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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Marcela de Souza Silva MARX E SIMMEL: CONCEITO DE CONFLITO A construção do conceito nos dois autores São Luís - MA 2019 MARCELA DE SOUZA SILVA MARX E SIMMEL: CONCEITO DE CONFLITO A construção do conceito nos dois autores Trabalho de conclusão de curso apresentada ao Curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, como requisito parcial à conclusão do curso. São Luís - MA 2019 Marcela de Souza Silva MARX E SIMMEL: CONCEITO DE CONFLITO A construção do conceito nos dois autores Trabalho de conclusão de curso apresentada ao Curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, como requisito parcial à conclusão do curso. Aprovada em ____ de ___________ de ______. Banca Examinadora: São Luís - MA 2019 Dedico este trabalho aos meus pais que através da ausência e do anseio muito colaboraram para sua realização. AGRADECIMENTOS A realização desta monografia de conclusão de curso só foi possível graças a várias mãos. Agradeço em particular: À minha família, em especial aos meus pais David Leone Ferreira e Eliana Walviece de Souza Silva, e minha irmã Emanuella Nava, pelo protagonismo na minha trajetória acadêmica, apoio e compreensão durante essa complicada caminhada. Aos meus avós Maria José e Bibiano Nava, (in memoriam), por ter me dado o apoio necessário nessa jornada – sem eles nada disso teria acontecido. E ao meu avô Sebastião Silva Souza (in memoriam). Aos meus tios, Cely, Márcio, Marcos Nava e Arthur Ferreira. Assim como a professora Camila Sampaio e ao professor José Odval Alcântara Júnior, desta instituição, que muito me ajudaram exercendo bastante influência e exemplo de profissionalismo na área a qual me dediquei nessa graduação. Aos amigos Werbeth Ferreira, Marcelo Serra, Jamys Santos, Paulo Vitor Paixão e Thales Felipe que muito contribuíram incentivando e dando força, com os quais pude dividir minhas angústias, experiências e alegrias nesse caminho. Ao Departamento e à Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. A todos, meu obrigada! “Não dá para separar de todo o homem de sua obra. O homem deixa sempre sua marca, seja boa ou má, por onde vai passando. E isto já se vê nas pegadas que deixamos na praia.” (William Douglas R. dos Santos, 2005) RESUMO Neste trabalho de conclusão de curso refletimos sobre o conceito de conflito enquanto uma construção originária da trajetória científica dos teóricos Karl Marx e Georg Simmel. Nele tentamos esboçar dentro do que já foi pensando sobre o assunto, como cada autor cria uma síntese sobre o termo e a partir disso vamos entender sobre suas semelhanças e diferenças. Tendo em vista que Marx e Simmel são dois alemães, que viveram em Berlim e analisaram a sociedade a partir de uma nova ciência que se instalava, a sociologia. Deste modo, poderemos observar que tanto para Marx como para Simmel, o conflito é um momento de interação que revela a unidade social. Sabendo que, o objeto da teoria marxiana se extravasa no trabalho, em Simmel encontramos esse objeto em seu exame sobre o dinheiro. Assim, através da análise, percebemos que tanto o termo “classe” quanto o termo “interação” possuem como bases as consequências das relações de produção. Para Marx o operário, para Simmel o cidadão blasé. Isto posto serão esses dois paradigmas que irão orientar toda a construção deste trabalho. Palavras-chave: Luta de classe. Conflito. Georg Simmel. Karl Marx. ABSTRACT In this final paper we reflect on the concept of conflict as a construction originating from the scientific trajectory of theorists Karl Marx and Georg Simmel. In it we try to sketch in what was already thinking about the subject, how each author creates a story about the term and from that we will understand about their differences and differences. Given that Marx and Simmel are two Germans, who live in Berlin and analyze a society from a new science that settles down, a sociology. In this mode we can observe both Marx and Simmel, or conflict is a moment of interaction that reveals a social unity. Knowing that, or the object of Marxian theory goes beyond work at Simmel, this object is found in his examination of money. Thus, through analysis, we realize that both the term "class" and the term "interaction" are based on the consequences of relations of production. For Marx the worker, for Simmel the blasé citizen. Therefore, these two paradigms will guide the entire construction of this work. Key-words: Class Conflict. Conflict Theory. Georg Simmel. Karl Marx. SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................. 11 1 MARX E O CONTEXTO DO CONFLITO................................................................ 14 1.1. Marx, a construção de seu método ...................................................................... 15 1.2. Alienação, fetichismo e consciência formam o conflito em Marx .................... 18 1.3. O conflito na prática segundo Marx ..................................................................... 24 2 SIMMEL E O CONTEXTO DO CONFLITO ............................................................ 29 2.1. A análise microssociológica simmeliana ................................................................ 33 2.2. Subjetividade, individualidade e liberdade são as bases conceituais do conflito para Simmel ........................................................................................................................ 35 2.3. O conceito de conflito segundo o livro Sociologia (1908) ................................... 39 3 Marx e Simmel sobre o conflito .............................................................................. 43 3.1. Síntese do conflito entre Marx e Simmel ............................................................... 48 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 55 11 INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objeto proporcionar algumas reflexões sobre os conceitos de conflito abordados entre os dois teóricos das Ciências Sociais: Karl Marx (1818-1883) e George Simmel (1858-1918) que tratam similarmente do conflito social como um aspectos singular da sociedade. No entanto, Marx e Simmel se diferem em questões que estão implicadas à um modo de ver e compreender o mundo que foi diverso para cada autor. Nesse sentido, nosso objetivo é entender as diferenças e semelhanças ao longo da história dos autores que fundamentam a construção do conceito de conflito por cada um. Para tanto, nos justificamos pela curiosidade analítica das teorias do conflito as quais são divergentes entre os dois teóricos destacados e suas principais vertentes nos estudos do campo das Ciências Sociais, já que o tema do conflito é de grande importância para o domínio de estudo assim como é um tema recorrente dentro das ciências sociais. O problema tratado aqui é encontrar onde os dois teóricos Karl Marx e Georg Simmel se assemelham ou se diferenciam com relação ao conflito. Assim, especificamente, traçaremos a problematização de Marx sobre o conflito enquanto “luta de classes”,encontrada no livro as As lutas de classe na França (1850), como também as reflexões sobre o conflito segundo Simmel a partir do livro Sociologia: estúdios sobre las formas de socialización (1908), no capitulo “La Lucha”. Quanto à metodologia empregada neste trabalho registra-se que foi utilizada principalmente a revisão bibliográfica dos autores nas obras As Lutas de Classes na França: de 1848 a 1850 de Karl Marx (1850) e de Georg Simmel o livro Sociologia: estúdios sobre las formas de socialización (1908), assim como seus comentaristas fundamentais. Com relação à estrutura, este trabalho está organizado em três capítulos. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1 em apresentar o sociólogo Karl Marx e sua trajetória para a construção do conceito de conflito o qual encontramos mais proeminente em As Lutas de Classes na França: de 1848 a 1850. O livro tem como cerne as relações que surgiram a partir da revolução de fevereiro que exemplificaram o conflito na prática. Na obra, Karl Marx mostra como as relações de produção incentivam o movimento ... No Capítulo 2, falamos de George Simmel e a ideia de conflito, a partir da leitura do livro Sociologia: estudios sobre las formas de socialización escrito em 12 1908. Nesta obra Simmel enfatiza no capítulo 4 sobre o conflito enquanto categoria inerente às interações sociais. É portanto, neste capitulo que Simmel vai enfatizar .... Ao terceiro capitulo discutimos as semelhanças e diferenças entre os dois autores dentro do arcabouço de conflito refletindo sobre as implicações dos autores e como seus resultados podem variar entre os dois. Para tanto, esta Monografia de Conclusão de Curso tem como finalidade preencher as exigências acadêmicas, mas também, instigar o debate sobre o tema da teoria do conflito social. Desde modo, ao sugerir esta reflexão, parte-se da premissa de que estudar os axiomas clássicos da Sociologia poderemos compreender melhor aspectos inerentes a nossa sociedade assim como outras sociedades. O surgimento pelo interesse em pesquisar esses autores e o conceito de conflito surgiu ao longo da minha graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão. Neste curso, os alunos de Ciências Sociais passam por disciplinas especificas de estudos sobre os teóricos clássicos da Sociologia. Em uma delas, ao terceiro período da graduação, nós estudamos apenas sobre Karl Marx e suas principais teorias. George Simmel é estudado mais timidamente numa disciplina ao quinto período de curso, dividindo os estudos com outros sociólogos que compartilham uma abordagem ao período “moderno”. Na disciplina em que estudamos sobre Marx notamos que na obra O Capital, Marx explicar desde a origem do dinheiro no escambo até a relação especulativa do dinheiro, no que ele denominou como “forma-dinheiro” (MARX, 2013, p. 122), e consecutivamente sua influência às relações na sociedade. Quando estudamos sobre Simmel, em sua obra mais famosa Filosofia do Dinheiro (1900), percebemos certa complementaridade das reflexões realizadas por Marx um século antes. Essas duas obras tratam sobre aspectos muitos semelhantes, fazendo uma longa análise sobre as “consequências” do dinheiro nas relações sociais e até individuais, no que concerne a relação do indivíduo frente à coletividade. A curiosidade pela comparação entre os dois sociólogos que são alemães, viveram em Berlim, presenciaram movimentos sociais transformarem a realidade, só foi crescendo no avanço da graduação o que culminou no término do curso o desenvolvimento de um trabalho de conclusão que refletisse sobre o conhecimento das principais diferenças e semelhanças entre esses dois teóricos e o conceito de conflito. 13 Além disso, após a leitura do artigo “George Simmel e o conflito social” (20051) do professor doutor José Odval Alcântara Junior na qual tive a oportunidade de uma aproximação maior com o tema dessa monografia. Nesse artigo, Alcântara faz uma análise do processo percorrido por Simmel para definir o conflito, no qual, a ideia central é evitar o argumento de que ele está relacionado à negatividade, pois, entende-se que o conflito em Simmel é uma “sociação”, e toda sociação é uma interação (SIMMEL, 2014, p. 299), processo inerente à sociedade, sendo este um conceito de muita importância para compreendermos a dinâmica das relações sociais e que se mostra em um viés diferente do modelo marxiano. Por ser um autor menos “popular” que Marx, e pouco explorado em pesquisas acadêmicas, obtive dificuldades em encontrar algumas obras de Simmel em português, e também porque muitas obras dele não possuem mais tiragem. Porém, graças ao meu orientador, o senhor José Odval Alcântara Junior, a quem agradeço, pude estudar com obras traduzidas para o espanhol. No entanto, como não sou fluente em espanhol, me foi necessário um tempo de adaptação para poder estudá- las, dentre elas a mais clássica Filosofia do Dinheiro, que foi estudada aqui por meio de uma edição impressa na Espanha, e Sociologia: estúdios sobre las formas de socialización, uma edição mexicana. 1 ALCÂNTARA, Junior, J. O. Georg Simmel E O Conflito Social In, Caderno Pós Ciências Sociais - São Luís, v. 2, n. 3, jan./jun. 2005. 14 1 MARX E O CONTEXTO DO CONFLITO Alguns estudiosos da teoria marxista, como Leandro Konder, José Paulo Netto e György Márkus, apontam que há duas fases da construção da teoria de Marx: a do “jovem Marx” e do “Marx maduro”. Aqui acreditamos que, devido ao posicionamento cronológico, na verdade entendemos esse processo como dado pelo desenvolvimento dos conceitos e não por uma ruptura dos ideais marxistas, ou marxianos. Logo, as obras que fazem parte do período conhecido como “jovem Marx” vêm a ser de 1841-1846 (NETO, 2009, p. 110), já que em 1847 ele está com 29 anos e é quando começa uma intensa atividade política na sua vida (NETTO, 2015, p. 16), no entanto essa separação não é por uma questão de idade, mas sim pelo desenvolvimento político e amadurecimento das ideias. Assim, obras como O Capital (1867) e As Lutas de Classes na França (1850) são obras que estão inseridas em uma época mais política para Marx. Mary Gabriel ao falar sobre a influência de Hegel à teoria e a vida de Karl Marx (1818-1853) destacou a seguinte frase de Hegel: “A história humana é resultado de conflitos”. Segundo a autora essa era a premissa mais básica da filosofia de Hegel e que consistia no pensamento dialético através de duas ideias que se chocam e o resultado desta conflita com a primeira dando consequência a uma nova ideia (GABRIEL, 2011, p. 35). Dentro do pensamento dialético de Hegel uma das noções presentes é a ideia de espírito. Segundo Mary Gabriel, o espírito representa, para Hegel, o que “ocorria quando um homem não reconhecia a si mesmo dentro do mundo como um todo maior ou sua contribuição produtiva dentro dele” (GABRIEL, 2011, p. 35). Deste modo, o espírito é o que reflete a noção de alienação que encontramos em Karl Marx (MARX, 2013, p. 211). A noção de alienação em Marx quer dizer o momento em que o homem perde em si mesmo e no seu trabalho, pelo modo capitalista de produção (idem). Mesmo com a morte de Hegel, em 1831, suas teorias já vinham influenciando boa parte da Alemanha (GABRIEL, 2011, p. 36). Havia mudanças em toda a Europa, na França, na Bélgica e na Inglaterra o que motivou Marx nos escritos do Manifesto, em 1848, e As lutas de classe na França em 1848-1850. Por causa de Hegel, Berlim havia se transformado em uma cidade que recebia várias pessoas inspiradas em mudanças sociais, especialmente vindas da Rússia, pois lá muitos sofriam um julgo 15 feudal muito repressivo. Um desses imigrantes era o jovem Karl Marx com 19 anos, em 1835 (idem). Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818 na pequena cidade de Treves, ao sul daPrússia Renana (NETTO, 2015, p. 11). De 1835 até 1841 Marx viveu em Berlim. Após 1841 ele foi para a Colônia onde recomeça uma vida de intensidade política em oposição ao governo da Prússia e atende a interesses da classe média (GABRIEL, 2011, p. 47). Como fundamento filosófico para sua teoria, a dialética passa a ser uma versão da dialética hegeliana a qual Marx denomina de “materialismo histórico” (MARX, 2013, p. 26). Trata-se do princípio da “identidade de opostos” a qual constitui três unidades: tese, antítese e síntese. A tese pode ser entendida como o momento da afirmação; a antítese é o momento da negação da afirmação, gerando a tensão que origina a síntese, o último momento que corresponde à negação da negação, ou seja, é o resultado da antítese anterior, no qual suspende a oposição entre a tese e a antítese. A síntese representa uma nova realidade. 1.1. Marx, a construção de seu método A dialética hegeliana que influenciou Marx usa a palavra aufheben que em alemão quer dizer “suspender” traz três sentidos, a saber: 1) anular, cancelar; 2) proteger e 3) promover a passagem. Segundo a explicação de Leandro Konder, a dialética hegeliana é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior (KONDER, 1981, p. 154). Isto marca o que Hegel chamou de razão absoluta, ou seja, da consciência de si, da autoconsciência. A dialética é, portanto, o movimento contraditório dentro de unidades que a cada nova etapa nega e supera a etapa anterior, num fluxo contínuo de superação-renovação. Hegel sustenta a ideia de que um princípio não basta em si mesmo, pois carrega em si a contradição e a luta de opostos. Marx desenvolve o pensamento dialético porque ele está convencido de que os fenômenos sociais, os quais são visíveis, não se explicam por si só. Tudo na sociedade tem uma causa oculta, por isso, é preciso buscar os métodos da dialética materialista da história para poder entendê-los (MARX, 2013, p. 965). Para tanto, tomou como objeto, a relação do homem com a natureza pelo trabalho. Ou seja, o 16 próprio trabalho. Para Marx foi através do trabalho que o ser humano se desvinculou da natureza e pode colocar-se como sujeito do mundo e dos objetos naturais (MÁRKUS, 2015, p. 44). O trabalho para Marx, explica todas as relações do homem com o mundo, isto é, através das relações de produção (MARX, 2013, p. 206). É pelo trabalho que se evidencia a luta dos contrários. O materialismo histórico-dialético representa o homem produzindo, em condições determinadas e desta forma organizando sua vida. O agente da história, o homem, é, portanto, o sujeito, e não o espírito, pois ele está em movimento, em luta (MARKUS, 2015, p. 116). Através do método do materialismo histórico, para entender o que é racional no mundo é preciso entender as causas profundas, e nesse sentido é conciso alcançar a relação entre a superestrutura e infraestrutura. A superestrutura é tudo que está ao alcance dos sentidos na sociedade. É o resto em relação à infraestrutura. Já a infraestrutura é o lugar no qual se podem encontrar as verdadeiras causas de tudo que se relaciona, direta ou indiretamente, com a produção de bens materiais na sociedade, ou seja, com uma economia. Economia a qual é constituída por forças de produção e relações de produção (MARX, 1985, p. 82). As forças de produção são componentes por todos os elementos materiais que participam da produção de bens. São as forças as quais agem sobre o objeto do trabalho. O trabalhador age segundo uma ação sobre um dado do mundo para transforma-lo com finalidade estabelecida. Assim, vê Marx, o que importa é o trabalhador, pois ele é a energia de trabalho (força de trabalho). Resumindo o processo; o trabalho é fundamentado por um processo de produção, o qual considera três elementos: 1) objeto (pode ser bruto – o qual sai da natureza para ser transformado – e primo – o qual já foi transformado previamente), 2) meio (instrumento entre o trabalho e o trabalhador) e 3) atividade humana necessária. Nesse processo tem-se o produto - resultado da ação do trabalho – e a mercadoria - produto para comercialização (MARX, 2013, p. 113). As relações de trabalho também cabem às condições que o processo de trabalho se dá pela cultura, pela política, etc., na qual o homem age na natureza desde que ele existe, mas não sempre da mesma maneira, já que as relações culturais e políticas se modificam ao longo do tempo. O que caracteriza as relações capitalistas de produção de bens são, então, os meios de produção os quais 17 controlam a propriedade privada (MARX, 2013, p. 521). Assim pode-se dizer que na produção capitalista existem dois grupos: os proprietários dos meios de produção, e não-proprietário, aqueles que são o proletariado, os trabalhadores, o que é discutido em A ideologia Alemã (MARX & ENGELS, 1986, p. 65). Logicamente, os proprietários e os proletariados não se dão bem, pois possuem interesses distintos. Os proprietários objetivam o lucro e os trabalhadores sobrevivem por seus salários. O que caracteriza um desequilíbrio, gerando a dinâmica dos contrários, a luta de classe. Na luta ficam evidentes dois elementos: a exploração do trabalho, pois o burguês controla as condições materiais do trabalho, pagando menos do que ele vale, e segundo, uma alienação, já que as condições do trabalho fazem com que o trabalhador se torne estranhas a ele mesmo, ou seja, o objeto se separa do seu produtor assim como o próprio trabalho (MARX, 2013, p. 574). Nesta luta quem sempre ganha é o burguês porque é ele quem dita às regras do jogo, pois eles detêm os meios de produção. Aí está o método científico de Marx ao lançar que é o trabalho2, pois é ele que modela o homem, ou seja, o conhecimento em Marx é empírico3, isto é, motivado pela práxis. Na dialética se pode perceber que o produto passa pela tese, ou seja, o reconhecimento de que ele existe – mostrar que o trabalho é a ação racional do homem sobre sua existência/sobrevivência. Em segundo lugar, passa pela negação do objeto – a força de trabalho como produto vendável para trocar em salário (MARX, 2013, p. 630). E em terceiro, se torna um novo que é justamente a alienação – algo que o homem não reconhece, nem como dele, mas como algo novo e totalmente autônomo (MARX, 2013, p. 211). É verdade que Marx se inspira em Hegel, porém ele (principalmente em A ideologia Alemã) traça uma separação do pensamento e principalmente dos críticos hegelianos; tais como Feuerbach, Strauss, Stirner, Bauer, entre outros, segundo José Netto (NETTO, 2015, p. 17). O principal problema desses críticos é que, segundo Marx, eles buscam explicar a realidade por um idealismo simplista o qual crer que a condução da história seja pela ideia, mas para Marx ela se faz pela práxis (MARX & ENGELS, 1986, p. 100). 2 Marx e Engels desenvolvem este modelo em A ideologia Alemã (1845-46). MARX, ENGELS. A ideologia Alemã. São Paulo: Editora HUCITEC – 5° ed., 1986. 3 Conceito e argumento que ele desenvolverá melhor a partir de 1857 nos escritos do Grundisse (Crítica da Economia Política) e MARX. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. Livro eletrônico. São Paulo: Boitempo, 2013. MARX. Grundisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858. São Paulo: Boitempo, 2013. 18 Na concepção de Hegel, na obra A Fenomenologia do Espírito, obra de 1807, a filosofia se destinava a compreender a origem do sentido de realidade como cultura. A cultura, para ele é toda realização humana com a natureza pelo desejo, pelo trabalho, pela linguagem, instituições sociais, Estado, religião, arte, ciência e filosofia (HEGEL, 2000, p. 255). O conhecimento do real se dá, paraHegel, através do espírito, isto é, uma reflexão. A cultura já existe no homem e o espírito do homem é aquele que se reproduz no que ele produz (exteriorização e compreensão). Assim, o homem se reconhece no que ele produz e essa produção é a exteriorização do que ele é. Assim em Hegel a história é essa constante interpretação do homem acerca de si. Deste modo Hegel levanta três aspectos: 1) a história não é uma sucessão de fatos, 2) para a história existir são necessários conflitos e contradições. A contradição está na existência do contrário, que, por exemplo, existia o senhor e o escravo, o escravo é o não senhor. No conflito é a relação (até social) entre o senhor e escravo. E para Hegel a história se desenvolve nesse movimento. 3) A história é, portanto, um processo de contradição unificada em si mesma e por si mesma, não linear e plenamente compreensível e racional pois ela explica-se por si só (HEGEL, 2000, p. 286). Deste modo, percebe-se que o método dialético, oriundo de Hegel, em Marx é um processo que se estrutura a fim de aprisionar os trabalhadores à sua condição de exploração, pois, o trabalhador perde a consciência sobre o produto do seu trabalho, perde a noção histórica de sua existência e se aliena sobre o seu pertencimento de classe. 1.2. Alienação, fetichismo e consciência formam o conflito em Marx Quando estudamos o conceito da alienação percebemos o quanto Marx se orienta pelo definido por Hegel. Para Hegel, o homem possui a cultura interior e seu espírito é a produção do seu interior, ou seja, sua cultura. Isto nos leva a crer que o que o homem produz automaticamente é identificado com produzido por ele. Logo, se ele não se identifica com o que produziu e não se entende como sujeito da história há o que Hegel chamou de alienação (HEGEL, 2000, p. 234). No entanto, em Marx, esse conflito de interior e exterior nos homens não é uma explicação suficiente. Para ele o que acontece é a contradição entre homens reais em 19 condições históricas e sociais reais (e determinadas) a qual ele chama de luta de classes (MARX, 1999, p. 8). Quando ele coloca o trabalho como produto alienador, ainda traz o conceito de que o próprio produto se torna algo novo e irreconhecível ao trabalhador. Segundo Hegel, a constituição da sociedade civil e do Estado é definida pela separação das famílias construindo uma divisão entre os interesses públicos e privados. Assim, o indivíduo se encontra na sociedade civil, em uma classe social. Em Hegel há três classes sociais: a primeira é formada pelos proprietários (ainda aliados à família, pois possuem por um laço sanguíneo), a segunda é a classe intermediaria esta se classifica pela distância da família (apud CHAUI, 1981, p. 89-90). Os indivíduos são entendidos como cidadãos, isto é, aqueles que estão separados do individual e pertencem a uma classe social, são os que vivem da indústria e do comércio, do trabalho próprio ou do trabalho alheio. A terceira é a classe média que opera e constitui o Estado. Ela é também denominada de universal, são os funcionários públicos, governantes, professores, magistrados. Para Hegel o Estado é uma comunidade que não possui interesses particulares. É tido como um produto da sociedade civil, espírito subjetivo que busca tornar-se objetivo, é uma ideia. Para Marx, a história é o modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência. Deste modo, o Estado não pode ser subjetivo, produto do espírito humano, mas produto real da práxis humana, pois ele surge dessa necessidade de existência humana. Na busca pela sobrevivência os homens se agrupam e se dividem a fim de explorar os recursos naturais. “O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material” (MARX & ENGELS, 1986. p. 39). Em Marx a história é formada pela organização da sociedade por suas relações de produção. Deste modo os homens realizam uma divisão social do trabalho na qual Marx encontra uma classe que detinha o poder, a riqueza, o exército e a política ao seu favor, concentrando-os para si as condições materiais da vida social os quais se refletem no desenvolvimento da propriedade (MARX, 2013, p. 148). Assim, a história não é o desenvolvimento das ideias, mas sim o desenvolvimento das relações de produção que culmina na sociedade civil. Segundo Marx, a práxis é um conceito desenvolvido para que em conjunto com o seu método dialético, se possa entender a realidade através de como as pessoas 20 agem no mundo real (MARX, 2010, p. 43). Para Hegel, a sociedade civil é o sistema das relações sociais que se organizam na produção econômica, nas instituições sociais e políticas e que são representadas ou interpretadas por um conjunto sistemático de ideias jurídicas, religiosas, políticas, morais, pedagógicas, cientificas, artísticas e filosóficas (apud CHAUI, 1981, p. 90). Deste modo, é a sociedade civil dá significado à práxis, que faz a realidade acontecer (MARX, 2010, p. 43). Marx mostra que as classes sociais não são acabadas na sociedade, mas que estão se fazendo umas às outras. Logo, será pela contribuição do trabalho intelectual e material que se poderá determinar os membros da classe (MARX & ENGELS, 1986, p. 29). E isso acontece, a determinação dos membros, porque a sociedade civil cria uma relação de dependência, isto é, em um reducionismo simplório, quem não pensa depende de quem pensa e quem pensa depende de que não pensa, na qual se instaura a ideologia (idem). Nas sociedades capitalistas essa divisão se dá na sociedade civil pela separação do trabalho intelectual e o trabalho manual. Isto se dá porque a concentração dos meios de produção no processo de trabalho industrial moderno restringe ao trabalhador a parte da transformação da ideia em produto (MARX, 2013, p. 167). À medida que as coisas se “complexificam”, ou seja, a partir dos avanças tecnológicos nas sociedades capitalistas industriais, cada indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva, cada um tem sua atividade a qual não pode escapar por que esta lhe é imposta socialmente. Anteriormente um trabalhador participava de todo processo fabril, na sociedade moderna há um isolamento, o indivíduo passa a ter funções, ele se torna um produto da própria máquina. O que fica evidenciado sociologicamente como divisão social do trabalho (MARX, 2013, p. 244). O que constitui a história são três aspectos: as forças de produção, as relações sociais e a consciência (MARX & ENGELS, 1986, p. 85). Ora, nas sociedades capitalistas há uma inversão de tal maneira que faz parecer que não há nenhuma relação com a realidade, pois, como vê Marx, a realidade sempre terá a ver com a práxis humana. Segundo ele, essa inversão acontece porque há uma ideologia, a ideologia nada mais é que um processo subjetivo e objetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da vida produtiva, a qual cria uma fronteira entre a produção 21 material e espiritual (intelectual) que faz com que as representações do real sejam representações de algo real, uma alienação (MARX, 2010, p. 46). A alienação é uma consciência entregue à ideologia que pertence à classe dominante, pois é dela os formadores de opinião, os teóricos, os ideólogos, que fazem com que as ideias pareçam ser coletivas, mas na verdade são produtos de desigualdade, de classes. É deste modo nasce o Estado, algo coletivo, mas que na verdade serve a particulares. Por isso o comunismo para Marx é a devolução da consciência verdadeira, de uma história consciente e sem subserviência do Estado (MARX & ENGELS, 1986, p. 52). Temos assim que o trabalho é o meio de ligação entre as classes, elas criam entre si uma relação de dependência. Nas sociedades capitalistas, com o advento da maquinaria nas fábricas, todo proprietário precisaráde um operário, sua força de trabalho e o operário precisarão do seu salário (MARX & ENGELS, 1986, p. 29). Desenvolvido na vida jovem de Marx, o conceito de trabalho é entendido como o sentido de produção. Ele percebe que a essência humana parte da atividade primordial do homem, trabalho sobre o nome de labour (MÁRKUS, 2015, p. 26). É deste modo, por exemplo, que o homem pode dominar a natureza e desenvolvê-la. O trabalho é a satisfação das necessidades humanas (idem, 27). Labour é a forma como Marx abrange esse processo, ou seja, pela produção (produktion), pois a produção é resultado da objetivação humana. A objetivação, como nos reporta Márkus, é a capacidade que os homens têm, de mesmo a algo que não possui vida, dar-lhe uma significação humana aquilo, a qual lhe é útil. Na explicação de György Márkus (2015), o conceito marxiano de objetivação tem a ver com a finalidade das coisas materiais se adaptarem às necessidades humanas em função específica (MÁRKUS, 2015, p. 31 e 32). O que seria diferente das coisas naturais. Os objetos – tanto naturais como artificiais – podem ser utilizados de várias formas e maneiras, de acordo com as exigências de quem o detém. Isto porque no contexto da vida real e social, os objetos têm uma utilização permitida por quem o possui que pode ser utilizada de outra maneira sem deixar invocar algum tipo de insatisfação social. No exemplo, um copo é destinado para beber, mas qualquer coisa pode ser um copo se utilizado nessa função (idem). Nesse sentido, o que o homem produz tem uma significação objetiva de sua realidade humana. Assim modelam-se da objetivação dois conceitos: o de 22 necessidade4 e o de capacidade. Existe a necessidade individual, aquela que Marx compreende como uma necessidade natural de um indivíduo, a necessidade para a agricultura é um exemplo (MARX, 2013, p. 113). Há também a necessidade radical que é a qual Marx enfatiza no conflito entre classes, esta que transcende os sistemas de relações sociais. A necessidade radical encontra-se no fator da classe oprimida ser a de maior força de produção. A necessidade radical se extravasa na necessidade de universalidade. Esta é a tendência do homem de fluir seu trabalho como atividade essencialmente humana a qual é frustrada pelo modo de organização do trabalho nas sociedades capitalistas (MÁRKUS, 2015, p. 44). Já a capacidade é a forma como o homem consegue desenvolver o seu trabalho. Conforme o ser humano se aperfeiçoa novas ferramentas para lidar com a natureza também são desenvolvidas. Sua história e suas capacidades, habilidades, carências e objetivos também serão renovadas. A capacidade é, pois, uma competência humana em evolução (MÁRKUS, 2015, p. 34). É no trabalho que encontramos o objeto científico de Marx devido à sua filosofia materialista. É lógico que a explicação da realidade materialmente dada é o produto do trabalho, pois, é ele mesmo fruto de uma potência material. A necessidade de uma filosofia da ação prática que tenha como fundamento material, aquela que Marx denominou como “a teoria que só se efetiva num povo na medida em que representa a concretização das suas necessidades” (MARX, 2010, p. 46). É nisso que o conceito atividade materialmente mediada que Karl Marx desemboca. Portanto, o trabalho está relacionado ao conteúdo material, real, naquilo que é objeto. Transformar a natureza através do trabalho resulta cada vez mais num ambiente progressivo e ampliado do homem. O trabalho é a atividade social principal que tornou a existência humana estável, e escreveu a história por meio dele (MÁRKUS, 2015, p. 47). Em O Capital, Livro 1, Karl Marx (1867) teoriza sobre os principais aspectos que transformaram o homem neste ser social localizado na cidade, o polo do trabalho industrial, já que é a cidade que concentra as condições dos desenvolvimentos tecnológico e a oportunidade do surgimento do proletariado. 4 As explicações sobre necessidade são encontradas nas obras Miséria da Filosofia (1846) e O Capital volume 1 (1867). MARX & ENGELS. Miséria da Filosofia. Boitempo, São Paulo: 2017. MARX. O Capital: volume I. Boitempo, São Paulo: 2013. 23 Em A Mercadoria, o primeiro capítulo do livro, Marx se preocupa com as relações que esse novo modelo de trocas econômicas deixa nos indivíduos. Ele pondera que, ao contrário do que se pensa, é o processo de produção o responsável pela alienação humana. É através desse processo que se retira a ideia do pertencimento, discutido anteriormente no processo de cultura hegeliano, e o transfere para a ideia de valor. Os proletários não se identificam no que produzem por conta de alguns fatores. O primeiro fator é quanto ao que é a mercadoria, segundo Marx, ela se origina em necessidades e em fantasias, coisas tangíveis e intangíveis, mas possui duas categorias intrínsecas: valor de uso, valor de troca e ser produto de um trabalho humano produzido para outrem pelo tempo de trabalho “objetificado” (MARX, 2013, p. 113). Por segundo temos que é a diversificação da divisão social do trabalho que passa a ser regulado pelo que ele chamou de tempo socialmente necessário, a fim de poder equiparar o valor do trabalho, que repousa sob o conceito de valor quantitativo, regulado pelo tempo, o que Marx nomeou de trabalho abstrato. Essa prática fortaleceu o afastamento cada vez mais entre o trabalhador e o produto final (MARX, 2013, p. 233). O terceiro fator se relaciona com o fetichismo da mercadoria e pela dimensão da mercadoria-dinheiro. O processo se dá por várias características, uma delas é que o produto do trabalho, em todas as condições sociais, deve ser objeto de uso, mas o trabalho só se transformou em “mercadoria” numa época historicamente determinada de desenvolvimento, a qual o trabalho despendido na produção só é válido segundo no seu valor numa relação de troca (MARX, 2013, p. 143). Como se vê, o trabalho se torna outro produto tornando-se também uma mercadoria, pois, de igual modo, ele é medido pelo valor equivalente entre os homens (MARX, 2013, p. 142). A mercadoria compara as relações socais através do seu valor de troca. “Eles não sabem disso, mas o fazem” (MARX, 2013, p. 144) porque essa ideia se encontram tão inerentes na divisão social do trabalho que constitui e modela as relações entre os homens. Na medida em que a referência de valor passa a ser os produtos do trabalho, os homens são eles próprios materiais de trabalho os quais equiparam-se entre si por seus produtos. Deste modo, o trabalho cria relações sociais entre as pessoas e seus empregos que os rotulam e aparecem com suas próprias formas de ser na 24 sociedade, mas que são tão dissolvidas que ficam travestidas em relações outras (MARX, 2013, p.146). A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma material da igual objetividade de valor dos produtos do trabalho; a medida do dispêndio de força humana de trabalho por meio de sua duração assume a forma da grandeza de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas quais se efetivam aquelas determinações sociais de seu trabalho, assumem a forma de uma relação social entre os produtos do trabalho (MARX, 2013, 142). O caráter misterioso da mercadoria está na relação que se concretiza na mercadoria, mas que dissipa todas as relações implícitas a sua existência. Esse é o sentido de fetiche. Este é o domínio do capitalismo. Uma relação que se efetiva na forma de produção já que é ela que regula os valores das mercadorias se estabelecendo pela relação de equiparação entre o trabalho socialmente necessário e o trabalho humano concreto (MARX, 2013, p. 143). Tempo de trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidadee de intensidade do trabalho (MARX, 2013, p. 116). 1.3. O conflito na prática segundo Marx Todo esse arcabouço sobre aspectos gerais da teoria de Marx, como as colocações dele sobre o trabalho, sobre a dialética, a alienação, a consciência, a ideologia, o fetichismo, a consciência de classe, etc., são conceitos construídos para explicar o porquê a luta de classes existe e servem como base para entendermos melhor o que Marx compreende como conflito. As lutas de classe na França de 1848-1850 é uma obra onde vemos mais evidentemente os conflitos de classes. Nesta obra, um relato narrativo jornalístico, feito no calor do momento, Karl Marx faz uma descrição densa do que está acontecendo na França logo após a revolução popular de fevereiro de 1848 a qual foi tratada a organização da classe operária que passou por um processo cultural de transformação social culminando numa consciência de classe. Na descrição dos acontecimentos das lutas de classes na França é ressaltada a importância da práxis enquanto fundamento para o entendimento filosófico da história o que para Marx é o que realmente possibilita a luta de classe (MARX, 2012, p. 28). 25 Cabe ressaltar, que o percurso teórico do autor enfatiza como o conflito político acontece somente pela análise de recorte histórico, assim, na sociedade feudal, por exemplo, as classes oprimida era o camponês e o conjunto de clero e nobres, a classe opressora. No livro As Lutas de Classes na França Marx descreve as classes da seguinte maneira: havia a monarquia como a classe mais rica, os republicanos eram os burgueses, a “montanha5” ou democratas representavam os pequenos burgueses e o proletariado como os oprimidos, os “blanqui” (MARX, 2012, p. 33). A “Revolução de Fevereiro” de 1848 foi uma revolução do proletariado que foi influenciada pelos feitos dos anos de 1789-1830, quando muitas teorias sobre o conflito político era debatido, além de terem diversos acontecimentos históricos foram acontecendo na França como panfletagem a favor da revolução, que mudaram a sociedade. Em 1848, parecia que de fato aconteceria a “ditadura do proletariado”6, mas o que aconteceu foi que o levante popular realizado em 22 a 25 de fevereiro de 1848 pelos trabalhadores, artífices e estudantes franceses derrubaram a monarquia burguesa constitucional de Luís Filipe e forçaram a proclamação da segunda República francesa, ainda burguesa. As classes que substituíam as anteriores apenas mantinham as relações de opressão com a classe trabalhadora que pôde resistir até 1850 quando a revolução operária é derrubada. Pelos acontecimentos da época, apreendemos o seguinte: o ponto de vista central da obra é a ideia da consciência de classe. No entanto, a consciência de classe só é obtida através do entendimento das circunstâncias que condicionam o trabalhador, que são a ideologia, a alienação e o fetichismo. Como a França estava submetida a um esquema cujos altos burgueses se beneficiavam do dinheiro do Estado, a classe operária se encontrava enfraquecida pela ideologia dominante através da alienação do trabalho, como descreve Marx (2012). O endividamento do Estado era, muito antes, do interesse direto da facção burguesa que governava e legislava por meio das câmaras. Pois o déficit público constituía o objeto propriamente dito da sua especulação e a fonte de seu enriquecimento. [...] Cada novo empréstimo tomado proporcionava uma segunda oportunidade de saquear o público que havia investido seus capitais em papéis do Estado, o que era feito mediante operações na bolsa, 5 MARX. As lutas de classe na França. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 51 6 MARX & ENGELS. Manifesto do Partido Comunista. Versão eletrônica. Edição Ridendo Castigat Moraes, 1999. Acesso em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf. http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf 26 em cujos mistérios o governo e a maioria da câmara eram iniciados. De modo geral, o comportamento oscilante do crédito estatal e a posse dos segredos de Estado propiciavam aos banqueiros, assim como aos seus afiliados nas câmaras e no trono, a possibilidade de provocar oscilações extraordinárias e repentinas na cotação dos papéis do Estado, que necessariamente tinham como resultado a ruína de uma massa de capitalistas menores e o enriquecimento rápido e fabuloso dos grandes atores. O fato de o déficit público ser do interesse direto da facção dominante da burguesia explica porque, nos últimos anos do governo de Luís Filipe, os gastos públicos extraordinários foram duas vezes maiores do que os gastos públicos extraordinários [...]. As enormes somas que, desse modo, fluíam pelas mãos do Estado davam, além de tudo, margem a contratos de fornecimento extorsivos, pagamento de propinas, fraudes, toda espécie de patifaria. O abuso do Estado em grande escala por meio de empréstimos se repetia em cada detalhe dos serviços públicos. A relação entre câmara e governo se multiplicava na forma da relação entre as administrações individuais e os empresários individuais. A classe dominante explorava a construção das ferrovias da mesma forma que fazia com os gastos públicos em geral e com os empréstimos estatais. As câmaras empurravam para o Estado o ônus principal e asseguravam à aristocracia financeira especuladora polpudos rendimentos. Ainda há viva lembrança dos escândalos na Câmara dos Deputados, quando fortuitamente veio à tona que todos os membros da maioria, incluindo uma parte dos ministros, tinham participação acionária nas mesmas construções ferroviárias que eles, logo depois, na condição de legisladores, mandavam construir às custas do Estado. A reforma financeira, em contrapartida, por menor que fosse, fracassava devido à influência dos banqueiros. [...] A monarquia de julho nada mais foi que uma companhia de ações destinada à exploração do tesouro nacional da França, cujos dividendos eram distribuídos entre os ministros, as câmaras, 240 mil eleitores e seus acólitos. Luís Filipe era o diretor dessa companhia – era Robert Macaire sentado no trono. Comércio, indústria, agricultura, navegação e os interesses dos burgueses industriais estavam forçosamente ameaçados e prejudicados sob esse sistema. “Governo em oferta”, “gouvernement à bon marché”, foi escrito nas bandeiras das jornadas de julho. Enquanto a aristocracia financeira ditava as leis, conduzia a administração do Estado, dispunha sobre o conjunto dos poderes públicos organizados, controlava a opinião pública por meio dos fatos e por meio da imprensa, repetiu-se em todas as esferas, da corte até o Café Borgne, a mesma prostituição, a mesma fraude despudorada, a mesma ânsia de enriquecer não pela produção, mas pela escamoteação da riqueza alheia já existente, prorrompeu especialmente entre as lideranças da sociedade burguesa a validação irrefreável das cobiças doentias e dissolutas, que a cada instante colidiam com as próprias leis burguesas. [...] A aristocracia financeira, tanto no modo de obter seus ganhos quanto no modo de desfrutar deles, nada mais é que o renascimento do lumpemproletariado nas camadas mais altas da sociedade burguesa (MARX, 2012, p. 30-31). Tendo visto isso, a classe oprimida se descontentou gerando um impasse que só pôde ser resolvido por meio da luta, o que culminou na revolução de fevereiro. Essa insatisfação devolveu a cada trabalhador francês a consciência de classe. Mas a devolução da consciência de classe na França resultou numa breve “ditadura do proletariado”, substituindo a revolução pela república. 27 Como descreve Marx, com a nova república o sufrágio universal deu aos operários a possibilidade de inserção no poder político. Em lugar das poucas facções da burguesia, de repente todas as classes da sociedade francesa foram lançadas para dentro da esfera dopoder político, forçadas a abandonar os camarotes, o parterre [as plateias] e as galerias e desempenhar pessoalmente seu papel no palco revolucionário! Junto com o reinado constitucional desapareceu inclusive a aparência de um poder de Estado arbitrariamente contraposto à sociedade burguesa, levando com ela toda a série de lutas secundárias que esse pseudopoder provoca! Ao ditar a república ao governo provisório e, por meio do governo provisório, a toda a França, o proletariado ocupou imediatamente o primeiro plano como partido autônomo, mas, ao mesmo tempo, desafiou toda a França burguesa a se unir contra ele. O que ele conquistou foi somente o terreno para travar a luta por sua emancipação revolucionária, mas de modo algum a própria emancipação. Antes disso, a primeira medida que a república de fevereiro teve de tomar foi consumar o domínio da burguesia, permitindo que todas as classes proprietárias ingressassem ao lado da aristocracia financeira na esfera do poder político. A maioria dos grandes proprietários de terras, os legitimistas, foi emancipada da nulidade política a que a monarquia de julho a havia condenado. [...] Mediante o sufrágio universal, os proprietários nominais, que compõem a maioria dos franceses, os agricultores, foram instituídos como juízes sobre o destino da França. Por fim, a república de fevereiro fez com que a dominação dos burgueses aparecesse em sua forma pura, ao derrubar a coroa atrás da qual se escondia o capital (MARX, 2012, p. 33). Deste modo, a emancipação trouxe apenas um novo campo de conflito. A alta burguesia francesa continuou a lutar pelo seu espaço, travando lutas de vida e morte com os trabalhadores (MARX, 2012, p. 34). Os proletários se consideraram com razão os vitoriosos do mês de fevereiro e fizeram as reinvindicações altivas de quem obteve a vitória. Eles precisavam ser vencidos nas ruas; era preciso mostrar-lhe que seriam derrotados assim que deixassem de lutar com a burguesia e passassem a lutar contra a burguesia. Assim como a república de fevereiro com suas concessões socialistas exigira uma batalha do proletariado unido com a burguesia contra o reinado, uma segunda batalha se fazia necessária para divorciar a república das concessões socialista, para talhar a república burguesa oficialmente como dominante. A burguesia foi obrigada a contestar as exigências do proletariado de armas nas mãos. E o verdadeiro local de nascimento da república burguesa não é a vitória de fevereiro, é a derrota de junho (MARX, 2012, p. 46). Em 22 de junho de 1848 a resposta operária foi dada à burguesia. Houve a “primeira grande batalha entre as duas classes que dividem a sociedade moderna. Travou-se a batalha pela preservação ou pela destruição da ordem burguesa. O véu que encobria a república foi rasgado”. (MARX, 2012, p. 46). Mas em 29 de junho de 1848 a classe trabalhadora é derrotada. 28 Alguns fatores tornaram junho de 1848 relevante para a luta operária. Primeiramente, a revolução de junho teve a intenção de romper com a ordem burguesa, algo que nunca havia sido colocado em prática, pois nunca antes na história se havia questionado a ordem burguesa. Outro fato é que ele possibilitou o esclarecimento da massa dominada ao romper com as ilusões que fevereiro havia criado, mostrando que havia duas classes conflituosas, o domínio do capital e a exploração burguesa que antes estava mascarada em conluio com monarquia de julho. Assim como os trabalhadores haviam conquistado pela luta a monarquia burguesa nas jornadas de julho, eles conquistaram, nas jornadas de fevereiro, a república burguesa. Assim como a monarquia de julho fora obrigada a se anunciar como uma monarquia rodeada de instituições republicanas, a república de fevereiro foi forçada a se anunciar como uma república, rodeada de instituições sociais. O proletariado parisiense também impôs essa concessão (MARX, 2012, p. 35). Com a derrota, o proletariado parisiense ativo, pode perceber que a classe ainda não era capaz de engendrar a revolução, muito por conta de uma incapacidade organizacional, dado que o desenvolvimento do proletariado industrial é condicionado pelo desenvolvimento da burguesia industrial (MARX, 2012, p. 36). Assim, na briga iminente entre a burguesia e o proletariado, todas as vantagens, todos os postos decisivos e os estratos médios da sociedade já se encontravam nas mãos da burguesia, ao mesmo tempo que as ondas da Revolução de Fevereiro arrebentavam fortemente sobre todo o continente e cada nova postagem trazia um novo boletim da revolução, ora da I tália, ora da Alemanha, ora das mais longínquas regiões do sudeste da Europa, mantendo em alta o frenesi geral da população, trazendo-lhe o atestado permanente de uma vitória que ela já tinha jogado fora (MARX, 2012, p. 42) Como se percebe, a questão do conflito em As Lutas de Classe na França (2012) está situada na condição da consciência de classe que o trabalhador francês ativo teve como base para haver um conflito entre as desigualdades sociais da França em 1848. Ao demonstrar que o mote central da concepção de individuo está na sua força de trabalho, isto é, na maneira como ele condicionada sua existência, Marx comprova que é pelo antagonismo das classes sociais que se efetiva o embate político. 29 2 SIMMEL E O CONTEXTO DO CONFLITO Simmel é um teórico controverso dentro das Ciências Sociais, não por sua teoria, mas por muitas vezes não ser aceito como um sociólogo relevante para a Sociologia clássica. Por muitas vezes ele é tido como interdisciplinar nos quais muitos de seus trabalhos dialogam com a psicologia (WAIZBORT, 2006, p. 245). Segundo Leopoldo Waizbort (2006), Simmel escreve baseado em três dimensões: a filosofia da cultura, o diagnóstico do presente e a teoria da modernidade (WAIZBORT, 2006, p. 116). Dentro de sua análise está contida a ideia do liberalismo (relação tênue entre indivíduo e sociedade) a qual é expressa uma crítica da vida na cidade que encontramos em As grandes cidades e vida do espírito, de 1903, assim como em outras obras como: Filosofia do dinheiro (1900), Da Essência da Cultura (1908), A Crise da Cultura (1917), O Conflito na Cultura Moderna (1918), que discutem como a forma de viver nas cidades é uma mediação das relações cada vez mais quantitativas (SIMMEL, 2005, p. 580). A sociologia simmeliana é a da interação, da intersubjetividade, da relação sujeito e objeto, indivíduo versus sociedade (SIMMEL, 2014, 299), o que se evidencia, segundo Simmel, nas questões em torno do dinheiro, da prostituição, da moda, do estrangeiro, entre outros. Assim, os fenômenos estruturantes da modernidade como o dinheiro, a vida social, a vida econômica e comercial são problemas relacionados a uma redução do potencial de individualidade frente a sociedade (SIMMEL, 2013, p. 299). Como ensaísta Simmel faz um longo caminho até chegar aos seus textos finais. Para concluir Filosofia do Dinheiro (1900), segundo Leopoldo Waizbort (2006, p. 40), Simmel percorreu várias escritos desde 1894 até 1908, levou 14 anos. Passando desde um estudo sobre casamento até um texto sobre a noção de felicidade (WAIZBORT, 2006, p. 42). Simmel não é considerado um marxista, na verdade ele não se prestou a alguma definição deste tipo. No entanto, Randall Collins (2009) o classifica como esquerdista, numa breve passagem sobre nascimento da sociologia alemã (COLLINS, 2009, p. 46). Sua sociologia é caracterizada pelo estudo das formas de interação que se realizam entre indivíduos e não entre as classes como fez Marx, por isso sua técnica, em muitos de seus escritos, é tido como uma análise microssociológica da 30 sociedade, feita, muitas vezes em forma de ensaio os quais são analisados a partir de pontos de vista diversos e mutáveis (WAIZBORT, 2006, p. 43). Pode-se perceber em suas obras que Simmel foi influenciado por diversascorrentes de pensamento, como Marx, Hegel, Kant, Weber e Durkheim. György Lukács que foi seu aluno desenvolveu mais diretamente noções simmelianas, principalmente em torno da ideia de alienação, objetivação, predomínio do espírito objetivo, retificação, dentre outras. Ao analisar a cidade, Simmel percebe que existe um novo sistema de relações sociais influenciada pelo valor e dinheiro nas relações sociais as quais passam a ser baseada em novos conceitos “quantitativistas” da vida por meio da cidade e das relações comerciais (SIMMEL, 2005, p. 580). Nascido e criado em Berlim, a Alemanha de 1858 que Simmel presenciou era caracterizada por um conjunto de países com extensão territorial a qual se apresentava como portadora de uma modernidade caracterizada por mudanças sociais e reformas “valorativas” de tradição sociocultural que colocava o indivíduo em foco (TEDESCO, 2006, p. 18). Vivia-se numa cidade envolvida pelo uso do dinheiro, da mediação da técnica, da ciência, à ideia de soberania nacional, do constitucionalismo, democracia e da indústria. A burguesia, por exemplo, era marcada pelas relações comerciais que mantinha fazendo o trafego das trocas comerciais, das viagens de reconhecimento de novos produtos e novas formas de trocas. De 1858 a 1918, Simmel vive uma Alemanha marcada pela revolução industrial, pelo liberalismo, pelo socialismo e pela unificação alemã, o que alguns teóricos denominaram como “fin de siècle” e esses acontecimentos estão presentes em sua obra influenciando todo o contexto de sua teoria (TEDESCO, 2006, p. 17). Na obra em que trata sobre as peculiaridades de Simmel, João Carlos Tedesco (2006) faz uma análise sobre o período histórico da Alemanha para situar como Simmel neste contexto construiu sua teoria, no qual iremos esboçar a seguir. Segundo Tedesco (TEDESCO, 2006, p. 41-57), quando a Alemanha se unificou houve uma instauração da socialdemocracia alemã. Era presente duas vertentes de pensamento: o socialismo e o liberalismo. Em 1870, duas facções socialistas alemãs: os marxistas e os lassalianos foram expoentes das correntes deste pensamento. Já em 1875, o partido Socialdemocrata alemão caracterizado 31 pelo Estado neutro teve votações. Na ocasião, Marx considerou isso oposto aos ideais socialistas e escreveu a Crítica ao Programa de Gotha, em 1875. O jovem Simmel com 19 anos (1877) presenciava o governo Otto von Bismarck (1871-1890) o qual fazia oposição aos socialistas que ocupavam 12 cadeiras no parlamento. A derrota veio com a lei “anti-socialistas” neste mesmo período. Até 1890 foi um período de ações ilegais dos socialistas. O crescimento e popularização dessas políticas e a anexação de algumas ideias marxistas culminam na internacionalidade da luta operária. No fim do século XIX o socialismo já era uma ideia presente e politicamente constituída como partido em quase todos os países. Na Segunda Internacional (1889-1916) houve uma dissolução do movimento o que resultou em um novo cenário mundial para a luta operária. Influenciado pelo imperialismo, Simmel compreende o mundo moderno e a Alemanha unificada uma forte incongruência entre a modernização e a liberalização do comércio e da economia. Com o desenvolvimento da unidade e do sentimento nacional, as elites políticas ainda estavam agindo conforme o antigo regime. Deste modo, essas disparidades tomam forma internacional por meio das relações imperialistas. No entanto, o movimento imperialista é ante o racionalismo, pois ele visa justificar-se através de uma ótica eurocêntrica, com discurso cientifico. O imperialismo, que faz parte da época de Simmel, teve em 1880, várias transformações com os avanços da expansão colonial europeia através das forças nacionalistas, das expansões coloniais, e da moderna indústria, assim como do Mercado mundial. A unificação e modernização da Alemanha teve início em 1815 com o fim das invasões napoleônicas, o Congresso de Viena, e a Liga Alemã que assumiram os esforços para unificar a Alemanha. Nesta época haviam 38 estados e a língua alemã Zollverein era repartida por fins econômicos e comerciais. Em 1836, os estados alemães faziam parte do Zollverein. De 1830 a 1840 houve o começo do processo de industrialização alemão. Em 1835 foi construída a Primeira estrada de ferro. Em 1848 vários levantes revolucionários que aconteceram a partir da França e também influenciaram a Alemanha motivaram os escritos de As lutas de classe na França de Marx. Em Frankfurt a Assembleia Nacional se reúne. Já em 1850 a Liga Alemã volta. O que faz do ano de 1862 ser marcado pelo ato de unificação da Alemanha nomeando chefe dos ministérios. Nesse ano, Bismarck passa a realizar projetos de 32 guerra para unir territórios a Alemanha. Ele desejava uma guerra com a França e Áustria, no entanto só obteve êxito contra a França. A Alemanha que possuía um exército forte instaura o Império alemão. A partir 1871, a Alemanha, governada pelo Imperador Guilherme I, vive um processo de modernização. Mesmo com o Império, a Alemanha ainda possuía uma desigualdade social grande, os nobres comandavam. 1872 foi um ano marcado pelo movimento católico e nacionalista bismarckiano. Essa frente imperialista alemã preocupava-se em isolar a França da política externa. Com 19 anos no poder, Otto fortaleceu o combate ao movimento operário, ao catolicismo político e a esquerda liberal, o que culminou em 1890 numa integração da Alemanha à política mundial. Em 1890 havia 24 cidades na Alemanha com mais de cem mil habitantes, o que mudou em 1946 de 24 para 46 cidades alemãs. As características dessa Alemanha eram de políticas externas ostensivas, ações internas que visavam silenciar as forças sociais divergentes, proporcionar aos trabalhadores melhoria das condições de vida e atenção aos direitos trabalhistas. A política alemã possuía uma potência militar, atuava também no campo político e no gerenciamento de questões públicas, interagia com a participação cidadã da população eleitoral. No campo da política, a Alemanha se apresentava ainda pouco disposta a mudar seu regimento político autocrático e militarista. Com o crescente proletariado industrial, a população católica e a classe média, os partidos políticos pequenos tomaram uma grande expansão, principalmente em Berlim. Indústrias de tecnologia, pesquisa, metalurgia, química, setor elétrico, entre outros faziam parte dessas novas cidades alemãs. Foi nesse ambiente que floresceu as ciências sociais como campo científico que realizava tentativas de explicação das questões sociais envolvidas na mudança industrial alemã. A “moderna Alemanha” era o campo para o debate, teorias, metodologias e epistemologias explicavam a modernização alemã, a ideia de progresso, da estrutura política imperial, da dependência burocrática e política da universidade e da ciência ao sistema estatal centralizado e autoritário e da forma de organização econômica e cultural (TEDESCO, 2006, p. 55). Havia na nova Alemanha uma concentração de grandes empresas de vários setores, de comércio à tecnologia. Era 33 um espaço importante para o proletariado, pois, a cidade, no caso Berlim, concentrava os operários. Com efeito, “a vida em Berlim era excitante”, mas devido a todos os arranjos, ela operava para manter as questões industriais e comerciais, ela se tornou bastante estratificada e suas estruturas políticas tinham permanecido pré-modernas (TEDESCO, 2006, p. 56). Para Simmel, a utopia socialista estava relacionada com a racionalidade, o seu socialismo era com o espírito de época, no individualismo, no pessimismo, que mais tarde ficou evidente nas correntes de pensamento da teoria do conflito numa vertente liberalista. O desenvolvimento comercial e industrial da Alemanha acompanhava um enorme crescimento da população e a cidade promovia uma melhoria das condiçõesde vida, mas ela também implicava outras questões (TEDESCO, 2006, p. 53). A burguesia passou a influenciar costumes, a “indústria cultural” promovia mudanças de modos, de moral, de direitos na participação pública, no julgamento e crítica das ações do poder estatal, na organização da vida privada na qual reforçava, criando uma tradição intelectual, moral, estética e cultural da identidade alemã. Uma sociedade cada vez mais massificada, materialista, com uma cultura gerencial, automizada e competitiva influenciada pelo Iluminismo e idealismo hegeliano. 2.1. A análise microssociológica simmeliana Devido a todo esse processo que passou a Alemanha, Simmel teoriza sobre a vida econômica monetária ser a responsável pelos avanços modernos. Ela alimentava e acompanhava os processos, separando a vida social em esferas objetivas e subjetivas (SIMMEL, 2003, p. 237). Assim, o dinheiro marca e deixa sua presença em todos os rastros da vida social de tal modo que o progresso somente é evidente apenas quando ele está relacionado ao avanço econômico e técnico (SIMMEL, 2003, p. 340). Logicamente que Simmel entende a cultura como o processo decorrente da modernidade. A sua teoria entende os aspectos da vida social como visão macrossociais e microssociais, no entanto Simmel reconhece que a cultura e a modernidade carregam um valor específico e relevante para a sociologia (WAIZBORT, 2009, p. 121), pois é o “cruzamento entre sujeito e objeto” que a teoria simmeliana é marcada (idem, 119). 34 Outra premissa para Simmel é o individualismo. Ele atribui o indivíduo, não o coletivo, como o operador dos processos sociais (SIMMEL, 2003, p. 344). Assim, há dois modos de se alcançar a cultura, aquela que é objetiva e a que é subjetiva. Ela é dada em uma relação enigmática, onde por um lado a vida da sociedade e seus objetos (o direito, a racionalidade e o intelectualismo) e do outro, os produtos fragmentados das existências dos indivíduos (SIMMEL, 1998, p. 82-84). A “hipertrofia da cultura objetiva” é esse momento em que as coisas e as pessoas coexistirem vendo que elas podem ganhar uma autonomia maior frente à relação cultural entre as pessoas na medida em que o desenvolvimento cultural cada vez mais produz mais objetos (BUENO, 2013, p. 149). É como na passagem em que Simmel demonstra o que é a cultura objetiva e a subjetiva. Por um lado a transformação do natural, onde se “segue” o caminho que a natureza lhe atribuiu, do outro, temos uma interferência provocada por uma necessidade de aperfeiçoar a natureza (SIMMEL, 2013, p. 78). Todas as séries de acontecimentos conduzidas pela atividade humana podem ser consideradas como natureza, ou seja, como um desenvolvimento causalmente determinado no qual cada estágio presente deve ser compreensível a partir da combinação e das forças de tensão da situação anterior. Nesse sentido, também não precisa ser feita nenhuma distinção entre natureza e história, na medida em que aquilo a que chamamos história, encarado puramente como transcurso dos eventos, se insere nas conexões naturais dos acontecimentos no mundo e sua cognoscibilidade causal. Mas assim que alguns conteúdos dessas séries são situados sob o conceito de cultura, transfere-se com isso o conceito de natureza para um significado mais estreito e, por assim dizer local. Pois o desenvolvimento ‘natural’ da série vai só até determinado ponto, no qual ele é substituído pelo cultural (SIMMEL, 2013, p. 78). O período em que Simmel situa como modernidade é o momento possibilitado pelo racionalismo decorrente das revoluções industrial, gloriosa, do movimento parlamentarista e do avanço do capitalismo, processo que começou antes de 1760 e decorreu até depois de 1830 (TEDESCO, 2006, p. 25). Segundo Arthur Bueno (2013), Simmel entende a modernidade como “uma época na qual o ser humano [...] passa a ser economicamente dependente de uma quantidade enorme de fornecedores [...]. A atrofia da cultura individual mediante a hipertrofia da cultura objetiva” (BUENO, 2013, p. 148-149). Como vimos, o processo de modernização e avanço da unificação alemã foi marcado por relações efêmeras das relações de produção (MARX, 1999, p. 12). No entanto, Simmel percebe que existem mais estruturas condicionantes aos novos 35 modelos de vida social chamando atenção para questões da vida na cidade, na qual o maquinário e as relações com o dinheiro, com o tempo, são exemplos. Parafraseando Simmel, foi por meio da máquina que as inúmeras consequências das transformações nos processos produtivos motivaram uma vida marcada pelo conceito de valor (SIMMEL, 2003, p. 114). As relações calculadas que a relação com a máquina influenciou incentivou o cálculo constante de tempo e o valor que estavam mediadas pelas relações de troca com a moeda (SIMMEL, 2005, p. 580). Daí, os fenômenos sociais resultantes são um processo da cultura em ascensão moderna já que a vida na cidade e pela indústria são percebidas como resultado de relações conflituosas (SIMMEL, 1998, p. 94-96). Exemplificam-se nisso o relógio, o dinheiro, a máquina, objetos que cooperaram para que a vida se transformasse, não somente para agilizar o processo de produção, mas a própria lógica de vida urbana. A discussão de Simmel é, por tanto, mais tênue sobre os conflitos existentes na sociedade, pois, eles se enraízam nas atividades e se objetificam no uso da tecnológica como parte de uma relação fundamentada na racionalização dos costumes em decorrência de transformações das realidades mercadológicas, produtivas e comerciais que se “dissolvem” em relações inerentes à vida cotidiana, visto que torna muito mais torpe perceber certos conflitos. 2.2. Subjetividade, individualidade e liberdade são as bases conceituais do conflito para Simmel Ao tratar do estilo de vida, Simmel sintetizou, como que num retrato, a formação momentânea do social que se constrói ao longo do incessante processo histórico (WAIZBORT, 2000. p. 171). Como categoria explicativa do moderno, Simmel trata a modernidade como a “tragédia da cultura”, isto é, como uma categoria criada para representar as questões decorrentes do modelo produtivo europeu. Nesta ideia estão contidos os conceitos de divisão do trabalho e racionalização da vida (TEDESCO, 2015, p. 27). Para Simmel a história não é um processo de sequências, mas um “continuo fluxo” (SIMMEL, 2013 p. 120), ou, uma síntese não conclusiva da sociedade (TEDESCO, 2006, p. 27). Como os processos de transformação modernos são o surgimento de várias características infraestruturais que vão simbolizar essa mudança, a industrialização 36 que continua avançando torna a cidade cada vez mais urbana (SIMMEL, 2005, p. 579). É importante perceber que esses avanços são os mesmos que possibilitam a qualidade de vida na sociedade moderna, porém essas melhorias também transformam os processos produtivos cujas características são: contingente de mão- de-obra, a estruturas de crédito, os bancos e sistema monetário, os transportes para abastecimento e escoamento de produção e as burocracias administrativas (SIMMEL, 2005, p. 580). Ao longo do século XIX, a racionalidade e a economia monetária em expansão, exigida pelo capitalismo, a ciência e a tecnologia são algumas amálgamas da racionalização social no qual a inventividade e a incessante busca pela solução dos problemas cotidianos eram tônicas (TEDESCO, 2006, p. 27). Por isso, a preocupação de Simmel com aquilo que ele chamou de “tragédia da cultura” que explica que o grande problema ou contradição da modernidade é a transformação dos meios em fins. Como exemplo, Simmel coloca a busca incessante do homem moderno pelo dinheiro, questão sobre a qual se assenta toda a condição de vida moderna presente em Filosofia do Dinheiro (1900). O Conflito da Cultura Moderna e outros ensaios é uma reunião de textos escrito por Simmel e organizadopor Arthur Bueno, o livro trata somente do assunto conflito. Um dos textos: O dinheiro na cultura moderna de 1896 é uma analise inicial, porém bem pensada sobre a relação com o dinheiro. Anterior a sua obra prima Filosofia do Dinheiro, o Dinheiro na Cultura Moderna é uma apreciação complexa que, de certa forma, nos leva mais próxima da teoria marxista sobre o processo de produção. Nesse texto Simmel, O Dinheiro na Cultura Moderna (1896), não fala da cidade, mas somente da relação do indivíduo com a sociedade (cidadão). Na rotina da cidade, as organizações de cada tipo, ou seja, nas empresas e nas profissões, impõem cada vez mais o domínio das próprias leis das coisas, pois as relações de produção e mercado criam novas maneiras das pessoas se relacionarem, já que elas mesmas estão pautadas numa relação direta com a produção (SIMMEL, 2013, p. 52). Na época moderna se conseguiu separar e autonomizar o sujeito e o objeto, para que ambos realizassem o próprio desenvolvimento de forma mais pura e mais rica. Como ambos os lados do processo da diferenciação foram atingidos pela economia de dinheiro (SIMMEL, 2013, p. 51), os dois lados, o sujeito e o objeto, 37 sofreram com as mudanças da economia pelo dinheiro. Estas conexões, entre personalidades e relações objetivas - conexões típicas nos tempos de economia natural - desfizeram-se na economia monetária (SIMMEL, 2013, p. 52). Quando o dinheiro adquire o caráter de troca e de moeda e se impôs entre posse e proprietário, separando-os e ligando-os o que tornou possível outras relações como: operações à distância, relações de propriedade não somente de ordem natural, compras em lugares distantes de maneira impessoal, etc. (idem). São relações que libertaram, em parte, os sujeitos. Agora, vinculado ao todo, principalmente pela doação e recepção de dinheiro e não mais como pessoa por inteiro o dinheiro passa a conferir impessoalidade nas relações, não somente deixando os personagens desconhecido, mas a toda atividade econômica envolvida no processo. O que é fomentado pelo aumento proporcional da autonomia e da independência da pessoa (SIMMEL, 2013, p. 53). Pode-se perceber nessa obra, que o percurso que Simmel faz é apontar que o dinheiro está ligado a uma relação com a vida moderna decorrente de quatro fatores importantes: a divisão do trabalho social, a economia monetária através da moeda, a cidade e a “superexcitação dos nervos” (BUENO, 2013, p. 148), o ele chamou de “membros do setor econômico” as pessoas que se relacionam com o consumo. Aquele que recebe dinheiro e não o consumir ele é destinado a outrem. Isto porque o dinheiro instaura laços entre os homens (SIMMEL, 2013, p 54). Além disso, o processo de individualidade na sociedade moderna é analisado como uma relação que tende ao isolamento, aliena e distancia os homens reduzindo-os a si próprios. Esse isolamento vem o caráter das relações que o dinheiro frutifica, de tal modo, que implica uma anonimidade e desinteresse por quem é o outro, devido as relações impessoais que o dinheiro objetiva. Como Marx coloca, esse individualismo é motivado por uma ilusão da individualidade, na verdade, os homens se medem por seus valores de produção e consumo o que cria um isolamento. Todavia, Simmel vê nesse aspecto o caráter positivo das relações decorrente do dinheiro. Segundo Simmel, ele promove liberdade e individuação à medida que dá as pessoas autonomia e as coloca em círculos sociais recíprocos (SIMMEL, 2013, p. 56). A substituição do desempenho pessoal pelo pagamento em dinheiro liberta, de repente, a personalidade da cadeia específica imposta pela obrigação de trabalho: agora não era mais a atividade concreta pessoal que o outro podia reivindicar, mas, sim, somente o resultado impessoal desta atividade. No 38 pagamento em dinheiro, a personalidade não se dá mais a si mesma, mas sim a algo totalmente abstrato e livre de toda relação interna com o indivíduo. Este motivo, porém, pode também fazer com que a substituição do desempenho pelo dinheiro provoque uma opressão (p.57). [...] Cada vez mais coisas podem ser compradas com dinheiro, alcançadas pelo dinheiro, apresentando-se este, consequentemente, como polo imóvel no fluxo fugaz das aparências [...] Acredita-se, muito facilmente, que se possui no dinheiro o equivalente exato e total do objeto. Encontra-se nisso, certamente, um motivo profundo para o caráter problemático, a inquietação e a insatisfação da nossa época [...] O cálculo necessariamente contínuo do valor em dinheiro faz com que este apareça, finalmente, como o único valor vigente (SIMMEL, 2013, p. 57-58). A diferença de economias, na era feudal, deu aos camponeses uma relação com dinheiro, diferente para os camponeses, a terra possuía um valor a mais que no qual o dinheiro não é capaz de substituir. De igual maneira, ainda na era moderna, há algumas situações em que o dinheiro não pode satisfazer, este seria o lado qualitativo, o qual é perdido nas relações monetárias. A essência do dinheiro pertence a troca e não apenas para obter bens, ele é, antes de tudo, um elemento teleológico, algo com fim em si mesmo (SIMMEL, 2013, p. 60). Deste modo, Simmel vê o dinheiro como uma nova forma de relação entre as pessoas (SIMMEL, 2003, p. 553). Ele percebe que devido a lógica econômica as pessoas tomam atitudes com base em cálculos, em medidas, em equivalências (e também ambivalências), as quais estão presentes nas relações cotidianas (SIMMEL, 2005, p. 578). Simmel vai apontar para o que ele chamou de “arrogância blasé”, uma imobilidade aos mais diferentes acontecimentos das coisas com uma correspondência de sensação que abafa os efeitos dela (SIMMEL, 2013, p. 59). Talvez não haja nenhum fenômeno anímico que seja reservado de modo tão incondicional à cidade grande como o caráter blasé. Ele é inicialmente a consequência daqueles estímulos nervosos — que se alteram rapidamente e que se condensam em seus antagonismos — a partir dos quais nos parece provir também a intensificação da intelectualidade na cidade grande. Justamente por isso homens tolos e de antemão espiritualmente sem vida não costumam ser blasé. Assim como uma vida desmedida de prazeres torna blasé, porque excita os nervos por muito tempo em suas reações mais fortes, até que por fim eles não possuem mais nenhuma reação, também as impressões inofensivas, mediante a rapidez e antagonismo de sua mudança, forçam os nervos a respostas tão violentas, irrompem de modo tão brutal de lá para cá, que extraem dos nervos sua última reserva de forças e, como eles permanecem no mesmo meio, não têm tempo de acumular uma nova. A incapacidade, que assim se origina, de reagir aos novos estímulos com uma energia que lhes seja adequada é precisamente aquele caráter blasé, que na verdade se vê em todo filho da cidade grande, em comparação com as crianças de meios mais tranquilos e com menos variações (SIMMEL, 2005, p. 581). 39 A arrogância blasé é um reflexo subjetivo também do caráter do dinheiro nas sociedades desenvolvidas devido a todas as relações afetadas pelo dinheiro a qual Simmel fala da medida de ampliar a abrangência da ação do dinheiro, no alcance do status de denominador comum dos valores, entre outros. O que é muito apropriado, e nada mais que uma ponte aos valores definitivos (SIMMEL, 2013, p. 61). 2.3. O conceito de conflito segundo o livro Sociologia (1908) Em Sociología: estudios sobre las formas de socialización de 1908, Simmel, no capitulo IV, aborda o conceito que ele chamou de conflito, para o qual a tradução para o espanhol ganhou o nome de “lucha” ou em português luta. Si toda acción reciproca entre hombres es uma socialización, la lucha, que constituye uma de las más vivas acciones reciprocas y que es logicamente imposible de limitar a um individuo, há de constituir necesariamente una socialización. De hecho, los elementos
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