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Gustavo Parizotto Moraes - O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - O OVO DA SERPENTE

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ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL 
GUSTAVO PARIZOTTO MORAES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: O OVO DA 
SERPENTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2020 
 
 
GUSTAVO PARIZOTTO MORAES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: O OVO DA 
SERPENTE 
 
Monografia apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Direito Constitucional da 
Academia Brasileira de Direito Constitucional 
(ABDConst) como requisito parcial à obtenção 
do título de Especialista. 
Orientador: Prof. Me. Luis Henrique Braga 
Madalena 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2020 
 
 
RESUMO 
 
A presente pesquisa tem como objeto fundamental compreender a invocação 
do artigo 142 da Constituição Federal de 1988 como legitimadora de uma 
intervenção militar constitucional. Tal pedido surge em um contexto de 
polarização política e de incapacidade de articulação por parte do Poder 
Executivo, a solução seria a atuação das Forças Armadas como Poder 
Moderador. Essa ideia, entretanto, é incoerente com uma das bases do 
constitucionalismo: o afastamento de um poder absoluto e o consequente 
fracionamento de seu exercício. Apesar disso, a Constituinte de 1987 não 
expurgou totalmente a influência castrense de seus trabalhos, o percurso do 
futuro artigo 142 nos debates da Assembleia Nacional Constituinte demonstra 
como a limitação absoluta da atuação militar na segurança interna do país não 
era interessante a alguns deputados e senadores. Essa ruptura entre espaço 
de experiência e horizonte de expectativa é explicada pelo estudo do contexto 
histórico do período de redemocratização e compreensão da política como 
projeção de embates entre grupos sociais. Vale dizer: o fim da Ditadura Militar 
no Brasil se deu por uma reabertura política tutelada que pode explicar a 
contraditória permanência de dispositivos que garantam a atuação das Forças 
Armadas. Essa distensão mediada também pode elucidar o constante apelo de 
grupos sociais à uma intervenção militar constitucional. Compreender 
historicamente esse movimento não significa dar-lhe razão jurídica, ao final fica 
evidente a impossibilidade de utilização do artigo 142 a fim de reconhecer a 
existência de um Poder Moderador. Conclui-se que conflitos entre Executivo, 
Legislativo e Judiciário decorrem da natureza da Constituição e é a partir dela 
que devem ser solucionados sob pena de ofensa ao princípio de harmonia e 
independência dos Poderes Constitucionais. 
 
Palavras-chave: intervenção militar constitucional; Constituinte de 1987; artigo 
142; separação de poderes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 05 
1 INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL ............................................... 08 
2 O PODER CONSTITUINTE ..................................................................................... 21 
3 A CONSTITUINTE DE 1987 .................................................................................... 28 
4 FORÇAS ARMADAS: ESPAÇO DE EXPERIÊNCIA E HORIZONTE DE 
EXPECTATIVA ........................................................................................................... 51 
5 ANÁLISE JURÍDICA DO ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
...................................................................................................................................... 62 
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 77 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 82 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho foi desenvolvido como requisito para a conclusão do 
curso de pós-graduação em Direito Constitucional da Academia Brasileira de 
Direito Constitucional (ABDConst). Pelas diversas abordagens possíveis da 
Constituição, um estudo estritamente legislativo acaba ignorando outros 
aspectos e interações possíveis entre disciplinas. O objetivo presente não é 
enfraquecer o Direito nem o deixar em segundo plano, busca-se enriquecer o 
debate trazendo elementos variados ainda que a resposta adequada aos 
problemas apresentados no trabalho seja alcançada no âmbito jurídico. As 
próprias aulas ministradas ao longo do curso de pós-graduação demonstraram 
a complexidade da Constituição e como é possível estudá-la sob diferentes 
enfoques: a abordagem econômica do Direito realizada pelos professores 
Bernardo Strobel e Ilton Norberto Robl Filho; os desafios sobre gestão pública 
e o conflito com leis levantados por Gustavo Fruet; as relações de trabalho na 
Constituição em apresentação do professor Cassio Colombo; a apresentação 
sobre a tecnologia e a inteligência artificial nos julgamentos do Supremo 
Tribunal Federal do professor Alexandre Morais da Rosa etc. 
Talvez um dos principais objetos do Direito Constitucional que 
possibilitem essa interdisciplinaridade seja o Poder Constituinte. Porém, esse é 
um tema muito amplo sobre o qual seria impossível um estudo coeso e 
satisfatório. A realidade política do país no ano de 2020 oportunizou a 
delimitação temática além de atribuir relevância e pertinência ao trabalho: as 
manifestações populares exigindo uma intervenção militar constitucional que 
foram proeminentes no primeiro semestre do ano ainda têm importância no 
debate político brasileiro. Assim, o projeto a seguir se insere no subtema Poder 
Constituinte dentro da disciplina do Direito Constitucional mas busca relacionar 
uma série de aspectos que compõe a análise do artigo 142 da Constituição 
Federal de 1988. 
Um dos objetivos centrais do trabalho é escapar da simples compilação 
de conceitos e institutos. Logicamente há a necessidade de ancorar o debate 
em doutrina jurídica mas sempre como instrumento para outras discussões, há 
6 
 
a tentativa de integração de disciplinas e ideias. Portanto, os capítulos a seguir 
são mais suscetíveis a críticas e a correções mas podem contribuir de alguma 
forma com a atual discussão sobre o artigo citado, ponto central do estudo. 
Ademais, esse é outro aspecto que se considera essencial: a importância de 
posicionamento e de manifestação da comunidade jurídica além da 
necessidade de um controle externo de decisões judiciais. Ou seja, parte-se de 
uma problemática inicial para, ao final, uma sugestão de resposta dentro dos 
limites do trabalho. 
A partir de pedidos por uma intervenção militar constitucional é possível 
levantar uma série de perguntas. Qual o contexto e os motivos dos pedidos 
pela referida intervenção? Por que há o apelo ao artigo 142 da Constituição 
Federal de 1988? Como foi a criação desse dispositivo? Quais os aspectos 
gerais de uma Constituinte? Como foi a Constituinte brasileira de 1987? Qual 
era o contexto histórico do período? Quais as respostas jurídicas possíveis 
para a interpretação do referido artigo? Em resumo: como foi criado o artigo 
142 da Constituição Federal de 1988 e há possibilidade jurídica para o 
reconhecimento de uma intervenção militar constitucional? 
Para tentar responder às perguntas acima, o trabalho foi dividido em 
cinco capítulos. No primeiro capítulo, há a contextualização do debate. Busca-
se entender o motivo pelo qual os pedidos pela intervenção militar 
constitucional ganharam força em 2020. Assume-se a separação de poderes 
como um tema importante e intimamente ligado ao conceito de Constituição 
dando sentido ao restante do projeto. Por isso, o segundo capítulo apresenta 
noções sobre a Constituição e o Poder Constituinte com atenção à ideia de 
desconcentração do poder. Com o direcionamento de tal debate para o 
contexto brasileiro, fica evidente a necessidade de estudo da Constituinte de 
1987. O terceiro capítulo tem como objetivoretomar o processo constituinte 
com foco nos dispositivos que, futuramente, iriam se transformar no artigo 142 
da atual Constituição. Enquanto essa parte do trabalho é em grande parte 
descritiva, no capítulo seguinte há a contextualização histórica da Constituinte 
de 1987. Por fim, tendo apresentado diversos pontos que auxiliam no 
entendimento do tema, no capítulo cinco há a abordagem jurídica do problema. 
As discussões anteriores se relacionam tornando possível a compreensão das 
7 
 
manifestações doutrinárias, da interpretação a partir da hermenêutica 
constitucional, dos debates entre juristas, das decisões judiciais e dos 
pareceres de diversas entidades. A conclusão faz um balanço do trabalho e 
sintetiza a resposta possível à questão principal: é possível uma intervenção 
constitucional militar? 
Para desenvolver os capítulos, pela atualidade do tema, foram utilizadas 
por diversas vezes reportagens jornalísticas de portais especializados e 
periódicos de reconhecimento nacional. Também foi imprescindível o 
embasamento em doutrina através de cursos, manuais e artigos específicos 
sobre temas como a relação entre poderes, o poder constituinte, a 
interpretação constitucional, o artigo 142 da Constituição Federal etc. No último 
capítulo, por conta dos objetivos já citados, há ainda a menção sobre a questão 
hermenêutica levantada por Lenio Streck. 
Também, foi necessária uma breve discussão sobre a Nova História 
Política e sobre o conceito de Tempo Histórico de Reinhart Koselleck no 
capítulo sobre a contextualização histórica da Constituinte. Principalmente nos 
capítulos dois e quatro obras de historiadores foram utilizadas. As fontes 
primárias se concentram no terceiro capítulo, nele foram analisadas atas e 
diversos textos oficiais disponibilizados pelo Senado Federal e pela Câmara 
dos Deputados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
1. INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL 
 
A opção constitucional brasileira de organização do Estado foi pelo 
fracionamento do exercício do poder como é possível ler no artigo 2º da 
Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos 
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”1 Em linhas introdutórias, há 
momentos em que as atuações dos poderes acabam se tangenciando de 
maneira esperada e, até mesmo, desejada pelo ordenamento jurídico. 
O artigo 84 da Constituição Federal prevê que é competência privativa 
do Presidente da República a nomeação de Ministros de Estado. Em 2016, a 
então Presidente Dilma Rousseff desejou nomear o ex-Presidente Luiz Inácio 
Lula da Silva como Ministro Chefe da Casa Civil e foi impedida por decisão 
liminar do Supremo Tribunal Federal provocada em um mandado de segurança 
impetrado pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Partido da Social 
Democracia Brasileira (PSDB). 
Nesse exemplo, o exercício do Poder Executivo foi limitado pelo 
exercício do Poder Judiciário, o Ministro Gilmar Mendes em sua decisão 
fundamentou esse ponto afirmando que 
 
Apesar de ser atribuição privativa do Presidente da República a 
nomeação de Ministro de Estado (art. 84, inciso I, da CF), o ato que 
visa o preenchimento de tal cargo deve passar pelo crivo dos 
princípios constitucionais, mais notadamente os da moralidade e da 
impessoalidade (interpretação sistemática do art. 87 c/c art. 37, II, da 
CF).
2
 
 
Esse é apenas um dos variados casos de interação entre Poderes na 
vigência da atual Constituição Federal. Entretanto, para o recorte do presente 
trabalho, nos parece que o atual cenário político tornou quase permanente 
essa dinâmica. 
 
1
 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da 
República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ 
constituicao.htm. Acesso em: 10 out. 2020. 
2
 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança n. 
34.071. Impetrante: Partido da Social Democracia Brasileira. Impetrado: Presidente da 
República. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 18 mar. 2016. 
9 
 
Em sua proposta de governo, o atual Presidente da República Jair 
Bolsonaro criticou a “forma perniciosa e corrupta de se fazer política nas 
últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado, o popular “toma lá-
dá-cá”3”. Ou seja, sinalizou por uma articulação menos flexível com o 
Congresso Nacional para a aprovação de medidas de seu interesse. Ainda, em 
entrevista durante a campanha presidencial, o atual chefe do Executivo criticou 
a atuação do Supremo Tribunal Federal sugerindo a necessidade de aumentar 
o número de ministros: 
 
Da forma que eles têm discutido as questões nacionais, nós 
realmente não podemos sequer sonhar mudar o destino do Brasil. 
Eles têm poderes para muita coisa, inclusive estão decidindo se 
conseguem privatizar alguma coisa com a participação do parlamento 
ou não. O Supremo pode inclusive decidir algo que a prisão em 
segunda instância não seria mais possível, onde seriam todos os 
bandidos, já condenados em segunda instância, colocados em 
liberdade.
4
 
 
 Vale dizer, para cumprir seus projetos de campanha, Jair Bolsonaro 
invariavelmente entraria em confronto com os outros poderes de forma muito 
direta. Independente de eventual derrota ou vitória governista, foi o que 
aconteceu nos últimos meses como é possível observar através das notícias e 
análises a seguir. 
Durante as discussões sobre a reforma da previdência, projeto de 
interesse do Executivo em março de 2020, Bolsonaro rechaçou o que costuma 
chamar de velha política. Havia no momento a necessidade de construção de 
base de apoio no Congresso Nacional para as votações que se seguiriam 
quanto ao tema.5 
 
3
 BOLSONARO, Jair Messias. Proposta de Governo. Brasil: Coligação Brasil acima de tudo, 
Deus acima de todos, 2018. Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-
2018/propostas-de-candidatos. Acesso em: 10 out. 2020. 
4
 Bolsonaro quer aumentar para 21 o número de ministros no STF. Zero Hora, Porto Alegre, 02 
jul. 2018. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/ noticia/2018/07/ 
bolsonaro-quer-aumentar-para-21-o-numero-de-ministros-no-stf-
cjj4nrlen0iao01pabnwkqwy4.html. Acesso em: 10 out. 2020. 
5
 Ataques entre Bolsonaro e Maia têm de velha política a socorro à pandemia; relembre os 
embates. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 abr. 2020. Disponível em: 
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/ataques-entre-bolsonaro-e-maia-tem-de-velha-
politica-a-socorro-a-pandemia-relembre-os-embates.shtml. Acesso em: 10 out. 2020. 
10 
 
Em abril desse ano, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de 
socorro da União aos Estados e Municípios devido à crise de saúde decorrente 
da pandemia da COVID19. Na ocasião, Jair Bolsonaro fez ataques ao 
presidente da casa legislativa, Rodrigo Maia6. Em maio, o presidente acabou 
sancionando o projeto de lei complementar com vetos. 
Também em abril, o Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal 
Federal suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem à diretoria-geral da 
Polícia Federal. Nome desejado pelo chefe do Executivo para assumir o 
cargo.7 
Mais uma vez em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal entendeu 
que Estados e Municípios poderiam adotar medidas sanitárias no combate ao 
COVID19, possibilidade que não agradou ao Presidente da República já que os 
entes federativos não compartilham da mesma estratégia de atuação.8 Ainda, a 
política de combate à pandemia com a divulgação de campanhas pelo 
Executivo contrárias ao recomendado pelos órgãos e organizações 
competentes foi alvo de proibição pelo Ministro Luís Roberto Barroso do 
Supremo Tribunal Federal.9 
Outra questão que gerou controvérsia foi a Medida Provisória que 
acabava com a cobrança do DPVAT. No final de 2019 ela foi suspensapelo 
Supremo Tribunal Federal sinalizando outra discordância entre os poderes.10 
Também em duas tentativas por Medida Provisória o Presidente da 
República visou retirar a demarcação de terras indígenas do escopo da FUNAI 
e transferi-la ao Ministério da Agricultura. Não obteve êxito em nenhuma delas 
já que tanto o Congresso Nacional quanto o Supremo Tribunal Federal vetaram 
a manobra.11 
Em decreto, Jair Bolsonaro extinguiu os Conselhos Federais de 
Administração Pública, novamente o Supremo Tribunal Federal impôs limites à 
 
6
 Idem. 
7
 Relembre cinco episódios em que o STF impôs limites a Bolsonaro. O Globo, Rio de Janeiro, 
29 abr. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/relembre-cinco-episodios-em-que-
stf-impos-limites-bolsonaro-1-24401562. Acesso em: 10 out. 2020. 
8
 Idem. 
9
 Idem. 
10
 Idem. 
11
 Idem. 
11 
 
atuação do Poder Executivo ao determinar que somente aqueles criados pela 
via administrativa poderiam ser extintos12. 
Outro ponto de conflito entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo foi a 
divulgação de vídeo de uma reunião ministerial da qual participou o Presidente 
da República. Jair Bolsonaro chegou a insinuar, em um dos maiores embates 
entre os poderes, que o levantamento do sigilo por parte do Supremo Tribunal 
Federal seria abuso de autoridade13. 
Como último exemplo, o Supremo Tribunal Federal julgou pelo 
prosseguimento do “inquérito das fake news” gerando mais um desconforto ao 
Presidente da República já que os alvos da operação são pessoas a ele 
ligadas14. 
Dados também indicam um governo com dificuldades de relacionamento 
com outros poderes. Apesar de editar um número de medidas provisórias 
semelhante ao de outros presidentes em seu primeiro ano de mandato, Jair 
Bolsonaro teve apenas 23% delas aprovadas15. O Congresso Nacional também 
demonstrou desalinhamento ao derrubar praticamente um de cada três vetos 
presidenciais. Ainda, levantamento feito pelo Estadão16 revelou que leis e atos 
normativos de competência do Poder Executivo atual foram alvo de 45 ações 
diretas de inconstitucionalidade ou arguições de descumprimento de preceito 
fundamental até setembro de 2019, em período equivalente, o presidente 
anterior foi questionado 19 vezes. Por fim, o número de decretos também 
aumentou bastante: dos 244 editados por Dilma Rousseff no primeiro ano de 
seu segundo mandato (2015) para os 536 de 2019 em evidente necessidade 
de medidas que não dependam do Poder Legislativo. 
 
12
 Idem. 
13
 OLIVEIRA, Marcelo. Divulgação de vídeo presidencial não é abuso de autoridade, dizem 
juristas. UOL, São Paulo, 25 mai. 2020. Disponível em: 
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/25/divulgacao-de-video-presidencial-
nao-e-abuso-de-autoridade-dizem-juristas.htm. Acesso em: 10 ou. 2020. 
14
 Inquérito das Fake News: STF decide continuar investigação que atinge aliados de 
Bolsonaro. BBC, São Paulo, 18 jun. 2020. Disponível em: 
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53003097. Acesso em: 10 out. 2020. 
15
 CALEIRO, João Pedro. Fracasso em aprovar medidas provisórias marcou governo 
Bolsonaro. Exame, São Paulo, 21 dez. 2019. Disponível em: https://exame.com/brasil/fracasso-
em-aprovar-medidas-provisorias-marcou-governo-bolsonaro/. Acesso em: 10 out. 2020. 
16
 Sem articulação, oposição investe em ações no STF contra Bolsonaro. O Estado de S. 
Paulo, São Paulo, 22 set. 2019. Disponível em: 
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sem-articulacao-oposicao-investe-em-acoes-no-stf-
contra-bolsonaro,70003019596. Acesso em: 10 out. 2020. 
12 
 
Todos esses conflitos são exemplos da relação entre as esferas de 
poder e fomentam debates sobre a governabilidade do país quando ela se 
torna problemática. Por que então haveria a necessidade de dividir o poder 
estatal? 
Com o declínio do Antigo Regime a partir do final do século XVIII na 
Europa Ocidental, houve o surgimento de novas formas de organização política 
daquelas sociedades. O fortalecimento de um grupo economicamente 
poderoso afastou o protagonismo de antigas lideranças embasadas em 
atributos como a nobreza, a linhagem e a religião. 
Na França, o descontentamento de várias camadas sociais forjou uma 
aliança circunstancial para a derrubada da Monarquia Absolutista na Revolução 
Francesa. Destes, talvez o maior protagonista fora a burguesia, grupo que não 
necessariamente compartilhava os anseios do campesinato que compunha 
80% dos franceses naquele período. Significa dizer que tinham um projeto 
próprio, Eric Hobsbawm demarca: 
 
Uma monarquia constitucional baseada em uma oligarquia 
possuidora de terras era mais adequada à maioria dos liberais 
burgueses do que a república democrática que poderia parecer uma 
expressão mais lógica de suas aspirações teóricas, embora alguns 
também advogassem esta causa. Mas, de modo geral, o burguês 
liberal clássico de 1789 (e o liberal de 1789-1848) não era um 
democrata mas sim um devoto do constitucionalismo, de um Estado 
secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e de 
um governo de contribuintes e proprietários.
17
 
 
O jurista Paulo Bonavides, no mesmo sentido, destaca que o movimento 
buscava a postulação de um ordenamento político impessoal mediante formas 
liberais e de contenção da autoridade.18 
O que nos interessa, nesse momento, é destacar o caráter liberal 
daquela revolução em contraponto ao poder absoluto deposto. Entretanto, não 
se pode confundir a negação ao poder concentrado com a negação ao poder 
propriamente dito, o excerto acima deixa claro como a burguesia queria em 
 
17
 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 77. 
18
 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros: 2001. p. 
180. 
13 
 
verdade reorganizá-lo. A solução encontrada foi a cisão no exercício do poder 
nos moldes do defendido por Montesquieu, o artigo 16 da Declaração dos 
Direitos do Homem e do Cidadão é enfática: “A sociedade em que não esteja 
assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes 
não tem Constituição”19. 
Nas lições de Bonavides, a teoria do filósofo francês se baseou na 
repartição de atribuições entre o Poder Legislativo, o Poder Executivo das 
coisas que dependem do direito das gentes (Poder Executivo) e do Poder 
Executivo das coisas que dependem do direito civil (Poder Judiciário). O 
paralelo dessa divisão com aquelas futuramente feitas nos mais diversos 
Estados é complexa, o que se quer evidenciar aqui é o impacto20 da ideia de 
separar o poder em instâncias. Ainda mais, é importante destacar que essa 
separação não simplesmente isola os poderes mas cria uma interdependência 
através dos chamados checks and balances, freios e contrapesos: 
 
Assim, o princípio de Montesquieu, ratificado e adaptado por 
Hamilton, Madison e Jay, foi a essência da doutrina exposta no 
Federalist, de contenção do poder pelo poder, que os norte-
americanos chamaram sistema de freios e contrapesos.
21 
 
No Brasil, inaugurou-se a separação de poderes derivada da tradição de 
Montesquieu na Constituição de 1891. Antes disso, o Brasil serviu, nas 
palavras de Bonavides, de laboratório22 ao manter a influência real mascarada 
em um Poder Moderador além dos outros três poderes tradicionais. 
Com o surgimento de novas demandas e o arrefecimento de outras, a 
sociedade passou a exigir atuação maior ou menor de cada poder. Angela 
Cristina Pelicioli, opta por utilizar as palavras de Nuno Piçarra: 
 
A prática constitucional veio “revelar que o sistema de freios e 
contrapesos determinou, afinal, não um equilíbrio permanente entre 
 
19
 Ibidem. p. 182. 
20
 Paulo Bonavides cita Madison:“O oráculo que sempre se consulta e cita a esse respeito é o 
celebrado Montesquieu. Se não foi ele o autor deste valioso preceito da ciência política, teve ao 
menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo do modo mais eficaz à atenção da humanidade.” 
21
 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 319. 
22
 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 184. 
14 
 
os ‘poderes separados’, mas sim a predominância cíclica de cada um 
deles” (PIÇARRA, 1989, p. 184)
23
. 
 
A separação de poderes ganhou nova leitura no período pós-guerras em 
que a necessidade de concretização de direitos fundamentais se torna 
crescente. Retomando a ideia da predominância cíclica, o Poder Judiciário 
parece ser a função mais destacada no constitucionalismo contemporâneo. Se 
a ideia revolucionária era superar o absolutismo inaugurando um liberalismo 
burguês, o fracionamento atual escancara o Judiciário como instrumento 
viabilizador das conquistas constitucionais.24 As novas demandas sociais 
acabam por judicializar a política25, atuação que não deve ser confundida com 
o ativismo judicial26, Lenio Streck e José Luis Bolzan de Morais citam Ferrajoli 
na definição do Judiciário como poder de garantia: 
 
[...] a atuação jurisdicional acabou sendo redimensionada, o que se 
tornou ainda mais evidente nos países da América Latina, que 
tiveram a realização dos direitos sociais previstos em suas 
constituições prejudicada pela eclosão de regimes ditatoriais.
27
 
 
Outros autores também entendem que o contexto recente fez com que o 
Poder Judiciário seja evidenciado, Manoel Gonçalves Ferreira Filho disserta: 
 
O Judiciário, em todas as suas instâncias, tem-se substituído ao 
Executivo na determinação de políticas públicas, ou na orientação 
destas. Sob o acicate principalmente do Ministério Público, tornado 
plenamente autônomo pela Constituição em vigor, em resposta a 
ações civis públicas, às vezes em mandados de segurança coletivos, 
 
23
 PELICIOLI, Angela Cristina. A atualidade da reflexão sobre a separação de poderes. Revista 
de Informação Legislativa. Brasília, a. 43, n. 169, p. 21-30, jan./mar. 2006. 
24
 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A Separação dos Poderes (Funções) nos dias atuais. 
Revista Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 238, p. 37-41, out./dez. 2004. 
25
 Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “O destaque atual do Judiciário vem das funções 
políticas que vem assumindo. Isto certamente é ensejado por instrumentos previstos na 
Constituição e pelas particulares desta, entretanto, já foi muito além do que os constituintes ou 
os exegetas do texto de 1988 imaginaram. Ocorre uma “judicialização da política” que leva a 
uma “politização”, em mais de um sentido, do próprio Poder Judiciário.” (FERREIRA FILHO, 
Manoel Gonçalves. A Separação dos Poderes: a doutrina e sua concretização constitucional. 
Cadernos Jurídicos. São Paulo, ano 16, n. 40, p. 67-81, abr./jun. 2015.) 
26
 STRECK, Lenio Luiz & MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do 
Estado, 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 177. 
27
 Idem. 
15 
 
etc., vem ele obrigando o Executivo a desencadear políticas 
públicas.
28
 
 
Ainda assim é necessário ressaltar sempre que esse destaque não pode 
se confundir com o domínio do Judiciário em detrimento de outros poderes. 
Mesmo que o holofote esteja em um deles, todos constituem um poder uno e 
indissociável. Américo Bedê Freire Junior explica que: 
 
É certo que uma postura mais ativa do Judiciário implica em possíveis 
zonas de tensões com as demais funções do Poder, todavia não se 
defende uma supremacia de qualquer das funções, mas sim a 
supremacia da Constituição, que implica que o Judiciário não é um 
mero carimbador de decisões políticas das demais funções.
29
 
 
Enquanto o Judiciário cada vez mais vincula sua atuação ao resguardo 
da Constituição Federal, o Poder Executivo e o Poder Legislativo se relacionam 
no que Sérgio Abranches30 chamou de presidencialismo de coalização31. O 
sistema presidencialista unido ao multipartidarismo e à proporcionalidade na 
eleição de legisladores faz com que haja uma interdependência entre esses 
poderes para a governabilidade do país. Ou seja, as pautas políticas que por 
vezes são objeto de disputa judicial, antes foram tensionadas pelo Executivo e 
Legislativo. Mariana Batista faz interessante análise exemplificando essa 
disputa em estudo sobre como o Presidente da República julga a necessidade 
de nomear Ministros de Estado com representantes de partidos dos quais 
deseja apoio. Pode distribuir os cargos em um acordo justamente para 
aumentar sua influência no Poder Legislativo ou pode o chefe do Poder 
Executivo considerar essa manobra desnecessária e centralizar as pastas em 
seu partido ou até mesmo em sua própria pessoa.32 No período estudado 
(1995-2010), a autora revela que 
 
28
 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit. 
29
 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Op. Cit. 
30
 ABRANCHES, Sérgio Henrique de. Presidencialismo de Coalizão: o dilema institucional 
brasileiro. Revista Dados, v. 31, n. 1, p. 5-34, 1988. 
31
 Há autores como Fernando Limongi que questionam a ideia de que o presidencialismo de 
coalizão seria exclusividade brasileira. Ver: LIMONGI, Fernando. Presidencialismo, coalizão 
partidária e processo decisório. Novos Estudos, n. 76, p. 17-41, nov. 2006. 
32
 BATISTA, Mariana. O Poder no Executivo: uma análise do papel da Presidência e dos 
Ministérios no presidencialismo de coalizão brasileiro (1995-2010). Opinião Pública, v. 19, n. 
2, p. 449-473, nov. 2013. 
16 
 
 
Governos de coalizão são frequentes no Brasil desde o processo de 
redemocratização. O “presidencialismo de coalizão” brasileiro, 
resultado do sistema presidencialista e do multipartidarismo, manteve 
sua estabilidade e gerou altas taxas de sucesso para a agenda 
legislativa do Presidente.
33
 
 
O que poderia ser apenas uma divisão harmônica entre poderes no 
âmbito político também está presente na legislação. Não só no segundo artigo 
da Constituição Federal, como também em vários momentos do ordenamento 
jurídico brasileiro é possível identificar a manifestação prática desse 
mecanismo. 
O parágrafo único do artigo 101 da Constituição Federal determina que a 
nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal será feita pelo 
Presidente da República após a sabatina no Senado Federal. Exemplo em que 
fica evidente a influência do Poder Executivo e do Poder Legislativo sobre o 
Poder Judiciário. 
Como atribuição típica, ao Legislativo cabe a elaboração de leis. 
Entretanto, o Presidente da República pode editar medidas provisórias que 
terão força de lei e serão apreciadas pelo Congresso Nacional como prevê o 
artigo 62 da Constituição Federal. Nesse ponto, é possível identificar a 
porosidade das competências de cada poder e ainda, mais uma vez, como a 
própria Carta Magna deliberadamente traça rotas de colisão entre Legislativo e 
Executivo. 
Outra forma de controle do poder pelo poder é aquele realizado pelo 
Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas da União, no Executivo quando 
da apreciação das contas prestadas anualmente pelo Presidente da República. 
É o que assegura o artigo 71 da Constituição Federal. 
No momento em que a Constituição Federal escolhe o Supremo Tribunal 
Federal como sua guardiã, acaba por dar ao Poder Judiciário a possibilidade 
de controle de constitucionalidade de leis e atos de outros poderes conforme o 
artigo 102 do texto maior. 
 
33
 Idem. 
17 
 
A elaboração legislativa sofre ainda o controle do Executivo quando o 
artigo 66 da Constituição Federal confere ao Presidente da República a tarefa 
de sanção ou veto dos projetos de lei. A negativa presidencial, por sua vez, não 
é absolutae pode ser rejeitada pelo Congresso Nacional em votação nos 
moldes previstos no mesmo artigo citado. 
Em um processo de impeachment, a Constituição Federal continua a 
lógica de articulação entre poderes ao exigir a admissão da acusação contra o 
Presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados e o 
julgamento pelo Senado Federal. 
O Poder Judiciário pode intervir na administração pública quando a 
Constituição Federal dá ao Supremo Tribunal Federal a prerrogativa de aprovar 
súmulas com efeitos vinculantes. 
Torna-se claro, portanto, que além do jogo político e a troca de 
influências daí decorrente, há na própria legislação a previsão de momentos 
em que a divisão entre poderes é relativizada e, por vezes, há a criação 
mecanismos de dependência entre eles. Há um controle, fiscalização e 
coordenação para que nenhum Poder possa se tornar absoluto. Para 
Bonavides, a separação de poderes 
 
vale unicamente por técnica distributiva de funções distintas entre 
órgãos relativamente separados, nunca porém valerá em termos de 
incomunicabilidade, antes sim de íntima cooperação, harmonia e 
equilíbrio, sem nenhuma linha que marque separação absoluta ou 
intransponível.
34
 
 
Apesar disso, teorias acerca da necessidade de um Poder Moderador 
ganharam força com o governo atual pela dificuldade que o Executivo vem 
enfrentando para implementar as ideias do Presidente Jair Bolsonaro. Como foi 
visto, o conflito de interesses acaba por exigir a manifestação do Poder 
Judiciário e como as decisões não são as desejadas pelo chefe do Executivo e 
de seus apoiadores, cria-se um ambiente de irresignação. Evoca-se um quarto 
poder que possa atuar no conflito dos outros, o Poder Moderador que 
 
34
 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 187. 
18 
 
Benjamim Constant acreditava ser o do rei é, modernamente, atribuído às 
Forças Armadas.35 
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes chegou a dizer, 
analisando o inconformismo do Poder Executivo, que “o sistema de freios e 
contrapesos estabelecidos pela Constituição está mais ativo agora no governo 
Bolsonaro porque há "provocações', incluindo ameaças para desativá-los.”36 
Com essa tensão entre poderes, derivada da aparente inabilidade de 
articulação pelo Poder Executivo, vários apoiadores da situação têm defendido 
a tese de que há forças que impossibilitam o Presidente da República de 
governar satisfatoriamente. Embora existam mecanismos constitucionais que 
impeçam uma atuação completamente livre de qualquer um dos poderes, 
partidários do atual chefe do Executivo julgam que as amarras institucionais 
estão sendo violadas. Assim, surgiu um movimento que defende uma 
intervenção militar constitucional que seria juridicamente embasada no artigo 
142 da Constituição Federal. 
Para essa parcela da população, as Forças Armadas seriam invocadas 
como meio de superar o excesso de intromissão dos Poderes Judiciário e 
Legislativo no Executivo. Embora tenham ressurgido com mais força em 2020, 
os pedidos de intervenção militar foram constantes em manifestações 
populares de protesto contra o governo da então presidente Dilma Rousseff. 
As Jornadas de Junho, ocorridas no Brasil em 2013, tiveram motivações 
variadas. Em alguns daqueles eventos, a população, naquele momento 
contrária ao Executivo Federal, clamava por uma intervenção militar. Esses 
grupos eram formados em sua maioria de conservadores, religiosos e 
apoiadores das Forças Armadas37. 
 
35
 Entendem alguns que o Poder Moderador, embora houvesse formalmente desaparecido com 
as Constituições republicanas, continuou em verdade a existir, de 1891 a 1964, tendo por titular 
não um rei mas as Forças Armadas. (BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 185.) 
36
 GRAGNANI, Juliana. Tensão nos três poderes: como funciona ‘sistema de freios’ entre 
Congresso, Supremo Tribunal Federal e Bolsonaro. BBC, São Paulo, 17 jun. 2020. Disponível 
em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53071440. Acesso em: 10 out. 2020. 
37
 SP: em meio a protestos, grupo pede volta de militares ao poder. Terra, São Paulo, 26 jun. 
2013. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/sp-em-meio-a-protestos-
grupo-pede-volta-de-militares-ao-
poder,59e34972bc28f310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em: 10 out. 2020. 
19 
 
Durante os pedidos de impeachment de Dilma Rousseff, também foi 
possível identificar a defesa de pautas pela intervenção militar. Ainda em 2015, 
parte da população brasileira encontrava nas Forças Armadas um meio de 
correção dos rumos do país. Pessoas de bem seriam a favor do regime militar, 
disse uma manifestante ao Estadão38. 
Em setembro de 2017, o atual Vice-Presidente Antonio Hamilton Mourão 
chegou a afirmar, quando indagado em uma palestra, sobre uma eventual 
intervenção constitucional com o emprego das Forças Armadas que: 
 
[...]. Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o 
problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública 
esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós 
teremos que impor isso. [...]. Então no presente momento, o que nós 
vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não 
conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma 
solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, 
podem ter certeza disso aí.
39
 
 
 Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército à época, também em 
palestra no mesmo mês, foi no mesmo sentido dando invólucro legalista à tese 
ao garantir que “Poderemos, eventualmente, ser empregados, mas sempre 
condicionados por princípios legais e como reza o artigo 142 [da Constituição 
Federal], por iniciativa de um dos Poderes.”40 
Portanto, é inegável que tais ideias estejam nos debates políticos há 
pelo menos sete anos. Uma das novidades é que a invocação da atuação 
militar parte da base aliada ao Poder Executivo. Não há o descontentamento 
com o poder de forma genérica, seria possível indicar aqueles que estariam 
 
38
 PERON, Isadora. & SOUZA, Nivaldo. Manifestante pedem intervenção militar com base em 
regra que não existe na Constituição. Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 abr. 2015. Disponível 
em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,manifestantes-pedem-intervencao-militar-com-
base-em-regra-que-nao-existe-na-constituicao,1668381. Acesso em: 10 out. 2020. 
39
 General fala em intervenção se Justiça não agir contra corrupção. Folha de S. Paulo, São 
Paulo, 17 set. 2017. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/09/1919322-
general-do-exercito-ameaca-impor-solucao-para-crise-politica-no-pais.shtml. Acesso em: 10 
out. 2020. 
40
 Intervenção só ocorreria a pedido deum dos Poderes, disse comandante do Exército. Folha 
de S. Paulo, São Paulo, 20 set. 2017. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ 
poder/2017/09/ 1920115-comandante-do-exercito-disse-que-intervencao-so-ocorreria-com-
legalidade.shtml. Acesso em: 10 out. 2020. 
20 
 
ultrapassando os limites constitucionais e impedindo a agenda política do 
Presidente da República. 
Em 2020, o cenário criado por todos os embates institucionais citados no 
início do capítulo deu mais peso aos pedidos pela atuação das Forças 
Armadas. As manifestações puderam contar até mesmo com a presença do 
próprio Presidente da República. Essa sinalização transformou o assunto em 
um dos pontos mais atuais da política nacional com defensores e opositores da 
possibilidade de uma intervenção militar baseada no artigo 142 da Constituição 
Federal conforme será abordado oportunamente.41 
A Constituição Federal de 1988 foi forjada justamente em um momento 
de superação da atuação dos militares nos destinos civis do país. Argumentos 
pela volta da influência castrense depois de um período tão curto de governo 
democráticogeram dúvida sobre a eficácia na contenção do papel das Forças 
Armadas no momento de elaboração da Constituição Federal. Dessa forma, é 
importante entender como foi o processo de elaboração da Carta Magna 
brasileira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
41
 O último capítulo do trabalho abordará a questão com a posição de diversos juristas e 
entidades políticas. 
21 
 
2. O PODER CONSTITUINTE 
 
No capítulo anterior foi possível entender como a separação de poderes 
foi elemento essencial no período de superação do Antigo Regime e como um 
dos maiores objetivos foi a criação de limites a um poder absoluto. Saltando 
temporal e geograficamente, no Brasil contemporâneo cresce um movimento 
que alega a ruptura dessa harmonia idealizada entre os poderes do Estado. 
Uma vez rompido esse sistema, surge a necessidade de intervenção por um 
elemento externo, nesse caso identificado pelos apoiadores do chefe do 
Executivo como sendo as Forças Armadas. As justificativas jurídicas têm como 
foco o artigo 142 da Constituição Federal e fazem surgir questionamentos 
acerca da construção do referido dispositivo e do papel das Forças Armadas 
para a Constituinte de 1987. 
Para posteriormente compreender o contexto de materialização da 
Constituição Federal de 1988, optou-se em um primeiro momento por 
compartilhar os questionamentos que Ingo Wolfgang Sarlet utiliza em um de 
seus trabalhos.42 O que é o poder constituinte? Quem é o titular (o sujeito) 
desse poder? Qual o procedimento e forma do seu exercício? Existem limites 
jurídicos quanto ao exercício desse poder? 
Assim como Montesquieu em relação à separação de poderes e sua 
influência contemporânea, parte majoritária da doutrina retorna à Revolução 
Francesa para o estudo do Poder Constituinte. Isso não quer dizer que antes 
disso as sociedades não tivessem, das mais variadas formas, estipulado regras 
proibitivas e permissivas. Entretanto, foi com o abade francês Emmanuel 
Joseph Sieyès (1748-1836) que a ideia de uma manifestação escrita 
constituindo um Estado foi modelada. Essa ressalva é feita, por exemplo, por 
Paulo Bonavides43 e Zulmar Fachin44. 
 
42
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, Daniel.; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito 
Constitucional. 8. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2019. 
43
 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 
p. 141 
44
 Aula proferida no Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Academia Brasileira 
de Direito Constitucional, Curitiba, 11 mai. 2018. 
22 
 
A teoria do poder constituinte é antes de tudo uma teoria da legitimidade 
do poder, é a racionalização de seu exercício segundo paradigmas de 
determinada sociedade ou grupo político que a controla. Assim, a negação da 
fonte de poder utilizada como legitimadora no período pré-Revolução Francesa 
faz surgir a necessidade de um novo alicerce. A vontade popular, base do 
poder, se manifestará em um documento escrito que será o núcleo constitutivo 
do Estado45. Para Juliana Diniz Campos: “Tem-se um conceito instrumental de 
constituição, na medida em que sua elaboração está vinculada ao atendimento 
de determinados fins, em especial o dever de obediência dos governos à 
vontade da Nação.”46 
Sieyès foi bastante influenciado pelas ideias iluministas e tentou, a partir 
disso, formular um projeto de poder adequado a sua contemporaneidade. Uma 
sociedade de comerciantes burgueses estaria melhor adaptada a um sistema 
representativo e não a uma ideia de soberania popular radical.47 
Representatividade que não se confundia com a deliberação através do voto 
estratificado, o abade “vai sustentar a legitimidade do sistema de votação por 
cabeça e não por classe social, ponto estruturante do modelo representativo 
concebido na primeira constituição republicana.”48 Sieyès identifica ainda um 
antagonismo das atividades públicas e privadas, o burguês liberal não teria 
disponibilidade para deliberar acerca dos assuntos públicos e assim seria 
preciso que fosse representado naquela seara.49 
Portanto, assim como a crítica ao poder absoluto deveria ser em seguida 
transformada em uma teoria de separação de poderes conforme o anseio 
liberal, a legitimidade desse poder seria transportada, por sua vez, de uma 
tradição nobiliárquica ou espiritual para o próprio povo e sua vontade. A grande 
questão seria isolar essa vontade já que os interesses da população francesa 
do período não eram uniformes. 
 
45
 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 143. 
46
 CAMPOS, Juliana Diniz. As Origens da Teoria do Poder Constituinte: um resgate da obra de 
Siéyes e suas múltiplas releituras pela doutrina publicista continental. Revista da Faculdade 
de Direito da UERJ – RFD, v. 1, n. 25, 2014. p. 165. 
47
 Ibidem. p. 159. 
48
 Ibidem. p. 161. 
49
 Ibidem. p. 163. 
23 
 
Em resumo, a partir dessa manifestação original de vontade surgiria a 
base para o estabelecimento de um governo: o poder constituinte do qual 
decorre o poder constituído. Nesse ponto 
 
diferencia Sieyès o conceito de poder constituído – limitado, 
restringido pelas precauções políticas previstas na constituição – 
daquele de poder constituinte – originário, cujo exercício representa a 
positivação da vontade da Nação. A constituição – enquanto obra 
fundamental – é, no dizer do francês, a obra de um poder constituinte, 
um poder voltado à organização do governo. Um poder prévio, 
portanto.
50
 
 
Para o abade, o modelo proposto pelo terceiro estado, camada social 
francesa composta pelos não pertencentes à nobreza ou ao alto clero, através 
do poder constituinte, originaria um governo finalmente garantidor da 
liberdade.51 As linhas gerais dessa ideia persistem até hoje, voltamos assim 
aos questionamentos de Sarlet que revelam a multiplicidade de análises e 
classificações do Poder Constituinte. 
Pode-se afirmar que o Poder Constituinte, por inaugurar uma ordem 
jurídica, ocorre em um momento pré-jurídico tendo natureza política52. É a 
potência prestes a ser exercida, é o poder autoconsciente. Ao contrário das 
normas infraconstitucionais, tem seu fundamento nas forças determinantes que 
já existem em uma sociedade.53 De um ponto de vista jurídico posteriormente 
estabelecido, o poder constituinte tem como relevância ser a expressão de uma 
vontade democrática, em regra, que será a legitimadora da Constituição por ele 
criada.54 Ainda que tenha essa relevância jurídica, como manifestação da 
soberania, o poder constituinte é decorrente de fatores históricos e não poder 
ser entendido como uma manifestação pura do Direito.55 Paulo Gustavo Gonet 
Branco expõe a natureza política do poder constituinte ao afirmar que “Se o 
poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser 
 
50
 CAMPOS, Juliana Diniz. Op. Cit. p. 166. 
51
 Idem. 
52
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, D..; SARLET, I. W. Op. Cit. p. 129. 
53
 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito 
Constitucional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 153. 
54
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, D..; SARLET, I. W. Op. Cit. p. 131. 
55
 Ibidem. p. 132. 
24 
 
entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que 
informam essa mesma nação e que motivam as suas ações.”56 
O poder constituinte guarda bastante relação com a Constituição dele 
derivada, assim os conceitos de Constituição em seu sentido formal e material 
também se refletem no momento de sua idealização. É possível identificar o 
aspecto material do poder constituinte como a autoconformação do Estado e a 
criação das ideias de Direito. Enquanto o seu aspecto formal revela-se por ser 
a edição de normas no âmbito interno, acriação das regras jurídicas e sua 
inserção formal na Constituição. Enfim, é a inauguração de um novo 
ordenamento jurídico. 
As características do poder constituinte variam entre os diversos autores 
que estudam o tema. Entretanto, há uma série delas que se repete perfazendo 
um núcleo essencial. Assim, o poder constituinte é um poder inicial, autônomo, 
ilimitado e permanente. 
 Inicial, anterior ou originário pois é expressão que causa uma ruptura 
social, cria um momento de transição para que uma (nova) ordem jurídica 
surja. A partir das Guerras Mundiais, é cada vez mais rara uma ruptura extrema 
como ocorreu com a Revolução Francesa do século XVIII. 
 Autônomo ou exclusivo pois não concebe a existência de dois poderes 
constituintes simultâneos visto que a soberania de uma sociedade é una. 
 É um poder superior, ilimitado e incondicionado pois o constituinte tudo 
pode (nas palavras de Sieyès, o terceiro estado pode ser qualquer coisa) e 
está limitado apenas pelos limites por ele impostos. É o poder supremo àquele 
grupo social atingido e a partir disso decorre a consequente supremacia da 
Constituição Federal. 
 Permanente e inalienável pois, embora o exercício do poder constituinte 
possa terminar formalmente, sua potência não é exaurida. O povo é 
responsável pela manutenção da Constituição vigente e pode optar por sua 
alteração. 
 
56
 BRANCO, P. G.; MENDES, G. F. Op. Cit. p. 156. 
25 
 
O povo é figura central pois, no final do século XVIII, essa noção estava 
intimamente ligada à questão da soberania, ainda que não fossem conceitos 
equivalentes. A ideia de decidir os próprios rumos frente a outros grupos 
políticos também implicava na legitimidade interna de autodeterminação e de 
imposição de uma Constituição.57 O poder torna-se exercível pelo povo, mais 
uma vez, na Revolução Francesa, confundido com o liberal burguês. Logo, 
analisar a titularidade do poder constituinte exige a consideração do contexto 
histórico. É necessário lembrar que a legitimidade não se confunde com 
legalidade, é legítimo se atrelado ao procedimento escolhido para a 
formalização do poder constituinte e à observância de valores que justifiquem a 
autoridade no âmbito da coletividade política.58 Nesse sentido a nação opera 
por representantes, delega-se o exercício do poder como Sieyès imaginou: 
tem-se o “povo agindo como representante do povo, dele obtendo 
reconhecimento.59 
Assim, o titular e o legítimo detentor do poder constituinte é o próprio 
povo que pode optar por ver-se representado quando de seu efetivo exercício. 
Essa delegação pode apresentar problemas, mas Gonet Branco explica: 
 
um grupo que se arrogue a condição de representante do poder 
constituinte originário, se se dispuser a redigir uma Constituição que 
hostilize esses valores dominantes, não haverá de obter o 
acolhimento de suas regras pela população, não terá êxito no seu 
empreendimento revolucionário e não será reconhecido como poder 
constituinte originário. Afinal, só é dado falar em atuação do poder 
constituinte originário se o grupo que diz representá-lo colher a 
anuência do povo, ou seja, se vir ratificada a sua invocada 
representação popular.
60
 
 
Continua o autor: 
 
 
57
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, D..; SARLET, I. W. Op. Cit. p. 136. 
58
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, D..; SARLET, I. W. Op. Cit. p.138. 
59
 BRANCO, P. G.; MENDES, G. F. Op. Cit. p. 155. 
60
 Ibidem. p. 156. 
26 
 
Não é quem quer ou pensa estar legitimado para tanto que será 
poder constituinte originário, mas quem está em condições de 
produzir uma decisão eficaz sobre a natureza da ordem.
61
 
 
Tendo como titular do poder constituinte o povo, é possível distinguir 
suas formas de manifestação. Sarlet entende que as formas democráticas de 
exercício do poder constituinte podem ser classificadas quanto à soberania de 
uma assembleia constituinte e quanto a sua exclusividade. Na assembleia 
soberana, “cuida-se de um órgão eleito com a finalidade de elaborar e aprovar 
a constituição, excluída qualquer participação adicional do povo, seja por meio 
de plebiscito, seja por meio de referendo.”62 Já uma assembleia não soberana 
ӎ eleita apenas com a finalidade de elaborar e discutir o projeto de 
constituição, mas a entrada em vigor do texto constitucional se dá apenas após 
a sua aprovação pelo povo, mediante referendo”63 Por sua vez, a exclusividade 
de um poder constituinte depende da finalidade de quem o exerce: uma 
assembleia pode ser criada com o objetivo específico de elaboração de uma 
constituição ou pode tal competência ser acumulada por aqueles que já detêm 
atribuições legislativas. 
 Cabe ressaltar que a forma democrática de exercício do poder 
constituinte se opõe à outorga de uma constituição por um ditador sendo, 
nesse cenário, a Revolução uma situação extrema de exercício de poder 
constituinte contra tal poder absoluto.64 
A doutrina geralmente fala da ausência de limites, sendo inclusive 
uma das características citadas anteriormente. Entretanto, o poder constituinte 
não pode ser exercido longe da realidade da sociedade interessada, Sarlet cita 
ainda como possíveis condicionantes os valores civilizatórios, os direitos 
humanos e a noção de justiça.65 Aqui o aspecto jurídico do poder constituinte 
cede à ideia mais ampla de manifestação social em um documento regrador: 
 
 
61
 Ibidem. p. 157. 
62
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, D..; SARLET, I. W. Op. Cit. p. 142. 
63
 Ibidem. p. 142. 
64
 Ibidem. p. 145. 
65
 Ibidem. p. 150. 
27 
 
quando se fala em limites jurídicos do poder constituinte, há que reconduzir tais 
limites à noção mais ampliada de limites historicamente construídos, que 
incluem limitações de ordem religiosa, moral, econômica, dentre outros que 
poderiam ser referidos
66
 
 
Se “A constituição, ao contrário do que ocorre com as normas 
infraconstitucionais, não extrai o seu fundamento de validade de uma ordem 
jurídica (formal) superior, mas se estabelece e alcança autoridade jurídica 
superior.”67, talvez o estudo meramente jurídico de dispositivos constitucionais 
pode deixar escapar uma análise mais coesa e completa. Por isso o presente 
trabalho busca abordar temas da Ciência Política, do Direito e da História. 
 Tendo respondido brevemente às perguntas lançadas no início do 
capítulo e estabelecido uma noção introdutória de poder constituinte, vale 
estabelecer uma classificação básica sobre o objeto central da pesquisa: a 
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Novamente Sarlet: 
 
No que diz com a sua inserção no esquema classificatório das 
constituições, a Constituição Federal pode ser integrada, como já 
referido, ao grupo das constituições escritas, democráticas, analíticas 
e rígidas.
68
 
 
 
No mesmo sentido, Alexandre de Moraes categoriza: “Nossa atual 
Constituição Federal apresenta a seguinte classificação: formal, escrita, legal, 
dogmática, promulgada (democrática, popular), rígida, analítica.”69 Vale dizer, o 
processo do poder constituinte originário que será analisado no capítulo 
seguinte criou uma constituição formal e sistematizada em um documento 
único, realizado por uma assembleia constituinte, de forma democrática, cuja 
alteração demanda um processo legislativo mais exigente e que abarcou 
diversos assuntos que foram julgados como imprescindíveis. 
 
 
66
 Ibidem. p. 151. 
67
 Ibidem. p. 129. 
68
 MARINONI, L. G..; MITIDIERO, D..; SARLET, I. W. Op. Cit. p. 327. 
69
 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. 
p. 31. 
28 
 
3. A CONSTITUINTE DE 1987 
 
Formalmente, o primeiro passo para a criação da Constituinte ocorreu 
com mensagens dirigidaspelo então Presidente da República José Sarney ao 
Congresso Nacional e com o envio de um projeto de emenda constitucional 
(PEC43/85) convocando uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC) com 
início dos trabalhos em 31/01/1987. Esse projeto foi recebido pelo Congresso 
Nacional transformando-o em Emenda Constitucional alterando a data prevista 
para 01/02/1987 e estabelecendo a unicameralidade da Assembleia Nacional 
Constituinte.70 
Ainda em 1985, José Sarney editou decreto convocando uma Comissão 
Provisória de Estudos Constitucionais que tinha por objetivo inspirar a ANC. A 
obra elaborada, conhecida como Anteprojeto Afonso Arinos, foi concluída em 
26/09/1986. Ainda que em vários debates houvesse a menção pelos 
constituintes dos dispositivos do referido anteprojeto, o diploma não foi 
formalmente adotado pela ANC. Havia a vontade de criação de uma nova 
constituição a partir dos anseios populares, não pela simples adoção de 
concepções elaboradas por intelectuais. Ademais, alguns juristas se recusaram 
a participar do Anteprojeto Afonso Arinos por considerarem intromissão 
indevida em um momento de exclusiva expressão popular.71 
Para a Constituinte brasileira, não houve a eleição de representantes 
exclusivos para a elaboração do novo texto constitucional. A tarefa coube aos 
487 deputados federais e 49 senadores eleitos no pleito de 1986 somados aos 
23 senadores que já atuavam na casa desde 1982. 
Em 01/02/1987 foi instalada a ANC e em 02/02/1987 houve a eleição de 
seu presidente. Foi escolhido o Deputado Federal Ulysses Guimarães do 
 
70
 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Emenda Constitucional 
n. 26 de 27 de nov. de 1985. Convoca Assembleia Nacional Constituinte e dá outras 
providências. Disponível em: 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/ emc26-85.htm. 
Acesso em: 10 out. 2020. 
71
 TROIANO, Mariele. Entre o Passado e o Futuro: o Processo Constituinte de 1987-1988. 
Revista Direito Mackenzie, v. 9, n. 2, p. 197-217, 2015. 
29 
 
PMDB-SP após vitória sobre o Deputado Federal Lysâneas Maciel do PDT-RJ 
por 425 votos a 69 votos além de 28 votos em branco. 
Do dia 09/02/1987 ao dia 20/03/1987 houve a elaboração do Regimento 
Interno com sua promulgação em 24/03/1987. Substituiu-se, assim, o 
Regimento Interno provisório e nos dias seguintes houve a eleição da mesa e a 
indicação dos líderes. 
A efetiva elaboração dos textos aconteceu durante os meses de abril e 
junho do referido ano tendo a ANC sido dividida em oito comissões temáticas: 
1) Da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, 2) Da 
Organização do Estado, 3) Da Organização dos Poderes e Sistemas de 
Governo, 4) Da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições, 5) 
Do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, 6) Da Ordem Econômica, 7) Da 
Ordem Social e 8) Da Família, da Educação, Da Cultura e Esportes, da 
Ciência, Tecnologia e da Comunicação. 
Por sua vez, cada comissão foi fracionada em três subcomissões. A 
primeira comissão foi subdividida em: a) Da Nacionalidade, da Soberania e das 
Relações Internacionais, b) Dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e das 
Garantias e c) Dos Direitos e das Garantias Individuais. A segunda comissão 
foi subdividida em: a) Da União, Distrito Federal e Territórios, b) Dos Estados e 
c) Dos Municípios e Regiões. A terceira comissão foi subdividida em: a) Do 
Poder Legislativo, b) Do Poder Executivo e c) Do Poder Judiciário e do 
Ministério Público. A quarta comissão foi subdividida em: a) Do Sistema 
Eleitoral e Partidos Políticos, b) De Defesa do Estado, da Sociedade e de sua 
Segurança e c) De Garantia da Constituição, Reformas e Emendas. A quinta 
comissão foi subdividida em: a) De Tributos, Participação e Distribuição das 
Receitas, b) De Orçamento e Fiscalização Financeira e c) Do Sistema 
Financeiro. A sexta comissão foi subdividida em: a) De Princípios Gerais, 
Intervenção do Estado, Regime da Propriedade do Subsolo e da Atividade 
Econômica, b) Da Questão Urbana e Transporte e c) Da Política Agrícola e 
Fundiária e da Reforma Agrária. A sétima comissão foi subdividida em: a) Dos 
Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos, b) De Saúde, Seguridade e 
do Meio Ambiente e c) Dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas 
30 
 
Deficientes e Minorias. A última comissão foi subdividida em: a) Da Educação, 
Cultura e Esportes, b) Da Ciência e Tecnologia e da Comunicação e c) Da 
Família, do Menor e do Idoso. 
Em cada subcomissão, um constituinte relator apresentaria um 
anteprojeto que seria emendado por seus colegas. O consequente substitutivo 
era votado e refinado até que fosse criado um anteprojeto da subcomissão. 
Durante esses trabalhos, várias reuniões eram feitas com debates e audiências 
públicas com representantes da sociedade. 
Nas comissões, os anteprojetos de cada subcomissão receberam 
emendas. Posteriormente, o relator de cada comissão apresentava um 
anteprojeto que, novamente, seria passível de alterações. Por fim, tinha-se o 
anteprojeto da comissão. 
Paralelamente, funcionava na ANC a comissão de sistematização que 
durou de abril até novembro de 1987. Sua atribuição era, como o próprio nome 
sugere, reunir todos os anteprojetos das comissões em um sistema lógico. O 
procedimento previa emendas ao anteprojeto do relator da comissão de 
sistematização resultando no primeiro projeto de Constituição Federal. Em 
seguida, esse projeto recebia emendas dos constituintes em duas 
oportunidades até que se chegasse ao segundo substitutivo do relator e ao 
Projeto de Constituição. 
De novembro de 1987 a janeiro de 1988, houve a reforma do Regimento 
Interno: 
 
No decorrer dos trabalhos da Comissão de Sistematização, foram se 
consolidando manifestações político-ideológicas divergentes de 
grande vulto, as quais trouxeram transtornos à condução dos 
trabalhos nos prazos previstos inicialmente, que tinha o 15 de 
novembro de 1987 reservado para a promulgação do texto. Diante 
das evidências, tentou-se encontrar soluções emergenciais como a 
de reduzir de dois para um turno no Plenário a votação final e, ainda, 
a de fazer funcionarem, simultaneamente, os trabalhos da 
Sistematização e do Plenário, tudo sem sucesso. A principal 
consequência desses conflitos foi a emenda ao Regimento da ANC, 
apresentada pelo Centrão, em 11-11-87, que, votada e aprovada, em 
globo, em 3 de dezembro, mudou o Regimento, até então em vigor, 
em dois pontos: tornou possível, para a maioria absoluta (metade da 
soma de 487 e 72, mais um = 280), apresentar emendas 
modificativas, substitutivas e supressivas para títulos, capítulos e 
seções; e inverter a necessidade da maioria: os antes exigidos 280 
31 
 
votos para mudar o que viesse da Sistematização passaram a ser 
necessários para incluir, modificar ou manter qualquer parte do 
projeto. Assim, todo e qualquer dispositivo passou a demandar 
maioria absoluta.
72
 
 
 Após essa discussão sobre o Regimento Interno, a Constituinte 
encaminhava para o seu passo definitivo. A fase do Plenário e da Comissão de 
Redação Final aconteceu de janeiro a setembro de 1988. 
O segundo substitutivo do relator da Comissão de Sistematização, 
chamado de Projeto A, seria o primeiro documento a ser emendado por todos 
os constituintes no plenário do Congresso Nacional. Um novo turno de 
emendas resultou no Projeto C, que foi remetido à Comissão de Redação 
Final. Na Comissão de Redação Final, o Projeto D, a redação final da 
Constituição, foi elaborado após a última rodada de emendas. A promulgação 
da Constituição Federal ocorreu em 05/10/1988. 
Seguindo os objetivos do presente trabalho e reconhecendo a vasta 
produção documental do período, tem-se como tarefa complexa a análise de 
todos os dispositivos que tratem da atuação das forças armadas. Assim, optou-
se pela delimitação do estudo aoque parece ser o núcleo do atual artigo 142 
da Constituição Federal. Foram analisados: o Anteprojeto Afonso Arinos e 
documentos produzidos desde a Subcomissão De Defesa do Estado, da 
Sociedade e de sua Segurança até a aprovação da versão final da 
Constituição. Novamente, tendo em vista o volume imenso de fontes, em vários 
momentos não foi possível realizar a análise vertical dos documentos limitando-
se o trabalho à identificação de mudanças no texto legislativo. 
A subcomissão De Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança 
teve como Presidente José Tavares (PMDB-PR) e Relator Ricardo Fiuza (PFL-
PE). De maneira geral, a Subcomissão abordou os seguintes temas: conceitos 
como nação, Estado e pátria; a diferença entre segurança interna, segurança 
externa e segurança pública; a manutenção do Conselho de Segurança 
Nacional (e da Lei de Segurança Nacional); a concentração de atribuições no 
Poder Executivo; os limites da atuação das Forças Armadas; os objetivos do 
 
72
 OLIVEIRA, Mauro Márcio. Fontes de informações sobre a Assembleia Nacional 
Constituinte de 1987: quais são, onde buscá-las e como usá-las. Brasília: Senado Federal, 
1993. p. 13. 
32 
 
Estado; a necessidade de criação do Ministério da Defesa; o papel das polícias 
e vários outros. 
Cabe destacar as palestras proferidas por autoridades convidadas, 
compareceram à subcomissão: Ubiratan Borges de Macedo, Pedro de Oliveira 
Figueiredo, Paulo César Milani Guimarães e Roberto Cavalcanti de 
Albuquerque (representantes da Escola Superior de Guerra); Marcio Thomaz 
Bastos (presidente do Conselho Federal da OAB à época); Geraldo Cavagnari 
Filho (Diretor Adjunto do Núcleo de Estudos Estratégicos da UNICAMP); Cyro 
Vidal (Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil); Mario 
Nazareno Lopes Rocha, Silvio Ferreira, Waltervan Luiz Vieira, Nelson Freire 
Terra, José Braga Júnior e Paulo José Martins dos Santos (representantes da 
Polícia Militar de diversos Estados); Luiz Antonio Rodrigues M. Ribeiro 
(representante da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional); Euler 
Bentes Monteiro, Antonio Carlos de Andrada Serpa, Oswaldo Pereira Gomes, 
Roberto Pacífico Barbosa, Sérgio Tasso Vasquez de Aquino, José Elislande 
Bayer de Barros e Sidney Obino Azambuja (representantes do Estado Maior 
das Forças Armadas) e Romeu Tuma, Wilson Alfredo Perpétuo e Vicente 
Chelotti (representantes dos delegados e dos servidores dos departamentos da 
polícia federal). 
Através da leitura da ata, é possível identificar o grande cuidado tomado 
pelos constituintes na identificação das funções das Forças Armadas na 
segurança interna do país. Ainda assim, como grande parte dos convidados foi 
de pessoas ligadas direta ou indiretamente aos militares, as palestras foram no 
sentido de defesa da intervenção castrense no âmbito civil. Como exemplo, 
apesar de reconhecer a harmonia entre poderes e a existência de mecanismos 
de controle, para os representantes da Escola Superior de Guerra o conceito 
de segurança nacional visa à proteção dos objetivos da nação: 
 
As ações específicas de segurança, as medidas específicas de 
defesa, propriamente, na verdade é cabem tradicionalmente ao Poder 
Executivo – mas um Poder Executivo – é esta a doutrina da Escola – 
sob a fiscalização dos mecanismos democráticos de controle.
73
 
 
73
 BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Subcomissão de Defesa do Estado, da 
Sociedade e de sua Segurança. Ata da Subcomissão De Defesa do Estado, da Sociedade e 
33 
 
A observação de Ottomar Pinto demonstra a preocupação por parte dos 
constituintes: 
 
Isso é que eu acho muito importante se considerar; não depende 
simplesmente de elucubração mental do Executivo, é preciso que 
esteja tipificado na Constituição como fato gerador dessa 
intervenção.
74
 
 
O reforço parte do constituinte Arnaldo Martins quando questiona sobre 
o artigo 91 da Constituição vigente no período que prevê a atuação das Forças 
Armadas75: 
 
Parece-nos uma conceituação meio abstrata e difícil de mensurar, até 
quando nós estamos diante de uma grave crise. Não seria, talvez, a 
solução que o Poder Judiciário fosse consultado nessas atividades de 
segurança interna?
76
 
 
O convidado Márcio Thomaz Bastos também se mostra preocupado com 
a questão da limitação da atuação das Forças Armadas, em sua palestra há 
um forte ataque à política de segurança nacional com a proposta de extinção 
do Conselho de Segurança Nacional. O representante da Ordem dos 
Advogados do Brasil concorda com o artigo 414 do Anteprojeto Afonsino77, 
reconhece que conflitos fazem parte de uma sociedade democrática mas 
assevera que isso não autoriza uma intervenção militar: 
 
[...] em relação à participação das Forças Armadas na segurança 
interna do Brasil; penso que isso deve ficar extremamente claro de 
que elas participam, chamadas pelos seus superiores constitucionais 
 
de sua Segurança. Brasília, 1987-1988. p. 38. Disponível em: http://www.senado.leg.br/ 
publicacoes/anais/constituinte/4b_Subcomissao_Da_Defesa_Do_Estado,_Da_Sociedade_E_D
e_Sua_Seguranca.pdf. Acesso em: 10 out. 2020. 
74
 Idem. 
75
 O artigo 91 da Constituição 1967, modificado pela Emenda Constitucional 1 de 1969 rege: 
"As Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, destinam-se à 
defesa da Pátria e a garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem.” 
76
 Ibidem. p. 40. 
77
 No Anteprojeto Afonso Arinos, o artigo 414 estabelece: “As Forças Armadas destinam-se a 
assegurar a independência e a soberania do País, a integridade do seu território, os poderes 
constitucionais e, por iniciativa expressa destes, nos casos estritos da lei, a ordem 
constitucional.” 
34 
 
e que as Forças Armadas, no Brasil, não têm, assim, a liberdade, o 
livre arbítrio de intervir.
78
 
 
A participação do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil 
também é importante pois permite a visualização da posição de Ricardo Fiuza. 
O Relator, ao final da palestra, reconhece a polêmica envolvendo o assunto e, 
aparentemente, assume uma postura mais equilibrada invocando algumas 
ressalvas: 
 
Todos nós temos um certo receio, e parece uma posição política, é 
natural, temos saído de um estado de exceção, e tudo que puder 
parecer menos democrático, principalmente ainda um maniqueísmo 
que se ferra às pessoas, se criam rótulos, quem for de extrema 
esquerda, comunista, é progressista, quem não for comunista é 
reacionário, radical de direita, então, há certas coisas hoje que dão 
até receio de serem tocadas. Entendo, que o eminente conferencista 
como eu, também, achamos que o papel das Forças Armadas não 
deva se restringir exclusivamente às questões externas e sim 
também internas, desde que amparadas no texto legal bastante 
refletido, e que seja acionado sempre e exclusivamente dentro da 
legitimidade da lei e da ordem.
79
 
 
Em posição parecida à de Marcio Thomaz Bastos, Geraldo Cavagnari 
Filho se aprofunda nas questões ao sugerir o controle político sobre as Forças 
Armadas a fim de se evitar nova intervenção futura. O palestrante da 
UNICAMP é direto e questiona se as forças militares aceitarão e se 
submeterão a um poder civil legítimo, mas considerado não confiável. O 
essencial, para ele, é limitar a influência militar apenas à esfera técnica. 
Surge, portanto, o cerne da questão: a segurança interna do país 
poderia ser de competência das Forças Armadas? A manutenção dos objetivos 
da nação e da segurança nacional poderiam servir de justificativa para a 
intervenção das Forças Armadas? Haveria a necessidade de convocação pelo 
Poder Executivo? A lei teria o condão limitadorde eventual interferência? Ainda 
que não haja menção expressa ao conflito entre os diversos Poderes 
Constitucionais exemplificados no primeiro capítulo do trabalho, esse é um 
ponto de partida para o futuro artigo 142 da Constituição Federal de 1988. 
 
78
 Ibidem. p. 55. 
79
 Ibidem. p. 62. 
35 
 
Embora anteriormente tenha se manifestado pela tipificação da 
intervenção, o constituinte Ottomar Pinto ilustra o pensamento de alguns de 
seus colegas. Há na Subcomissão aqueles que entenderam como necessário o 
golpe militar de 1964, revelando como a construção da nova Constituição 
estaria marcada pelo passado recente do país: 
 
Esse problema de comunismo ou não, direta ou não, é um problema 
conjuntural. Em 1964, ele aflorou porque representava uma ameaça 
não só potencial, como iminente à sobrevivência do Estado do Brasil. 
Justamente por isso foi colocado no cerne das reflexões dos militares. 
Mas, hoje, os partidos de esquerda estão integrados na comunhão 
política brasileira, defendendo no Parlamento, na Imprensa e até nos 
púlpitos das igrejas os seus pontos de vista. Não há uma ameaça 
iminente, súbita e violenta à ordem constituída.
80
 
 
Com o fim das audiências públicas e dos debates introdutórios, deu-se 
início à atividade legislativa típica. O Anteprojeto do Relator foi elaborado a 
partir das treze primeiras reuniões e levou em consideração os eventos 
realizados pela Constituinte, as audiências públicas organizadas e as 
sugestões protocoladas pelos constituintes. No documento é possível 
identificar os primeiros dispositivos semelhantes ao futuro artigo 142 da 
Constituição Federal de 1988: 
 
Art. 12 As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e 
pela aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, 
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade 
suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei. 
Parágrafo único. Lei Complementar, de iniciativa do poder executivo, 
estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no 
preparo e no emprego das Forças Armadas. 
Art. 13 As Forças Armadas destinam-se à defesa da pátria e à 
garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. 
Parágrafo único. Cabe ao Presidente da República a direção política 
da guerra e a escolha dos Comandantes-Chefes.
81
 
 
 
80
 Ibidem. p. 82. 
81
 BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Subcomissão de Defesa do Estado, da 
Sociedade e de sua Segurança. Anteprojeto do Relator da Subcomissão. v. 132. Brasília: 
Seção de Documentação Parlamentar, 1987-1988. p. 32. 
36 
 
Em sua justificativa, o Relator fez um estudo quantitativo e qualitativo 
das sugestões apresentadas na tentativa de alcançar a vontade harmônica da 
subcomissão. Nesse primeiro momento, superou-se a divergência acerca da 
atuação das Forças Armadas no âmbito interno: das 45 sugestões sobre o 
tema, 32 acenavam pela preservação da destinação vigente à época enquanto 
13 desejavam a restrição da participação militar à segurança externa.82 
O Relator ainda complementa a justificativa sobre a construção dos 
dispositivos: 
 
A expressão "sob a autoridade Suprema do Presidente da República 
e dentro dos limites da lei" tem por finalidade resguardar as Forças 
Armadas contra o seu emprego à revelia da Nação e da ordem 
jurídica por ela estabelecida e consignada nos textos legais. [...] A 
ingênua alusão de que a destinação constitucional das Forças 
Armadas é que tem propiciado, ao longo da nossa vida republicana, 
intervenções militares não admitidas pelos poderes constitucionais 
não procede, pois que as intervenções em qualquer época, sempre 
se fizeram, no Brasil, como em outros Estados, ao arrepio do 
ordenamento Jurídico vigente.
83
 
 
A partir do Anteprojeto do Relator da Subcomissão, foi aberto prazo para 
a apresentação de emendas. Nas reuniões seguintes as sugestões foram 
debatidas e surgiram questões sobre os referidos artigos. Recorta-se aqui, 
algumas observações feitas pelos constituintes que possibilitam entender o 
rumo das discussões a partir do primeiro texto do Relator. Para José Genoíno: 
“[...] a expressão dos poderes constitucionais e principalmente da lei e da 
ordem, é uma legitimação excessiva para o julgamento próprio das Forças 
Armadas, no momento da intervenção”84 O constituinte Roberto Brant, por sua 
vez: 
 
Eu preferiria usar um pouco o que está no texto da Comissão Afonso 
Arinos eu sugeri a emenda, não tenho o número aqui, é que as 
Forças Armadas destinam-se à defesa da soberania, da 
independência e da integridade do País. A garantia dos poderes 
constitucionais e da lei e da ordem mas por iniciativa expressa deste. 
Porque, se as Forças Armadas puderem garantir a lei e a ordem mas 
por iniciativa própria, eu creio que ela teria um papel extremamente 
 
82
 Ibidem. p. 22. 
83
 Ibidem. p. 26. 
84
 BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Ata da Subcomissão [...], p. 187. 
37 
 
demasiado, eu acho que só os poderes constitucionais seria o 
Executivo, o Legislativo e o Judiciário que expressamente poderão 
convocar as Forças Armadas para garantir a lei e a ordem
85
 
 
Vê-se, portanto, que alguns constituintes consideravam determinadas 
expressões do dispositivo como possíveis legitimadoras de uma atuação militar 
à revelia dos poderes constitucionais. Conceitos como “a garantia da lei e da 
ordem” não delimitariam as Forças Armadas, pelo contrário: seriam os grandes 
motivadores para uma intervenção. Outro ponto de debates era encontrar uma 
maneira de subordinar militares ao poder civil através de uma convocação. 
Houve ainda uma nova tentativa de extirpar completamente a segurança 
interna da competência das Forças Armadas em algumas propostas de 
emenda, o constituinte Haroldo Lima entendia que: “é preciso limitar o papel 
constitucional das Forças Armadas à defesa da Pátria contra as agressões 
externas, vedando-lhes o direito de intervir na vida política e de exercer o papel 
de polícia.”86 Porém, esse ponto já havia sido superado e, com os projetos de 
emendas formalizados e os debates nas reuniões, o Relator Ricardo Fiuza 
apresentou seu substitutivo no penúltimo encontro da subcomissão. Nele, os 
constituintes deveriam aprovar ou rejeitar as reformas feitas pelo Relator além 
de votar eventuais destaques. No projeto substitutivo, os artigos 12 e 13 
ditavam: 
 
Art. 12 As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e 
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, 
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade 
suprema do Presidente da República. 
Parágrafo único. Lei Complementar, de iniciativa do Presidente da 
República, estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na 
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. 
Art. 13 As Forças Armadas destinam-se à defesa da pátria e à 
garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. 
 
85
 Ibidem. p. 188. 
86
 BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Subcomissão de Defesa do Estado, da 
Sociedade e de sua Segurança. Emendas ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão. v. 
133. Brasília: Seção de Documentação Parlamentar, 1987-1988. Projeto de emenda n. 
4B0115-9. 
38 
 
Parágrafo único. Cabe ao Presidente da República a direção da 
política de guerra e a escolha dos Comandantes-Chefes
87
 
 
É possível identificar uma mudança entre o anteprojeto e o substitutivo, 
o próprio Relator explica suas motivações: 
 
Ao retirarmos a expressão "dentro dos limites da lei", acolhemos a 
emenda dos Constituintes José Genoíno, Haroldo Lima e outros, 
eliminando uma cláusula discutida desde 1891. As Forças Armadas, 
submetidas à autoridade do Presidente da República,

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