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MARCO ANTONIO SCANDIUZZI SANTOS /SP 1ª Edição - 2018 2 3 “Temos de descobrir segurança dentro de nós próprios. Durante o curto espaço de tempo da nossa vida precisamos encontrar o nosso próprio critério de relações com a existência em que participamos tão transitoriamente”. ―Boris Pasternak 4 Copyright©2018 by MARCO ANTONIO SCANDIUZZI Capa: Enoque Ferreira Cardozo Diagramação: Enoque Ferreira Cardozo (Trupe serviços editoriais Freelancer - http://trupeservicoseditoriais.blogspot.com.br/) Impresso pelo Autor – 2018. Copyright "©" 2018. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, por qualquer meio. Lei Nº 9.610 de 19/02/1998 (Lei dos direitos autorais). 2018. Escrito e produzido no Brasil. SCANDIUZZI, Marco Antonio. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA – 1ª ed – Santos/SP. Edição do autor, 2018. 266 p.: il. ISBN: 978-85-85214-12-8 1.Análise das carreiras policiais. 2.Análise do modelo investigativo. 3.Análise do ciclo completo de polícia. LIVRO BRASILEIRO. I Título FORMATO: A5 148x210 http://pt.wikipedia.org/wiki/%C2%A9 http://trupeservicoseditoriais.blogspot.com.br/ http://pt.wikipedia.org/wiki/%C2%A9 5 Dedico a todos os Policiais Federais, Rodoviários Federais, Ferroviários Federais, Civis, Militares, Guardas Municipais, Guardas Portuários e membros da segurança privada que deixam seu suor todos os dias visando uma sociedade mais justa e mais segura. Não fossem as forças de segurança a sociedade brasileira estaria vivendo caos ainda maior. *** Agradeço a Deus e toda a minha família. Agradeço ao amigo e colega de Polícia Federal Marcelo Jardim Varela, Engenheiro de Produção pela UFRJ, pela força e pela revisão crítica. Agradeço aos amigos, colegas policiais e a Federação Nacional dos Policiais Federais, citados na obra, por poder utilizar parte de suas escritas dando-lhes os merecidos créditos. 6 7 SUMÁRIO PREFÁCIO .......................................................................... 09 INTRODUÇÃO ................................................................... 11 CAPÍTULO I/A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL ....... 18 1.1 MEIO EM QUE SE VIVE ......................................................... 29 1.2 TRIPÉ DA JUSTIÇA ................................................................... 34 CAPÍTULOII/CICLO COMPLETO DE POLÍCIA VERSUS CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA ......................................... 45 2.1 CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA .................................. 49 2.2 CICLO COMPLETO DE POLÍCIA........................................ 58 CAPÍTULO III/CARREIRA POLICIAL – COMPARATIVO ENTRE A POLÍCIA FEDERAL AMERICANA – FBI E A POLÍCIA FEDERAL BRASILEIRA – PF .................................... 68 3.1 A CARREIRA NA POLÍCIA FEDERAL DO BRASIL ...... 74 3.2 A CARREIRA POLICIAL NO FBI ...................................... 101 CAPÍTULO IV/A POLÍCIA FEDERAL DAS OPERAÇÕES VERSUS A POLÍCIA FEDERAL DO DIA A DIA................. 113 4.1. COMO FUNCIONA A POLÍCIA FEDERAL EM UMA OPERAÇÃO .................................................................................... 118 4.2. COMO FUNCIONA A POLÍCIA FEDERAL NAS APURAÇÕES DO DIA A DIA.................................................... 129 CAPÍTULO V/VISÃO TÉCNICA – AUXILIAR / SUBORDINADO OU COLABORADOR ................................ 142 5.1 – DADOS DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS NA POLÍCIA FEDERAL EM 2007 .................................................... 146 8 5.2 – PESQUISAS REALIZADAS PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESCRIVÃES DE POLÍCIA FEDERAL NOS ANOS DE 2013 E 2015 .................................................................. 172 5.3. EVOLUÇÃO DA GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NA POLÍCIA FEDERAL (TENDO COMO REFERÊNCIA O CARGO DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA FEDERAL)............. 178 CAPÍTULO VI/AS ESTATÍSTICAS NA POLÍCIA FEDERAL EXALTAM A INEFICÁCIA ........................................................ 186 CAPÍTULO VII/ERRADO É O PORTUGUÊS? .................. 204 CAPÍTULO VIII/QUAIS POLICIAIS SÃO AUTORIDADES POLICIAIS? ...................................................................................... 226 CAPÍTULO IX/UMA PROPOSTA VIÁVEL PARA A POLÍCIA FEDERAL ..................................................................... 254 BIBLIOGRAFIA ................................................................ 262 PREFÁCIO São poucas as oportunidades na vida em que temos a oportunidade de desfrutar do conhecimento acumulado por um profissional ao longo de toda a sua trajetória de vida. Mais que plantar uma árvore, publicar um livro e ter um filho, fazer algo para tentar verdadeiramente mudar a vida das pessoas – para melhor - é quase indescritível. Temos aqui neste livro um belo exemplo em que uma dessas oportunidades se soma de forma leve, e ao mesmo tempo consistente, à alegria de ver o resultado de um trabalho que amadureceu ao longo dos anos, em escritos embebidos de conhecimento sobre os processos internos e o trato humano na Polícia Federal. A obra é resultado de longos debates e inúmeras análises compiladas a partir da observação atenta do autor acerca da falência do modelo de investigação no Brasil, da falta do Ciclo Completo de Polícia, da prevalência do Direito sobre as demais áreas de conhecimento e da necessidade de implementação urgente de portas únicas de entrada nas polícias brasileiras. Finalmente um cidadão comum poderá entender o porquê de tão pífios resultados nas investigações brasileiras e a importância de termos policiais investigadores próximos a o que autor brilhantemente crava como o “calor do crime”. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 10 Ao nobre autor “Scan” o nosso reconhecimento da importância dessa obra e o desejo de que suas palavras adentrem os corações e mentes, exatamente como foi pensado no projeto inicial. Um prazer fazer parte desse projeto. Um orgulho tê-lo como colega e amigo. Luis Antônio Boudens Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 11 INTRODUÇÃO Ao longo dos anos as experiências foram se acumulando. Com a vivência no meio policial, primeiro nos plantões da Polícia Civil de SP e depois nas diversas áreas de atuação da Polícia Federal, Brasil afora, também vieram à tona as frustrações. Experiência e frustrações. Binômio interessante para despertar o interesse por mudanças. Quanto mais o tempo passava maior era o acúmulo de conhecimentos, maior a quantidade de estudos e maior a experiência de casos reais adquirida. Quando aumentamos a bagagem cultural de um ser humano, mesclado a casos concretos de vivência, isso passa a dar a esse ser a possibilidade de discernir entre o certo e o errado, entre o melhor e o pior, entre o que dá certo e o que não dá certo. Cria-se uma massa crítica e as massas críticas são fatores de mudanças. Na vida o binômio conhecimento e experiência é uma das regras do sucesso no meio organizacional. Há exceções contrárias, mas, como dito, são exceções. A regra é essa: associarmos um conhecimento científico- cultural a situações cotidianas vividas. Um engenheiro sabe fazer os cálculos de uma edificação, mas se não “meter a mão na massa” dificilmente saberá fazê-la. Já o mestre de obras não tem a qualificação técnica e o conhecimento do Engenheiro, MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 12 mas é igualmente capaz e importante ao que se destina, a execução da obra. As obras e as edificações se elevam na medida em que o conhecimento científico se alia ao conhecimento prático. Esse é o resultado da regra real. Então, em simplesanálise, se tivéssemos em uma só pessoa a junção do conhecimento científico e estudos (Engenheiro) ao conhecimento prático e experiência (Mestre de Obras) seria a solução ideal. Engenheiro + Mestre de Obras = Profissional Completo Dessa mistura teríamos como resultado o melhor aproveitamento do recurso humano, da mão de obra, cálculos exatos de materiais, economia no preço final da obra, segurança do empreendimento, índices mais baixos de acidentes e ao final de todo o processo um lucro garantido pelas melhores práticas. Então, no meio empresarial, o objetivo final é o lucro e todas as variáveis apontam para que esse número final seja maior ou menor. E na segurança pública qual seria o “lucro” a ser almejado? A meu ver, o “lucro” das ações de segurança pública é em parte imaterial, não palpável e está relacionado com as sensações que os cidadãos de determinados locais sentem ou não. Para que esse lucro possa ser alcançado um dos alicerces é o material humano das instituições policiais. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 13 Portanto, a fórmula perfeita para o elemento policial que trabalhara para obter esse lucro seria: Estudo / Capacidade + Inteligência Emocional / Habilidade / Atitude / Experiência = Policial Completo. A presente obra não tem a intenção de ser a palavra final nos assuntos abordados. Apenas traz à tona algumas particularidades e análises sobre a Segurança Pública que podem ter passado despercebidas ao longo dos tempos pelas pessoas que nela gravitam, sejam operadores do sistema (em qualquer nível) ou usuários finais desse mesmo sistema (na verdade somos todos nós). Com certeza vozes contrárias aos pensamentos aqui expostos se levantarão, mas, de igual forma, eu levanto minha voz e transcrevo meus pensamentos por ser contrário ao que eles defendem como certo. Em nenhum momento durante os trabalhos de criação e realização do projeto foquei em pessoas, cargos ou mesmo entidades. As análises aqui produzidas são em cima de modelos adotados, suas concepções, como se mantém e ao que se destinam. Em minha vida familiar, funcional, acadêmica e nas demais áreas sempre levei comigo um ensinamento que tomei para mim desde cedo: “Conhecer para decidir”. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 14 Com base nesse ensinamento entendo que, compartilhar os conhecimentos adquiridos, sejam eles decorrentes de estudos anteriores, de experiências vividas, de projetos desenvolvidos ou até mesmo de fracassos não superados dá ao outro a chance de agregar novos conhecimentos e com isso decidir com melhor grau de êxito. Então, a finalidade desta obra é transferir as minhas experiências, as minhas horas de estudos e os meus erros e acertos para os leitores, compartilhando as minhas ideias, ilustradas com exemplos práticos e aumentando, assim, os conhecimentos alheios para que possam tomar suas decisões da melhor forma. Por anos nosso país investiu na falta de cultura como elemento de manutenção política. Um povo sem cultura é um povo sem poder de mudanças. Então, compartilhar conhecimentos e compartilhar exemplos é a minha forma de ajudar a mudar o Brasil. Nosso país será salvo pela educação, pelo conhecimento, pela ciência, pela crítica construtiva, pelos idealistas, pelas pessoas que enxergam no outro um semelhante e não mais um concorrente. Não há outro caminho. Para entendermos a estrutura desta obra tenho que explicar algumas coisas e alguns elementos da minha vida e em especial das minhas atividades profissionais. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 15 Nasci em uma família humilde e nada me faltou. Aos pés do Morro São Bento, em Santos-SP, no bairro do Jabaquara, onde cresci vendo dois lados da vida. Minha família estruturada, sendo meu exemplo e a rua como exemplo de vida. Amigos meus de infância se perderam e outros seguiram bons caminhos. A antítese da vida de um ser normal. Trabalhei desde os 18 anos e por isso me aposentei aos 49, após 30 anos trabalhados. Estudei desde cedo, paguei minha faculdade, continuei estudando. Prestei concursos, entrei, saí, entrei em outro, participei de movimentos grevistas, sofri ameaças de punições, tive desconto de salário, errei, acertei, errei mais ainda e persisti. Um sujeito normal. Passei 25 anos da minha existência trabalhando diretamente com a Segurança Pública em um dos seus módulos, o Policial, e ali acumulei inúmeras experiências. Estudei Administração, estudei Gestão, atuei como Professor em Cursos de Formação de Policiais, recebi críticas, me reciclei através delas, recebi prêmios, me reciclei através deles, fui Professor em Curso de Pós- Graduação, montei disciplinas, gerenciei grupos de policiais professores, fui gerenciado por outros profissionais. Comandei e fui comandado. Planejei e executei. Cumpri planejamentos de outros e aprendi com eles. Combati o combate de campo. Fui à Selva no combate ao narcotráfico e fui à selva de pedra no MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 16 combate diário ao crime. Fiz cursos operacionais. Planejei ações operacionais e executei ações operacionais planejadas por outros colegas. Trabalhei (e muito) dentro do modelo burocrático, produzi papéis e mais papéis que sabia serem inúteis, mas tinham que ser produzidos pois alimentavam um sistema. O pacote deste livro tenta trazer o conhecimento dos estudos, da sala de aula, das horas entendendo as coisas, aliado à aplicação real no dia-a-dia. A aplicabilidade do que se escuta e se aprende em sala de aula. Espero que ao término desta obra tenha contribuído na transmissão do conhecimento. Há algum tempo, nesse mesmo sentido, tenho me dedicado a gravar aulas e palestras no Facebook. Cada capítulo deste livro tem um vídeo correspondente, gravado de maneira caseira e artesanal, sem patrocínio e sem inclinações políticas. A minha motivação para escrever vem da lembrança de cada uma das pessoas que um dia entrou em uma das Delegacias onde eu trabalhei. Cada uma das vítimas que fez um registro de ocorrência, o chamado Boletim de Ocorrência, e recebeu uma folha com diversos carimbos: “à investigação”, “urgente”, “prioridade”. Cada uma das vítimas que ouviu que seria instaurado um Inquérito Policial e que nunca tiveram retorno sobre seus casos. Todas essas que procuraram o Estado brasileiro em busca de ver solucionado um problema e nunca tiveram uma resposta. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 17 Ontem foram elas, amanhã poderá ser você, caro leitor. No fundo, a minha esperança é que você passe a entender o funcionamento do sistema, aumente seus conhecimentos, tire suas próprias conclusões e ao final, se torne um instrumento de pressão pelo aperfeiçoamento do nosso modelo de segurança pública. Grande abraço e vamos em frente. PÁGINA POLICIAL FEDERAL SCANDIUZZI NO YOUTUBE: https://www.youtube.com/channel/UCIn_dyEulM5mIziwITPSzZg *** PÁGINA POLICIAL FEDERAL SCANDIUZZI NO FACEBOOK https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/ https://www.youtube.com/channel/UCIn_dyEulM5mIziwITPSzZg https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/ MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 18 CAPÍTULO I A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL1 “Os problemas relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o aumento da sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, a violência policial, a ineficiência preventiva de nossas instituições, a superpopulação nos presídios, rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei, corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema, problema relacionados à eficiência da investigação criminal e das perícias policiais e morosidade judicial, entre tantos outros, representam desafiospara o sucesso do processo de consolidação política da democracia no Brasil. A amplitude dos temas e problemas afetos à segurança pública alerta para a necessidade de qualificação do debate sobre segurança e para a incorporação de novos atores, cenários e paradigmas às políticas públicas. O problema da segurança, portanto, não pode mais estar apenas adstrito ao repertório tradicional do direito e das instituições da justiça, particularmente, da justiça criminal, presídios e polícia. Evidentemente, as soluções devem passar pelo fortalecimento da capacidade do Estado em gerir a 1https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca/politica https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 19 violência, pela retomada da capacidade gerencial no âmbito das políticas públicas de segurança, mas também devem passar pelo alongamento dos pontos de contato das instituições públicas com a sociedade civil e com a produção acadêmica mais relevante à área. Em síntese, os novos gestores da segurança pública (não apenas policiais, promotores, juízes e burocratas da administração pública) devem enfrentar estes desafios além de fazer com que o amplo debate nacional sobre o tema transforme-se em real controle sobre as políticas de segurança pública e, mais ainda, estimule a parceria entre órgãos do poder público e sociedade civil na luta por segurança e qualidade de vida dos cidadãos brasileiros”. (http://www.observatoriodeseguranca.org/seguran ca dia 12/10/2016 às 14h07min). Conforme se depreende da leitura do texto acima, extraído do site observatório de segurança, o entendimento e as soluções de um tema tão complexo como a Segurança Pública e tudo o que ela engloba passa pela compreensão dos diversos fatores que a compõem e que nela interferem diariamente. Questões culturais, questões sociais, questões financeiras e questões de caráter são apenas algumas das formas de influência nos resultados positivos e negativos cujo usuário final é toda a sociedade. Culturalmente, por fatores que tentaremos entender durante a desenvolvimento desta obra, os resultados da Segurança Pública sempre estiveram relacionados ao desempenho tido como bom ou ruim http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 20 das nossas polícias, da justiça e do sistema prisional, sem levarmos em conta todas as outras variáveis que neles incidem. Para entendermos nosso atual sistema de Segurança Pública temos que mergulhar na história do nosso país, especialmente no período de 1964 a 1985, o chamado regime militar ou Ditadura Militar para alguns. Nesse período a concepção de Segurança Pública estava atrelada à Segurança Nacional, pois o Estado entendia que as ameaças eram maiores que os direitos e com base nesse princípio macro, suprimiam-se os direitos individuais. A responsabilidade era do governo central que para manutenção do sistema e dos ânimos e insatisfações de eventuais opositores anuía com a violência policial, métodos brutais de interrogatórios e meios de obtenção de provas de delitos. Segundo José Murilo de Carvalho, na Primeira República, os prisioneiros das revoltas Federalistas tiveram suas cabeças decapitadas; Canudos foi destruída e os que se negavam a dar vivas à República foram degolados; os rebeldes do Rio de Janeiro e Santa Catarina, durante a revolta da Armada foram fuzilados; aos soldados indomáveis aplicou-se surra de espada; aos marinheiros revoltosos chibatadas e outros asfixiados na solitária. No Estado Novo, instituiu-se a figura socialmente conhecida como preso político, ao qual se destinou a Delegacia de Ordem Política e Social, o A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 21 famoso DOPS, onde presos eram torturados, espancados, queimados com cigarros, alfinetados nas unhas, sendo-lhes retirados pedaços de carne com maçarico e até assassinados. Na ditadura militar, a violência policial usada em nome da segurança do Estado utilizou prisões ilegais, sequestros, bofetão, espancamento, “pau-de-arara”, “telefone”, surra de toalha molhada, asfixia mecânica, choque elétrico, estupro, cassetete no ânus e na vagina, assassinatos, desaparecimentos, além de outras formas usadas pelos profissionais da Segurança Pública, a serviço do Estado forte/violento (CARVALHO, 1998, p. 327 - 328). Somente após o ano de 1985, com as eleições indiretas que instituíram o primeiro governo civil do Brasil é que as ideias começaram a mudar. Em 1988 foi montada a Assembleia Nacional Constituinte cuja carta foi promulgada tendo o seguinte texto: ...Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 22 Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. A emblemática frase cravada na Constituição trazia para o Estado Brasileiro a garantia do cidadão e a responsabilidade do mesmo pela Segurança Pública cujo exercício implicava na preservação da ordem, incolumidade das pessoas e do patrimônio. O QUE ISSO PASSOU A SIGNIFICAR? Em primeiro plano, que a sociedade passava a ter responsabilidade sobre a questão da Segurança Pública e, além disso, que os cidadãos passavam a ser possuidores de direitos e garantias individuais outrora suprimidas pela ação do Estado que guerreava os subversivos da pátria. Após 1988 os pensamentos foram evoluindo e as instituições foram ganhando novos ares. Ocorre que, mesmo em novos tempos, há resquícios enraizados de tudo o que se passou nesta terra e, acredito, ainda levaremos algumas gerações para desenterrá-los definitivamente. Eu ingressei na Polícia Civil do Estado de São Paulo ocupando o cargo de Escrivão de Polícia em 1991. Fui designado para trabalhar no plantão policial da Delegacia de Polícia de Cubatão, pequena cidade distante uns 20 Km de Santos/SP e aos pés da Serra do Mar, passagem obrigatória de quem vem da capital São Paulo para as cidades do litoral paulista. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 23 A constituição era de 1988 e mudava a forma de pensar a Segurança Pública. Eu entrei em 1991, exatos três anos após. Logo nos primeiros dias e durante os primeiros plantões me deparei com a dura realidade e descobri que a “Pulissa” é bem diferente da Polícia, ainda mais naqueles tempos. O modo de falar, se vestir, os gestos, todos são próprios ou eram, à época, melhor dizendo. Lembro de uma breve história que vou lhes contar para ilustrar o choque vivido pelos policiais naqueles tempos, onde as práticas eram pré e as leis e exigências pós Constituição de 88. Ano 1991. Ingressei um mês antes do Carnaval. Festa de Momo, samba, álcool e um monte de gente junta tem um resultado previsível: chama a PM na hora da confusão. Já era por volta de 2h da madrugada quando diversas viaturas da PM chegaram trazendo uns 20 fantasiados. Tinha Batman, Marinheiro, Fred e Vilma, uns de sunga, mulher de biquíni e salto alto. O cheiro de álcool imperava no recinto. Um único bêbado já é um alvoroço. Imaginem 20 deles juntos. No plantão policial, além deste que vos narra, havia um Delegado que estava em diligências (esse Delegado estava sempre em diligências externas e só fui descobrir isso alguns plantões depois, quando a esposa MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 24 número 1 teve um encontro com a esposa número 2). Outro componente do plantão era o carcereiro que cuidava da cadeia anexaa Delegacia e o último integrante era o “seu Manoel” (nome fictício para não identificar o pulissa), um Investigador em fim de carreira. Seu Manoel tomou a frente da ocorrência e logo determinou: _Homem de um lado e mulher do outro. A bichona de fio dental pode ficar junto com as meninas. Na delegacia havia duas pequenas celas, chamadas de corrós, que serviam para manter os presos em flagrante até seu encaminhamento para a Cadeia nos fundos da instalação. Separados homens e mulheres mais a bichona (conforme seu Manoel) formou-se uma fila indiana na direção dos dois corrós (xadrez, cela, salinha de reflexão, como queiram). Antes, porém, uma explicação: seu Manoel também estava alcoolizado. Isso mesmo. O alcoolismo é frequente no meio policial e mereceria uma abordagem mais específica pela gestão das polícias, em geral. Voltando a narrativa, homens entrando na primeira cela e mulheres mais a “bichona” na segunda, uns 5 metros adiante. As celas eram pequenas, algo como 2x3 metros, e todos os alcoolizados teriam que ficar em pé. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 25 Seu Manoel, após instalar os foliões nos corrós, foi até a mangueira de lavar o pátio e deu à primeira “molhada” na galera. A segunda molhada da noite foi uns 40 minutos depois quando começavam a secar. Por volta das 7h30min (o plantão terminaria as 8h) o Delegado não havia retornado da diligência externa e eu, como Escrivão, já havia feito mais uns 7 ou 8 Boletins de Ocorrência sozinho. Nem lembrava mais que os foliões estavam nos corrós aos cuidados do seu Manoel. Naqueles tempos os plantões eram de 12h por 36h em escala extraordinária por causa do carnaval. Em resumo, uma noite sim e a outra não. Terminou o plantão, chegou à outra equipe, o Delegado não apareceu e não vi mais seu Manoel. Peguei minhas coisas, passei para o colega Escrivão que me rendia e fui para casa. Folga tranquila, nem lembro o que fiz. No plantão seguinte, que se iniciava às 20h cheguei cedo. Antes das 19h já estava lá. Ia de moto e para fugir do trânsito resolvi ir mais cedo, assim já liberava o colega. Quando cheguei o Escrivão que saia me passou o recado: _Tem um pessoal no corró que acho que é do Seu Manoel. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 26 _Aããããã? Pessoal no corró é do seu Manoel? Fui até lá e vi que ainda estavam o Fred, a Vilma, o Marinheiro, o Batman, as mulheres e a Bichona (segundo Manoel). A única diferença é que a Bichona estava agora na cela masculina. Batman reclamava de dores nas costas e o vergão avermelhado apontava algum tipo de “queda” que tivera sofrido na cela. Seu Manoel chegou um pouco depois e nem se lembrava direito. Abriu a porta e mandou o povo embora. Cada um que saia da cela levava o famoso “pé na bunda” e era empurrado porta da Delegacia afora. Cena bonita. Por volta de 8h da noite os fantasiados, cabisbaixos andando pelas ruas do centro da cidade e retornando às suas casas. Os foliões ficaram quase dois dias “presos” no corró. Nos dias de hoje nós, os policiais é que estaríamos todos presos, o seu Manoel, eu, o Delegado e até o carcereiro. Contei essa história para fechar o contexto do antes e pós constituição de 1988. Antes a polícia e os “pulissas” podiam, hoje não podem mais. Acontece que as instituições policiais descritas no artigo 144 da Carta Magna daquele ano foram todas instituídas e fundamentadas nos princípios vigentes antes A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 27 da promulgação e, por consequência, sofreram na sua gênese, as influências da época. As polícias militares, foram criadas como forças auxiliares do Exército, que tinha como objetivo combater o inimigo subversivo. As polícias civis estaduais foram criadas sob o manto imperial e cujo modelo seguia ritos cartoriais, vaidosos e burocráticos. A própria polícia federal, em sua criação, era um Departamento Federal de Segurança Pública e sua atuação política era cristalina. Sob esse prisma montou-se a estrutura dos organismos de segurança pública em nosso país antes da Constituição Federal de 1988, sem que essa estrutura policial tivesse sido atualizada para o período que se apresentava depois das mudanças de um Estado que combatia o inimigo subversivo para um Estado garantidor de direitos. Instituições concebidas dentro de uma ótica, com diretrizes e pessoal formatados para o combate ao inimigo subversivo as quais foram incumbidas de exercer, sob o mando do dever, a Segurança Pública em nosso país. E o pior, com uma constituição que trazia para as pessoas algo que não existia antes dela: direitos individuais. Está aí o primeiro grande gargalo de nosso modelo de Segurança Pública. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 28 As instituições e seus efetivos completos viveram essa transição sem que fossem preparados, ao mínimo, para tal. O exemplo clássico foi Seu Manoel e como ele muitos outros, em todos os níveis. Por muitos e muitos anos o tema Segurança Pública foi entendido como a atuação dos organismos policiais e sua interferência na sociedade. Somente as Polícias eram responsáveis e tinham que dar as respostas às demandas dos cidadãos conforme eram demandados. Atualmente, entendo que o assunto é muito mais abrangente e concordo com as correntes modernas que tratam do tema como um conjunto de fatores para um fim específico. Desassociar fatores sociais, prisionais, sensação de impunidade, precariedades na área do judiciário, falta de alimentos, moradias, corrupção em todos os níveis e inúmeros outros elementos que contribuem para o resultado final, que entendemos como a boa Segurança Pública, é fechar os olhos para as realidades que batem à nossa porta todos os dias. Já li e ouvi vários estudiosos no assunto e abordo o tema sob a minha ótica. Entendo que a Segurança Pública é algo imaterial, não palpável, mas que pode ser sentida e pode ser vivida por todos nós. É sentimento que todos nós temos e, portanto, como responsáveis (artigo 144 da CF) por ela devemos contribuir para que essa sensação seja boa a todos. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 29 Quando vemos uma notícia nos jornais ou na TV dando conta da impunidade que reina em nosso país e nos indignamos, muitas vezes acabamos por esquecer que essa impunidade é resultado de uma série de fatores os quais muitas vezes ignoramos ou mesmo desconhecemos. Conhecer para decidir, decidir para mudar. Vamos começar a tentar conhecer o mecanismo de nosso modelo de segurança pública. 1.1 MEIO EM QUE SE VIVE A sociedade brasileira está organizada sob a forma de uma república democrática, cujos governantes são eleitos pelo voto popular, daí decorrendo a célebre frase “todo poder emana do povo”. O QUE ISSO QUER DIZER? A meu ver que a vontade popular deveria ser soberana e esse mesmo povo, através de seus eleitos, de seus servidores e de toda a organização do Estado, teria direitos individuais e coletivos, além das obrigações inerentes a quaisquer pessoas que vivem em sociedade. A partir desse conceito democrático começamos a formatar o primeiro grande grupo afeto a questão da segurança pública como um todo. O grupo que denomino: Meio em que se vive. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 30 QUEM FAZ PARTE DESSE GRUPO? Todos nós – fácil resposta. Então, médicos, bombeiros, donas de casa, juízes, árbitros de futebol, policiais, vendedores, compradores, usuários, todos, todos mesmo, que residem e se relacionam com nosso país. É nesse meio que as coisas acontecem ou não. Que as pessoas comercializam, procuram hospitais, sofrem crimes, fazem suas festas, interagem, entram em conflitos, enfim, vivem o seu dia a dia. Se tudo acontece nesse meio, para delimitarmos nosso pensamento no assunto deste livro, devemos dizer que as ações preventivas e impeditivas de crimes se passam aqui, assim como as ações investigativas que visam elucidaresses mesmos crimes que não foram impedidos de acontecerem. As forças policiais relacionadas no artigo 144 da Constituição Federal e que exercem essa obrigação do Estado Brasileiro estão nesse meio. Mais adiante falaremos detalhadamente sobre a estrutura das polícias no Brasil. Por enquanto ficamos com a informação de que as Polícias Militares nos estados exercem a prevenção aos crimes e as Polícias Civis, também estaduais, exercem as investigações dos crimes cometidos. A Polícia Rodoviária Federal, apesar de fardada, é de natureza civil e não militar, estruturada em carreira e tem como objetivo o controle das estradas federais. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 31 Já a Polícia Ferroviária Federal, quase em extinção, de natureza civil, tem como objetivo o controle das ferrovias federais. Finalmente a Polícia Federal, que foi criada sob a figura de carreira única em sua concepção original foi idealizada como uma polícia de ciclo completo, que também abordaremos detalhadamente adiante, exerce função preventiva (impedir crimes) e investigativa (elucidar crimes). Nesse ambiente em que convivem pessoas, instituições, ideias e ideais convergentes e divergentes, boas e más práticas, o bem e o mal, ainda que as instituições que exercem o dever de proteger tentem, elas nunca conseguirão o êxito em 100% de suas ações. E assim os crimes acontecem. Acontecendo um crime o Estado volta suas instituições investigativas (Polícia Civil nos crimes estaduais e Polícia Federal nos crimes federais e demais contidos na legislação) para elucidação dos mesmos. Assim segue o ciclo coletivo de tentar conviver em equilíbrio (na área da saúde chamam de homeostase), tentar evitar desvios no convívio (crime) e tentar elucidar as circunstâncias desse desvio, apurando-se quem o fez, quais os motivos e seus resultados (investigação). Naturalmente que aspectos sociais, políticos, culturais, étnicos e outros interferem nesses processos, mas nesse meio em que se vive, a busca do equilíbrio é o almejado em termos de sensação de segurança pública ou MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 32 sensação de insegurança pública. Não conseguimos comprar 1 Kg ou 1 litro de Segurança Pública mas conseguimos sentir que um local ou uma região é mais ou menos segura. Existe uma balança que pesa ininterruptamente essa relação entre quantidade, tipos e gravidades dos crimes com a capacidade estatal de solucioná-los levando seus autores para que respondam pelos atos cometidos. Quando a balança pende para o lado dos crimes a sensação de insegurança aumenta e quando a balança pende para o lado da minimização destes ou da punição a seus autores a sensação será de aumento da segurança. Um exemplo prático está em nosso bairro, exatamente onde moramos. Se você vai todos os dias à Padaria e recebe a informação de que toda semana há um roubo naquele local e os autores nunca foram presos, naturalmente você se sentirá inseguro em ir àquele local nas próximas vezes (mais crimes, menos sensação de segurança). Por outro lado, se você tem conhecimento de que naquela mesma Padaria os Policiais Militares fazem rondas diárias e um único caso de roubo foi prontamente desvendado e os autores presos, a sua sensação de segurança irá aumentar proporcionalmente, levando a balança a pender para o lado de melhor funcionamento da segurança pública como um todo. A sensação de segurança é boa, e a sensação de insegurança é ruim. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 33 Em uma sociedade ideal, com equilíbrio social, de formação, estudo, financeiro e estruturada, a segurança pública tende a ser encarada dentro de um conjunto de fatores que levam a um resultado final. Ou seja, a segurança pública é somente um dos componentes do bem-estar do cidadão em relação ao bem-estar geral de um povo, o equilíbrio, a homeostase. O Brasil tem uma sociedade estruturada? As instituições funcionam de forma satisfatória? O cidadão brasileiro é provido de suas condições básicas, de seus direitos? É claro que não. E por diversos fatores, muitos de conhecimento público, outros não, mas é visível os enormes problemas estruturais que nosso país vive, problemas esses que influenciam diretamente nesse desequilíbrio do bem-estar do povo. Tudo isso influencia para que o “pacote” sensação de segurança penda para o lado contrário ao desejado. Instituições em colapso, povo com problemas sociais, fisiológicos, estruturais, educacionais e morais resultam no aumento da quantidade de crimes. Com o aumento dos crimes há aumento da sensação de insegurança. Com o aumento da sensação de insegurança há reclamos da população que se sente ameaçada. Com os reclamos da população há uma mobilização policial para resolução dos crimes e diminuição dos mesmos. Tudo isso se passa no “meio em que se vive”. Se existem os conflitos, esses conflitos são tipificados como MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 34 crimes, e há atuação policial nesses crimes (tentando evitar - PM e PF, ou tentando elucidar - PC e PF): estão configurados os conflitos típicos de interferências do Estado. As decisões dessa interferência, ocorrem no meio jurídico, que eu chamo de “tripé da justiça” como veremos adiante. 1.2 TRIPÉ DA JUSTIÇA A constituição de 1988 expressa de forma clara e transparente o princípio da Legalidade, implícito no art. 5º, inciso II, CF que esclarece “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, indo no sentido do disposto também no art. 5º, inciso XXXIX, CF que diz “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Em resumo, bem resumido, se não estiver previsto em lei você não é obrigado a fazer. Se fizer algo, este algo só será considerado crime se tiver definição anterior ao fato. Então, no contexto dessa coisa chamada Segurança Pública, as pessoas se submetem às leis, às quais regulam a vida em sociedade. Quando há quebra dessa harmonia prevista nas leis acontece à necessidade de intervenção do Estado, através de suas instituições. Surge aí o que chamo de “Tripé da Justiça”. Ele é composto de três partes básicas e vou trazer para uma linguagem bem básica, pois esta obra não se destina a ser A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 35 um tratado com verborragia jurídica e sim um trabalho de entendimento que facilite as discussões e a transmissão de conhecimentos. Advogado na função de Defensor, Ministério Público na função de Atacante e Magistrados na função de Julgadores e Aplicadores de Medidas. Vamos criar aqui um exemplo prático de crime e usá-lo para as explicações em todos os capítulos deste livro. O exemplo é simples: Temos uma casa em uma rua comum. Nesta Casa reside um Vigia Noturno chamado Joaquim. Ele trabalha das 20h às 8h em 6 dias da semana. Um dia, logo após sair para trabalhar, duas pessoas (identificadas como Carlos e André) arrombaram a janela MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 36 da casa de Joaquim e subtraíram uma TV de 20 polegadas. Crime comum, pessoas comuns, fato que acontece diariamente em todas as regiões do país. Vejam que uma regra de equilíbrio foi rompida. Esse rompimento gerou ação policial no sentido de desvendar o crime. Desvendado o crime há necessidade de se julgar essa conduta de forma justa para que a sociedade se coloque novamente no equilíbrio desejado, aumentando a sensação de segurança pública. Mas para que esse fato possa ser julgado e impostas medidas previstas em lei alguém tem que dizer que tipo de violação foi cometida, quais as provas que existem e foram colhidas e qual a punição entendida cabível para o caso. Isso chamamos de Denúncia (ou acusação ou ataque) e é promovida pelo Ministério Público. Epa, lembram da constituição e que ela fala em Direitos Individuais? Se há acusação tem que haver uma defesa do mesmo tamanho, com a mesma força, mesma intensidade, mesmo espaço,mesmo tudo. Aí entra a figura do Advogado de Defesa (que pode ser contratado ou indicado pelo próprio Estado). Ninguém que é acusado pode ser impedido de se defender. Se temos um ataque (MP) e uma defesa (Advogado) temos que ter um ente julgador. Aí entra a figura do Magistrado, representante do Estado, que irá julgar, com base na lei, o caso examinado, determinando A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 37 medidas que visem devolver à sociedade o equilíbrio perdido quando do cometimento do ato delituoso. O tripé da justiça ou mundo jurídico é ferramenta essencial à preservação desse equilíbrio que influencia diretamente nessa coisa imaterial, inodora, impalpável que chamamos segurança pública. Sem o mundo jurídico, sem a paridade de forças entre Advogados e Ministério Público dentro dos autos do Processo legal, sem a imparcialidade dos Magistrados não há que se falar em restabelecimento do equilíbrio na sociedade. 1.3 MEDIDAS Seguindo a sequência lógica de que as coisas acontecem no “meio em que se vive”, são equilibradas através da paridade de forças entre defesa (Advogados) e ataque (MP) com julgamento imparcial de Magistrados formando o “tripé da Justiça ou Mundo Jurídico” resta à efetivação dessa decisão judicial que se dá através do que passo a chamar de “Medidas”. As medidas nada mais são que as ações demandadas pelas decisões dos Magistrados nos autos dos processos. Vamos ao nosso caso prático. O furto da TV da casa de Joaquim, onde foram identificados Carlos e André, como autores. A Polícia, que não pertence ao meio jurídico, empenhou-se na elucidação do crime. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 38 Levados, os autores e as provas colhidas, para o MP este providenciou a análise jurídica e ofereceu a denúncia (relacionou o fato à norma escrita prevista - o tipo penal). Os Advogados de Defesa procederam com o mesmo espaço no Processo, em paridade de forças com o MP. Ao final dessa fase processual de ataque e defesa cabe ao Magistrado julgar e definir as medidas de reequilíbrio necessárias ao caso. Há, basicamente e de forma simplista, dois caminhos a serem seguidos, o da Condenação a algum tipo de pena ou a Absolvição, com reingresso ao “meio em que se vive”. Se o Magistrado optar pela Absolvição os acusados retornam imediatamente para o “meio em que se vive”, se reintegram à sociedade e passam a viver normalmente. Nada ficam a dever e, em tese, obtém-se o equilíbrio tão almejado que resulta no aumento da sensação de segurança pública. Mas e se o Magistrado absolveu os acusados porque o trabalho de colheita de provas foi mal realizado? E se o Juiz absolveu os acusados porque o trabalho de acusação foi mal feito? E se as pessoas do bairro onde mora o vigilante Joaquim sabem que Carlos e André realmente são praticantes de delitos e foram absolvidos dentro de um processo legal? Como ficaria a sensação de Segurança Pública? Certamente a balança pesaria para o lado da sensação de A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 39 insegurança pública. As pessoas do bairro veriam aumentadas suas decepções com relação ao sistema. Daí surge um dos principais dilemas do nosso sistema de Segurança Pública: a capacidade do Estado de investigar os crimes cometidos e fornecer ao MP material suficiente para boas denúncias e subsídios aos Magistrados para boas decisões. Iremos discutir a fundo os mecanismos investigativos nos capítulos futuros. Além das absolvições, em via simples de análise, os magistrados podem decidir pelas Condenações fundamentadas nas provas colhidas. Essas condenações podem gravitar desde prestações de serviços a privações de liberdade através de cumprimentos de penas em estabelecimentos prisionais. Voltando ao nosso exemplo do furto da TV da casa de Joaquim. Vejamos o que diz o artigo 155 do Código Penal: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 40 Então, suponhamos que o Magistrado fixou a pena como privativa de liberdade, seguirão os condenados para o Sistema Prisional para cumprimento da mesma, ressocialização e retorno ao convívio no “meio em que se vive”. § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. § 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9426.htm#art1 A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 41 Começa aí um outro dilema que influencia diretamente nesse nosso grande sistema. Um condenado que é enviado ao Sistema Prisional para cumprimento de pena pode ser ressocializado? Ao cumprir as medidas que lhes foram impostas os condenados conseguirão reinserção na sociedade? O sistema prisional funciona ao que se destina? As respostas a esses questionamentos ficarão em aberto, pois não me considero apto a respondê-las em virtude do desconhecimento do trabalho desenvolvido no sistema prisional. Minha experiência se restringe a entrega de presos ao sistema e não ao trabalho que é desenvolvido com esse reeducando dentro dele. Feitas as explicações iniciais sobre o funcionamento desse grande sistema integrado acredito MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 42 que possamos formar um entendimento que serve como premissa para desenvolvermos nossos futuros raciocínios. Há um meio comum onde todos vivemos, onde as coisas acontecem, onde estão presentes as regras de convivência, onde estão as forças do Estado que ajudam a manter um equilíbrio que permita que as pessoas tenham maior sensação de segurança pública. Quando os comportamentos se alteram e violam regras pré-definidas há necessidade de intervenção das instituições. Se esses comportamentos se constituem em crimes são apurados pelas Polícias no sentido de se identificar quem fez, o que fez e qual a materialidade. Atendida a investigação policial entra em cena o meio jurídico, conhecido com Tripé da Justiça, onde advogados e MP (em igualdade) defendem e atacam, cabendo aos magistrados o julgamento. Do Julgamento são aplicadas medidas. As medidas têm como objetivo final o restabelecimento do equilíbrio dessa mesma sociedade e o retorno de todos ao meio comum de convivência. Nesse ciclo geral destaca-se o papel das Polícias, sejam preventivas, repressivas ou investigativas. O equilíbrio não se mantem somente pela atitude das pessoas, infelizmente. Particularmente, gostaria que as coisas transcorressem sem a intervenção do estado, mas isso não ocorre. As polícias existem e continuarão a A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 43 existir, pois, ao contrário do que muitos apregoam, são responsáveis pela resolução de grande parte dos conflitos, evitando que os mesmos terminem em demandas nos tribunais. Vamos analisar os organismos policiais sob diversos aspectos, ingressando pelo Ciclo completo de Polícia e o Ciclo incompleto de Polícia, passando pelos modelos de Carreira dos Policiais, comparando com outros modelos, trazendo dados e fórmulas de medição de produtividade das polícias investigativas brasileiras. Relembro que são os meus pontos de vistasobre os assuntos tratados e extraídos do binômio estudo/prática. Antes de começar a discorrer sobre os assuntos nos capítulos seguintes vou deixar aos leitores uma pergunta no ar e garanto que os policiais “de campo” têm a resposta na ponta da língua: VOCÊ É POLICIAL E FOI DESIGNADO PARA UMA INCURSÃO NUMA ÁREA CONSIDERADA DE ALTO RISCO. QUEM VOCÊ ESCOLHE PARA LHE ACOMPANHAR: ( ). O Comandante Geral da PM que possui 20 cursos em diversos países do mundo acompanhado do Delegado Geral da Polícia Civil com mais de 30 cursos em diversas áreas; MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 44 ( ). O Cabo Jonas e o Sargento Fidélis da PM local que trabalham na região há 10 anos e fazem incursões diárias na área. Partimos daí A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 45 CAPÍTULOII CICLO COMPLETO DE POLÍCIA VERSUS CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA2 Neste capítulo abordaremos dois modelos estruturais para lidarmos com os crimes, sejam antes que aconteçam ou depois de acontecerem. Dentro dessas estruturas que encontramos no “meio em que se vive”, abordado no tópico anterior, podemos visualizar formas distintas de se lidar com o mesmo assunto. Quando abordamos o mesmo assunto de formas distintas podemos chegar ao mesmo resultado ou a resultados bem diversos. No presente caso os resultados finais, nos locais onde são utilizados os modelos, são diametralmente opostos, ou seja, em se tratando de crimes um modelo responde muito melhor que o outro. Antes de entrarmos diretamente no assunto é necessário conceituarmos crime e investigação. Segundo o Wikipédia, “crime é uma violação da lei penal incriminadora. No conceito material, crime é uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, 2 https://www.youtube.com/watch?v=knXnvHk84Q4 2.1 https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos https://www.youtube.com/watch?v=knXnvHk84Q4 https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 46 ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo” De acordo com as definições apresentadas pelo Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora acerca da palavra “investigar” (do latim investigare), este verbo refere-se à ação de seguir os vestígios de algo ou alguém. Também faz referência à realização de atividades intelectuais e experimentais de modo sistemático (pesquisar), com o objetivo de ampliar os conhecimentos sobre uma determinada matéria. Num entendimento mais simples, o crime é o ato ilícito, previsto em lei e a investigação é o conjunto de ações realizadas para se elucidar as circunstâncias daquele ato. Durante minha vida profissional tive a oportunidade de agregar conhecimentos em diversas áreas. Em uma das oportunidades participei de um curso promovido pela embaixada americana no Brasil e que foi ministrado por Agentes da CIA e do FBI. O assunto principal era o local dos crimes. Há uma expressão no meio policial de que “o local do crime fala”. Na verdade, muitas vezes o local do crime berra e por isso essas instituições policiais americanas valorizem tanto as análises desses locais. Como exemplo prático trago o exemplo do crime de Homicídio, que por circunstâncias profissionais vim a atender durante minha jornada. Em um local de homicídio uma das primeiras providências periciais é A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 47 medir a temperatura do corpo já sem vida. E porque se faz isso? Cientificamente, a temperatura média do corpo humano é de 37º C. Ocorre que a temperatura do corpo humano é mantida por processos bioquímicos e pela circulação sanguínea. Com a morte cessam-se esses processos e a circulação fazendo com que o corpo inerte passe a igualar gradativamente sua temperatura a temperatura ambiente, ou seja, o corpo passa a perder calor. A ciência permite aos investigadores precisar a hora aproximada do óbito e, em caso de crime, a hora em que ocorreu o ato criminoso. A determinação da hora do crime é importantíssima num contexto de homicídios, pois pode colocar ou tirar pessoas da cena do ocorrido. Ciência! Guardem isto. Polícia Científica. Foi a primeira vez que vi o gráfico abaixo e as explicações científicas apresentadas. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 48 O gráfico aponta um local de crime e as incidências de elucidações relativas às investigações. Quanto mais perto do local do crime está a investigação maior as chances desse crime ser elucidado. Esse conceito se reflete muito claramente quando assistimos filmes americanos e séries do estilo CSI onde fica muito clara a importância das investigações iniciadas e praticadas a partir do local da ocorrência de um crime. Quando falamos de crime estamos falando no sentido geral, mas a fórmula da proximidade acaba funcionando em todos os casos. Abordaremos detalhadamente os modelos investigativos pátrios no capítulo em que abordaremos a Polícia Federal das Operações versus a Polícia Federal do dia-a-dia. Neste momento ficamos com a conceituação de que o investigador que chega mais próximo do local do crime terá mais chances de elucidá-lo. Já sabemos o que é crime e o que é investigar. Sabemos também que a investigação que se aproxima do local do crime tem maiores chances de êxito. Vamos então aos modelos. Vamos usar no nosso estudo o mesmo caso para ambos os modelos. Lembram-se do caso do furto da TV da casa do Vigilante Joaquim? Pois bem, é ele mesmo. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 49 2.1 CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA Vamos começar informando que esse modelo é utilizado nos seguintes países: Brasil, República de Cabo Verde e República Guiné Bissau. O Ciclo Incompleto de Polícia - CIP ou modelo da laranja partida é um modelo baseado na atuação parcial das polícias onde cada uma é responsável por uma parte de determinado procedimento tendo como principal característica a falta de transferência dos MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 50 conhecimentos adquiridos dentro daquele procedimento. Vamos tentar entender dentro do exemplo prático. O Vigilante Noturno Joaquim saiu de casa para mais um dia de serviço. Durante o período em que trabalhava uma viatura da Polícia Militar chegou a passar pela porta da sua casa. Pela manhã, ao retornar cansado de sua jornada, notou que a janela lateral da sua casa estava aberta. Aproximou-se e viu que o trinco estava danificado. Abriu a porta da casa usando suas chaves e acessou o quarto que tinha a janela aberta. Notou pegadas marcadas com barro no chão da casa e notou também que sua TV da sala havia sido subtraída. Crime contra o patrimônio, altamente comum nos dias atuais. Joaquim fez o que qualquer um de nós faria. Telefonou para a Polícia Militar que encaminhou uma viatura ao local. Lá chegaram os Soldados Mario e Fagundes. Mario, um Soldado novo e muito diligente, começou a anotar os dados da ocorrência e preencheu todos os documentos da Polícia Militar. Ao final informou ao Vigilante Joaquim que levaria o caso à Delegacia da área para registro da ocorrência e a partir desse ponto a Polícia Civil local é que ficaria responsável pelas investigações para apurar onde estaria a TV subtraída e quem teria praticado o ato. Os Soldados Mario e Fagundes levaram os dados colhidos à Delegacia do bairro onde o Delegado de Plantão determinou a elaboração de um Boletim de A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 51 Ocorrência. Nesse Boletim de Ocorrência feito pelo Delegado de Polícia constavam exatamente os mesmos dados já narrados na descrição detalhada feita pelos Policiais Militares nos formulários da sua corporação. No dia seguinte, como não apareceu ninguém para investigar ou periciar a janela arrombada, o Vigilante Joaquim mandou arrumá-la, pois seria perigoso deixá-ladaquele jeito. O vigilante Joaquim nunca foi comunicado ou teve qualquer retorno sobre as investigações. Um caso corriqueiro de furto qualificado como muitos outros que são atendidos e registrados todos os dias nas Delegacias de todo nosso Brasil. Vamos à análise do modelo de Ciclo Incompleto de Polícia. Notamos aí que existem duas Polícias atuando no mesmo fato criminoso e agora é hora de buscarmos na legislação as atribuições de cada uma. Analisemos a Constituição Brasileira. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 52 Vejam que a Constituição é clara e funciona como instrumento de partição da Laranja, instituindo o CIP, na medida em que esclarece que as Polícias Civis apuram as infrações penais e as Polícias Militares atuam de forma ostensiva visando evitar os crimes. A constituição impede a Polícia Militar de investigar crimes fazendo com que, em caso de atendimento, seja obrigada a encaminhar os dados obtidos à Polícia Civil para apuração do fato. Surge uma primeira dúvida: O Vigilante Joaquim, ao constatar o furto de sua TV não deveria ter ligado para a Polícia Civil e esta não deveria ter designado um I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. … § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem à polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 53 Delegado para atender a ocorrência e ir ao local dos fatos? É claro que sim. Está na Constituição. Além disso o Código de Processo Penal direciona: Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá: I – se possível e conveniente, dirigir-se ao local, providenciando para que se não alterem o estado e conservação das coisas, enquanto necessário; (grifo meu). II – apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o fato; III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV – ouvir o ofendido; V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 54 Então, ocorrido o crime, quem deveria ir ao local dos fatos seria a Polícia Civil, pois esta é a responsável, dentro do Ciclo Incompleto de Polícia - CIP, pelas investigações. É ela que tem que buscar autoria, materialidade, dinâmica do evento e recuperação da res furtiva. Só que na prática não é assim que funciona. Imaginem se o Vigilante Joaquim ligasse para a Delegacia do bairro e solicitasse a presença do Delegado de Polícia da área para atender a ocorrência? Claro que não seria atendido porque as polícias brasileiras foram estruturadas de forma desconexas, como meias laranjas. Na prática, ocorreu o que ocorre em todos os casos de registros de ocorrências. A Polícia Militar que não pode investigar foi até o local, anotou os dados nos seus formulários e encaminhou esses dados à Polícia Civil que de forma burocrática formulou mais um documento com os mesmos dados e ainda assim não começou a investigação. IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 55 Ainda na prática, foram mobilizadas duas instituições, uma que começou o que não pode terminar e outra que vai terminar o que não começou. O resultado disso tudo? Dois formulários, nenhum ato investigativo e o Vigilante Joaquim sem a sua TV. E quais são as características que podemos apontar para esse modelo policial, o chamado Ciclo Incompleto de Polícia ou Laranja Partida? Desperdício de material humano e de recursos financeiros. Investigação (pela Polícia Civil) longe do local do crime já que não atende a ocorrência no local. Baixo índice de resolução de crimes (em torno de 8% dos crimes são solucionados). Desmotivação dos Policiais Militares que apesar de comparecerem ao local não podem investigar. Rivalidade improdutiva entre a Polícia Militar e a Polícia Civil. Centralização da Investigação com demasiada importância à figura do Delegado de Polícia. Morosidade entre o fato delituoso e eventual início das investigações. Distanciamento do Policial que atendeu a ocorrência da investigação (o PM que foi ao local não participa das investigações). MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 56 Vou aproveitar para contar um caso real já que, antes de entrar para a Polícia Federal, fui Policial Civil por 6 anos e trabalhei muito nos plantões registrando as ocorrências. Era um sábado ou uma sexta, não me recordo bem. Sextas e sábados são os dias críticos nos plantões policiais. Trabalhava das 20 às 8h, na madrugada, e, em média, registrávamos de 5 a 10 ocorrências policiais que iam desde briga de marido e mulher a homicídio. Naquele dia a guarnição da Polícia Militar chegou no início do plantão. Como era de hábito tomei a frente. Era uma ocorrência de tentativa de homicídio, mediante uso de faca, onde o autor havia estocado a vítima na altura do tórax. Vítima socorrida ao Pronto Socorro local, autor saiu correndo e a faca ficou jogada ao solo. Os PMs que atenderam a ocorrência acharam por bem recolherem a faca e encaminharem à Delegacia. Durante os registros obtiveram um endereço próximo como sendo o da casa do Autor. Lá foram eles. Bateram na porta e perguntaram pelo fulano. A pessoa que atendeu disse que ele não estava em casa e que não havia retornado do bar onde estava comemorando seu novo emprego. Os PMs insistiram, mas não obtiveram êxito em achar o autor das facadas. Esgotadas as diligências e os registros formais os Militares levaram a ocorrência à Delegacia para conhecimento do Delegado. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 57 Aí começou a encrenca. O Delegado entendeu que eles não deveriam ter diligenciado, que não deveriam ter recolhido a faca, que não deveriam ter ido à casa do autor, enfim, que não deveriam ter feito nada. Estabeleceu-se a confusão que só foi contornada quase uma hora depois. Acredito, por essas e outras, dentro do binômio estudo/experiência que o Ciclo Incompleto de Polícia é um dos grandes motivadores da rivalidade e dos problemas existentes entre as Polícias Civis e Militares nos Estados. O resultado final dessa ocorrência, no nosso modelo de Ciclo Incompleto de Polícia - CIP, foi nenhum ato investigativo realizado, nenhuma prova técnica colhida e, em decorrência disso e de outros fatores que iremos abordar, um índice bizarro de aproximadamente 5 a 8% de casos solucionados no Brasil. Além disso, foi uma ocorrência que potencializou a já tão decantada rixa existente entre Policiais Militares e Policiais Civis. Muitos preferemfingir que isso não existe, mas para quem já viveu isso no dia-a-dia não há como negar. Esse é o modelo usado no Brasil e em mais outros dois países da África. O resto do mundo adota modelos distintos. O principal veremos a seguir. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 58 2.2 CICLO COMPLETO DE POLÍCIA Esse é o modelo utilizado nos países da Europa, América do Norte e América do Sul, enfim, na maioria dos países. Recentemente a Câmara dos Deputados, através da Comissão de Estudo para Unificação das Polícias, presidida pelo Deputado Edson Moreira, enviou seus representantes a diversos países a fim de verificarem a formatação das polícias. Na Áustria, de 24 a 28/07/2017, verificaram que existem duas polícias: a Gendarmaria e a Polizei, ambas de ciclo completo. No Chile, de 25 a 27/09/2017, verificaram que existem duas polícias: os Carabineiros e a Policia de Investigaciones-PDI, ambas de ciclo completo. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 59 Na Colômbia, de 28 a 29/09/2017, verificaram que existe uma única polícia, a Polícia Nacional Colombiana, de ciclo completo. Nos Estados Unidos, de 22 a 23/05/2017, verificaram que existem mais de 17.000 agências policiais, de ciclo completo. No Canadá, de 24 a 26/05/2017, a Real Polícia Montada do Canadá, também de ciclo completo. Na Itália, de 17 a 18/11/2017, verificaram três polícias nacionais, a Polícia de Estado, os Carabineiros e a Guarda de Finanças, todas de ciclo completo. Ou seja, o mundo desenvolvido pratica o ciclo completo de polícia. Quando discutimos no item 3.1 o Ciclo Incompleto de Polícia-CIP, atualmente praticado no Brasil e estampado na Constituição de 1988, notamos que existem diversas polícias, mas há uma clara separação de atribuições do Antes e Depois da ocorrência de um crime, como se o acontecimento deste gerasse uma nova dinâmica. Na verdade, a dinâmica do crime é a mesma e então precisamos ver como os países mais evoluídos e com melhores índices de segurança pública, inclusive sensação de segurança, tratam o assunto. O Ciclo Completo de Polícia - CCP, basicamente, se resume em: “a polícia que começa é a polícia que termina, se for dentro da sua competência”. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 60 Para ser mais claro vamos a um exemplo usando uma série americana tradicional chamada CSI. Sempre que ocorre um crime vemos que o local é preservado por policiais ostensivos (fardados) até a chegada dos policiais não ostensivos (geralmente de terno). Os dois policiais, tanto os fardados como os de terno pertencem à mesma polícia e estão em níveis profissionais diferentes. Como o caso é tratado dentro da mesma polícia um só formulário é feito. A equipe de investigação vai ao local do fato e inicia ali a colheita de provas. O calor do crime, seja ele qual for, está no seu máximo grau. A cena do crime está falando. Os investigadores estão com todas as evidências a sua frente e podem desenvolver melhor suas habilidades técnicas além da colheita das evidências científicas. Percebemos então que o Ciclo Completo de Polícia-CCP aproxima o investigador do local do fato e talvez por isso os índices de elucidação de crimes aumentem muito em relação ao Ciclo Incompleto de Polícia-CIP, chegando de 65 a 80% de crimes elucidados. Os países que utilizam o CCP entregam às suas populações uma sensação de segurança pública maior. Para isso basta fazermos uma simples pergunta: Onde eu acho que é mais seguro morar, no Brasil ou nos Estados Unidos? No Brasil ou no Chile? Naturalmente que outros fatores contribuem para essa sensação de segurança, mas é claro e natural que em países onde os A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 61 crimes são solucionados e as pessoas cumprem suas penas, há uma maior confiança no sistema. Então como faríamos para a implantação do Ciclo Completo de Polícia em nosso país? Boa pergunta e de diversas respostas. A mais simples seria unificarmos as Polícias Civis e Militares nos Estados e reestruturarmos o sistema de leis de modo a darmos a essa nova polícia operacionalidade e funcionalidade. Outra forma seria copiarmos países como o Chile onde não há uma única polícia, mas todas elas são de ciclo completo (começam e terminam) e têm suas competências definidas em lei. Outra forma seria legalizarmos todas as formas policiais, inclusive as municipais, definindo lhes competências para determinados crimes e ciclo completo para que pudessem começar e terminar os casos que lhe são previstos. Antes de finalizar gostaria de citar o exemplo excepcional da Polícia Federal que na Constituição de 1988 foi concebida como uma Polícia de Ciclo Completo e por isso se difere das Polícias Civis estaduais. A concepção constitucional da Polícia Federal idealizou que a mesma seria uma polícia de Ciclo Completo, ao contrário das Polícias Civis e Militares. Ocorre que com o passar dos anos e com interesses corporativos a visão e a gênese constitucional foi sendo MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 62 abandonada, mas ainda perdura em vários segmentos de atuação. Vamos ao texto da lei máxima: Uma simples leitura do texto da Lei Magna e a análises dos verbos que determinam as ações nos permitem apurar que a Polícia Federal tem em seu papel constitucional funções preventivas, repressivas, funções Art. 144. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 63 de polícia administrativa e funções de polícia judiciária, além da polícia investigativa. Isso a difere no sentido geral das Polícias Civis e Militares dos Estados que tem na mesma constituição atribuições mais restritas à sua área de atuação, condicionadas ao Ciclo Incompleto de Polícia. Vejamos os verbos abaixo. Fica bem claro quando analisamos o texto da lei que a Polícia Federal é por concepção uma polícia de Ciclo Completo (começa e termina), e as Polícias Militares (começam, mas não terminam) e Civis (terminam, mas não começam) dos Estados formam o modelo de Ciclo Incompleto de Polícia. Como vimos no exemplo de Ciclo Incompleto de Polícia - CIP cabe a Polícia Militar a prevenção tentando Artigo 144... § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 64 evitar o crime e à Polícia Civil a investigação tentando desvendar o crime ocorrido (duas metades da laranja). Lembram do caso em que o PM levou a ocorrência para a Polícia Civil? Isso é o Ciclo incompleto. Na Polícia Federal existem as duas situações, configurando o Ciclo Completo de Polícia – CCP e mais uma terceira situação que configura o Ciclo Incompleto de Polícia-CIP que ocorre quando a PF recebe ocorrências das outras forças policiais. Neste instante temos Policiais Federais trabalhando nos postos de fronteira que vão desde postos na região de selva amazônicaaté os grandes aeroportos. Vou lhes contar um caso que ocorreu comigo no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP para facilitar o entendimento. Estava trabalhando no Aeroporto em regime de plantão (24h x 72h). Trabalhava um dia inteiro e folgava outros três. Junto com outros Policiais Federais éramos responsáveis pelo fluxo de pessoas que entravam e saiam do país (estrangeiros e nacionais). Isso incluía a imigração de estrangeiros, o controle de saída de menores acompanhados ou desacompanhados, as deportações, repatriações, expulsões, etc. Serviço complexo que exigia dos Policiais especial atenção, pois tínhamos ciência de que éramos a última barreira do Estado brasileiro em defesa do nosso povo. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 65 Dentro desse cenário, além desses atos de Polícia Administrativa e de Soberania Nacional (que as Polícias Civis e Militares não exercem) em um aeroporto, também exercíamos todas as funções policiais tentando prevenir crimes. Como é muito falado e noticiado sabemos que os Aeroportos, especialmente os grandes como Guarulhos, são rotas de tráfico internacional. Como a polícia tem o viés técnico e científico, os policiais federais que lá trabalham desenvolvem técnicas de observação e comportamento, além de um trabalho científico de cruzamento de dados que permitem separar um público alvo que seja passível de um acompanhamento mais próximo. Naquele plantão já havíamos recebido a informação de que um elemento de naturalidade espanhola se enquadrava naquelas características, e eu e outro colega fomos designados a acompanhá-lo à distância após o check in até o momento de eventual abordagem. Feito isso passamos a seguir o indivíduo que chamava a atenção pela magreza e uso de calças largas, como se tivesse comprado um número maior. Para quem não sabe até para seguir as pessoas existe técnica que nos é ensinada na Academia Nacional de Polícia. Seguimos o cidadão sem suspeitas. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 66 Quando ele atravessou o portal de raio x nos comunicamos com outros colegas e demos sinal que iríamos abordá-lo. Assim o fizemos. Nos identificamos colocando nossos distintivos para fora da camisa e pedimos que nos acompanhasse até a sala de revista, alguns passos adiante do portal de raio X. Durante a revista pude constatar que nas suas pernas haviam volumes. Revista mais minuciosa demonstrou que levava consigo aproximadamente 3 kg de cocaína, comprovada através de Narcotest. Primeira metade da Laranja. Trabalhei na prevenção. Como a Polícia Militar. Concordam? A seguir comuniquei a equipe de Plantão, composta por um Delegado, um Escrivão, um Perito Criminal e um Agente Federal para quem encaminhei o preso (autoria) e a cocaína (materialidade). Essa equipe, da mesma Polícia Federal, completou o serviço com a lavratura do flagrante e encaminhamento do preso ao sistema prisional. Outra metade da laranja. Uma só polícia realizou o trabalho de polícia administrativa, de polícia preventiva, de polícia repressiva e a formalização dos atos burocráticos de polícia investigativa, que alguns confundem com polícia judiciária. Ciclo Completo de Polícia. Quem começa termina. E quais são as características que podemos apontar para esse modelo policial, o chamado Ciclo Completo de Polícia ou Laranja Inteira? A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 67 Melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais já que os casos tramitam dentro da mesma instituição Diminuição da morosidade entre o fato delituoso e eventual início das investigações. Maior proximidade dos Policiais de campo com a amplitude dos crimes Modelo usado pelos países que alcançam bons índices de resoluções de crimes Valorização dos Policiais que realmente efetivam as medidas protetivas e investigativas DIANTE DESSE QUADRO E DO CONHECIMENTO DOS MODELOS POLICIAIS PODEMOS PROPOR UM QUESTIONAMENTO: O BRASIL ESTÁ CERTO AO ADOTAR UM MODELO, CONHECIDO COMO CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA-CIP, QUE SÓ É USADO AQUI E EM MAIS DOIS PAÍSES AFRICANOS, O QUAL REPARTE EM DUAS METADES O PRÉ E O PÓS CRIME, RESULTANDO EM ÍNDICES DE ESCLARECIMENTOS DESSES MESMOS CRIMES EM TORNO DE 5 A 8%? ( ) SIM ( ) NÃO MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 68 CAPÍTULO III CARREIRA POLICIAL – COMPARATIVO ENTRE A POLÍCIA FEDERAL AMERICANA – FBI E A POLÍCIA FEDERAL BRASILEIRA – PF3 Neste capítulo iremos abordar a gênese da carreira policial federal, sua estrutura, seus cargos, formas de ascensão, gargalos e expectativas de seus componentes. De igual forma faremos um estudo comparativo com uma das mais conceituadas instituições policiais do mundo moderno, o FBI. Sabemos que não há uma formula definida e mágica para a Segurança Pública, em especial uma fórmula que aumente a sensação de segurança, mas, também sabemos que há modelos e formas de gestão que dão melhores ou piores resultados e as comparações permitem essas diferenciações. Quando analisamos modelos empregados nos modais de Segurança Pública pelo mundo nos deparamos e facilmente identificamos seu principal elemento. O ser humano. 3 https://www.youtube.com/watch?v=IPpqSnzyTDg 3.1 https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos https://www.youtube.com/watch?v=IPpqSnzyTDg https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA 69 O ser humano é o principal elemento por motivos óbvios já que é o polo passivo e o polo ativo de todas as relações. Sempre há ação humana antes, durante ou depois de alguma demanda relacionada à segurança uma vez que essa é voltada ao próprio ser humano. O homem planeja ações, o homem executa as ações planejadas, o homem define leis, as faz cumprir, as cumpre, o homem avalia os resultados, o homem, o homem, o homem. Partindo desse princípio qualquer ação que influencie na sensação de segurança ou mesmo na efetiva segurança passa por ações do homem que está inserido no contexto sociedade e, portanto, quaisquer modificações no estado desse elemento primordial podem afetar o equilíbrio alcançado. Como estamos analisando o contexto do nosso país para podermos comparar com outros países temos que iniciar a análise dizendo que o elemento humano por aqui é deixado muitas vezes em segundo e até terceiro plano nas ações relacionadas ao tema. Para isso basta nos aprofundarmos no dia a dia policial ou de cada um dos demais componentes do sistema. As guardas municipais e seus elementos humanos não possuem status de polícia. A Guarda Portuária e seus elementos humanos, que exercem policiamento nos Portos, não tem reconhecimento. A Polícia Ferroviária Federal e seus elementos humanos está esfacelada. MARCO ANTONIO SCANDIUZZI 70 As Polícias Militares nos Estados e seus elementos humanos sofrem no combate diário e direto à criminalidade. As Polícias Civis e seus elementos humanos definham num modelo corporativista. A Polícia Federal e seus elementos humanos tem sérios conflitos internos, varridos por vezes para debaixo do tapete, iniciados a partir do entendimento de que o corporativo supera o principal elemento, o elemento humano, lembram? Como não teria conhecimento e nem capacidade de esmiuçar todas as polícias vou me ater ao modelo da Polícia Federal, onde passei 20 anos e tive a oportunidade de viver as mais diferenciadas situações. A seguir, trarei o modelo do FBI, a famosa polícia federal americana para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões. Antes de entrar no tema em si gostaria de algumas análises na área da Gestão, minha área de formação e estudos. Segundo o psicólogo americano Abraham H.Maslow, as condições necessárias para que cada ser humano atinja a sua satisfação pessoal e profissional podem ser padronizadas hierarquicamente na forma de
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