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Unidade V - Cotidiano, Modernidade, Etnicidade e Exclusão Social nas Grandes Cidades

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Responsável pelo Conteúdo: 
Prof. Ms. Rodrigo Medina Zagni 
 
 
 
 
 
 
 
Como estudar as relações inter-étnicas a partir das mudanças operadas nas 
dinâmicas de ocupação do espaço nas grandes cidades? 
É possível utilizar o exemplo de grandes capitais, como São Paulo, durante 
a primeira metade do século XX, para compreender realidades nas quais estão 
presentes os componentes das transformações operadas no cotidiano, na 
penetração da modernidade, na diversidade em termos étnicos e num ambiente de 
disputa, bem como o fenômeno decorrente da exclusão social? 
Em busca das respostas às perguntas aqui elaboradas, embrenhe-se pelo 
conteúdo teórico, apresentação narrada e demais materiais dessa unidade, a fim de 
entendermos mais sobre a dimensão cultural da condição humana. 
 
Contextualização 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cotidiano, Modernidade, Etnicidade e 
Exclusão Social nas Grandes Cidades 
Nesta unidade vamos tratar de mudanças significativas nas 
dinâmicas de ocupação do espaço nas grandes cidades, 
utilizando como exemplo a cidade de São Paulo durante a 
primeira metade do século XX, uma vez que nessa realidade 
estão presentes os componentes das transformações operadas 
no cotidiano, na penetração da modernidade, a diversidade 
em termos étnicos e num ambiente de disputa, bem como o 
fenômeno decorrente da exclusão social. 
 
Atenção 
Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar 
as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma. 
 
 
 
 
 
 
Como estudar as relações inter-étnicas a partir das mudanças operadas nas dinâmicas 
de ocupação do espaço nas grandes cidades? 
 
É possível utilizar o exemplo de grandes capitais, como São Paulo, durante a primeira 
metade do século XX, para compreender realidades nas quais estão presentes os componentes 
das transformações operadas no cotidiano, na penetração da modernidade, na diversidade 
em termos étnicos e num ambiente de disputa, bem como o fenômeno decorrente da exclusão 
social? 
 
Em busca das respostas às perguntas aqui elaboradas, embrenhe-se pelo conteúdo 
teórico, apresentação narrada e demais materiais dessa unidade, a fim de entendermos mais 
sobre a dimensão cultural da condição humana. 
Contextualização 
 
 
 
 
 
 
Os processos de ocupação do espaço nas grandes cidades 
 
Nesta unidade vamos tratar de mudanças 
significativas nas dinâmicas de ocupação do espaço 
nas grandes cidades, utilizando como exemplo a 
cidade de São Paulo durante a primeira metade do 
século XX, uma vez que nessa realidade estão 
presentes os componentes das transformações 
operadas no cotidiano, na penetração da 
modernidade, a diversidade em termos étnicos e 
num ambiente de disputa, bem como o fenômeno 
decorrente da exclusão social. 
 
A modernidade e as grandes cidades 
 
Não há como tratar da modernidade em São Paulo, cuja gênese encontramos já nas 
décadas de 1920 e 1930, consolidando-se a partir de 1940 e 1950, sem empreender um 
recuo histórico que nos leve pelo menos ao início do século XX, período de gestação de 
estruturas modernizadoras que nos servirá de baliza comparativa para melhor delinearmos o 
rápido crescimento desenhado pela cidade, de uma simples e gélida paisagem rural à 
megalópole tentacular; encontrando resistências por parte de uma mentalidade arcaica 
localizada tanto nas classes dominantes como no seio popular. 
A cidade de São Paulo de 1900 tinha acabado de receber a rede de abastecimento de 
energia elétrica e, até 1902, as regiões mais abastadas receberam os postes e fios que a 
conduziram para dentro das casas, se ricas fossem, construídas de tijolos, via de regra 
importados da Inglaterra (como algumas das mansões da Av. Paulista que, por sinal, recebia 
sua primeira camada asfáltica importada da Alemanha); se de classe média, feitas de taipa de 
pilão socado (mistura de argila, crina e sangue de animais, socados com um pilão em uma 
caixa de madeira, compondo blocos largos; porém, não muito resistentes à chuva); se pobres, 
Material Teórico 
1950 - Alice Brill – Acervo IMS 
 
 
feitas de pau-a-pique (uma espécie de gradil feito com madeira, amarrados com cipó e 
revestidos com argila). 
Os “cachorros” (não se trata do animal, mas das calhas para escoamento de águas 
pluviais, amparadas por precários suportes de madeiras nas casas paulistas do XIX) deram 
lugar aos elegantes beirais, denunciando como pobre aquele que não tivesse eira (a 
propriedade) nem beira (o beiral). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Não escapou nem a influência moçarábica (os descendentes 
de árabes vindos de Espanha e Portugual): os “muxarabins”, que 
protegiam as “moças de família” em seus quartos do olhar indiscreto 
e libidinoso dos rapazes da Faculdade de Direito, enquanto elas sim 
podiam observá-los sem serem vistas, foi proibido pela 
municipalidade, em nome da modernidade. 
Até mesmo a burca (que era comumente utilizada pelas 
moças de família para irem às missas), foi proibida sob alegação de 
que os larápios que fugiam à lei, via de regra, se ocultavam sob tal 
vestimenta e, é óbvio, não eram abordados pelos guardas que 
temiam uma possível gafe. 
 
Casarões na Avenida Paulista - 1902 
1827 – William Burchell – 
Acervo IMS 
 
 
Os lampiões da região central, que 
inicialmente funcionavam com óleo de 
mamona ou de peixe, primeiro foram 
substituídos por querosene e depois gás, 
passando neste novo momento a funcionar 
então com luz elétrica. 
Os bondes de tração animal da 
Companhia Viação Paulista, a CVP - 
ironicamente chamada de “cada vez pior”, por seus usuários -, deu lugar ao bonde elétrico, 
deixando descansar os burros, gloriosos animais que venceram os imponentes cavalos 
europeus na chegada ao Planalto de Piratininga. Isso porque os cavalos não conseguiam fazer 
a subida, aclives acentuadíssimos que aproveitavam as antigas trilhas abertas por índios; os 
burros sim, faziam não somente toda a travessia, como traziam invariavelmente pesadíssima 
carga. Na nova paisagem, não havia mais animais puxando o bonde, uma força invisível 
movia o carro. 
Nas décadas seguintes, até mesmo o bonde perderia a briga para os bus cars norte-
americanos, que literalmente “jogavam baixo”, trazendo ao longo dos ônibus a ofensiva frase: 
“o bonde atrapalha o trânsito”. Ganhou a briga pelos passageiros apressados que com cada 
vez mais rapidez precisavam chegar aos seus locais de trabalho: o número de relógios vistos 
nas paisagens fotografadas no centro da cidade denuncia isso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
No final dos anos 40, a desorganização dos transportes coletivos era grande. Muitas 
linhas de jardineiras eram sobrepostas e o poder público, assumindo o patrimônio da 
Light, decide monopolizar os transportes coletivos no perímetro urbano de São Paulo. É 
criada a CMTC, que além de racionalizar as linhas de ônibus e operar o sistema de 
bondes herdado da Light que desistiu das operações, traz inovações para os transportes 
em São Paulo, como a implementação dos trolebus. 
 
 
Tantas outras mudanças ocorriam em tão curto espaço de tempo. As carroças quase 
não eram mais vistas solitárias, e depois nem mais os tílburis (espécie de carruagens que 
levavam passageiros, que contratavam seus serviços, ao seu destino): dividiam a paisagem 
com o bonde e os primeiros carros, os “Ford bigodinhos”, já na década de 1920. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A imigração europeia e a questão da diversidade étnica 
 
Imigrantes não paravam de chegar, incorporando a 
mão de obra nas fazendas de onde os negros perderam seu 
lugar após a abolição da escravidão, em 1888. Vinham 
italianos, árabes (sírios e libaneses); mas não vinha “todo o 
mundo”, ou melhor, numa perspectiva eugênica (vigenteno 
período), toda a raça. Chineses foram impedidos de imigrar, 
bem como outros grupos étnicos. Privilegiava-se a vinda de 
trabalhadores brancos, enquanto os negros eram postos para 
fora da vida economicamente ativa, ou seja, as fazendas de 
café. 
 
Carros estacionados na "praça do Colégio", como o local é designado em regulamento municipal 
de 1868 entre os primeiros pontos de estacionamento para veículos de aluguel. 
In: Album Comparativo da Cidade de São Paulo (série). 
São Paulo: [s.e.], 1916-1919 
Acervo: BMMA/SMC 
Imigrantes Italianos nos portos de 
embarque em 1886 
 
 
Tentava-se branquear a população e, no 
processo, os recém-libertos estavam fora do mercado 
regular de trabalho, sendo obrigados a compor o 
mercado informal como amoladores de faca, 
vendedores de vassouras, verdureiros, lavadeiras às 
margens do Tamanduateí (até que os brancos 
resolvessem canalizá-lo também e empurrá-las, as 
lavadeiras, cada vez mais para longe da vida 
econômica no mercado regular de trabalho). 
 
 
 
 
 
 
Tratava-se de um processo articulado à tentativa política de branqueamento 
populacional no Brasil (como, por pouco, não se consolidou na Argentina, onde cerca de 80% 
da população afro-descendente e indígena foi exterminada no mesmo período) e que para o 
bem de nossa cultura fracassou, apesar de deixar estragos irreparáveis no tecido econômico, 
social e cultural brasileiro, constituindo raízes de grande parte de problemas e intolerâncias 
recentes. 
Esse paradigma recebeu respaldo do movimento desencadeado na década de 1920 e 
denominado bélle-epoque, que elegia como pólo cultural atrator, em praticamente todos os 
níveis, a França. Réplicas de jardins parisienses no Trianon, jardins construídos defronte ao 
Museu Paulista que imitavam jardins do Palácio de Versalhes, além de outros lugares da 
cidade que faziam menção ao estilo arquitetônico localizado na “cidade das luzes”, 
demonstram claramente o que a São Paulo do início do século queria ser. A demolição de 
casas pobres, sob o discurso da higienação, que nesse período se relacionava com a presença 
1952 - Henri Ballot - ambulante 2 – Acervo IMS 
Fotografia de Thomas Farkas - Acervo do Instituto Moreira Salles 
 
 
de negros, era empreendida por todo o centro da cidade e adjacências. Basta verificar a 
origem do nome do bairro “Higienópolis”, designando a condição de higiene exatamente por 
estar longe de negros. 
 
Pertencimento étnico-cultural e conflitos sociais 
 
A alta-cultura era definida 
pelo status social e este, por sua 
vez, pela cor da pele e pela 
origem. Em 1911, a região central 
contava com pelo menos três 
grandes teatros para as elites 
brancas, que recebiam 
companhias internacionais: o 
Municipal, o São José e o Biju, no 
Vale do Anhangabaú, próximo do 
Viaduto do Chá, que ligava o 
centro de São Paulo ao morro do Aroche. Tratava-se de viaduto particular naquele período, 
cuja travessia custava 3 contos de réis durante o dia, sendo à noite interditado; era de 
propriedade de um rico francês cuja propriedade no morro do Aroche era destinada também 
para o plantio de erva cidreira, hortelã, camomila e outras ervas com as quais podia-se fazer 
chá, motivo pelo qual o viaduto recebeu a designação que carrega ainda hoje. A história 
comumente contada de que sob o viaduto é que se plantavam tais ervas ,trata-se de mito, na 
visão de Sergio Burghi. 
 O problema era exatamente a coexistência desses prédios, freqüentados pela elite 
paulista, com as casas pobres, fundamentalmente pela existência, ali, das três mansões de 
propriedade do Conde Prates. Demoliram-se então as casas e construiu-se um belo jardim, 
nos moldes parisienses: e a população desalojada não foi sequer indenizada. Foi empurrada 
para as regiões periféricas, onde já haviam se estabelecidos os negros libertos dos grilhões da 
escravidão legal e jogados à própria sorte, acorrentados à miséria, compondo bolsões de 
pobreza que abraçaram rapidamente a cidade na formação do fenômeno habitacional 
conhecido como periferia. 
Teatro Municipal - 1920 
 
 
Deslocamentos internos e os bolsões de pobreza 
 
A essa massa de miseráveis, desesperados, desempregados, marginalizados e 
excluídos, seriam somados os caipiras, vindos do interior do Estado, onde a mecanização das 
lavouras fez com que gigantescos latifúndios agro-exportadores engolissem as pequenas 
fazendas onde se praticava a economia de subsistência, reduzindo pequenos fazendeiros à 
condição de bóias-frias. 
 Juntaram-se, nas décadas de 1940 e 1950, os 
migrantes vindos das regiões norte e nordeste, em sua 
grande maioria fugindo da seca, fome, miséria, morte e 
exploração política dos planos de socorro à seca que foram 
parar em engenhocas que levavam água para fazendas de 
coronéis, para irrigar lavouras particulares e encher piscinas 
dos donos legais de extensas faixas de terra improdutiva, 
cujos donos de fato (não de direito) eram aqueles que agora 
se mudavam para São Paulo, com o sonho de “ganhar a 
vida”. Ilusão! Foram sugados, torcidos e exprimidos pela especulação imobiliária que se 
encarregou de incorporá-los, como mão-de-obra barata, para a construção de prédios 
inicialmente na região central onde os ricos trabalhavam e, posteriormente, expandido a 
solução arquitetônica para o problema da falta de espaço: a verticalização nos moldes do 
modelo norte-americano (elegendo-se os Estados Unidos como novo pólo atrator cultural no 
pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945), aliando-se aos interesses da especulação imobiliária, 
para os bairros próximos, construindo prédios onde os ricos morariam. 
E para onde iriam os migrantes após construírem os 
prédios onde ricos trabalhariam e morariam? Para a periferia, 
onde já estavam todos os outros aqui elencados, e faltava 
espaço para todos eles. Estavam bem longe do sono dos 
aristocratas. Durante o dia, trabalhavam na construção civil, no 
centro e bairros próximos; depois, regressavam à periferia, para 
no dia seguinte voltar. O trem, que no século anterior levava a 
riqueza do café para o porto de Santos de onde ganharia o 
mundo, agora servia para levar pobres para bem longe. 
1952 - Henri Ballot - Migrantes 1 – Acervo IMS 
1952 - Henri Ballot - Migrantes 2 – Acervo IMS 
 
 
A verticalização das cidades e a ênfase aos prédios, em detrimento 
das pessoas 
 
 
O fenômeno do crescimento vertical teve início 
exatamente naquele lugar onde as casas pobres haviam 
sido demolidas para a execução do primeiro projeto 
paisagístico do Vale do Anhangabaú, entre os viadutos 
do Chá e da Santa Efigênia. Lá já estavam as três 
mansões do Conde Prates, da esquerda para a direita, 
como se estivéssemos de costas para o Teatro 
Municipal, em pleno viaduto do Chá: a sede, naquele 
tempo, da Prefeitura da cidade; a sede do automóvel 
clube; e a residência do conde (nenhuma está de pé nos dias de hoje; a última, reconstruída, é 
sede da atual Prefeitura da cidade, no prédio chamado vulgarmente por “Banespinha”). 
 Em 1927, já havia ali também a loja de departamentos Mappin Stores, defronte à 
Praça do Patriarca e ao lado da residência de Prates (não, nós não nos confundimos: o 
Mappin que todos estavam habituados a ver ficava do outro lado do viaduto, pois mudou-se 
pouco tempo depois e, hoje, é sede das Casas Bahia). 
No mesmo ano, bem no meio das mansões Prates, já 
podia ser visto o edifício Sampaio Moreira, o maior prédio da 
cidade com 11 andares e também equipado com o primeiro 
elevador de São Paulo. O fenômeno foi de tamanho sucesso 
que pessoas dos bairros mais distantes vinham ao edifício 
somente para ter o prazer de “andar de elevador”, e como 
Sampaio Moreira era um bom capitalista, tratou de ganhar 
dinheiro com isso. O elevador possuía duas marchas, 
havendo portanto duas possibilidades de viagem: “com 
emoção”, esta era a mais cara pois era mais rápida; ou “sem 
emoção”, um passeio mais monótonoe lento, portanto mais 
barato, destinado àqueles com problemas cardíacos que não 
podiam com as fortes emoções de um elevador a 8 km/h. 
Estranhar isso é ser anacrônico, e não sejamos! 
Mappin Stores: centro de consumo de importados 
para a elite do café 
Sampaio Moreira 
 
 
Mas, mesmo em 1911, um grande colosso surgia no 
lugar onde antes só existia a Av. São João, perto de uma 
ponte que não existe mais sobre um córrego já canalizado, 
o Anhangabaú (visível apenas em uma aquarela de 
Charles Landseer, de 1827); no exato lugar onde depois 
foi construído o Hotel Itália-Brasil, para receber os 
imigrantes que não paravam de chegar, fugindo dos efeitos 
tardios das guerras intestinas italiana e atraídos pelas fotos 
de propaganda onde se viam imensidões de faixas de terra 
cultiváveis (mal sabiam que seriam reduzidos à condição 
de escravos por dívida!): era o edifício Martinelli, que se 
propunha o maior prédio do Brasil, concorrendo com um 
rival carioca no mesmo período. Já em 1927, reinava 
absoluto e solitário nos céus de São Paulo como o maior 
prédio da América Latina, no ano em que foi inaugurado por problemas financeiros de 
Martinelli (pois as obras de acabamento terminaram apenas em 1932) que, pode-se dizer, 
gastou o que tinha na construção do edifício, esperando vender apartamentos em curto 
espaço de tempo. Mas não foi o que ocorreu, os moradores da cidade que se transformava 
demonstravam verdadeiro terror pelo prédio, bem 
como a convicção de que literalmente viria a baixo, 
pois quando cavava-se para construção de suas 
fundações, atingiam-se lençóis freáticos e, para 
terror da população, vertia-se água por todos os 
lados. Foi o suficiente para criar uma idéia geral de 
que o prédio desabaria: uma verdadeira Torre de 
Babel paulista, nas mentalidades partilhadas àquele 
tempo. 
Conclusão: Martinelli perdeu o prédio para 
bancos credores italianos. O Governo brasileiro o 
retomaria somente durante a Segunda Guerra 
Mundial (1939 1 1945), quando Itália e Brasil se 
tornaram, de início, inimigos. 
1928 - Construção do Martinelli – Acervo IMS 
Centro Velho 
 
 
 Mas, na década de 1950, os prédios não seriam mais novidade. A mesma paisagem 
(aquela onde as casas pobres haviam sido demolidas) já era disputada pelo edifício do Banco 
do Brasil, um “caixote” no meio da cidade, e pelo imponente edifício Banespa, réplica do 
Empire States Building de Nova York, denunciando o paradigma arquitetônico estadunidense 
adotado como solução arquitetônica em São Paulo. 
São mudanças muito rápidas para o tempo de apenas cinco décadas, experimentadas 
portanto por indivíduos no espaço de uma só vida. 
O mesmo teatro São José foi desativado e demolido para construção da sede da Light, 
companhia concessionário de energia elétrica, onde as pessoas compareciam pessoalmente 
para pagar suas contas de luz e que depois deu lugar ao “Shopping Light”. Não se trata do 
primeiro Teatro São José, que pegou fogo às vésperas de um carnaval no século XIX, num 
acidente com fogos de artifício provocado, provavelmente, pelos estudantes de direito que 
usavam o local para seus encontros regulares. Ficava onde hoje é a parte de trás da Catedral 
da Sé e lá promoviam balbúrdias, via de regra, saindo presos pelo colega, da mesma 
faculdade, e delegado da cidade, Capitão Furtado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mudanças sociais, cultura popular e resistências 
 
E como as pessoas reagiam a essas mudanças? Evidente: com resistências, do mesmo 
tipo daquela que moveu a convicção de que o Martinelli iria cair. O edifício está lá até hoje! 
No âmbito da produção cultural paulista, ligada essencialmente ao rádio, existia uma 
São Paulo alheia aos circuitos elitistas e que ganhava voz a partir da irreverência e 
espontaneidade de artistas populares que começavam a ascender ao estrelato, instituindo a 
profissionalização de uma classe popular de artistas. 
Era a voz do samba que chegava às emissoras, reflexo do que se cantava nas ruas, nas 
rodas em bares, nas favelas, e que penetrava nas casas ricas e daqueles que tivessem o 
aparelho de rádio, cujo poder era irradiar sons, na forma de cultura e informação. 
Assim, se fez ouvir a voz de artistas como Adoniran Barbosa, primeiro nos programas 
de calouros, depois nos musicais e programas humorísticos com seus personagens 
debochados e que caracterizavam o mosaico cultural existente em uma cidade que recebia 
migrantes e imigrantes diariamente, compondo a diversidade que ainda hoje caracteriza a 
cultura paulista. 
É importante salientar que os sambas compostos por Noel 
Rosa, André Filho, Adoniran Barbosa e outros tantos, consistem 
muitas vezes em ácidas críticas à aristocracia, determinando um 
estilo de vida boêmio relacionado ao samba como uma nova 
“filosofia” que emergia do seio da camada social menos privilegiada 
e em ebulição no âmbito cultural: um marco das novas 
características que ganhavam voz e se estabeleciam exatamente por 
meio dos artistas populares. 
No caso de Adoniran Barbosa, temos uma obra que traz, em seu conjunto, as mais 
marcantes características da cultura popular paulista: o “falar errado” como traço cultural 
trazido pela multiplicidade de etnias e culturas vistas no cotidiano da metrópole, com 
predominância em suas composições do falar típico de imigrantes italianos que se instalaram 
no Brás; mas também como reflexo da migração do caipira, fugindo do interior e da condição 
de “bóia-fria”; e a crítica social em relação ao gravíssimo problema habitacional, resultado do 
mesmo movimento migratório (de todas as partes do país) e de consecutivas políticas de 
exclusão social na formação do processo de ocupação do espaço em São Paulo. 
Acervo Roberto Gambardella 
 
 
Nas letras dos sambas vê-se a cidade e, na cidade, se percebe a espacialidade dessa 
exclusão; além do papel do Estado em promovê-la no interesse de uma classe dominante já 
consolidada no paradigma industrial moderno, na especulação imobiliária e nos resquícios de 
uma belle époque que tratou de desalojar edificações pobres e precárias do centro para o 
embelezamento no molde estético parisiense. 
Todas essas características de enfrentamento entre o gravíssimo problema social 
decorrente da miséria no campo e em outras regiões onde resultou o êxodo rural; e a 
especulação imobiliária que após aliciar os migrantes e usá-los como mão de obra barata 
lançou-os desestruturadamente às regiões periféricas; ganharam vida nas composições como 
as de Adoniran Barbosa. 
Nesse sentido, não temos como dissociar sua história da história do rádio e da 
importância deste aparelho no cotidiano paulista, tanto de ricos como de pobres. 
Definitivamente, a característica mais importante dos programas de rádio em São Paulo, 
principalmente dos chamados programas de calouros, foi a possibilidade de fazerem-se ouvir 
as vozes das camadas sociais menos favorecidas, antes relegadas à cultura marginal e que 
agora se fazia ouvir perante as classes sociais mais favorecidas. 
 
Diversidade e conflitos sociais urbanos em seus significados históricos 
 
É importante salientar que o estudo desse 
período, no que tange às mudanças sofridas pela 
cidade até a década de 1950, não se trata 
apenas do estudo de blocos frios de concreto, de 
prédios que foram construídos ou demolidos no 
interesse da especulação imobiliária nas mãos 
dos ricos de um lado, segurando dinheiro, e de 
miseráveis do outro, segurando tijolos, pás de 
cimento e uma marmita. Estudar a cidade nesse 
período é estudar pessoas que durante décadas 
foram subtraídas da pesquisa histórica, das fotografias de época e dos jornais que circulavam: 
são os excluídos no processo de ocupação do espaço na São Paulo cosmopolita, burguesa e 
tentacular na primeira metade do século XX, situação que se agravaria na metade seguinte, 
Este rapaz na foto era um dos últimos sobreviventes da 
chacinada Candelária, mas acabou sendo morto também 
pela polícia 
 
 
produzindo fenômenos de criminalidade crescente, violência e as favelas abraçando ainda 
mais a cidade, em condições cada vez mais precárias. 
É assustador perceber que o comportamento de repulsa da sociedade burguesa 
paulista da década de 1920, que empurrou pobres para as regiões periféricas como se 
quisesse torná-los invisíveis, deitou raízes profundas que nos legam um processo inacabado. 
Chega-nos hoje, quando os miseráveis são tantos que não podem mais ser feitos invisíveis, se 
multiplicam e ocupam pontes, viadutos, pedem, roubam, gritam, imploram pela ajuda de uma 
sociedade omissa que insiste em não vê-los. 
Mas, como disse, são muitos, e quando 
incomodam demais o olhar os de cima atacam, 
produzindo fenômenos como a “Chacina da 
Candelária” no Rio de Janeiro, o assassinato 
covarde de mendigos no centro de São Paulo, ou 
mesmo o Estado que constrói rampas sob 
viadutos para que despossuídos não possam 
mais ali morar, alegando tratar-se de políticas de 
Segurança Pública e evidenciando uma 
concepção de criminalização da pobreza. 
 É a mesma repulsa para períodos 
distintos, mas que estão conectados pela História dos processos de ocupação do espaço na 
São Paulo do século XX, chegando-nos parte de seus resultados inconclusos neste início de 
século XXI, conectados por uma trama de relações sociais desiguais, injustas, e de exploração, 
numa antagônica sociedade de classes. 
 
 
 
 
 
Ainda sobre o tema “cotidiano, modernidade, etnicidade e exclusão social nas grandes 
cidades”, indico os textos abaixo, disponíveis na internet, a título de leitura complementar: 
 
LIMA, Luiz Cruz; “PRODUÇÃO DO ESPAÇO, SISTEMAS TÉCNICOS E DIVISÃO 
TERRITORIAL DO TRABALHO” , disponível no link: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-
63.htm. 
 
SOUZA, Angela Gordilho; “Favelas, invasões e ocupações coletivas nas grandes 
cidades brasileiras”; disponível no link: 
http://web.observatoriodasmetropoles.net/download/cm_artigos/cm5_22.pdf . 
 
Indico ainda os filmes: 
 
Libertários; dir.: Lauro Escorel, Brasil, documentário, preto e branco, 1976. 
O primeiro dia; dir.: Daniela Thomas e Walter Salles, Brasil, drama, colorido, 1999. 
Cidade de Deus; dir.: Fernando Meirelles, Brasil, drama, colorido, 2002. 
Última parada 174; dir.: Bruno Barreto, Brasil, drama, colorido, 2008. 
Ônibus 174; dir.: José Padilha, Brasil, documentário, colorido, 2002. 
Jorge Furtado Curtas; dir.: Jorge Furtado, Brasil, documentário, colorido, 2004. 
Uso do território brasileiro: os fundamentos da desigualdade; s/dir.; Brasil, 
documentário, colorido, 2005. 
Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá; dir.: Silvio 
Tendler, Brasil, documentário, colorido, 2007. 
 
 
 
 
Material Complementar 
http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-63.htm
http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-63.htm
http://web.observatoriodasmetropoles.net/download/cm_artigos/cm5_22.pdf
 
 
 
 
 
 
 
 
BLASS, Leila Maria da Silva; PAIS, José Machado (org.). Tribos urbanas: produção artística e 
identidades. São Paulo: Annablume, 2007. 
CAMARGO, Ana Maria de Almeida (coord.). São Paulo: uma longa história. Série Nossa 
História. São Paulo: CIEE, 2004. 
CÂNDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 
Editora 34, 2001. 
FERREIRA, Gerson André Albuquerque, “Sobre transgressão e poder no movimento Hip 
Hop”, Par’ A’ Iwa, Revista dos pós-graduandos de Sociologia da UFPB, número 4, João 
Pessoa, Nov. 2003, acessível no sítio http://www.cchla.ufpb.br/paraiwa/04-gerson2.html , 
último acesso em 19/08/2007. 
LIMA DE TOLEDO, Benedito. A São Paulo de Militão Augusto de Azevedo por Benedito 
Lima de Toledo: visita guiada à sala dedicada ao fotógrafo na exposição São Paulo, 450 anos 
– A imagem e a memória da cidade no acervo do IMS. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 
2004. 
MONTEIRO, Anita Maria de Queiroz. Castainho: etnografia de um bairro rural de negros. 
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 1985. 
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