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Patricia Lelis Marques, 3º ano de Medicina - UniFG OPIOIDE – RESUMÃO A farmacologia dos opioides é extensa e diversa, contudo os principais pontos sobre o assunto podem ser resumidos facilmente. O protótipo dos opioides é a morfina, que é extraída do suco da papoula Papaver somniferum, que contém morfina e outros alcaloides. Este extrato é conhecido como Ópio e foi muito utilizado por provocar efeito eufórico e analgésico além de evitar a diarreia. Os opioides são medicamentos analgésicos aplicados para tratar dores de intensidade moderada a forte. Aqui vamos levá-lo pela farmacologia dos opioides apresentando o mecanismo de ação, principais fármacos da classe e efeitos adversos. Mas antes é importante revisar o mecanismo de dor e nocicepção: O mecanismo pelo qual estímulos periféricos nocivos são transmitidos ao sistema nervoso central é chamado de nocicepção. Já a dor é uma experiência subjetiva, nem sempre associada à nocicepção. O principal tipo de neurônio sensitivo periférico que responde a estímulos nocivos são os Nociceptores polimodais (NPMs). Eles são formados por fibras C não mielinizadas que possuem terminações que respondem a estímulos térmicos, mecânicos e químicos. Estes estímulos responsáveis por provocar a dor atuando nos NPMs são: bradicinina, prótons, ATP e vaniloides (p. ex., capsaicina). As prostaglandinas também atuam sobre os NPMs e por isso apresentam efeito hiperalgésico. Outro receptor é TRPV1, ele responde ao calor nocivo e também a agonistas semelhantes à capsaicina. O mediador lipídico anandamida é um agonista nos receptores TRPV1 além de ser agonista dos receptores canabinoides endógenos. As conexões sinápticas feitas pelas fibras nociceptivas com neurônios de transmissão, se dirigem ao tálamo. Os NPMs liberam glutamato (transmissor rápido) e vários peptídeos que agem como transmissores lentos. Os peptídeos também são liberados perifericamente contribuindo para inflamação neurogênica. Quando a dor neuropática é associada à lesão dos neurônios da via nociceptiva e não a estímulo periférico excessivo, geralmente faz parte de estados dolorosos crônicos e pode não responder bem aos analgésicos opioides. Receptores opioides Em 1950, baseando-se em requisitos estruturais e estereoquímicos, foi sugerido que os opioides induzem analgesia e seus outros efeitos devido a sua interação com receptores específicos. Contudo, apenas com o desenvolvimento de moléculas com atividade antagonista como a naloxona que o conceito de um receptor específico foi aceito. Após isso, Martin et al. propuseram três tipos de receptor, denominados μ (mu), κ (capa) e σ (delta). Patricia Lelis Marques, 3º ano de Medicina - UniFG Peptídeos opioides endógenos O efeito analgésico dos opioides ocorre devido à atuação em receptores no sistema nervoso central (SNC), os quais respondem a peptídeos endógenos com efeitos farmacológicos semelhantes aos dois opioides, estas substâncias são chamadas de peptídeos opioides endógenos. Em 1975, Hughes e Kosterlitz descreveram o isolamento e a caracterização dos primeiros ligantes endógenos, as encefalinas. Hoje, sabemos que as encefalinas são apenas dois dos membros de uma grande família de peptídeos opioides endógenos conhecidos coletivamente como endorfinas, todas com um resíduo de tirosina no N-terminal. A tirosina apresenta em sua estrutura um grupamento amina separado do anel fenólico por dois átomos de carbono. A morfina possui esta mesma estrutura. No seguimento da descoberta das encefalinas, os três tipos conhecidos de receptores (μ, δ e κ) foram clonados e posteriormente, outro receptor opioide (ORL1) foi identificado por técnicas de clonagem, contudo a naloxona (antagonista opioide) não se liga a esse receptor. Os quatro receptores opioides, μ, δ, κ e ORL1, são acoplados à proteína G. Os principais efeitos comportamentais resultantes de suas ativações encontram-se resumidos na figura 1. Principais agonistas e antagonistas A morfina é um agonista parcial nos receptores opioides μ e em doses elevadas pode provocar a morte por depressão respiratória. Patricia Lelis Marques, 3º ano de Medicina - UniFG Outros fármacos opioides, como a codeína e o dextropropoxifeno, podem ser chamados de agonistas fracos, pois seus efeitos máximos, analgésicos e adversos, são menores que os da morfina. A buprenorfina é um agonista parcial que se dissocia lentamente dos receptores opioides. Ela causa menor depressão respiratória que outros opioides. A pentazocina possui uma atividade combinada de agonista κ e antagonista μ (ou agonista parcial fraco). Os fármacos com agonista κ normalmente causam disforia em vez de euforia. A naloxona (ação curta) e naltrexona (ação longa) são antagonistas puros e bloqueiam os receptores μ, δ e κ. Os antagonistas seletivos estão disponíveis como instrumentos experimentais. Quando são administrados isoladamente a indivíduos saudáveis produzem muito pouco efeito, contudo pioram a dor crônica e bloqueiam os efeitos dos opioides. Para bloquear as náuseas, os vômitos e a constipação induzidos pelos opioides pode-se utilizar o alvimopan que é um antagonista do receptor μ que não atravessa a barreira hematoencefálica. Alguns fármacos, como a pentazocina, provocam mistura de efeitos κ-agonistas e μ- antagonistas. A naloxona bloqueia a analgesia induzida pelo estresse e pode piorar a dor clínica, porém normalmente o limiar da dor não é afetado. Além disso, atua rapidamente revertendo a analgesia induzida pelos opioides e a depressão respiratória, sendo usado principalmente para tratar superdosagem de opioides ou para melhorar a respiração em bebês recém-nascidos afetados por opioides que foram administrados à mãe. Ações celulares Os opioides atuam promovendo a abertura dos canais de potássio e a inibição da abertura de canais de cálcio controlados por voltagem. Causando assim, hiperpolarização e redução da excitabilidade neuronal. Além disso, ocorre redução da liberação de transmissores (pela inibição da entrada de Ca2+). Causando assim, efeito inibitório no nível celular, contudo, os opioides também aumentam a atividade em algumas vias neuronais. Esse efeito ocorre devido a um processo de desinibição, em que acontece excitação dos neurônios de projeção por supressão da atividade de interneurônios inibitórios, causando a inibição dos neurônios de projeção. Aspectos farmacocinéticos A absorção de análogos da morfina por via oral é variável. A morfina é geralmente administrada por via intravenosa para tratar dor aguda intensa, pois não apresenta boa absorção oral, porém, a morfina via oral é usada para tratar a dor crônica, em preparações de liberação lenta para aumentar sua duração de ação. A oxicodona é muitas vezes encontrada disponível em preparação oral de liberação lenta. E a codeína é bem absorvida e, comumente, administrada por via oral. IMPORTANTE A morfina e a maioria dos fármacos semelhantes sofrem metabolismo de primeira passagem, e por isso são muito menos potentes quando utilizados por via oral ao invés de injetável. Patricia Lelis Marques, 3º ano de Medicina - UniFG Efeitos farmacológicos Como a morfina está presente em muitos dos opioides analgésicos ela será tomada como composto de referência. Analgesia: o A morfina exerce efeito na maioria dos tipos de dores agudas e crônicas, porém é importante saber que os opioides normalmente são menos eficazes na dor neuropática do que na dor associada à lesão tecidual, inflamação ou crescimento tumoral. o A morfina é antinociceptiva e também reduz o componente afetivo da dor. o Outros fármacos como a pentazocina compartilham as ações antinociceptivas da morfina, porém têm muito menos efeitos sobre a resposta psicológica à dor. Hiperalgesia o O uso prolongado de opioides pode paradoxalmente provocar hiperalgesia, que podeevidenciada pela redução da resposta analgésica à determinada dose de opioides, contudo não deve ser confundida com tolerância que é a redução da responsividade, causada normalmente por dessensibilização do receptor μ. Euforia o Outro efeito importante da morfina é sua capacidade de causar potente sensação de contentamento e bem-estar. o No entanto, esta euforia depende de algumas características. Por exemplo, em pacientes angustiados a euforia é pronunciada, porém em pacientes acostumados a dor crônica, o medicamento vai causar analgesia com mínima ou nenhuma euforia. Além disso, em alguns pacientes pode ocorrer agitação ao invés da euforia. IMPORTANTE Os receptores μ são responsáveis pela euforia, enquanto a ativação dos receptores κ produz disforia e alucinações. De modo que, diferentes opioides variam muito no grau de euforia que produzem. Depressão respiratória o Este efeito é mediado por receptores μ e provoca o aumento da PCO2 arterial, mesmo em doses normais de analgesia, contudo o grau de depressão respiratória possa ser menor em pacientes com dor grave. o A depressão respiratória ocorre pela diminuição da sensibilidade do centro respiratório à PCO2 arterial e à inibição da geração do ritmo respiratório. Depressão do reflexo da tosse o O mecanismo deste efeito a nível dos receptores ainda não está claro. Geralmente, substituições no grupo hidroxila fenólico da morfina aumentam a atividade antitussígena em relação à atividade analgésica. Náuseas e vômitos o Esta ação é muito comum em pacientes que usam morfina e ocorre devido a atividade na área postrema que é uma região do bulbo na qual diversos tipos de estímulos podem induzir vômitos. o Estes sintomas, normalmente são passageiros e desaparecem com a repetição da administração, contudo, em alguns pacientes possam persistir e afetar a adesão ao tratamento. Constrição pupilar (miose) Patricia Lelis Marques, 3º ano de Medicina - UniFG o Este efeito é mediado pelos receptores μ e κ pela estimulação do núcleo do nervo oculomotor. o A constrição pupilar é uma característica importantes para diagnóstico na intoxicação por opioides. Ela também é notada em usuários dependentes de opioides por longo período de tempo. Efeitos no trato gastrointestinal o Os opioides podem provocar constipação, isso ocorre devido ao aumento do tônus e redução da motilidade em muitas partes do sistema gastrointestinal. o Devido a isso, os opioides devem ser evitados em pacientes que sofrem de cólicas biliares devido a cálculos, nos quais a dor pode ser aumentada em vez de aliviada. Outras ações dos opioides o A morfina provoca liberação de histamina dos mastócitos, causando urticária e prurido localmente (no local da injeção) ou efeitos sistêmicos como broncoconstrição e hipotensão. Este efeito não ocorre com a petidina e a fentanila. o Devido ao efeito broncoconstritor, os asmáticos não devem utilizar morfina pois podem ocorrer sérias consequências. Em doses elevadas o paciente pode apresentar hipotensão e bradicardia devido à ação sobre a medula. Além disso, a liberação de histamina pode contribuir para a hipotensão. Tolerância e dependência o A tolerância é o aumento da dose necessária para produzir determinado efeito farmacológico. Ela pode se desenvolver em poucos dias com administrações repetitivas. o Já dependência física é quando a retirada do fármaco causa efeitos fisiológicos adversos, ou seja, a síndrome de abstinência. o Não podemos confundir com vício, que é quando a dependência física é muito mais pronunciada e a dependência psicológica (ou “desejo compulsivo”) é a força principal. o A tolerância é causada por dessensibilização dos receptores de opioides μ e por alterações adaptativas em níveis. o Em hospitais, a dose de opioide necessária para alívio efetivo da dor pode aumentar devido ao desenvolvimento de tolerância, mas não constitui grande problema.
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