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A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A CONQUISTA DO MAGISTÉRIO INDÍGENA PEDRO RIBEIRO DE SOUZA GABRIEL O. HERCULANO DA SILVA DOMINGOS BARROS NOBRE Resumo O Programa de Extensão (PROEXT): "Escolarização e Cultura Guarani Mbya Rumo à Universidade" é um conjunto de três ações extensionistas articuladas com Ensino e Pesquisa, que visam colaborar na implementação de políticas públicas de promoção da Igualdade Racial através de aumento de escolaridade básica, habilitação em magistério indígena e produção cultural com material didático, para fortalecimento da identidade étnica de jovens e adultos Guarani do Estado do Rio de Janeiro. São ações articuladas de Educação e Cultura realizadas em parceria com a SEEDUC-RJ (Secretaria do Estado de Educação), o OTSS (Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina), o Museu Nacional/UFRJ e o FCT (Fórum de Comunidades Tradicionais) numa perspectiva de promover igualdades de condições sócio-culturais às comunidades indígenas Guarani de terem acesso ao Ensino Superior - numa Licenciatura Intercultural Indígena - dentro de um viés de preservação e fortalecimento da identidade cultural indígena, num contexto de interculturalismo crítico. Palavras-chave: Educação Indígena – Proext - interculturalidade Abstract The Extension Program “Education and Culture Guarani Mbya Towards University” resumes itself to a group of three extension actions jointed in the areas of Teaching and Searching, which has as an objective to help with the implementation of public policies that promotes racial equality, increasing basic schooling, licensing Guarani Mbya in Teaching and cultural production in teaching material, aiming the fortification of the Guarani Mbya young adults of Rio de Janeiro’s ethnical identity. These are actions enrolled in Education and Culture and realized in partnership with SEEDUC-RJ (State Secretary of Education in the State of Rio de Janeiro), OTSS (Observatory of the Healthy and Sustainable Bocaina Territories), National Museum/UFRJ and the FCT (Traditional Communities Forum) with the objective of promoting social and cultural means to achieve racial equality, making possible for the Guarani to join the University, having in mind a context of critical interculturalism. Key-words: indigenous magisterium – Proext - interculturality Introdução O artigo tem como principal objeto de análise o Programa de Extensão (Proext) que se resume ao processo de implementação de um currículo escolar diferenciado no Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda (CIEGKKR) enquanto política pública voltada para promoção da igualdade racial e sociocultural. O desenvolvimento desse currículo justifica-se por ser o resultado de uma demanda histórica reprimida e omitida por muito tempo por parte do Estado brasileiro, que só passou a dar atenção a isso a partir da promulgação da Constituição de 1988. É importante lembrar que essa demanda por escolarização nas aldeias Guarani do Rio de Janeiro dura há mais de 10 anos, pois só em 2015, através de reivindicação do movimento indígena, ações do Ministério Público e assessoria/parceria da UFF é que foram criadas pelo Estado, as turmas de 6° ao 9° Ano na Aldeia Sapukai, e só em 2018, o Ensino Médio com Magistério Indígena pela SEEDUC-RJ, coordenado pelo IEAR/UFF. Portanto, o trabalho realizado pelo Programa se faz extremamente necessário. A problemática neste caso específico é que nunca antes houve uma escola adequada às necessidades do povo Guarani Mbya, criando assim um grande empecilho para que indígenas tivessem acesso ao ensino secundário e superior. O projeto tem como objetivo geral desenvolver um programa de formação continuada, com vistas a um movimento de reorientação curricular através da revisão do Projeto Político Pedagógico (PPP) do CIEGKKR e na produção de material didático bilíngue, de nível fundamental e médio, para o CIEGKKR. Seus objetivos específicos se desdobram em 5 ações: primeiramente o de estudar língua Guarani com os professores guarani e não guarani da área da Linguagem através de um Curso de Extensão; produzir livros didáticos de Ensino de Língua Guarani para o ensino fundamental II e para o ensino médio; criar material didático em audiovisual, em cinema e fotografia, na área da Linguagem. Desenvolvimento com Fundamentação Teórica O Programa está organizado de forma a atender os municípios de Paraty e Angra dos Reis, tendo como público alvo alunos do ensino médio e do 6º ao 9º ano do Colégio Indígena, do IEAR e professores da SEEDUC-RJ que atuam no Magistério Indígena, perfazendo um total de 90 pessoas. Configura-se como uma possibilidade de potencializar uma articulação entre políticas públicas de educação e cultura indígenas que vêm sendo desenvolvidas em um regime de colaboração entre Universidade, Estado e Municípios com o CIEGKKR. Resume-se em ações que visam criar as condições estruturais de médio prazo (4 anos) para o acesso ao Ensino Superior, através do aumento de escolaridade e da produção de cultura indígena de resistência e preservação. As ações visam subsidiar pedagogicamente a construção curricular dos Cursos de Ensino Médio com Magistério Indígena (SEEDUC-RJ/UFF) e Ensino Fundamental 2° Segmento (SEEDUC-RJ); Além de estimular a produção de cultura indígena Guarani Mbya na elaboração de materiais didáticos audiovisuais (fotografia e vídeo) para as escolas indígenas, na perspectiva do fortalecimento da identidade étnica guarani mbya. O desenvolvimento do currículo escolar diferenciado no Ensino Médio Indígena se dá por meio da assessoria e formação contínua em construção curricular à professores indígenas e não indígenas e da produção de material didático em audiovisual. A construção curricular é resultado das diferentes leituras, percursos formativos e experiências pedagógicas dos diversos atores nela envolvidos. Porém, não é um simples “recorta e cola” de opiniões, uma vez que precisa ser discutida e construída coletivamente ao longo de alguns anos de trabalho. Desse modo, é possível afirmar que o currículo escolar é um movimento em construção e que portanto ainda está em curso. A construção curricular como processo de ensino-aprendizagem dos educadores indígenas e dos assessores não-indígenas tem duas dimensões de acordo com Stenhouse (1984): enquanto um projeto de ensino planificado e enquanto um marco de análise (pesquisa). Essa tarefa de elaboração de um currículo-documento deve sistematizar o que já foi vivido e apontar situações de ensino-aprendizagem novas e futuras que poderão completar o traçado, dentro da concepção de currículo-planificado, que se sustenta sobre um currículo-investigado. (Monte, 1995). A trajetória de construção curricular das escolas indígenas (durante o curso no CIEGKKR) irá acompanhar e interagir com a realização do Ensino Médio e 6º ao 9º ano Guarani. Entendemos que a construção dos currículos escolares por parte dos educadores indígenas é matéria prima e objeto de reflexão do currículo de formação do Magistério Indígena. Este é mais um pressuposto teórico que sustenta a proposta curricular deste curso: conceber o educador indígena como um profissional de currículo, como um “profissional reflexivo” (Schon, 1997). O pressuposto teórico-metodológico principal é o direito à educação escolar indígena bilíngue e intercultural, que é um princípio defendido na legislação brasileira, estando presente nos RCNEI - Referenciais Curriculares Nacionais para as Escolas Indígenas. Quanto aos princípios norteadores da proposta pedagógica, pode-se dizer que os assessores não-índios e educadores indígenas procuram construir uma proposta que leve em conta o processo de formação que ao longo de sua prática os professores já tenham vivenciado e, ao mesmo tempo, seja capaz de suprir suas necessidades quanto às habilidades relacionadas à prática docente no contexto de suas próprias escolas e comunidades. Tomando essa análise como base e colocando o currículo como ponto central dadiscussão, nota-se que uma listagem de conteúdos e disciplinas não daria conta de resolver a complexidade da formação desses educadores indígenas, principalmente no que tange a interculturalidade. Partindo disso, o currículo multicultural é mais facilmente construído em um contexto democrático de decisões sobre os conteúdos do ensino e para torná-lo possível é necessária uma estrutura curricular diferenciada, com o objetivo de tornar a escola em um projeto aberto, no qual caiba uma cultura que seja um espaço de diálogo e comunicação entre grupos sociais diferentes. (Sacristán, 1995). RESULTADO COM DISCUSSÃO O Programa segue com progressos que vem sendo obtidos a cada mês que passa desde a implantação do Ensino Médio com a habilitação em Magistério Indígena, possibilitando os Guarani Mbya a concluírem um curso que atenda as especificidades deste povo. Outra oportunidade que o curso traz aos alunos é a interação com linguistas especialistas em língua guarani, tendo em vista a parceria feita com o Museu Nacional. Desde o início do curso, já foram realizados um Diagnóstico Sócio Cultural e um Diagnóstico Sócio Linguístico por parte dos próprios alunos indígenas com orientação dos bolsistas e do coordenador do Programa, possibilitando discussões sobre o próprio Projeto Político Pedagógico do Colégio Indígena. As atividades nesse período letivo levaram ainda à produção de quatro curta-metragens oriundos das Oficinas de Audiovisual que contribuirá para o fortalecimento do protagonismo indígena na construção de estratégias de abordagens que valorizem a cultura e o espaço étnico no interior da educação escolar indígenas, em um sentido de afirmação e reafirmação de práticas de ensino inclusivas e diferenciadas, que irão potencializar a autonomia guarani ao longo do processo de escolarização como um todo. Outra conquista do Programa é a produção do livro sobre currículo escolar diferenciado: “Currículos Diferenciados nas Escolas Indígenas, Quilombolas e Caiçaras: Política e Metodologia”, pela Todas essas conquistas estão em fase de atividades sendo realizadas desde o início do período letivo de 2018, entretanto, o curso tem duração de 4 anos (vai até 2022) e portanto o processo ainda está em curso. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se ver que o ensino médio ao longo do tempo vem garantindo progressivas conquistas para o povo Guarani Mbya no que tange à sua necessidade de construir uma escola que possa atender às suas demandas culturais. É importante destacar ainda que o curso é parte de um conjunto de direitos dos povos indígenas que está sendo cobrado. O curso se mostra adequado às especificidades do povo Guarani e visa também a formação de um quadro docente indígena cada vez mais qualificado. É a primeira vez no Estado do Rio de Janeiro que se implanta nas Aldeias o segundo segmento do Fundamental e o Ensino Médio (Magistério Indígena), portanto a demanda por Ensino Superior vem sendo reprimida há uma década. Só tivemos 3 turmas de EJA Guarani (2° Segmento) até agora, o que acumulou uma demanda por ensino médio; mas daqui a 4 anos esses jovens e adultos estarão em condições de ingressar no Ensino Superior. O Colégio Indígena no Rio de Janeiro vem atravessando uma crise desde 2003 quando foi regulamentada pelo Estado, tendo em vista a incipiente e defasada política pública de atendimento aos direitos à educação básica garantidos em lei: Não criação da categoria professor indígena no sistema; não convocação de concurso público; não oferta de Ensino Médio; não oferta de segundo segmento. Após anos de luta, reivindicação e ações do Ministério Público, finalmente a SEEDUC-RJ inicia em 2015 a oferta do segundo segmento e em 2018 a oferta do Ensino Médio. Isso produziu um hiato e uma demanda reprimida de escolarização grave, do ponto de vista histórico. O programa tenta suprir essa dívida histórica e preparar o caminho dos jovens e adultos Guarani para o ingresso na Universidade. Entendemos que estas ações de aumento de escolaridade, são fundamentais hoje, para termos daqui a 4 anos uma turma de jovens e adultos acessando o Ensino Superior no Rio de Janeiro. Metodologia As metodologias utilizadas para a realização das atividades que possam facilitar a implementação do currículo escolar diferenciado e atingir os objetivos destacados anteriormente são a realização de cursos e oficinas nos quais os alunos são convidados a participar e avaliar posteriormente. A Oficina de Audiovisual é baseada nas seguintes etapas: filmagem de aulas em sala através do uso de câmeras e filmadoras obtidas em editais da Proex, edição de vídeo no computador ( usando o aplicativo adobe premiere) adequando-os às argumentações e aos roteiros planejados e elaborados coletivamente e finalmente a produção de DVDs em Língua Guarani para uso didático da escola e da comunidade . Haverá também um Curso de Fotografia, dividido em duas etapas, sendo a primeira ligada a uma formação mais técnica com capacitação em iluminação, composição e cor, elementos de fotografia e pós-produção. Em seguida, é realizada a produção do material didático com a escolha dos temas para cada caderno pedagógico e das fotos junto aos professores, com a criação das fotos, a pós-produção e confecção dos materiais. As fotos comporão o Diagnóstico Sociocultural já elaborado na plataforma Google Earth. A produção de livros didáticos bilíngues vem se dando através de Oficinas planejadas com dois professores indígenas Guarani Mbya com habilitação em cursos de licenciatura e acompanhados de linguistas do Museu Nacional (UFRJ) especializadas na língua guarani. A avaliação desses cursos é efetuada pelos participantes, tanto quanto a eficácia da metodologia utilizada para apropriação das operações técnicas de manipulação dos equipamentos, tanto quanto a garantia da autonomia e protagonismo na elaboração dos filmes e das fotos. A coletânea didática, por sua vez, é avaliada qualitativamente pelos estudantes e professores indígenas quando as utilizam nas práticas pedagógicas cotidianas no Colégio Indígena. Referências BRASIL, MEC/SEF. Referenciais curriculares nacionais para as escolas indígenas. Brasília. MEC. 1999 MONTE, Nietta Lindenberg. “A Construção de currículos indígenas nos diários de classe: estudo do caso Kaxinawá/Acre.” Dissertação de Mestrado em Educação. Niterói: UFF Mimeo. 1995. SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.).Os Professores e a sua formação. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997. STENHOUSE, L. (1984). Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Ediciones Morata SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA,Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antonio Flávio (Org.).Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995 FERREIRA, Gilda Pires. Diretrizes para normalização de dissertações acadêmicas. Salvador: Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFBA, 1993. 58 p.
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