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Geomorfologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Adriana Furlan Revisão Textual: Profa. Esp. Márcia Ota Base conceitual: introdução à Geomorfologia • Base conceitual: introdução à Geomorfologia · Introduzir o aluno à discussão sobre a evolução dos conceitos em Geomorfologia e estabelecer comparações. OBJETIVO DE APRENDIZADO Saiba que esta Disciplina tem como propósito estudar os conceitos e processos físicos atuantes na superfície terrestre, com ênfase nos sistemas de formação do relevo: morfogênese, pedogênese, processos morfodinâmicos e os domínios morfoclimáticos, oferecendo-lhe contato com as discussões mais recentes dessa área; além de lhe proporcionar momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão sobre os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional. Esta Disciplina está organizada em seis unidades, cujo eixo principal será a compreensão dos processos que originam as formas do relevo, ou seja, que dê conta de compreender a evolução do conhecimento geomorfológico e dos Sistemas em Geomorfologia. Desse modo, você será capaz de: • Identificar os elementos da fisiografia fluvial: leitos, canais, trabalho dos rios (erosão e sedimentação) e das bacias hidrográficas. • Verificar como se dá a morfogênese das vertentes em função da mecânica dos solos (infiltração, evolução, interceptação pela vegetação e rochas) e de que forma ocorrem os movimentos da água em superfície e subsuperfície e a ação destes na ocorrência de movimentos de massa e processos erosivos, bem como a formação dos solos em função dos processos de desgaste das rochas. • Identificar os processos costeiros e as formas resultantes destes; do estudo e identificação das Superfícies de aplainamento e das províncias geomorfológicas do Brasil, utilizando como exemplo para aprofundamento a divisão geomorfológica regional do estado de São Paulo; e de que forma se dá a aplicação da Geomorfologia nos estudos ambientais, com base na ocupação do relevo e os problemas ambientais de correntes. ORIENTAÇÕES Base conceitual: introdução à Geomorfologia UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Contextualização Imagine as seguintes situações: 1. No telejornal em um canal de TV, é apresentada a notícia de um deslizamento de terra que soterrou algumas casas e causou danos materiais e humanos. 2. Ao observar a paisagem, muitos viajantes ficaram curiosos para saber o porquê de existirem lugares mais altos e lugares mais baixos na superfície terrestre. 3. Ao observar um rio, após uma forte chuva, nota-se que sua cor muda ganhando, em muitos casos, uma coloração amarelada ou marrom, o que significa que está carregando materiais (solo e rochas) em seu curso. Os eventos relacionados ao conhecimento dos fenômenos que ocorrem na superfície terrestre, em termos do que chamamos de relevo (seu modelado) despertaram, durante muito tempo, dúvidas e curiosidades o que fez com que, ao longo do tempo, pesquisadores ligados à Geografia, Geologia e outras áreas do conhecimento, buscassem estudar e explicar os fenômenos observados na superfície terrestre, tentando compreender seu modelado e as formas presentes em todo o planeta. A busca pelo esclarecimento e conhecimento desses fatos levou a formulação de explicações e teorias específicas que nos levaram a um melhor entendimento da dinâmica externa de nosso planeta. Assim sendo, nesta unidade, estudaremos de que forma surgiu a Geomorfologia no mundo e no Brasil, sua importância, sua evolução e as bases teórico-metodológicas que foram sendo elaboradas no decorrer desse processo evolutivo. 6 7 Base conceitual: introdução à Geomorfologia Conceituação e histórico da Geomorfologia A Geomorfologia é a ciência que se ocupa do estudo das formas de relevo da Terra. Para tanto, interessa-se pela gênese (origem) de tais formas, bem como por sua evolução e sua relação com as dinâmicas das sociedades humanas. As formas ou conjunto de formas de relevo participam da composição das paisagens em diferentes escalas e essas formas são submetidas a um conjunto de processos erosivos ou deposicionais ao longo do tempo, ou seja, estão submetidas à ação dos agentes externos que provocam erosão, como chuva, vento entre outros e pela deposição deste material removido das formações, sendo estes transportados pelos rios, por exemplo. Um dos geógrafos que se dedicou aos estudos do relevo foi Antonio Christofoletti. Em uma de suas obras de referência (1980), ele afirma que “se as formas de relevo são o objeto de estudo da Geomorfologia, há que se estudar, prioritariamente, o processo ou conjunto de processos que as esculpiram”. Para esse autor e vários outros que compartilham do mesmo ponto de vista, podemos definir um processo como uma sequência de ações regulares e contínuas que se desenvolvem de uma forma, geralmente, bastante específica e o final do processo leva a um resultado determinado. Dessa maneira, há uma relação muito grande entre as formas e os processos; o estudo de ambos pode ser considerado como o objetivo central deste ramo do conhecimento, como as características fundamentais do sistema geomorfológico. Importante! As formas de relevo são o resultado momentâneo de processos que duram, na maioria dos casos, milhares de anos para se concretizarem. Importante! Vejamos a defi nição de Geomorfologia de Casseti (1994, p.8): “A Geomorfologia é um conhecimento específi co, sistematizado, que tem por objetivo analisar as formas do relevo, buscando compreender os processos pretéritos e atuais. Como componente disciplinar da temática geográfi ca, a Geomorfologia constitui importante subsídio para a apropriação racional do relevo, como recurso ou suporte, considerando a conversão das propriedades geoecológicas em socioreprodutoras”. Podemos considerar, a partir desta defi nição de Casseti, que o que vemos hoje, a que chamamos de uma determinada forma de relevo, é somente o resultado, momentâneo, de processos que estão atuando há milhares de anos? Por quê? Ex pl or 7 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Se considerarmos que não conseguimos acompanhar estes processos em função da escala de tempo - geológica e humana - ser muito diferente (nossa vida comparada a vida do planeta é muitíssimo curta), o que realmente podemos observar são as formas resultantes destes processos e na medida em que buscarmos estudá-las, passaremos a compreender a origem das formas do relevo (as quais podemos observar nas paisagens). Para conseguirmos a visão de conjunto dos processos que criam as formas de relevo, precisamos considerar que a Geomorfologia é a parte da Geografia que mantém vínculo direto com outras ciências tais como a Geologia, a Climatologia, a Biogeografia, a Pedologia e, também, com a Geografia Urbana, Geografia Agrária, Geografia da População, entre outras, dependendo do ponto de vista da análise que se quer realizar. Importante notar que somente a partir de uma análise integrada, poderemos compreender o relevo terrestre, pois estas inter-relações, com várias outras ciências, permitem que os estudos de geomorfologia apresentem uma visão ampla dos fenômenos relacionados ao relevo e a dinâmica das sociedades que deste se apropriam. Em princípio, devemos considerar que o relevo é resultado de dois conjuntos de forças: • forças endógenas (internas) – que promovem a estruturação do relevo e são compostas pela atividade tectônica e pelo vulcanismo; e • forças exógenas (externas) – que promovem a esculturação do relevo, definindo as diversas formas que podemos observar na paisagem. A estruturação se refere à formação do relevo por meio dos agentes internos, como as erupções vulcânicas que fornecem material novo para a superfície do planeta ou mesmo para partes internas da Terra, quando o magma resfria no interior da Terra formando rochas como o granito, por exemplo. A atividade tectônica é responsávelpela estruturação do relevo na medida em que movimentos tectônicos (terremotos) transformam a crosta terrestre provocando dobramentos (formação de montanhas e cadeia de montanhas) fazendo com que rochas que estão no interior da Terra fiquem mais próximas ou expostas na superfície terrestre, ficando, assim, vulneráveis à ação dos agentes externos que realizarão a esculturação dessas formas. Vamos pensar neste processo todo com a seguinte situação: em um lugar qualquer do planeta, há uma forte atividade vulcânica e a formação de granito no interior desta parte da crosta terrestre. Tempos depois, essa mesma região é submetida a fortes movimentos tectônicos, fazendo com que a crosta terrestre se dobre e o material que está no interior da crosta seja empurrado em direção à superfície terrestre. Logo, a rocha que estava “protegida” no interior da crosta ficará exposta na superfície. Muita chuva, vento e até a ação antrópica atuarão sobre esta superfície fazendo com que ocorra uma mudança na forma original da rocha e, consequentemente, gerará uma nova forma de relevo – de uma alta montanha, por exemplo, para uma colina mais suave, onde ocorreu o desgaste da rocha, a formação de solo, o transporte de parte do material para áreas mais rebaixadas. Pode haver ocupação desse relevo, onde a construção de casas, com cortes no terreno e aterros contribuirão para a modificação do mesmo. Esse exemplo demonstra como ocorre a estruturação e a esculturação do relevo. Para entendermos esse processo todo, precisamos de conhecimento de outras áreas como da Geomorfologia, Hidrologia, Pedologia, Geografia Urbana entre outras. Ex pl or 8 9 O granito é uma rocha magmática intrusiva, ou seja, sua formação ocorre com o resfriamento do magma ainda no interior da Terra, ou seja, o magma não chega à superfície terrestre, ocorrendo um resfriamento e formação dessa rocha dentro da crosta terrestre. Assim, o campo de estudos da geomorfologia se traduz numa interface de fundamental importância, pois é na superfície terrestre que as sociedades se assentam e desenvolvem suas atividades e a evolução e as fragilidades do relevo são de particular interesse para as sociedades, pois as diferentes configurações do relevo facilitam ou impõem obstáculos e dificuldades para sua ocupação. Em suma, interessa ao geógrafo entender a origem do modelado terrestre, suas potencialidades e fragilidades; identificar e caracterizar os processos (geomórficos) que propiciam a transformação/evolução das formas de relevo terrestres e de que forma as sociedades se relacionam com estas em diferentes escalas espaciais e temporais. Desse modo, o geógrafo dever buscar compreender as formas de relevo em sua interação com as dinâmicas sociais para, assim, desvendar a organização espacial existente nos diferentes lugares do planeta e poder explicá-la. Para se chegar a essas definições, foi necessário um longo período de tempo, desde as primeiras indagações sobre as formas do modelado terrestre e suas explicações. Imaginemos um viajante originário de um local bastante plano chegando a outro local repleto de altas montanhas. E, se estivermos corretos, seria possível imaginar que esse viajante ficaria surpreso ao observar uma paisagem tão distinta daquela que estava acostumado a ver em seu local de origem. Imaginemos, ainda, que esta mudança de paisagem tenha despertado curiosidade nesse viajante e o tenha levado a questionar o porquê de tal diferença. Os primeiros registros das formas de paisagem eram feitos juntamente com o relato das observações de viajantes e desenhos feitos em viagens de reconhecimento de novas terras descobertas em tempos remotos. O relevo sempre foi notado pelo homem no conjunto de componentes da natureza pela sua beleza, imponência ou forma. Podemos verificar este fato nos desenhos que acompanham relatos de viagens, pinturas feitas das paisagens dos lugares visitados e até em obras de arte de alguns artistas famosos de séculos passados. Também, é antiga a convivência do homem com o relevo, no sentido de lhe conferir grande importância em muitas situações do seu dia a dia, como para assentar moradia, estabelecer melhores caminhos de locomoção, localizar seus cultivos, criar seus rebanhos ou definir limites de seus domínios. (MARQUES, In: GUERRA e CUNHA, 2003). Importante! Além de despertar o interesse científi co, as formas de relevo podem ter signifi cado simbólico e sagrado para alguns povos, como, por exemplo, o Monte Uluru, na Austrália, que, conforme a crença dos aborígenes australianos (povo Anangu), esta paisagem é uma criação feita por seus antepassados e tornou-se, assim, uma terra sagrada que deve ser protegida. Você Sabia? 9 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Monte Uluru – Austrália Fonte: istock/getty images Com o passar do tempo, surgiu a necessidade das sociedades humanas, de compreender as formas de relevo e dar explicação aos fenômenos observados, pois eventos catastróficos, que atingiam de maneira negativa e destrutiva muitas comunidades, precisavam ser compreendidos a fim de que fossem evitados. Como exemplo desses eventos, podemos citar terremotos, erupções vulcânicas, torrentes formadas por grandes tempestades, avalanches, inundações, deslizamentos de terra e lama, entre outros. Assim, paralelo à evolução do conhecimento humano nas diversas áreas do que viria a ser chamado de Ciência, o conhecimento da superfície terrestre tornou-se mais do que a satisfação de uma curiosidade, virou uma necessidade. No caso da Geomorfologia, assim como em muitas outras situações, em que a ciência busca a compreensão dos fenômenos para melhor conviver com eles ou até evitá-los, a evolução do conhecimento humano não se restringiu, apenas, a procurar reconhecer tipos de relevo e os processos a eles relacionados, mas tem procurado ir sempre mais além, buscando encontrar respostas para muitas questões que pudessem explicar, por exemplo, como os processos se articulam entre si; como evoluem os grandes conjuntos de relevo; qual o significado do relevo no contexto ambiental; como interferir ou controlar o funcionamento dos processos geomorfológicos; como conviver com os processos catastróficos; como projetar (no espaço e no tempo) o comportamento dos processos e as formas de relevo resultantes. Toda essa preocupação surge da afirmação que o relevo, para alguns autores, é considerado o palco da sociedade humana (ROSS, 2010), onde se desenvolve o “teatro da vida”, pois é sobre esse piso que se fixam as populações humanas e são desenvolvidas suas atividades, derivando daí valores econômicos e sociais que lhes são atribuídos. (MARQUES, In: GUERRA e CUNHA, 2003) 10 11 Os pioneiros das teorias geomorfológicas Uma grande parte dos trabalhos iniciais e clássicos, explicando os processos de evolução das formas do relevo, baseia-se nas transformações das vertentes pela erosão. Nisso, inserem-se várias teorias, muitas das quais serviram e servem de suporte a estudos atuais em Geomorfologia, tais como as de Davis (1899), Penk (1953), King (1956) Hack (1960) e Ruhe (1956). Young (1972) comenta que esses trabalhos estão fundamentados na observação dos processos erosivos atuais, o que está de acordo com um dos preceitos básicos da geomorfologia definidos por Hutton: “O presente é a chave do passado” (Thornbury, 1969). Dentre os pioneiros, podemos citar William Moris Davis (1850-1934). Sua influência, nos estudos geomorfológicos, foi maior do que a de qualquer outro estudioso da área. Precursor da teoria geomorfológica e fundador da Geomorfologia como disciplina especializada, era um viajante incansável e sua contribuição para o conhecimento da evolução da paisagem foi fundamental. Sua maior contribuição está publicada com o título de “O ciclo geográfico”, na qual, com base naideia de ciclo de erosão, busca explicar os processos que contribuem para a evolução do relevo (e da paisagem como um todo). Na teoria e explicações criadas por Davis, nos processos evolutivos do relevo, a erosão atuaria em toda a extensão de uma determinada área, iniciando pelo rejuvenescimento, fase em que ocorreria o soerguimento continental (como resultado de movimentos tectônicos) e a consequente incisão dos vales com taludes (encostas) pronunciados. A partir de então, a regressão das encostas se daria pela diminuição das inclinações do terreno. Esse é o chamado “ciclo geográfico”, que engloba as seguintes fases: juventude, maturidade e senilidade. À medida que esse ciclo iria evoluindo, o relevo seria gradativamente aplainado, de cima para baixo, e condicionado por um nível de base local. Se esse processo se mantém contínuo, a paisagem alcança o estado de senilidade, correspondendo a um relevo aplainado (mais plano) com cursos de água meandrantes (com muitas curvas). Nessa teoria, estaria implícita a remoção por erosão contínua em toda a superfície até a formação de uma grande planície ou peneplano, levando à dedução de que a erosão atuaria em toda a extensão de todas as encostas e em quase todas as épocas. (VIDAL-TORRADO, et al. 2005) Nível de base local é a linha de altitude do relevo abaixo da qual um rio não consegue mais provocar erosão, predominando a deposição. O nível de base global ou mundial é nível do mar. 11 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Observe na figura 1, a seguir, a representação esquemática do nível de base local e mundial. Figura 1: Nível de base local e mundial Fonte: Acervo do Autor Observe, na Figura 2, a evolução do relevo, em estágios, com base na teoria do ciclo de erosão (ciclo geográfico) do norte-americano William Morris Davis em 1899. Na fase da juventude, o relevo recentemente soerguido (por movimentos tectônicos violentos) é atacado pelo processo erosivo resultante do trabalho de incisão de um curso de água. Importante! Vejamos, conforme o próprio autor, como ocorre este processo: Os processos destrutivos apresentam-se sob múltiplas formas. Existe a ação química do ar e da água, e a ação mecânica do vento, do calor e do frio, da chuva e a neve, rios e geleiras, ondas e correntes. Mas como a maioria da superfície sólida da Terra é trabalhada principalmente pelas mudanças de tempo (weather) e a água corrente, estas são consideradas como formando um grupo normal de processos destrutivos, enquanto o vento dos desertos áridos e o gelo dos desertos frios serão considerados como modificações climáticas da norma e colocados à parte para discussão em separado. (Davis apud COLTRINARI, 1991, p.10) Trocando ideias... Percebemos que, para Davis, os rios são o principal agente modelador do relevo e sua capacidade erosiva é relativa à fase de juventude, maturidade ou senilidade do relevo, exercendo este (o rio) um papel diferente em cada estágio do processo de erosão, rebaixamento e aplainamento do relevo. Como ocorre este processo de erosão e consequente rebaixamento e aplainamento do relevo, segundo Davis? 12 13 Para o autor, as rochas da superfície terrestre são atacadas pelos agentes do intemperismo (no caso pelos agentes climáticos). A chuva cai na superfície intemperizada (rocha fragilizada e em processo de transformação) e transporta parte do material ao longo das vertentes (encostas) iniciais até as calhas, onde duas vertentes convergentes se encontram. Então, formam-se os rios, que fluem em direções consequentes com o declive das linhas das calhas. O mecanismo dos processos destrutivos é, assim, posto em movimento e o desenvolvimento destrutivo da região começa. Figura 2: Estágios da evolução do relevo conforme o Ciclo Geográfi co de W. M. Davis Fonte: Acervo do Autor Observe, na figura 2, o estágio de juventude do relevo. Neste estágio, o relevo sofre erosão e os rios transportam o material retirado das vertentes, para áreas mais baixas. Assim, com o passar do tempo, o relevo se modifica, com rebaixamento gradual das vertentes e no trabalho erosivo dos rios passando ao estágio de maturidade. Neste estágio, as vertentes foram rebaixadas e o que se observa é um conjunto de terras baixas onduladas, onde o trabalho erosivo do rio é, basicamente, de transporte dos materiais que ainda se originam nestas vertentes. As calhas dos rios se alargam e este aumenta sua capacidade de transporte de materiais. Desse estágio, o relevo evoluiria para sua fase final, a de Senilidade. Nesta fase, os rios se tornam vagarosos e meandrantes (com muitas curvas) e o remanejamento dos detritos seria extremamente lento. Para Davis, o relevo seria rebaixado até um nível de base local (ponto mais baixo de uma região) e o objetivo final deste processo erosivo seria atingir o nível de base global (nível do mar) quando, estando toda superfície terrestre rebaixada ao nível 13 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia de base global ocorreriam novos soerguimentos e todo o ciclo erosivo se iniciaria novamente. A superfície erodida resultante deste processo seria o peneplano e o processo ocorrido seria o de peneplanação. Para Christofoletti (1980), Davis construiu sua concepção do ciclo geográfico em função da estrutura, dos processos e do tempo, mas o que se refere aos estudos dos processos não foi realizado (deixou a desejar). Além disso, seus estudos foram realizados sob determinada condição climática (clima temperado), os soerguimentos de determinada área não são cíclicos e nem sempre violentos e a estabilidade longa a que se referia, não pode ser medida, além de não haver o equilíbrio total no final do ciclo. Acredita-se que este fato fez com que, ao longo do tempo, somente conceitos criados por Davis e não a sua teoria como um todo fossem utilizados. O conceito de nível de base (ponto mais baixo de uma área para onde convergem as águas, das chuvas, por exemplo, formando cursos de água) é bastante utilizado em Geomorfologia, assim como o conceito de Superfície de Aplainamento, tendo sido identificadas no continente sul americano e, no Brasil, pelo menos, duas superfícies de erosão, com base nas formulações de Davis: Superfície Sul Americana e Superfície Velhas. Outros estudiosos que contribuíram para os estudos do relevo foram o alemão Walther Penk em 1924 e o sul-africano Lester Charles King em 1953. A segunda teoria que marcou a evolução do pensamento geomorfológico foi a elaborada pelo alemão Walther Penk em 1924. Para Penk, o relevo é formado na contraposição das forças endógenas com as exógenas, em que, nos períodos com predomínio de forças endógenas, são produzidas as elevações e o dobramento do relevo; quando, ao contrário, prevalecem as forças exógenas, essas elevações tendem a ser rebaixadas, e a superfície se torna aplainada. Penk, ainda, baseia sua teoria na existência de níveis de base locais (semelhante a Davis), uma vez que considera que não são somente os oceanos que se constituem como níveis de base para os processos denudacionais. Além disso, considerava que a evolução das formas do relevo começa por um soerguimento tectônico de uma superfície quase plana. Quando o soerguimento perde força, ocorre o predomínio dos processos erosivos e após esse processo, um novo soerguimento ocorre. Entre as duas formas resultantes (uma mais elevada e uma mais rebaixada, erodida) ocorre um escarpamento, que, como um degrau no relevo (piemonte), constitui a testemunha de dois soerguimentos distintos. (SALGADO, 2007) A sucessão de períodos de soerguimento e ausência de atividade tectônica produz, para Penk um relevo com degraus, onde cada superfície (degrau), cada ponto dos cursos fluviais e mesmo cada concavidade de vertente constituem um nível de base. No processo de evolução do modelado terrestre em escadaria, as vertentes evoluem, em princípio, predominantementepor retração lateral, para, em seguida, predominar o rebaixamento vertical. 14 15 Para Penk, ainda, os tipos de rocha e de clima são importantes mas não alteram significativamente o processo de evolução do modelado, podendo apenas retardá-lo ou facilitá-lo. Desse modo, rochas mais resistentes constituirão o substrato dos relevos residuais, ou seja, serão testemunhos de um relevo e rochas que não foram destruídos pela erosão. (SALGADO, 2007) Na figura 3, observamos os princípios fundamentais da teoria de Penk. Segundo esse autor, ocorre um processo denominado de captura de drenagem (que é um exemplo de erosão remontante). Penk notou que a evolução do relevo se dá de trás para frente, ou seja, a erosão começa na foz do rio ou no nível de base local (ponto mais baixo do relevo imediatamente adjacente) e se dirige, gradativamente, para a montante (local mais elevado, nascente do rio). Para ele, com o passar do tempo, os vales iriam se largando (do fim para o início do rio) e haveria um alinhamento paralelo de ambos os lados das vertentes. 1. Predominância do entalhamento do talvegue em relação à denudação, responsável pelo desenvolvimento de vertentes convexas (aumento do ângulo da vertente). 2. Equilíbrio entre soerguimen- to-denudação, com formação de vertentes retilíneas (manutenção do ângulo da vertente). 3. Predomínio do entalhamento do talvegue, que implica na con- cavização da vertente (redução do ângulo da vertente). Soerguimento Entalhamento Denudação Forte Moderada Fraca Figura 3: Intensidade da erosão e evolução do relevo conforme Penk Fonte: Adaptado de Casseti, 1994 Segundo Salgado (2007, p. 70), “a terceira grande teoria acerca da evolução do relevo foi o modelo de pediplanação elaborado pelo sul-africano Lester Charles King em 1953, no qual o clima possui fundamental importância na gênese dos aplainamentos”. Para King, os aplainamentos ocorrem em regiões submetidas a condições de relativa calmaria tectônica e com condições climáticas de semiaridez à aridez. Essas condições climáticas caracterizam um ambiente com uma cobertura vegetal esparsa e nas condições de semiaridez ou aridez as chuvas são irregulares (esporádicas), mas muito fortes (torrenciais). 15 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Na continuidade de sua teoria, King afirma que o processo de gênese (origem) de uma nova superfície aplainada tem início com a incisão fluvial (início do entalhe do talvegue (ponto mais profundo de um canal fluvial) por um curso fluvial, em razão de um soerguimento em uma área árida ou semiárida. Após os cursos fluviais terem rebaixado seus leitos até uma cota em equilíbrio com seu novo nível de base, inicia-se o trabalho de alargamento dos vales fluviais. Nesse momento, inicia-se, também, o processo de retração lateral das vertentes. (SALGADO, 2007) Primeiro, o rio escava seu canal e depois, alarga seu vale. Figura 4: Principais elementos da teoria de King Fonte: funape.org.br Observa-se (figura 4) que, conforme King, as vertentes recuam paralelamente e neste processo surgem os elementos constituintes da paisagem erodida. A principal forma são os inselbergs, que são considerados como formas residuais resultantes deste recuo. Estas partes do relevo (inicial) são compostas por parte mais duras da rocha que não são erodidas e ficam como um “testemunho” de que a superfície apresentava uma extensão maior do que se pode observar, ou seja, devemos imaginar que entre o inselberg e a vertente em recuo tudo era uma única superfície (figura 6). Figura 5: Inselberg em Quixadá – Ceará. Fonte: wikimedia/commons 16 17 Figura 5: Estágios de evolução do relevo, conforme King Fonte: acervo do autor A superfície ligeiramente ondulada que se forma a partir do espalhamento do material retirado da vertente é chamada de pedimento. O processo de retirada do material da vertente ocorre em função de chuvas torrenciais, característica de áreas semiáridas (clima dos locais, onde Penk realizou seus estudos) e seu espalhamento pela superfície após a vertente. Este processo é chamado de pedimentação. O pedimento é composto por material fragmentado (cascalho) retirado da vertente. Observe, ainda, na figura 3, que as partes rebaixadas da superfície (pequenas depressões) são preenchidas pelo material retirado da vertente e recebem o nome de Bajada. 17 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Geomorfologia no Brasil O desenvolvimento dos estudos de Geomorfologia no Brasil estão relacionados ao surgimento e expansão dos cursos de Geografia a partir da década de 1930. A Geografia, no Brasil, surge sob a influência da Escola Francesa e seu desenvolvimento (tanto teórico, quanto prático) será fortemente influenciado por esta Escola e, posteriormente, por outras, conforme as teorias e autores de outros países ganhavam destaque nesta área do conhecimento. A Geomorfologia surge influenciada por Davis e sua teoria do Ciclo Geográfico. Alguns fatos que marcaram a evolução dos estudos em geomorfologia no Brasil estão associados à história política e cultural dos anos de 1930, com a fundação da Universidade de São Paulo (USP – primeiro curso de Geografia do Brasil) e a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esta história registra a influência de duas grandes correntes de pensamento em Geomorfologia mundial: a primeira compreende a década de 1930 e avança até aproximadamente meados da década de 1950, onde o modelo dominante é o “Ciclo Geográfico da Erosão”, elaborado por Davis em 1899 e a segunda a partir da década de 1950, indica uma ruptura com este modelo (paradigma) se encaminhando para a utilização da Teoria da Pediplanação, elaborada por King em 1956. Após a possibilidade de utilização de fotografias aéreas para as pesquisas geográficas e geomorfológicas (a partir de 1950), permitindo que tivéssemos uma visão tridimensional das formas do relevo, associadas aos trabalhos de campo, foi possível a elaboração de hipóteses e novos estudos para explicar os fenômenos observados nas paisagens. (VITTE, 2011) A Geomorfologia brasileira teve, também, outra grande influência a partir da Teoria dos Refúgios/Redutos Florestais. A Geomorfologia com base nas condições climática (Geomorfologia Climática) foi dinamizada e se tornou possível especificar as relações entre as variações dos períodos glaciais (especialmente o período denominado Würm- Winsconsin) com a distribuição da cobertura florestal, a existência e a persistência de formas de relevo e depósitos correlativos em ambientes morfoclimáticos distintos ou mesmo contrastantes com as condições atuais. Na Geomorfologia Climática brasileira, autores de destaque elaboraram trabalhos fundamentais para a evolução do pensamento geomorfológico brasileiro, tais como Aziz Ab’Saber, João José Bigarella e Maria Regina Mousinho, que trabalharam juntos em muitas ocasiões e contribuíram para a manutenção do modelo (paradigma) climático na interpretação do relevo brasileiro. (VITTE, 2011) Podemos perceber, então, que os estudiosos brasileiros da área de Geomorfologia, embora influenciados por teorias de autores estrangeiros, desenvolveram, ao longo do tempo, adaptações, mas também suas próprias teorias para estudar e compreender o relevo de uma realidade distinta daquela estudada pelos primeiros geomorfólogos mundiais. Isto porque as condições climáticas e geológicas do Brasil requeriam novas formas de explicar os processos e formas de relevo aqui existentes. 18 19 Um importante geomorfólogo brasileiro Um dos geógrafos/geomorfólogos de maior destaque foi (a ainda é) Aziz Ab´Saber, que desde sua formação acadêmica se dedicou aos estudos teóricos e de campo e formulou diversas explicações e teorias, que são a base de muitos dos estudos de Geomorfologia nos dias atuais. Os seus estudos relativos às grandes glaciações do Quaternário (especialmente ao período denominado Würm-Winsconsin) e os eventosregistrados na superfície terrestre decorrentes deste fenômeno, elucidaram muito dos processos e formas de relevo que podemos observar nas paisagens. Após anos de estudos, Aziz produziu teorias difundidas por todo o país e pelo exterior, dentre as quais, destacamos a Teoria dos Redutos e Relíctos e a compartimentação do relevo brasileiro a partir de domínios morfoclimáticos. Aziz Ab’Saber defendia que a análise geomorfológica deveria estar centrada no Período Quaternário (da Era Cenozóica – em torno de 1,8 milhões atrás até os dias de hoje). Para esse geógrafo, esta análise se desenvolve em três etapas e o relevo é considerado o produto de uma interação complexa entre as forças endógenas (internas) e exógenas (externas). Assim, em um trabalho de geomorfologia, devemos considerar, primeiramente, a influência da estrutura geológica. Na próxima etapa de análise, o geomorfólogo deve considerar a estrutura superficial da paisagem, que corresponde aos elementos considerados como “indícios” de processos climáticos como colúvios, rampas coluviais e stones-lines. A terceira e última etapa, é análise da fisiologia da paisagem, a qual é expressão do funcionamento atual da geoesfera Esta se refere à compreensão dos processos atuais que atuam no modelamento das formas, pois estas são produto dos processos passados e dos atuais, em um quadro em que participam tanto a geologia quanto as forças climáticas e paleoclimáticas. (VITTE e NIELMANN, 2009) Colúvio - Solo ou fragmentos rochosos transportados ao longo das encostas de morros, devido à ação combinada da gravidade e da água. Stone-lines: horizonte, mais ou menos paralelo à superfície, presente na cobertura pedológica (solo) composto por fragmentos de rocha de materiais resistentes à alteração química e por ser encontrado em vastas áreas das zonas intertropicais. Ex pl or Além de Aziz Ab´Saber, as pesquisas e formulações teóricas de Christofoletti, Mendes e Petri, Bigarella, Coltrinari e Kohler são de fundamental importância para os estudos do Quaternário continental brasileiro. 19 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Outras linhas do pensamento geomorfológico brasileiro Uma parcela dos geógrafos brasileiros, dedicados aos estudos dos fenômenos relativos ao relevo (em sua relação com a sociedade ou não), foi fortemente influenciada pelo geógrafo francês Jean L. F. Tricar (décadas de 1950 e 1960). (VITTE, 2011) Jean Tricart tinha uma como centro de suas atenções: a preocupação em relação à degradação da natureza. Por conta disso, afirmava que a pesquisa científica deveria ser utilizada para que se conseguisse o desenvolvimento (econômico e social) sem degradar os recursos ecológicos, pois destes depende a sobrevivência das sociedades humanas. Tricart fundamentou seus estudos nos conceitos oriundos da Ecologia, teve como sua base teórico-metodológica os (eco)sistemas e desenvolveu sua metodologia de análise a qual nomeou como Ecodinâmica, na qual analisa o ambiente e concebe uma classificação do que chamou de meios ecodinâmicos. Nos meios estáveis, há o predomínio dos processos pedogenéticos (processos de formação dos solos), especialmente em sua relação com a cobertura vegetal. Já nos meios intergrades (de transição entre a estabilidade e a instabilidade), ocorre a alternância temporal na intensidade de atuação, num mesmo espaço, entre morfogênese (processo de esculturação das formas do relevo) e pedogênese. E, nos meios fortemente instáveis, a morfogênese é o elemento principal na evolução da paisagem e nestes meios ocorre forte influência da cobertura vegetal (presença ou ausência), da instabilidade climática (com eventos de grande magnitude e duração que interferem de forma intensa na esculturação do relevo, como por exemplo, fortes chuvas em áreas semiáridas, proporcionando o deslocamento e espalhamento do material retirado das áreas mais elevadas) e da interferência humana que provoca modificações e degradação ambiental. Um dos autores brasileiros que elaborou estudos com base na metodologia de Tricart foi Jurandyr S. Ross. Além desse autor, Christofoletti contribuiu para a adaptação, aprofundamento e difusão da teoria de Sistemas em Geomorfologia (inicialmente tratada por Tricart). Sistemas em Geomorfologia Segundo Christofoletti (1980), um sistema “pode ser definido como o conjunto dos elementos e das relações entre si e entre seus atributos”. E os sistemas em Geomorfologia “podem ser classificados de acordo com o critério funcional [...]”. O funcionamento do sistema está associado à entrada e saída de energia e matéria. O foco principal não é a interação com os elementos humanos, que são somente acessórios. De acordo com Christofoletti, que teve como base de suas formulações teóricas a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) de Ludwig Von Bertalanffy (a partir de 1950), os sistemas podem ser classificados em: 20 21 a) Sistemas morfológicos que são compostos pela associação das propriedades físicas do fenômeno, constituindo os sistemas menos complexos das estruturas naturais. São exemplos desses sistemas as redes de drenagem, as vertentes, as praias, os canais fluviais, as dunas e as restingas. b) Sistemas em sequência são aqueles compostos por uma cadeia de subsistemas, possuindo tanto magnitude espacial quanto localização geográfica e podemos citar como exemplo tipo de sistema a seguinte sequência de subsistemas: atmosfera, vertente, lençol subterrâneo, vegetação, rios e mar (o que pode ser considerado, genericamente, como o ciclo da água). c) Sistemas de processos-respostas são aqueles formados pela associação de sistemas morfológicos e sistemas em sequência, sendo que os sistemas em sequência indicam o processo, enquanto o morfológico representa a forma, a resposta a determinado estímulo. Podemos tomar, como exemplo, a seguinte situação: aumentando a capacidade de infiltração de determinada área, haverá diminuição no escoamento superficial na densidade de drenagem, o que reflete na diminuição da declividade das vertentes. Essa diminuição, por sua vez, facilita a capacidade de infiltração de uma área e diminui o escoamento superficial. O contrário, também, pode ocorrer. d) Sistemas controlados apresentam a ação antrópica (humana) sobre os sistemas de processos-respostas. A complexidade das relações estabelecidas nos sistemas aumenta em função da intervenção humana. Exemplo desse sistema pode ser a ocupação de encostas ou assoreamento de rios por conta de desmatamento e consequente erosão de uma área. Em função das especificidades dos estudos geomorfológicos, Christofoletti (1980) classifica estes atributos específicos e suas inter-relações, em Sistema Geomorfológico. Importante! Vejamos como o próprio autor defi ne e explica os sistemas em Geomorfologia. Trocando ideias... De acordo com este Christofoletti (1980), [...] as formas e os processos representam o âmago da Geomorfologia, podemos distinguir dentro do universo geomorfológico os seguintes sistemas antecedentes que são os mais importantes para a compreensão das formas de relevo: a) O sistema climático que através do calor, da umidade e dos movimentos atmosféricos, sustenta e mantém o dinamismo dos processos. b) O sistema biogeográfico que, representado pela cobertura vegetal e pela vida animal que lhes são inerentes, e de acordo com suas características, atua como fator de diferenciação na modalidade e intensidade dos processos, assim como fornecendo e retirando matéria. c) O sistema geológico que, através da disposição e variação litológica, é o principal fornecedor de material, constituindo o fator passivo sobre o qual atuam os processos. d) O sistema antrópico, representado pela ação humana, é o fator responsável por mudanças na distribuição da matéria e energia dentro dos sistemas, e modifica o equilíbrio dos mesmos.” (CHRISTOFOLETTI, 1980, p.10) 21 UNIDADE Base conceitual: introdução à Geomorfologia Em função da especificidade da Geografiaque tem como objetivo a compreensão da organização espacial e a distribuição territorial dos fenômenos com base na relação das sociedades (Geografia Humana) com a natureza (Geografia Física), a concepção metodológica da Teoria dos Sistemas mostrou-se insuficiente para atingir tal compreensão. Dessa forma, surgiu a Teoria dos Geossistemas, sendo que o termo geossistema foi introduzido na literatura soviética por Victor Sotchava, no início da década de 1960 e esse autor teve a preocupação de estabelecer uma metodologia de estudo da natureza/paisagem que fosse aplicável aos estudos geográficos. O mesmo almejou a elaboração de uma proposta metodológica que substituísse os estudos baseados, exclusivamente, na dinâmica biológica do ecossistema, pelos estudos integrados dos sistemas naturais e humanos em um determinado recorte espacial. Desta forma, buscou entender a parte que caberia à Geografia na análise integrada entre os fluxos de matéria e energia dos sistemas ambientais, desenvolvendo o termo/conceito de Geossistema, que possibilitaria a análise dos processos geográficos na interface entre a sociedade e a natureza através, essencialmente, do conceito de paisagem. (NEVES et al. 2014) Conforme a definição de Sotchava (1978), o Geossistema pode ser considerado como um tipo especial de sistemas, sendo o espaço terrestre de todas as dimensões, onde os componentes individuais da natureza se encontram numa relação sistêmica uns com os outros e em interação com o universo e com a sociedade humana. Além desse autor, outros trataram da Teoria dos Geossistemas e elaboraram estudos tendo como base esta fundamentação teórico-metodológica. Dentre esses, podemos citar Christofoletti, Tropmair, Bertrand e Monteiro. Embora ainda apresente problemas de caráter metodológico, a Teoria dos Geossistemas é uma tentativa de romper com a dicotomia existente entre Geografia Humana e Física na análise dos fenômenos da natureza. Dessa maneira, buscou-se e se busca, conforme se pode perceber, a partir de estudos recentes de Geomorfologia, a adequação das teorias existentes e o desenvolvimento de novas explicações que se adequem a realidade brasileira, pois, como pudemos perceber, há muitos estudiosos que se dedicaram e se dedicam ao desenvolvimento e consolidação da Geomorfologia no Brasil. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Uma introdução à história da geomorfologia no brasil: a contribuição de aziz nacib ab’saber Discute a importância deste geógrafo e suas contribuições para os estudos de Geomorfologia no Brasil. http://goo.gl/PeiN7e O Ciclo Geográfico Para aprofundamento do seu conhecimento sobre o Ciclo Geográfico de W. M. Davis, ler o artigo http://goo.gl/vh6VAe Os geossistemas como elemento de integração na síntese geográfica e fator de promoção interdisciplinar na compreensão do ambiente Para melhor compreensão da Teoria do Geossitemas. Revista de Ciências Humanas 14.19 (1996): 67-100. Inselbergs e sua gênese no semi-árido baiano Uma discussão mais elucidativa sobre a formação dos inselbergs pode ser obtida a partir da leitura do texto Inselbergs e sua gênese no semi-árido baiano http://goo.gl/fIw8Ot 23 Referências CASSETI, V. Elementos de geomorfologia. Goiânia: UFG, 1994. CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2.ed. São Paulo: Edgar Blucher, 1980. GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (Orgs.) Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. NEVES, C. E. das; MACHADO, G.; HIRATA, C. A.; STIPP, N. A. F. A importância dos geossistemas na pesquisa geográfica: uma análise a partir da correlação com o ecossistema. Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (2): 271-285, mai/ago/2014. SALGADO, A. A. R. Superfícies de aplainamento: antigos paradigmas revistos pela ótica dos novos conhecimentos geomorfológicos. In: Geografia – artigos científicos. Belo Horizonte 03(1) 64-78 janeiro-junho de 2007. Disponível em www.cantacantos.com.br/revista/index.php/geografias/article/.../39/38. Acesso em 20/08/15. SOTCHAVA, V. B. Por uma teoria de classificação de geossistemas de vida terrestre. São Paulo: IGEO/USP, 1978. TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro, IBGE, 1977. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/ ecodinamica.pdf VIDAL-TORRADO, P., I. F. LEPCHS, e S. S. CASTRO. “Conceitos e aplicações das relações pedologia-geomorfologia em regiões tropicais úmidas.” VIDAL-TORRADO, P. et al (2005):145-192. Disponível em: http:// www.labogef.iesa.ufg.br/labogef/arquivos/downloads/PabloVidal_Lepsh_Selma_ ConceitoseAplicacoes_51247.pdf Acesso em 20/08/15. VITTE, A. C. A construção da Geomorfologia no Brasil. In: Revista Brasileira de Geomorfologia, v.12, n.3, p.91-108, 2011. VITTE, A. C.; NIELMANN, R. S. Uma introdução à história da Geomorfologia no Brasil: a contribuição de Aziz Nacib Ab´Saber. In: RBGF- Revista Brasileira de Geografia Física. Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50. 24
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