, dor, medo). O choro é uma efetiva forma de comunicação e interação da criança com o mundo ao seu redor, e neste momento ninguém melhor do que a mãe para entender o que o bebê está “querendo”. O choro do bebê é marcado por diferentes padrões entoacionais, intensidades e ritmos, essa interação ocorre também durante a amamentação, onde inicia o diálogo mãe e filho. A criança de zero a seis meses entra no estágio de desenvolvimento pré-linguístico, período marcado pelo início de tudo: o choro; à medida que os dias avançam os bebês começam a esboçar vocalizações não linguísticas biologicamente condicionadas. Nos primeiros dias de vida o aspecto produtivo não é influência da língua-mãe e sim caracterizado por reações determinadas por uma organização nervosa reflexa, pois o bebê mais reage ao mundo do que age sobre ele. Nesta fase inicial de desenvolvimento da linguagem o bebê ainda não é capaz de fazer uma diferenciação entre ele mesmo e os outros que o cercam; ele ainda não se constitui como sujeito. O bebê olha, movimenta o corpo, mostra interesse pelas pessoas e objetos, procura Mãe é modelo da linguagem A criança vai seguir inconscientemente desde o primeiro dia de nascida 17 seguir trajetórias, vocaliza, chora, agarra objetos que são colocados em sua mão, reage a sons e a vozes familiares e assim por diante. Há emissão de sons reflexos e gritos segundo o prazer ou o desconforto. Com dois meses emite sons não mais reflexos – mais intencionais; cada dia se torna mais ativo, fica consciente do som e tem prazer das repetições que faz. Aos poucos vai percebendo a sua expressividade vocal e corporal. A partir do quarto mês o bebê se torna cada vez mais capaz de organizar procedimentos para explorar o mundo ao seu redor. As coordenações sensório-motoras (mão/boca), coordenação visão/audição e principalmente a coordenação manual com a atividade visual demonstram claramente o interesse crescente em tudo que está ao seu alcance. A voz da mãe é reconhecida com tranquilidade e esperada em momentos propícios, acalmando o bebê. Antes o bebê só reagia aos sons de 80 e 90 dB; o final desta fase já mostra a reação deles a um limiar mais baixo, em torno de 40 dB. É uma fase de transição, mas é neste momento que a criança está receptiva para o mundo e quer experimentá-lo, atuar sobre ele de todas as formas. É neste momento que pessoas e coisas tornam-se fontes de exploração, pois o progresso de ordem motora (virar o corpo, permanecer sentado, deslocar-se pelo chão e etc.) favorece a busca pelo ambiente. É uma fase que, apesar das limitações, fica mais fácil para o adulto atribuir valores comunicativos aos comportamentos gerados pelos bebês. 18 De seis a nove meses inicia a intenção do bebê com relação ao mundo externo de forma bem sólida e ativa; as vocalizações começam a adquirir características de linguagem oral propriamente dita, pois percebe entoações, ritmo e tons diferentes. Nessa fase o balbucio espontâneo se torna mais denso, a combinação de consoantes e vogais fica nítida para os ouvidos dos que cercam o bebê; neste caso, o balbucio soa como fala de verdade devido às entonações ascendentes e descendentes. O início da comunicação oral sugere maturação cerebral e o amadurecimento do sistema vocal; lembrando que o balbucio em si não prediz quão cedo ou quão tarde as crianças normais vão começar a falar palavras nem o tamanho de seu vocabulário quando entram na escola. O balbucio condiz com o grau de excitabilidade da criança e sua tendência para expressar excitação mediante os sons. Neste período emitem sons guturais bem prolongados em respostas ao rosto da mãe quando está à sua frente; vocalizando uma variedade de vogais reage à voz humana a 40 dB ou menos, reconhecendo a voz da mãe e de pessoas do seu convívio. Com nove meses os comportamentos intencionais comunicativos estão bem desenvolvidos, tem a noção de que pode usar para interagir com o meio. Segundo Jakubovicz (1999), esta é a fase da pré-conversação; a criança vocaliza mais durante os intervalos, quando é deixada livre pelo adulto. Choro (indiferenciado/diferenciado); Vocalizações não linguísticas; Sons reflexos e gritos; Consciente do som e tem prazer nas suas repetições; Sorri aos sons, tenta mover a cabeça em direção à fonte sonora. 19 Procura espaçar e encurtar as vocalizações para dar lugar às respostas do adulto, deixando bem claro a importância da interação, da troca de ideias e da participação do adulto nesta fase. Por volta do primeiro aniversário, a maioria das crianças começa a falar suas primeiras palavras com significado, geralmente na forma de vocábulos isolados. Esta é a fase da pré- conversação: ela começa a vocalizar mais nos intervalos que é deixada livre pelo adulto. Amplia rapidamente sua compreensão da linguagem falada ao seu redor e a linguagem que se associa a gestos e situações vividas lhe dão sentido. Palavras familiares são vocalizadas com mais precisão, além de melhor controladas quanto à altura tonal e intensidade. Agrupam sons e sílabas repetidas à vontade, começam a nomear as coisas, o surgimento das palavras funcionais facilita o seu convívio com os familiares e “estranhos”. Nesta fase a criança tende a generalizar, fazendo com que haja um prolongamento semântico (exemplo: cachorro para todos os animais). É uma fase confusa, cheia de aprendizado e experiências a serem vivenciadas; muitas crianças têm crises de choro, birra, são raivosas, chegando a morder e bater quando não são compreendidas ou quando não conseguem se expressar; a pouca tolerância leva a frustrações. Neste período os pais necessitam de orientação com relação às emoções da criança, como lidar com crises e anseios. Vocalizações características de linguagem; Entonações, ritmos e tons diferentes; Início do balbucio; Repetições intencionais; Aprende logo a reproduzir os sons. 20 No segundo ano de vida da criança acontece o controle voluntário completo sobre os OFAs, todo o aparelho fonador começa a se organizar, outros elementos da comunicação permitem que a criança expresse um bom número de informações, como: Circunstâncias familiares: lar equilibrado, organização econômica, além de estímulo suficiente para o desenvolvimento da linguagem desde o nascimento. Atitude dos pais: como é realizada a interação, pais equilibrados emocionalmente. O que é e será cobrado da criança com relação à linguageme aspectos cognitivos. Começa o surgimento das palavras associadas das frases, aparecendo frases de dois ou três elementos. O que antes era um falar monossílabo passa a ser mais próximo à fala adulta, junto com as flexões (plurais); as frases negativas são utilizadas por meio de um simples NÃO isolado ou colocado no sempre no final (exemplo: comer NÃO). Com relação às interrogativas, essas são as mais primitivas, pois a criança verbaliza as suas necessidades, compreendendo algumas ordens. Com o passar do tempo o vocabulário amplia-se rapidamente. Para tanto, o papel da imitação é de suma importância no desenvolvimento da linguagem, as crianças penetram na via da linguagem falada pelos adultos que as cercam e esta linguagem constitui-se como modelo e referência. A imitação é a criança internalizando o que é “imposto” inconscientemente pelos outros. A experiência proporciona um processo ativo de trocas mentais, pois a criança dirige comportamentos intencionais a outras pessoas; isso mostra que ela tem a noção de que pode usar a linguagem a seu favor para atuar sobre as coisas, assim deixa bem claro a necessidade de citarmos as funções da linguagem, que são: Função regulatória: a criança objetiva alguma coisa ou a satisfação de uma necessidade, então solicita algo ou quando encerra uma ação. Função social: atrair a atenção do outro, sobre si mesma, obter atenção, fazer parte do diálogo, fazer participar. Função conjunta: garantir uma experiência compartilhada, chamando e prendendo a atenção das outras pessoas. É interessante frisarmos que a linguagem é instrumental, reguladora, interacional, pessoal, heurística, imaginativa e informativa. Tanto para as crianças como para os adultos, essas são as necessidades básicas que suprimos quando se trata de comunicação e linguagem falada. 21 INFORMATIVA Para as crianças, todas as funções servem para a maior parte das necessidades interativas. Segundo Boone (1994), a função instrumental informa o uso da linguagem de maneira geral e a necessidade da criança (exemplo: eu preciso); a reguladora, a criança procura controlar o mundo ao seu redor (exemplo: pegue); a função interacional vai tratar das relações com o mundo a sua volta (exemplo: como vai você?); a função pessoal trata das suas próprias necessidades e funciona apenas para satisfazê-la (exemplo: estou com fome); a função heurística (exemplo: onde); a função imaginativa, a criança começa a trabalhar as possibilidades e hipóteses (exemplo: por que nós não...); e por último, a informativa, que circunda todas as outras de forma inconsciente (exemplo: você sabe que...). Com três anos de idade a criança começa a internalizar o mundo, consegue reconhecer lugares que esteve antes, entende ordens duplas simples (exemplo: fecha a gaveta e me dá o livro); tem noção espacial, é capaz de responder perguntas do tipo: o que você usa para sentar?; o que você faz quando está com fome?. A partir dos quatro anos de idade a criança já executa ordens de três itens, já é capaz de dar seu nome completo e nome dos pais; se lermos alguma história simples, é capaz de Instrumental Reguladora Interacional Pessoal Heurística Imaginativa 22 responder perguntas. A seguir, uma ilustração sobre a importância da audição para o desenvolvimento e aquisição da linguagem. No entanto, temos que ter em mente que há crianças que vão estar mais adiantadas na compreensão da linguagem e não corresponderem a idade devida na expressão oral. O que foi explicado acima serve de parâmetros para iniciar uma estimulação. Se for o caso, serve para orientar pais e cuidadores sem a preocupação de etiquetar diagnósticos. 2.3 ORIENTAÇÕES AOS PAIS E CRIANÇAS COM ATRASO DE LINGUAGEM A melhor maneira de uma criança desenvolver a linguagem oral é interagir com a língua, com o mundo que a cerca. No entanto, por inúmeros motivos algumas crianças, mesmo tendo estimulação, não conseguem desenvolver a comunicação de forma efetiva; então, a criança necessita de ajuda, sendo crucial um apoio para os pais. Alguns pontos são importantes frisarmos, quais sejam: AUDIÇÃO: fale o tempo todo com a criança, mesmo que ela não fale; não Linguagem Audição 23 demonstre interesse, isso não exclui a possibilidade dela escutar e depois se interessar. Fale coisas concretas e frases curtas; comente sempre o que está acontecendo ao seu redor. Induza a criança a aprender a prestar atenção aos sons ambientes e a se concentrar ouvindo músicas infantis. Aponte para o céu e faça-o ouvir o avião ou aponte para uma sirene de ambulância; imite os sons (bichos, coisas), faça seu filho localizar a fonte sonora. VISÃO: mostre ao seu filho aquilo que você está fazendo; deixe seu filho explorar o ambiente. Quando estiver fora de casa aponte os pássaros, os carros, as árvores, etc., as coisas têm que ser nomeadas de forma clara e tranquila. TATO: dê ao seu filho muita oportunidade de tocar e sentir as coisas; se a criança for bebê, a deixe colocar os objetos na boca, senti-los. As crianças maiores devem brincar com areia, sentir texturas diferentes. Enquanto a criança vai explorando o mundo, o adulto deve nomear as ações. As crianças devem sentir contornos em curvas ou algo reto, superfície lisa e uma áspera etc. Ensine as diferentes sensações. PALADAR: deixe a criança usar a boca e nariz para explorar o mundo, e, consequentemente, ela estará aprendendo (doce, amargo, salgado, bom, ruim etc.). ODOR: ensine a criança a cheirar e vá nomeando aquilo que ela cheira; faça distinguir cheiros bons e desagradáveis. AÇÕES: ensine a criança a sacudir objetos em vez de jogar no chão; ajude-a a explorar o máximo um objeto, fazendo com que o interesse no objeto passe de uma simples olhada. 24 Pais e cuidadores bem orientados e dispostos é um passo à frente na estimulação da linguagem oral, porém é de suma importância que os profissionais da área da linguagem sejam atentos e solícitos, levando em consideração o SER, tendo uma visão holística da criança, analisando as suas possibilidades e não suas dificuldades. Segundo Katz (1999), a aquisição da linguagem pela audição é uma função que depende do tempo e dos períodos de maturação para o desenvolvimento de funções biológicas, as quais são responsáveis pela aquisição da linguagem em tempo certo. AUDIÇÃO VISÃO TATO AÇÕES ODOR PALADAR 25 3 MECANISMO AUDITIVO A audição permite o processamento de eventos acústicos, como a fala, tornando possível a comunicação como expressão do pensamento, além de permitir a separação dos sons da fala na presença de ruídos, analisando seletivamente sons que ocorrem ao mesmo tempo. Antes de iniciarmos a anatomia e fisiologia da audição, é importante a noção da embriologia básica da audição. Northern e Downs (1989) verificam que um dos primeiros desenvolvimentos organizacionais do embrião é a diferenciação das células em três placas sobrepostas; são as camadas germinativas (ectoderma, mesoderma e endoderma). FIGURA 1 - VISTA INICIAL DE UM EMBRIÃO FONTE: NORTHERN & DOWNS: Audição em crianças, 1989. É depois da terceira semana de desenvolvimento embrionário que aparecem os placoides auditivos (espaços na superfície ectodérmica de cada lado do disco nervoso). Esses placoides começam a aprofundar-se, formando os buracos auditivos. Em seguida, começa o desenvolvimento do recesso tubotimpânico; ao final do primeiro mês de gestação, quando o buraco auditivo se fecha, surge a vesícula auditiva ou otócito (acontecem dobras, invaginações, alongamentos para formar o utrículo, sáculo e tubo endolinfático). No final da sexta semana iniciam-se as formações de arcos, que se tornarão os canais semicirculares; encontra-se formado o meato acústico primário, evidenciam-se as seis saliências 26 e começa aformação das cartilagens. No final da sétima semana, a porção do sáculo se alonga para completar a primeira volta da cóclea; começa o desenvolvimento das células sensoriais no utrículo e no sáculo, o pavilhão auricular começa a movimentar-se no sentido dorsolateral. Na oitava semana é o inicio da formação dos ossículos do ouvido médio e a membrana timpânica. FIGURA 2 - DESENVOLVIMENTO INICIAL DO OUVIDO INTERNO DE UM EMBRIÃO HUMANO FONTE: NORTHERN & DOWNS: Audição em crianças, 1989. No quinto mês de gestação, o ouvido interno atinge maturação e tamanho adulto; o pavilhão auricular alcança a forma adulta, embora continue a crescer até os nove anos de idade. 27 Nos dois últimos meses de gestação, completa-se a ossificação do martelo e da bigorna; as células aéreas da mastoide desenvolvem-se; existe a pneumatização do antro, o estribo continua a desenvolver-se até a idade adulta e a membrana timpânica muda de posição relativa durante os dois primeiros anos de vida da criança. FIGURA 3 - DESENVOLVIMENTO ESQUEMÁTICO DAS PORÇÕES INTERNA E MÉDIA DO MECANISMO AUDITIVO FONTE: NORTHERN & DOWNS: Audição em crianças, 1989. 28 FIGURA 4 - DESENVOLVIMENTO ESQUEMÁTICO DO PAVILHÃO AURICULAR DA 3ª E 4ª SEMANA FONTE: NORTHERN & DOWNS: Audição em crianças, 1989. O feto reage a estímulos sonoros após o quinto mês, pois as etapas de respostas a sons seguem um padrão de maturação. Ao nascer o ser humano apresenta apenas audição do tipo reflexa; em seguida começa o processo de aprendizagem e novas respostas ao som passam a ser desenvolvidas. A seguir, uma tabela com o resumo da embriologia do ouvido: 29 SEMANA DE GESTAÇÃO OUVIDO EXTERNO OUVIDO MÉDIO OUVIDO INTERNO 3ª. - Recesso tubotimpânico. Placoide auditivo; Buraco auditivo. 4ª. Espessamento de tecidos. - Vesícula auditiva e divisão cocleovestibular. 5ª. Início do meato auditivo primário - - 6ª. Seis saliências e formação das cartilagens. - Utrículo e Sáculo; Início dos canais semicirculares. 7ª. Movimento dorsolateral dos pavilhões auriculares. - Uma volta coclear e células sensoriais no utrículo e no sáculo. 8ª. Terço cartilaginoso externo está formado. Presença cartilaginosa da bigorna e martelo; Formação da metade inferior da cavidade timpânica. Presença do ducto de União e Células sensoriais nos canais semicirculares. 9ª. - Presença das três camadas de tecido na membrana timpânica. - 11ª. - - Presença de 2,5 voltas cocleares e o oitavo nervo liga-se ao ducto coclear. 12ª. - - Células sensoriais na cóclea. 15ª. - Estribo cartilaginoso - 30 está formado. 16ª. - Ossificação do Martelo e Bigorna. - 18ª. - Ossificação do Estribo. - 20ª. Pavilhão auricular atinge a forma adulta, continua a crescer até os nove anos. 21ª. - - O plugue meatal desintegra-se, expondo a membrana timpânica. 30ª. Canal Auditivo externo continua a amadurecer até sete anos de idade. Pneumatização do tímpano. - 32ª. - Completa-se a ossificação do martelo e bigorna. - 34ª. - Desenvolvem-se as células aéreas mastoides. - 35ª. - Pneumatização do antro. - 37ª. - Pneumatização do epitímpano, estribo continua a desenvolver-se e a Membrana Timpânica muda de posição 31 relativa durante os dois primeiros anos de vida. Além da embriologia do ouvido, é de suma importância ter em mente a variedade de respostas comportamentais do recém-nascido a sons, para que possamos enfatizar a maneira de observar e orientar. As principais respostas do recém-nascido são: Piscar de olhos ou atividade de pálpebras – ocorre desde um pequeno e rápido estreitamento até um grande fechamento, incluindo a contração das sobrancelhas. O reflexo cócleo-palpebral consiste num piscar ou fechamento de olhos. Reflexo de Moro – na maioria dos casos os braços se separam, os dedos se abrem, as pernas são esticadas e a cabeça volta-se para trás. É uma reação de sobressalto, um movimento abrupto de todo o corpo, sendo braços e pernas esticados e afastados da linha média do corpo. Startle susto e sobressalto – um pequeno pulo do corpo do recém-nascido, logo após ter sido estimulado acusticamente. É uma reação de susto, alerta ou alarme, que pode ou não acompanhar o reflexo de Moro. Cessação de atividade – momento em que o bebê está acordado, chorando e se movimentando, e para de fazê-lo durante a apresentação do som. Caretas – o rosto enruga-se como se quisesse protestar contra o som, pode ocorrer contração das sobrancelhas, além, de abertura e fechamento dos olhos. Sucção – leve retração do lábio inferior, o bebê pode parar de sugar ou aumentar o ritmo de sucção. Início de movimentos generalizados – quer o bebê esteja dormindo calmamente, quer esteja acordado, mas quieto, os olhos se abrem e isto é acompanhado por leves movimentos corporais, seguidos de tremor leve do corpo. Arregalar os olhos – ao despertar, abre os olhos demasiadamente. Mudança na respiração – o ritmo respiratório pode ser interrompido ou acelerado. Riso e/ou choro – o bebê tanto pode cessar quanto iniciar estes comportamentos. No entanto, uma das respostas mais seguras e concretas de um recém-nascido é o despertar do sono. Os primeiros anos de vida de uma criança são repletos de aprendizagem. É 32 neste período que ela adquire todos os tipos de habilidades motoras e uma enorme quantidade de informações que provêm dos sentidos especiais, tais como: visão, olfato, tato, gustação e audição. Segue abaixo a maturação das respostas auditivas em crianças de zero a dois anos. Recém-nascido Despertar do sono, respostas reflexas. 3 a 4 meses Esforços rudimentares para virar a cabeça inicia a inibição das respostas reflexas. 4 a 7 meses Localização da fonte sonora somente para o lado coincide com a fase de sustentar e virar a cabeça. 7 a 9 meses Localiza a fonte sonora para o lado indiretamente para baixo. 9 a 13 meses Localiza a fonte sonora diretamente para o lado e para baixo. 13 a 16 meses Localiza a fonte sonora diretamente para o lado, para baixo e indiretamente para cima. 16 a 21 meses Localiza diretamente os sons para o lado, para baixo e para cima. 21 a 24 meses Localiza diretamente os sons em qualquer ângulo. A localização sonora é um marco importante que auxilia a criança a manter um contato estável com seu ambiente e associar os sons com as fontes. No entanto, existem três fatos importantes que surgem entre o nascimento e os quatros meses de vida, que são: Conscientização do som; Discriminação entre presença e ausência do som; Capacidade de efetuar respostas corretas na procura do som. Para que a criança tenha um bom desempenho na fala além de tudo que citamos acima, ela precisa da anatomia e fisiologia da audição em harmonia. Vamos descrever agora sobre o sistema auditivo, que em sua maior parte está contido no osso temporal e tem como funções principais a audição e o equilíbrio. 33 Tanto uma função como a outra são de vital importância para a criança em desenvolvimento. É um sistema formado pela orelha externa, média e interna, com diferentes características estruturais e funcionais. A orelha externa é constituída de pavilhão auricular, conduto auditivo externo e a face externa da membrana do tímpano. A função do pavilhão auricular é coletar as ondas sonoras e dirigi-las para o meato acústico externo, que funciona como um condutor do som até a membrana timpânica, além de proteger e fornecer ressonância sonora. A cera produzida por glândulas ceruminosas da pele do meato forma uma película sobre o conduto, impermeabilizando-o e protegendo o ouvido da ação de micro-organismos, devido a seus constituintes e a sua acidez. A membrana timpânica é fixada à parede do conduto auditivopor um anel de tecido fibroso denominado anel timpânico e dividida em duas partes: parte tensa (ocupa maior parte da área) e parte flácida, que ocupa a porção superior da membrana. E a sua função é a separação da orelha externa da orelha média, além de facilitar a amplificação sonora. A orelha média é constituída de caixa timpânica, ossículos, músculos e ligamentos, tuba auditiva, adito, antro e células mastoides. Está localizada dentro da porção petrosa do osso temporal e é preenchida por ar. Tem formato irregular e mede, aproximadamente, no seu diâmetro vertical, 15mm, e no seu diâmetro horizontal, 6mm. Apresenta seis paredes que são praticamente paralelas entre si, dando a esta cavidade um formato de cubo alongado. Ele é um transformador de impedância eficiente, que possibilita a transmissão das vibrações aéreas aos líquidos labirínticos. A tuba auditiva é o canal que comunica a rinofaringe com a orelha média, facilitando a entrada de ar nessa cavidade, e tem a função de igualar as pressões que atuam do lado externo e interno da membrana timpânica, deixando-a livre para vibrar. Pavilhão Auricular Conduto auditivo externo Membrana Timpânica (face externa) 34 A cadeia ossicular é constituída por três ossículos: martelo, bigorna e estribo, encontrando-se suspensos dentro da caixa timpânica. Estão mantidos articulados devido a uma série de ligamentos muito delgados e por dois músculos: o músculo tensor do tímpano (inervado pelo trigêmeo, o V par craniano) e o músculo estapédio (inervado pelo facial VII par craniano). O tensor do tímpano está ligado ao cabo do martelo e quando se contrai puxa o ossículo para dentro da orelha média. O estapédio está ligado à cabeça do estribo e quando se contrai puxa-o na direção da janela do vestíbulo. Quando ocorrem sons altos esse sistema de “segurança” é acionado, com a contração desses músculos, aumentando a resistência à transmissão de sons com frequências menores que 1.800 Hz, havendo uma diminuição de 30 dB na intensidade devido à rigidez da cadeia ossicular. Esse circuito inicia-se com a transmissão do impulso por meio da orelha externa, orelha média e estruturas sensoriais da orelha interna e nervo coclear, que ao atingir o tronco cerebral, um sinal de alerta é acionado e o circuito passa a ativar seu mecanismo de proteção, que ocorre com a estimulação do nervo facial, que vai provocar a contração do músculo estapédio, indo alterar o padrão vibratório do estribo sobre a janela oval, prevenindo lesões das estruturas do ouvido interno. Veja na figura a seguir uma visão esquemática da orelha externa, orelha média e interna. FIGURA 5 - 1. PAVILHÃO; 2. MEATO ACÚSTICO EXTERNO; 3. MEMBRANA TIMPÂNICA; 4. MARTELO; 5. BIGORNA; 6. ESTRIBO; 7. TUBA AUDITIVA; 8. VESTÍBULO; 9. CÓCLEA; 10. CANAIS SEMICIRCULARES; 11. NERVO VESTÍBULO COCLEAR. FONTE: MUNHOZ et al: Audiologia clínica, 2000. 35 O sistema tímpano-ossicular é um transformador de energia que iguala as impedâncias da orelha média e interna para uma transmissão sonora efetiva por meio de dois mecanismos: o de alavanca e o hidráulico. Esses dois mecanismos aumentam 22 vezes a pressão sonora, o que equivale a uma amplificação de cerca de 30 dB, evitando assim perda de energia sonora. A orelha interna é localizada na porção petrosa do osso temporal, contendo órgãos sensoriais da audição e do equilíbrio corporal. É constituída de três partes, sendo dois labirintos (canais e passagens do osso): labirinto ósseo ou perinlinfático e labirinto membranáceo ou endolinfático e a cápsula ótica ou labiríntica (camada dura de osso que circunda o labirinto). O labirinto ósseo é composto de três partes: vestíbulo, cóclea, canais semicirculares (são três canais), e contém um líquido (a perilinfa), que envolve todo o labirinto membranáceo. No labirinto ósseo encontramos uma série de ductos membranosos onde estão alojadas as estruturas sensoriais de recepção dos estímulos auditivos e posturais. Segue adiante a figura do labirinto ósseo e particularidades: FIGURA 6 - LABIRINTO ÓSSEO DIREITO, VISTA ANTEROLATERAL FONTE: NETTER: Atlas de anatomia humana, 2000. O labirinto membranáceo é um sistema de vesículas e ductos contendo um líquido chamado endolinfa. É um sistema fechado, mas que se comunica entre si. Sendo assim, os 36 ductos abrem-se no utrículo e este no sáculo. Estruturas sensórias localizadas no vestíbulo são responsáveis pela função do equilíbrio e estão dispostas na ampola de cada ducto semicircular, nas cristas ampulares, no utrículo e mácula utricular e no sáculo. A cóclea lembra uma concha de caracol e consiste em um canal em forma de espiral, medindo 32mm de extensão, com duas voltas e meia ou duas voltas e três quartos, chamadas giros. O primeiro giro é o basal, ele está sob o promontório, na parede labiríntica da cavidade timpânica. A base da cóclea é a parte do fundo do meato acústico interno correspondente à área crivosa coclear, o trato espiral foraminoso, que é zona perfurada com vários orifícios pelos quais os filetes do gânglio espiral chegam à parte coclear do nervo vestibulococlear. O canal espiralado enrola-se em um eixo ósseo central cônico, o modíolo; dele sai uma lâmina que divide o canal de forma incompleta, de onde fibras nervosas entram e saem da cóclea, atingindo o modíolo e depois o meato acústico interno. A cóclea está dividida em três espaços pela lâmina espiral, que são: escala vestibular, escala média ou canal coclear (contém o órgão de Corti) e a escala timpânica (limita-se com a orelha média pela janela coclear). O helicotrema faz a comunicação das escalas vestibular e timpânica por meio de um orifício no ápice da cóclea. A cóclea recebe energia fornecida pela estria vascular, que mantém a composição dos líquidos cocleares. O órgão de Corti, estrutura sensorial do sistema auditivo, localiza-se na membrana basilar e desempenha um importante papel na propagação da vibração das ondas sonoras. O deslocamento da perilinfa faz com que a membrana basilar entre em movimento, alcançando sua amplitude máxima no local da membrana correspondente à frequência do som que foi transmitido (os sons agudos localizam-se na base e os sons graves no ápice). Logo a seguir, a imagem do Órgão de Corti irá ajudar na visualização do mecanismo de transmissão das mensagens sonoras. Perceba a diferença de estruturas entre as células de sustentação, células ciliadas externas e células ciliadas internas. 37 FIGUARA 7 - ÓRGÃO DE CORTI FONTE: RUSSO & SANTOS: A prática da audiologia clínica, 1993. A estrutura receptora auditiva é formada de células de sustentação e células ciliadas, que estão sobre a membrana basilar. Cobrindo o órgão de Corti está a estrutura gelatinosa com filamentos de proteína, a membrana tectória, onde estão imersos e fixos os cílios das células ciliadas externas. As células ciliadas internas e externas constituem os receptores auditivos primários. As bases dessas células entram em contato com botões sinápticos das terminações nervosas de fibras do ramo coclear do VII par craniano. Existe uma única fileira de células ciliadas internas sobre a membrana na basilar. Os cílios estão ligados entre si por filamentos e não tocam a membrana tectória quando não são estimulados, por isso pode ser afirmado que essas células são transdutores sensoriais, transformando a mensagem sonora, codificando-a em mensagem elétrica. As células ciliadas externas são em torno de 120 e estão dispostas em três fileiras com o formato de um “W”, cuja abertura é voltada para o modíolo. As fibras nervosas que entram e saem da escala média, recebendo impulso nervoso gerado pelas células sensoriais, têm seu primeiro núcleo de ação dentro do modíolo, ocorrendo 38 no gânglio espiral (I neurônio). 3.1 AS VIAS AUDITIVAS As vias ascendentese descendentes constituem o sistema auditivo central. O órgão de Corti é a primeira estação da via auditiva e tem a função primária de responder de forma pouco sutil a diferentes frequências sonoras. O ponto-chave na neuroanatomia da audição é a tonotopia frequencial coclear (encontrada em todas as estações auditivas centrais). A via ascendente começa com a saída de fibras nervosas da cóclea para os núcleos cocleares (II neurônio), conduzindo estímulo nervoso pra o tronco encefálico. Cada fibra do nervo auditivo entra em contato com 75 a 100 células dos núcleos cocleares, enquanto que cada neurônio dos núcleos cocleares estabelece contato sináptico com muitas fibras do nervo coclear. Quando o núcleo coclear é atingido, as fibras tomam caminhos diferentes; algumas cruzam para o outro lado e atingem o complexo olivar superior homolateral. O complexo olivar tem a função de localização de fonte sonora e na audição binaural. Uma lesão nesta área dificulta a localização da fonte sonora. As fibras continuam a subir, chegando ao lemnisco lateral, todas as fibras aferentes alcançam o colículo inferior (III neurônio), Via Ascendente Via Descendente 39 um complexo formado de diversos núcleos. As fibras projetam-se para o corpo geniculado medial (IV neurônio), havendo as sinapses para depois as vias seguirem seu trajeto para o lobo temporal (V neurônio), onde acontecem os processos neurológicos sofisticados. As vias descendentes possibilitam o controle dos centros superiores sobre o órgão sensorial periférico. Do córtex auditivo descem fibras separadamente para o corpo geniculado medial (via corticogeniculada) e para o colículo inferior (via corticocolicular). Esse último envia fibras descendentes para o complexo olivar superior e para os núcleos cocleares. Ainda do complexo olivar superior descem fibras via nervo vestibular, que irão diretamente para as células ciliadas do órgão de Corti. FIGURA 8 - NÚCLEOS E VIAS VESTIBULARES FONTE: MACHADO: Neuroanatomia Funcional, 2002. 40 3.2 A FISIOLOGIA DA AUDIÇÃO O pavilhão auricular capta as ondas sonoras e as conduz para o meato acústico externo. Essas ondas são direcionadas para a membrana timpânica, fazendo com que ela vibre com o mesmo padrão vibratório da fonte sonora. No entanto, a saída da membrana timpânica da sua posição de equilíbrio faz com que ocorra a movimentação da cadeia ossicular. É nesse momento que a energia é perdida, devido a fatores como a resistência da membrana inicialmente; a colisão das moléculas e a viscosidade do sistema tímpano-ossicular são compensadas pelo sistema de amplificação devido ao sistema de alavanca dos ossículos articulados, recuperando toda a energia sonora perdida pelo processo de reflexão existente no conduto auditivo externo e membrana timpânica. A movimentação da cadeia ossicular faz com que a vibração seja transmitida pela platina do estribo sobre a janela oval, que está em contato direto com a perilinfa da orelha interna. Neste momento há deslocamento de ondas mecânicas dentro dos líquidos, provocando a movimentação do ducto coclear. O órgão de Corti, localizado na membrana basilar, é estimulado pela movimentação da membrana tectória. As células ciliadas saem de suas posições de repouso, fazendo com que os botões sinápticos sejam acionados, ocorrendo mudança de carga elétrica, provocando o disparo do impulso nervoso para as fibras nervosas que vão posteriormente formar o nervo vestibulococlear. Ondas sonoras Captadas pelo Pavilhão Auricular Conduz para o meato acústico externo Ondas direcionadas para a M T 41 Em suma, a transmissão do estímulo sonoro é feita por meio dos mecanismos de condução aérea e mecanismos de condução óssea, que é compressão e descompressão do crânio, inércia da cadeia ossicular e mecanismos da mandíbula. É muito importante ter em mente os meios que o estímulo sonoro atinge para chegar ao córtex cerebral; isso facilita na prática terapêutica e na hora de realizar as orientações para a família e cuidadores. 3.3 PROCESSO PERCEPTUAL AUDITIVO A percepção auditiva envolve a recepção e a interpretação dos estímulos sonoros por meio do sentido da audição. Esse processo é complexo e elaborado; desenvolve-se a partir da representação interna do objeto ou acontecimento percebido nos centros auditivos do cérebro. São componentes da percepção auditiva: M T sai da sua posição de equilíbrio Movimentação da cadeia ossicular Deslocamento de ondas mecânicas Movimentação do ducto coclear Movimentação da membrana tectória Estimula o Órgão de Corti Células ciliadas estimulam botões sinápticos Disparando os impulsos nervosos 42 Detecção – “Existiu o som?” Sensação – “Como era o som?” Discriminação – “O som se modificou?” ou “Em que este som é diferente daquele outro?” Localização – “Onde está a fonte que produziu o som?” Reconhecimento – “Qual foi o evento que causou o som?” Compreensão – “Por que razão o evento ocorreu?” Atenção – “Que estímulo sonoro me interessa mais?” Memória – “O que ficou retido e pode ser evocado daquele som”? Seguem abaixo as seguintes categorias para as respostas comportamentais aos estímulos auditivos: Atenção Auditiva – capacidade do indivíduo de apresentar uma resposta voluntária a um estímulo sonoro. Consciência auditiva – capacidade do indivíduo de perceber a presença e ausência do som. Localização sonora – capacidade do indivíduo em reconhecer de onde a fonte sonora partiu. Discriminação dos sons – processo de detectar diferenças e semelhanças nos sons que percebemos, para isso, inicialmente a criança deve perceber um som isolado para depois compará-lo a outro. Seleção figura/fundo – habilidade de selecionar um estímulo sonoro significativo dentro de uma gama de sons apresentados simultaneamente. Associação dos sons com a fonte sonora – etapa final de todo o processo perceptual, pois se o indivíduo não a consegue, sabemos que poderá apresentar alterações na sua linguagem; demanda integridade das habilidades cognitivas. A percepção auditiva é a parte do processamento auditivo que envolve uma análise complexa do sinal acústico, integrando a informação em modelos auditivos; é um processo adaptável, modificável e influenciado pela aprendizagem. O sistema auditivo analisa os sons da fala identificando-os acusticamente e reconhecendo-os como os fonemas da língua a que está exposta. Para que o processo perceptual aconteça é necessário que possa ser detectado e sentido o som, para que posteriormente as etapas responsáveis pela transmissão e recepção dos estímulos auditivos 43 estejam funcionando em integridade, que o ouvido externo, médio e interno apresente integridade morfofisiológica. Para que uma mensagem seja decodificada e codificada de forma efetiva, é necessário que não haja falhas em nenhuma das etapas de transmissão (do estímulo sonoro); o comportamento auditivo inclui todas as reações a sons manifestados primordialmente por reações motoras. Segue abaixo um quadro esquemático do processo de comunicação por meio da linguagem falada. 1ª. ETAPA 2ª. ETAPA 3ª. ETAPA RECEPÇÃO INTERPRETAÇÃO EMISSÃO OUVIDO SNC OFA SENSORIAL MENTAL MOTORA AFERÊNCIA ASSOCIAÇÃO EFERÊNICA É importante frisarmos a estreita relação que existe entre a audição e o desenvolvimento da linguagem na criança, além da importância do diagnóstico precoce das deficiências auditivas. A prevenção da perda auditiva na criança é uma forma de proteger e impedir que a criança sofra os efeitos nocivos provocados pela falta de estimulação auditiva sobre a função. 4 A DEFICIÊNCIA AUDITIVA NA INFÂNCIA É importante que o homem estabeleça contato com o mundo exterior, receba estímulos e impressões que configuram a experiência e promovama integração psicológica e social; para tanto, ele necessita primordialmente dos seus sentidos. A deficiência auditiva é um tipo de privação sensorial, é uma das mais significativas limitações da oportunidade de crescimento do indivíduo. No entanto, hoje, o deficiente auditivo batalha pelos seus direitos e sua inclusão, numa sociedade preconceituosa. A consequência maior em ser um deficiente auditivo é a impossibilidade por meios naturais de aprender o principal veículo de comunicação humana, que 44 é a fala. A privação sensorial age negativamente no relacionamento mãe/filho. Caso estes pais não sejam orientados, pode favorecer uma quebra nas relações interpessoais futuras, uma lacuna nos processos psicológicos de integração de experiência, afetando o equilíbrio e a capacidade normal do indivíduo. O deficiente auditivo, em decorrência da diminuição da audição, fica restrito pela carência de informações necessárias à plenitude das operações cognitivas. Enfim, a deficiência auditiva consiste na perda maior ou menor da percepção normal dos sons; verifica-se a existência de vários tipos de pessoas com déficit auditivo, com diferentes graus de perda da audição. Portanto, vale salientar que a prevenção da perda auditiva na criança é uma forma de proteger e impedir que ela sofra os efeitos nocivos provocados pela falta de estimulação auditiva sobre a função da linguagem. Segundo Rinaldi (1997), a criança com perda auditiva pode ser considerada como parcialmente surda ou surda. Parcialmente surda (surdez leve) – a criança que apresenta perda auditiva de até 40 dBs. Essa perda impede que o indivíduo perceba igualmente todos os fonemas das palavras. A voz fraca ou distante não é ouvida. Crianças parcialmente surdas são consideradas desatentas, porém é uma perda que não impede a aquisição normal da linguagem oral, mas poderá ser a causa de algum problema articulatório, na leitura e/ou na escrita. Parcialmente surda (surdez moderada) – a criança apresenta perda auditiva entre 40 e 70 dBs; esses limites se encontram no nível da percepção da palavra, sendo necessária uma voz de certa intensidade para que seja convenientemente percebida. É bastante significativa a presença de atraso de linguagem e as alterações articulatórias, havendo, em alguns casos, maiores problemas linguísticas, alguma criança tem maior dificuldade de limitação orgânica privação sensorial Deficiência Auditiva 45 discriminação auditiva em ambientes ruidosos. Em geral, a criança identifica as palavras mais significativas, tendo dificuldades em compreender certos termos de relação e/ou formas gramaticais complexas; sua compreensão verbal está intimamente ligada à sua aptidão para a percepção visual. Surda (surdez severa) – crianças que apresentam perda auditiva entre 70 e 90 dBs. Este tipo de perda vai permitir que ela identifique alguns ruídos familiares e poderá perceber apenas a voz forte, podendo chegar até aos quatro ou cinco anos sem aprender a falar. No entanto, com a família bem orientada pela equipe multidisciplinar, incluindo os profissionais da área de educação, a criança poderá chegar a adquirir linguagem oral. A compreensão verbal vai depender, em grande parte, de sua aptidão para utilizar a percepção visual e para observar o contexto das situações. Surda (surdez profunda) – a criança apresenta perda auditiva superior a 90 dBs e a gravidade dessa perda é tal que o priva das informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir a língua oral. As perturbações das funções auditivas estão ligadas tanto à estrutura acústica quanto à identificação simbólica da linguagem. De acordo com Jakubovicz (2002), o termo deficiência auditiva compreende a criança totalmente surda e parcialmente surda, sendo diferenciada pelas suas condições e por meio da aplicação dos métodos e técnicas aplicadas na (re) habilitação. Northern & Downs (1989) dizem que a definição de deficiência auditiva inclui todas • Surdez leve • Surdez moderada Parcialmente Surda • Surdez severa • Surdez profundaSurda 46 aquelas crianças com perda auditiva de tal extensão que alguma forma especial de educação é necessária. Corrêa (2001) afirma que a terminologia é ampla quando se trata de alguém que não ouve. Ele prefere se referir como “criança com perda auditiva”; no entanto, afirma que ao utilizarmos os termos “criança surda” ou “deficiente auditivo” está diagnosticando somente a deficiência, sem analisar a criança como um ser social, onde além das suas necessidades, há possibilidades de desenvolver um grande potencial. Russo e Santos (1994) afirmam que a prevenção da perda auditiva na criança é uma forma de proteger e impedir que a criança sofra os efeitos funestos provocados pela falta de estimulação auditiva sobre a função da linguagem. 4.1 IDENTIFICAÇÃO DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES AUDITIVAS A princípio temos que ter em mente que a língua materna é adquirida naturalmente no contexto familiar e social, onde a criança é imersa no ambiente linguístico e a escola sistematiza o conhecimento. As alternativas de atendimento para as crianças com perda auditiva estão intimamente relacionadas às condições individuais, o diagnóstico precoce, às escolhas da família, além de grau e o tipo da perda auditiva. É essencial terapeutas, cuidadores e familiares ficarem atentos aos sinais que auxiliem na identificação precoce da surdez, para que seja realizado o diagnóstico diferencial. DO NASCIMENTO AOS 3 MESES DE IDADE O recém‐nascido não reage a sons fortes . Não reage a um forte bater de palmas numa distância de 30cm. O recém‐nascido desenvolve‐se normalmente nas áreas que não envolvam a audição. 47 DOS 3 MESES AOS 6 MESES Não procura com os olhos de onde vem um determinado som. Não responde a fala dos pais. A criança só interage com os pais se a abordagem for visual. DOS 6 MESES ASO 10 MESES A criança não atende quando é chamada pelo nome. Não atende a campanhia da porta ou a voz de alguém. Não entende frases simples. DOS 10 MESES AOS 15 MESES DE IDADE Não aponta objetos familiares ou pessoas. Não imita sons e palavras simples. A criança compreende quando é interrogada por gestos ou língua de sinais. DOS 15 MESES AOS 18 MESES Não obedece a instruções faladas, por mais simples. As primeiras palavras não se desenvolvem. A criança obedece instruções dadas em língua de sinais ou por meio de gestos. 48 Até um ano e meio a criança não diagnosticada precocemente perde a estimulação ambiental e os laços feitos pela audição não são realizados. A não estimulação faz com que a criança entre no mundo sem a sensação sonora ou pistas do mundo que a cerca. É uma fase decisiva na aquisição da linguagem oral, mas não quer dizer que não se pode fazer mais nada. O diagnóstico e tratamento precoce oferecem para a criança e para os pais e/ou familiares uma vida de inclusão garantida, além da tranquilidade do conhecimento sobre o assunto. DOS 18 MESES AOS 3 ANOS E MEIO DE IDADE Não há aumento do vocabulário . A criança gesticula para manisfestar necessidades e vontades. Observa intensamente os rostos dos pais enquanto falam. DOS 18 MESES AOS 3 ANOS E MEIO DE IDADE Adquire a língua de sinais comunicando seus desejos e necessidades. Histórico de dores de cabeça e infecções do ouvido, além de não gostar de ouvir histórias. Aparentemente desobediente quando as ordens são feitas por meio da fala. 49 DOS 3 ANOS E MEIO AOS CINCO ANOS DE IDADE Não consegue localizar a origem do som. Não consegue entender nem usar palavras simples. A fala da criança é difícil de se entender; a criança usa gestos para funções sociais. A CRIANÇA COM MAIS DE 5 ANOS DE IDADE Dificuldades em prestaratenção à fala, tornando‐se dispersa. Não responde quando é chamada oralmente. Confunde direções ou não consegue compreender. A CRIANÇA COM MAIS DE 5 ANOS DE IDADE Dá respostas erradas às perguntas formuladas oralmente. Não se desenvolve bem na escola, onde não há apoio para o deficiente auditivo. Expressa‐se confusa quando recebe ordem ou quando lhe perguntam alguma coisa oralmente. 50 Identificar a deficiência auditiva tão tarde soa impossível, mas infelizmente muitas crianças começam o tratamento muito tarde, no entanto não podemos subestimar a capacidade e a rapidez das crianças de aprender. Por isso, o início do tratamento é muito importante; as orientações à família, para que no âmbito domiciliar a estimulação seja efetiva. A perda auditiva em uma criança tem necessidades muito maiores do que em qualquer adulto, pois para aprender a língua materna é preciso primeiro identificar acusticamente os fonemas que ela contém. Os profissionais, ao receberem crianças com dificuldade na audição, devem realizar encaminhamentos para um diagnóstico e tratamento efetivo, além de desenvolver estratégias que permitam que os sinais sonoros cheguem até a criança. Skinner (1978) enumerou uma série de alterações no aprendizado da linguagem que uma criança pode apresentar se for portadora de deficiência auditiva leve: 1. Perda da constância das pistas auditivas quando a informação acústica flutua. 2. Confusão dos parâmetros acústicos em situações de fala rápida. 3. Confusão na segmentação e na prosódia. 4. Mascaramento em ambiente ruidoso, onde a relação ideal deveria ser de +30 dB e na vida real temos de +12 dB. 5. Quebra da habilidade precoce de perceber a acústica dos sons da fala. 6. Quebra na habilidade de aprender significados. 7. Abstração errônea das regras gramaticais. Em nossa língua a sílaba final de cada palavra apresenta baixa intensidade e algumas marcas de gênero e número estão exatamente nesta sílaba, que passa a ser inaudível para a criança. 8. Perda dos padrões de entonação subliminares, representado pelo conteúdo A CRIANÇA COM MAIS DE 5 ANOS DE IDADE Substitui e omite sons, apresenta qualidade vocal pobre. Evita pessoas, brinca sozinha, parece ressentida ou irritada. Está sempre indisposta, parece inquieta ou tensa quando o ambiente linguístico não lhe é conhecido. 51 emocional que se dá a cada emissão. Várias são as repercussões da surdez infantil, iremos falar um pouco sobre cada uma delas, pois para compensar as dificuldades na aquisição da linguagem é preciso que pais, familiares, cuidadores e terapeutas estejam embasados teoricamente para o dia a dia da criança com dificuldades auditivas: Voz e fala – a criança reproduz o que ela ouve, a voz do deficiente auditivo é mascarada pela falta de agudos em seu timbre, o som emitido pela laringe, frequentemente, é mais elevado do que deveria. As alterações nas frequências agudas ocasionam uma voz com timbre rouco, lúgubre e dificulta a articulação das consoantes fricativas. Alterações nas frequências médias perturbam a qualidade vocal, pois a percepção de graves e agudos está alterada. Na surdez profunda, a criança não aprendeu a falar, a voz tem uma altura normal (desde que a educação da fala tenha sido realizada), o som laríngeo varia consideravelmente. Frequentemente a voz é hipernasal, pois a criança com alterações consideráveis na audição controla mal acusticamente os estímulos ao seu redor. As frases das crianças surdas têm um ritmo anormal, há extrema dificuldade no controle de intensidade e entonação. No entanto, é de suma importância que os métodos pedagógicos e terapêuticos estejam de acordo com a necessidade de cada criança. Linguagem – uma deficiência auditiva pode levar uma criança a ter atraso no desenvolvimento da linguagem, porém o paralelismo entre curva tonal e a linguagem é muito relativo, pois as possibilidades espontâneas (psicofisiológicas) que cada criança apresenta podem facilitar o desenvolvimento da linguagem oral. A relação entre linguagem escrita e audição também é bastante estreita, pois as confusões fonéticas/fonológicas são bastante evidentes. Aprender a ler consiste em confrontar a imagem gráfica com a representação sonora, identificar um sinal escrito com o timbre percebido; quando a estrutura do fonema é mal definida, onde a percepção é inconsistente, a oposição do timbre dos fonemas é mal construída e a criança não pode estabelecer esta identificação corretamente. A perturbação auditiva pode ocasionar uma dificuldade no aprendizado da leitura, a menos que sejam ministrados métodos especiais. Vale salientar que a linguagem é um problema primordial na criança surda, pois o desenvolvimento da linguagem oral necessita de recursos fisiológicos; o som da língua e o mundo sonoro são a chave para esta aquisição. A criança necessita de contato auditivo, da comunicação oral para aquisição da fala, porém ela pode desenvolver comunicação alternativa. Estado psicológico – são compreensíveis os problemas psicológicos que podem 52 aflorar em uma criança com dificuldades auditivas, pois não compreender o mundo ao seu redor ou não ser compreendida pode alterar seu estado de “espírito”. Quando e como apareceu o problema da surdez é de suma importância, pois ter adquirido a linguagem e perdê-la é muito diferente de quem nunca teve contato com o mundo dos sons. Contudo, sabemos que ouvir não é a única maneira para que possamos desenvolver a linguagem, pois a audição estrutura o tempo enquanto o espaço estrutura pelo mundo visual, assim a criança terá uma estrutura tempo-espacial alterada, desequilibrada. Geralmente, a queixa de pais e professores de crianças surdas é com relação à atenção e concentração (elas apresentam dificuldades significativas); estão sempre na defensiva (proteção inconsciente); às vezes demonstram sinais de agressividade, que é resultado da falta de comunicação com o mundo externo – isso pode facilitar o desenvolvimento de distúrbios de personalidade. No entanto, os cuidadores têm que compreender a criança como um todo e principalmente suas necessidades de comunicação; devem ter um olhar holístico, que com certeza facilitará no desenvolvimento geral da criança e na aquisição da linguagem. A pirâmide acima nos oferece uma ideia visual de como o estado psicológico é importante para a criança de forma geral, pois as crianças com dificuldades auditivas podem apresentar um quadro psicológico que dificulte o tratamento e a sua rotina no âmbito familiar ou escolar. Voz e fala Linguagem Estado Psicológico 53 4.2 CLASSIFICAÇÃO DA PERDA AUDITIVA NA INFÂNCIA As perdas auditivas podem ser classificadas de diversas formas: quanto ao local e grau, momento da lesão e origem do problema. De acordo com Russo e Santos (1994), dependendo do local da lesão podemos classificar as perdas auditivas em: 1. Perda Auditiva Condutiva – são perdas originadas por qualquer tipo de interferência na transmissão do som no canal auditivo externo para o ouvido interno. Sendo assim, o ouvido interno está normal, mas a vibração sonora só consegue estimular a cóclea se o caminho do som não estiver obstruído. Nesse caso, no audiograma, encontramos limiares por via óssea preservados (normais) e limiares por via aérea rebaixados, sugerindo prejuízo na condução do som. As patologias que causam perdas condutivas podem variar desde a presença de corpo estranho no conduto auditivo externo até a completa malformação de todo o sistema de transmissão (pavilhão auricular, conduto auditivo externo, membrana timpânica e cadeia ossicular). Segue abaixo uma ilustração da perda auditiva condutiva. FIGURA 9 - GRÁFICO DA PERDA AUDITIVA CONDUTIVA FONTE: MUNHOZ et al. Audiologia clínica, 2000. 54 2. Perda Auditiva Neurossensorial – ocorre diminuição auditiva
Compartilhar