Buscar

fichamento-sobre-a-lingua-de-eulalia-para-o-pofessor-luis (1)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ANALISE E FICHAMENTO DE TRECHOS DO LIVRO “A LÍNGUA DE
EULÁLIA”
Paulo Henrique Vieira do Nascimento*
Escrito por Marcos Bagno, em 1997, o livro trata-se de uma obra sociolinguística que relata de forma divertida e contextualizada o choque entre o português padrão, ou “norma culta”, e as variações linguísticas que o idioma sofre, quando se leva em consideração as influências e aspectos culturais, sociais e psicológicos. Bagno, em sua obra, não tenta desmerecer, nem privilegiar, o uso da norma padrão ou do linguajar coloquial de cada região do país. Percebe-se que o seu intento é mostrar que todas essas formas de expressão fazem parte do ato de se comunicar, e se essa comunicação acontece de forma eficaz, então ela já cumpriu com o seu dever, ou seja, está completa. Todas essas possíveis manifestações da língua compartilham do mesmo propósito, e quando essas cumprem com esse objetivo, não se faz necessário realizar distinções de cunho discriminatório. A seguir será disposto o fichamento da obra, seguido da análise dos trechos.
[...] Eulália mora com a minha tia Irene. É a pessoa mais querida do universo inteiro! Eu simplesmente amo ela ... - A “moela”, que eu saiba, é um órgão das galinhas, meu bem...- Não enche, Emília, a gente “estamos” de férias, “tá bão”?- graceja Sílvia. ( BAGNO, 1997, p.10.)
No trecho supracitado, situado no começo do livro, encontra-se o primeiro embate envolvendo questões de variação linguística. A obra conta a história de três estudantes universitárias (Psicologia, Letras e Pedagogia) que escolhem passar as suas férias acadêmicas na chácara de sua professora, Irene, localizada no interior de São Paulo. Irene é Doutora em Linguística e auxiliará, no decorrer da trama, no despertar reflexivo sobre essa miscelânea de possibilidades de utilização da língua. Voltando a atenção para o trecho, percebe-se a aproximação semântica que pode gerar entre a composição “amo ela” e “A moela”. Nota-se que graficamente não existe equívoco de significado; fica claro que na primeira expressão trata-se de um “eu” que declara o seu amor por “ela” (Eu amo ela), e que no segundo caso, a expressão se refere à última parte do estômago das aves, isto é, a moela. Porém, quando se parte para a oralidade, a situação é diferente, a forma e a maneira que os vocábulos são pronunciados podem influenciar drasticamente no significado, forçando o interlocutor a se situar por meio do contexto. Esse é só o primeiro evento do livro, muitos outros fenômenos
* Acadêmico do 4° período noturno do curso de Letras, do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser, no semestre letivo 2012/2.
ainda merecerão atenção. Ainda nesse trecho, vale analisar duas peculiaridades da resposta de Silvia, primeiro, a concordância no plural que ela faz em “a gente estamos”, construção que é considerada errada com base na norma padrão, porém que é bastante utilizada no dia a dia pela maioria da população. Vale ressaltar que do ponto de vista da Linguística essa expressão não enfrenta condenação, pois cumpre com o seu papel que é o de comunicar uma ideia, inclusive é até justificável flexionar o verbo para a terceira pessoa do plural, pois o sintagma “a gente” remete uma ideia de plural, de coletivo.
No segundo capítulo da obra, “Quem ri do quê?”, percebe-se uma crítica ao modo de falar característico da norma culta, que tem como evidências a utilização de palavras que geralmente se encontram em desuso pela maioria da população. No trecho “– Parece que a Eulália é mesmo muito prendada – comenta Sílvia. – Prendada? Essa é boa! – ri Irene. – Menina, em que século passado você nasceu? Sílvia fica corada.” (BAGNO, 1997, p.13.)
A estudante Sílvia, tentando mostrar um nível considerável de conhecimento dicionarizado, acaba se colocando em uma situação constrangedora. Nota-se, também, uma insistente pretensão, por parte das jovens estudantes, em desvalorizar as qualidades da personagem Eulália. Para elas, Eulália por ser de origem humilde, presume-se que não seja detentora de uma bagagem cultural significativa, tratam-na de forma subestimada, limitando-a a uma tácita simplicidade de intelecto.
No fragmento a seguir, Irene derruba tal preconceito, mostrando uma Eulália rica em diversos aspectos.
- Para dizer a verdade – prossegue Irene – , a Eulália é um poço sem fundo de conhecimento e sabedoria. Todo dia aprendo uma coisa nova com ela. Só de remédios caseiros, feitos com ervas medicinais, dava para encher uma enciclopédia. E como conselheira para momentos de angústia e depressão não conheço melhor psicólogo do que ela. (BAGNO, 1997, p.13.)
Vale ressaltar que a forma de pensar em que a nossa sociedade se encontra a cultura do menos favorecido nunca, ou quase nunca, é valorizada da forma que deveria ser; os padrões e modelos desejados sempre têm origem nas camadas de maior poder aquisitivo. São os seus costumes que passam pelo tempo como ícones de uma era, como marcas do requinte e do glamour de uma dada sociedade. Não se pode deixar de buscar o entendimento que tal convenção não é justa, nem verdadeira. Os grandes feitos da humanidade nunca seriam analisados de forma honesta caso não fossem levados em conta todas as manifestações da cultura geral do homem. O ser humano é muito mais do que uma simples concepção de classes pode abarcar; é um complexo muito maior e ainda não compreendido em sua completude.
Ao tratar dos diversos idiomas existentes, encontram-se várias complexidades, a língua falada em uma determinada região não é usada ali por acaso, existe todo um contexto histórico, social e cultural que reveste e justifica tal fenômeno, isso não se dá por acaso. O italiano não é usado na Itália à toa, sabe-se que aquela região foi o berço do Império Romano, onde o idioma utilizado foi o latim, língua mãe do italiano e outros diversos idiomas, inclusive o português. Essa explicação pode ser estendida para todos os idiomas, isto é, todos são o resultado de vários eventos que representam a trajetória, o legado, de um povo. Não existe um idioma melhor, mais culto do que outro, melhor fundamentado ou que represente a melhor raça humana; até mesmo porque, não existe uma raça ou etnia humana que seja superior.
Trazendo essa discussão para o português, no Brasil, todas as observações acima pautadas cabem perfeitamente nesse contexto. Em um país com dimensões continentais não é de se admirar que o idioma utilizado sofra variações das mais diversas origens. O português aqui falado tem influência de línguas indígenas, africanas, germânicas e etc.; o homem do campo fala diferente do homem da cidade; o nortista fala diferente do sulista. Existe uma riqueza muito grande de sotaques, timbres e significados. Se for realizada uma análise mais criteriosa, talvez se chegue a uma conclusão que desconsidere o português do Brasil como “português” de fato. Pode até parecer loucura não é? Mas não é difícil de justificar essa linha de pensamento, basta expor um brasileiro nato a um diálogo com um português legítimo. Não é de se espantar que o brasileiro não entenda quase nada da fala do lusitano, provando o quanto a vertente utilizada no Brasil se distanciou da sua origem. E ai, devemos então considerar a fala do brasileiro como errada? Claro que não, como dito antes, existem justificativas para as variações sofridas por um idioma em qualquer circunstância que esta se encontre. No mesmo capítulo Irene descreve com maestria tais fenômenos, como se pode observar nos trechos abaixo:
· Tia, aonde é que você quer chegar? – Vocês não entenderam o Dante porque o italiano é diferente do português. Vocês não entenderam o português do século XII porque é diferente do português de hoje. E não entenderam o português de Portugal porque é diferente do português do Brasil. (BAGNO, 1997, p.14.)
Ainda para elucidar a mesma linha de raciocínio:
· A fala da Eulália não é errada: é diferente. É o português de uma classe social diferente da nossa, só isso – explica Irene. – Para mim é errado – diz Emília. – É errado dentro das regras da gramática que se aplicamao português que você fala – diz Irene. – Mas na variedade não-padrão falada pela Eulália essas regras não funcionam. (BAGNO, 1997, p.14.)
No terceiro capítulo, “Que língua é essa?”, surge o tópico “O mito da língua única”, que traz à luz várias questões que explicam as diferenças entre o português falado no mundo e no nosso país, nos mais diversos aspectos étnicos, sociais, políticos, econômicos, psicológicos, geográficos e históricos. Evidenciam que a língua, de uma forma generalizada, está sempre em estado de evolução, transformação e movimentação. Sendo assim, é natural o português está longe de ser considerado uma língua única, homogênea. Sua diversificação tem origem nos aspectos sintáticos, fonéticos, lexicais e semânticos. O segmento abaixo ilustra bem que Bagno, em sua obra, defendeu tais conceitos.
· Primeiro, no Brasil não se fala uma só língua. Existem mais de duzentas línguas ainda faladas em diversos pontos do país pelos sobreviventes das antigas nações indígenas. Além disso, muitas comunidades de imigrantes estrangeiros mantêm viva a língua de seus ancestrais: coreanos, japoneses, alemães, italianos etc. (BAGNO, 1997, p.18.)
Prosseguindo na obra, Irene dá seguimento ao seu diálogo (aula) com as jovens estudantes e mostra que além da língua sofrer variações motivadas pela geografia, etnia e migração, existe também o fator “tempo”, ou seja, o idioma se modifica com o decorrer do tempo. Ela insere também o conceito de norma-padrão, aquela que tem preferência quando a utilização é grafada, escrita; trata-se de uma maneira de facilitar o manejo da língua, tornando-a mais uniforme. A professora frisa que mesmo essa vertente, norma-padrão, sendo tão privilegiada, não deve ser utilizada como ferramenta de discriminação e que se o mesmo investimento fosse aplicado às outras variedades, estas certamente se tornariam tão relevantes quanto à norma culta.
[...] No momento em que se estabelece uma norma-padrão, ela ganha tanta importância e tanto prestígio social que todas as demais variedades são consideradas “impróprias, “inadequadas”, “feias”, “erradas”, “deficientes”, “pobres”... e essa norma-padrão passa a ser designada com o nome da língua, como se ela fosse a única representante legítima e legal dos falantes desta língua. (BAGNO, 1997, p.25.)
Dentro do raciocínio que a obra de Bagno estabelece, vale destacar a falsa valorização da norma-padrão quanto ao aspecto de unicidade de expressão e comunicação de um povo. Historicamente percebe-se que aquilo que se entende como padrão, ou culto, só representa a vertente que está no poder, ou seja, os grandes proprietários e grupos dominantes, que inclusive, vale ressaltar, não são a maioria da população, pelo contrário, em números, representam a minoria esmagadora do total da população. Estima-se que o português mais usado no dia a dia seja o não-padrão, PNP, é claro que existe traços que são comuns entre as várias variações, porém é adequado o quanto antes entender essa ideia da multiplicidade do idioma. Esse tratamento privilegiado que é dado a chamada norma-culta da língua é totalmente prejudicial para educação, basta pensar em uma criança de classe pobre, que
quando chega à escola, certamente será considerada deficiente do ponto de vista linguístico, o que é injusto e altamente preconceituoso, haja vista que o idioma usado em nosso país não é uniforme. O sistema educacional deve se adaptar a essa realidade, assim poderá explorar a potencialidade real de cada educando, deixando de lado conceitos pretensiosos que só atrapalham no processo sócio-educacional. O trecho abaixo ilustra bem esse pensamento.
· Alguns estudos têm revelado uma triste realidade no nosso sistema educacional – continua Irene. – Os professores, administradores escolares e psicólogos educacionais tratam o aluno pobre como um “deficiente” linguístico, como se ele não falasse língua nenhuma, como se sua bagagem lingüística fosse “rudimentar”, refletindo consequentemente uma “inferioridade” mental. Isso cria, no espírito do aluno pobre, um sentimento de rejeição muito grande, levando-o a considerar-se incapaz de aprender qualquer coisa. Por outro lado, cria no professor a sensação de estar tentando ensinar alguma coisa a alguém que nunca terá condições de aprender. Daí resulta que o aluno fica desestimulado a aprender, e o professor, desanimado a ensinar. (BAGNO, 1997, p.29.)
Tal desrespeito, inclusive, é provavelmente o grande responsável pelo alto índice de desistência nas escolas. Esse tipo de conduta deve ser mudada o mais rápido o possível, pois a escola é o ambiente em que o indivíduo desenvolve, além das potencialidades intelectuais, as primeiras relações sociais independentes, pois o aluno está ali, naquele momento, longe da mãe e do pai; um trauma ocasionado por discriminação lingüística pode impactar na vida desse estudante, talvez, pelo resto de sua vida. É verdade que a norma padrão deve sim ser ensinada nas escolas, pois é indiscutível a sua importância para a vida, porém, o que não deve ocorrer, é que o aluno, ao chegar ao ambiente de ensino, já domine essa vertente. A instituição escolar deve fornecer os meios necessários para que o aluno entenda essa diversidade linguística e domine a norma considerada como norma-culta, assim o mesmo terá uma importante ferramenta para lutar contra às injustiças sociais nas quais ele se encontra inserido. No que tange a língua, e talvez outros campos, o conceito de certo ou errado é muito mais complexo do que se pode imaginar.
Antes de se julgar algum evento como correto ou incorreto, o que é, diga-se de passagem, muito fácil e superficial, deve-se tentar entender o porquê desse fenômeno, quais foram as circunstâncias que o promoveram, que o justificaram. Desde os tempos antigos é notado o olhar criticamente pejorativo daquilo que é alheio a realidade de um povo. Por exemplo, o europeu ao chegar à América considerou quase irracional a forma em que os índios viviam, se julgaram os descobridores de uma terra que já era a habitada por outros povos, ou seja, já fora descoberta, não estava perdida. Julgaram os nativos como carentes do conhecimento, pois acreditavam que o saber genuíno pertencia a eles, os colonizadores, os honrados homens que trouxeram a luz para os ingênuos índios do novo continente. Os europeus infundiram a sua língua para povos que já possuíam várias línguas, disseminaram a
sua cultura para povos que já possuíam um vasto legado cultural; submeteram o nativo a uma gama de doenças e juízos de valores que os quais nunca tiveram contato antes, pois viviam na simplicidade.
E para que toda essa investida? Seria pela causa cristã, ou por uma determinação genuinamente altruísta nata do povo europeu? Não, a verdade foi que toda essa imposição serviu apenas de desculpa para encobrir os reais motivos dos colonizadores. Terras, ouro, escravos e outros. Baseados em tal exemplo presume-se que por de trás de todo preconceito existe um motivo maior, que no mínimo sai da vaidade e arrogância, e pode chegar a resultados muito mais significantes, no mal sentido é claro. No tópico “O erro e o outro”, pode-se evidenciar um fragmento que justifica categoricamente esse tipo de conduta.
[...] gregos antigos, por exemplo, chamavam de bárbaros todos os povos que não falavam a língua grega. – Ou sena, o resto da humanidade... – diz Emília. [...] No início, a palavra bárbaro significava simplesmente “estrangeiro, que fala uma língua diferente”. Com o tempo, porém, o preconceito tomou conta da palavra, porque quem não falava grego era considerado, “naturalmente”, inferior, pouco inteligente, abrutalhado. (BAGNO, 1997, p.33.)
E para que toda essa investida? Seria pela causa cristã, ou por uma determinação genuinamente altruísta nata do povo europeu? Não, a verdade foi que toda essa imposição serviu apenas de desculpa para encobrir os reais motivos dos colonizadores. Terras, ouro, escravos e outros. Baseados em tal exemplo presume-se que por de trás de todo preconceito existe um motivo maior, que no mínimo sai da vaidade e arrogância,e pode chegar a resultados muito mais significantes, no mal sentido é claro. No tópico “O erro e o outro”, pode-se evidenciar um fragmento que justifica categoricamente esse tipo de conduta.
· É difícil para cada um de nós suportar a existência de outros, tolerar a convivência com tantos não-eu. A coisa já começa na família, quando somos obrigados a limitar nossa liberdade e a respeitar a dos outros que dividem o mesmo espaço conosco... É um duro aprendizado que não para nunca e continua ao longo da vida toda: o aprendizado da humildade, da tolerância, da misericórdia... (BAGNO, 1997, p.34.)
No tópico “Erro comum ou acerto comum?” Irene mostra uma tabela que apresenta uma série de diferenças entre a dita norma-padrão, ou norma-culta-, e a forma não-padrão. Ao se analisar as observações da professora, fica claro que a norma enquadrada como coloquial é muito mais próxima do ser humano do que se imagina, vejamos o porquê. Ela considera o PNP (português não padrão) natural, pois ele se desenvolve automaticamente com o indivíduo, ao contrário do PP (português padrão), que é sistematizado por meio de treinamento e memorização; o PNP é passado de geração para geração, isto é, faz parte do legado de um determinado povo, ao passo que o PP tem que ser conquistado na escola, através da prática contínua da escrita; as regras do PNP são aprendidas por indução, de norma muito natural pelos falantes, já o PP tem que ser decorado; o PNP é conciso, isto é, corta tudo
que é desnecessário sem que haja perda de sentido, é prático, já o PP é prolixo, vaidoso; e por fim, o PNP é inovador, visto que sempre está em constante mudança, evolui em conjunto com o homem, se adapta as circunstâncias quaisquer em que o um determinado povo esteja submetido, já o PP é conservador, rígido, pouco aberto para novidades, por mais óbvias e necessárias que elas sejam. No entanto, não são somente diferenças que existem entre as duas vertentes, é interessante salientar o quanto de aproximações que se pode constatar entre os modos.
A professora Irene observa que as semelhanças existentes entre o PNP e o PP, inclusive, são muito mais numerosas do que as diferenças. Ela acrescenta que o fato das diferenças serem muito mais lembradas se deve ao fato de haver uma pretensão de auto- afirmação social. O falante da PP, ao criticar a forma diferente de se expressar do falante da modalidade PP, deseja mostrar que não pertence àquela classe social. Vejam, na íntegra, o trecho da obra:
[...] onde tem variação também tem avaliação. Quando nós, falantes escolarizados de uma variante urbana culta, rimos (ou temos pena) de alguém que diz “prantá” no lugar de “plantar”, aproveitamos essas diferenças de pronúncia para mostrar que nós não somos pertencentes daquela classe social. [...] Queremos deixar bem clara a distância social, econômica e cultural que existe entre nós e aquele falante de não- padrão. E é daí que nasce o preconceito linguístico.(BAGNO, 1997, p.38.)
Esses julgamentos de valores linguísticos acompanham o nosso português a muito mais tempo do que imaginamos, basta analisar a história desse célebre idioma. Como se sabe, a língua portuguesa tem origem no latim, entretanto, essa ligação não se fez com a vertente clássica, ou erudita, desse idioma. O português deriva do chamado latim vulgar, essa vertente era uma variação provincial, plebeia, do latim classificado como culto.
- Depois que as legiões romanas conquistavam um território [...] eram enviados muitos cidadãos romanos [...] essa gente não falava o latim clássico [...] falava sim, um latim simplicado, com regras mais flexíveis. [...] um romano de alta linhagem certamente achava que o latim vulgar era “latim falado errado”, exatamente o que muitas pessoas pesnsam do português não-padrão. (BAGNO, 1997, p.41.)
A história nos mostra que a variante menosprezada do latim, o latim vulgar, deu origem a várias outras línguas (o italiano, o espanhol, o português, o romeno e etc.). Isso nos remete a ideia de que as variações conhecidas atualmente como PNP podem vir a formar novos idiomas. O língua está em constante mudança, já é comum encontrar indivíduos altamente escolarizados fazendo uso do PNP. Acrescenta-se ainda que o fato de existir pessoas de respeito utilizado um português diferente não é de hoje.
O famoso escritor português Luís de Camões é um grande exemplo de uma utilização que contradiz os parâmetros atuais de uma língua culta. Nessa hora pode-se perguntar como isso ocorre, seria o mesmo Camões de Os Lusíadas? A resposta é sim, trata-se dele mesmo.
Antes de adentrar nesse mérito, se faz necessário trazer um típico fenômeno que acontece no português falado no Brasil e que quase sempre é visto com hostilidade. É muito comum escutarmos pessoas, principalmente de cidades do interior ou menos escolarizadas, pronunciarem palavras como “planta” da forma “pranta”, “flecha” como “frecha”, e assim por diante. Quem critica de forma superficial esse tipo de utilização mal faz ideia de que tal acontecimento tem uma explicação que se arraiga desde a formação do nosso idioma. Por exemplo, palavras que no latim vulgar eram gravadas com a letra “L”, conservaram essa grafia no francês e no espanhol (do latim plaga, originou-se o francês plage e o espanhol playa), entretanto, no português, essa letra foi trocada pelo “R” ( do latim plaga, surgiu o português praia). Voltando em Camões, tido como o inventor da língua portuguesa, é muito comum se perceber tais trocas (da letra “L” pela letra “R”). Abaixo segue um trecho da obra Os Lusíadas:
“E não de agreste avena, ou frauta ruda” (canto I, verso5); Doenças, frechas, e trovões ardentes” (X, 46); “Era este Ingrês potente, e militara” (VI, 47); “ Nas ilhas de Maldiva nasce a pranta” (X, 136); “Pruma no gorro, um pouco declinada” (II, 98); “Onde o profeta jaz, que a lei pubrica” (VIII, 34). (CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas.)
É interessante perceber que quando encontramos tais utilizações (frauta, frechas, ingrês, pranta e pubrica) em uma obra do nível de importância cultural e erudição como Os Lusíadas, não soa pejorativo. Inclusive, Camões, não foi o único a utilizar tais formatos, percebem-se tais características em obras de outros escritores consagrados, como José de Alencar e Machado de Assis. Esse tipo de fenômeno é conhecido como “rotacismo”, porém se trata de um somente, o português apresenta ainda uma variedade diversa de fenômenos, seria impossível abordar todos, tratar-se-ão aqui somente os principais, como a redundância dos plurais, por exemplo.
O próximo tópico do livro “A língua de Eulália” trata do entendimento de construções do tipo “As casa está tudo pegando fogo”, percebeu o que se encontra de diferente nessa frase? A marca do plural se encontra somente no primeiro vocábulo, o artigo “as”, todavia não se perde o sentido, compreende-se muito bem que várias casas, todas as casas da localidade estão pegando fogo. Porém, segundo o crivo da norma-culta, tal construção está errada. No PP, para se informar, ou marcar, o plural é necessário a modificação de várias palavras em uma mesma frase, o que se torna, do ponto de vista funcional, desnecessário; devemos nos lembrar do quanto o PNP é prático, usual, dispensa firulas e adornos que não contribuem em nada para a comunicação. Segue o trecho da obra para confirmar tal constatação:
- Para informar que se trata de mais de uma flor, o PP precisa de cinco marcas de plural, que modificam várias classes de palavras: artigo, adjetivo, substantivo,
verbo... É o que a gente aprende e ensina na escola com o nome de concordância de número. Essa quantidade de marcas de plural é, do ponto de vista lógico, uma redundância desnecessária e, do ponto de vista econômico, um gasto excessivo, não concordam? (BAGNO, 1997, p.51.)
A professora Irene segue esclarecendo que o PNP é mais sóbrio, modesto, sem que isso se infira na ausência de regras. Percebe-se que nele, a marca do plural é colocada somente no artigo definido, quando esse não existe, vai para a primeira do grupo da frase. Nota-se que tal utilização nãoé uma particularidade do PNP, em idiomas como o francês e o inglês a sistematização é a mesma.
Irene prossegue com o curso explicando a troca ou a retirada do “LH” presente no PNP, onde o encontro consonantal não existe. Faz essa explicação comparando o português não padrão novamente com o francês e o espanhol, onde fato semelhante também ocorre, um fenômeno denominado Yeísmo (no espanhol) através de um quadro onde se nota semelhanças bem próximas entre as pronuncias.
· No espanhol padrão [...] tudo o que se escreve LL é pronunciado “lhe”, equivalente ao LH do português-padrão. [...] – O “yeísmo” acontece também no espanhol falado em diversos países da América Central, nas ilhas do Caribe e na América do Sul. Por causa do “yeísmo”, aquilo que se escreve caballo, “cavalo”, com LL, e que os castelhanos pronunciam “cabalho”, nas outras variedades se pronuncia “cabaio”... .
(BAGNO, 1997, p.57.)
Ainda no mesmo tópico, porém em um subtítulo diferente (Primeira explicação: dentro da língua,) Irene para explicar melhor a ocorrência deste fenômeno o faz através de duas explicações, sendo a primeira abrangendo o desaparecimento do lh a partir da explicação do lingüista alemão “Heenrich Lausberg”, que parte da produção dos sons que são produzidos no mesmo local, no palato, apontando a comodidade de se pronunciar o i do que o lh, ocorrendo o fenômeno de assimilação. Irene dá exemplos de transformações de uma palavra do latim ao português, atentando-se para o processo de mudança a qual a língua sempre se encontra, correspondendo o PNP com a realidade linguística do momento.
· Podemos tentar duas explicações – responde Irene. – A primeira é de ordem linguística, diz respeito à língua em si, a sua estrutura. Quem nos apresenta o motivo da extinção do “lhe” em francês é um linguísta alemão, Heinrich Lausberg, autor de um dos mais completos tratados sobre as línguas românicas. (BAGNO, 1997, p.59.)
No próximo subtítulo, Educar é diferente de Ensinar, a professora diferencia duas palavras de origem latina: ensinar e educar, além de explicitar o mito da unidade linguística que no ambiente escolar perpetua a ideologia de mostrar que o PNP é uma língua deficiente, e que o PP é uma forma linguística perfeita. Levanta também a questão que não basta apenas ensinar o aluno, mas o dever é educá-lo para que possa saber como lhe dar com as diferenças linguísticas e sociais e saber vencê-las.
· Mas vamos ver a diferença. O verbo “ensinar”, Emília, provém do latim in+signo, isto é, “por um sinal em” alguém, e implica uma ação de fora para dentro, implantar alguma coisa (um “significado” ou um conjunto de “significados”) na mente de alguém. Já “educar” vem de ex+duco, “trazer para fora, tirar de, dar à luz”, num movimento que se faz na direção oposta à de ensinar. (BAGNO, 1997, p.62.)
No subtítulo seguinte, Uma língua rica, a lingüista fala da riquíssima produção de literatura popular em PNP, expressado que se fosse mais explorado esse determinado tipo de literatura o preconceito linguística seria minimizado. As estudantes juntamente com Irene fazem uma análise da musica “cuitelinho”, comparando-a com versos trovadorescos antigos devido à simplicidade da canção. Segue o trecho da obra: “– Você tem razão, Irene – apoia Sílvia. – Como chamar de pobre a língua de quem compõe uma canção tão bonita como “Cuitelinho”?”.
Em “Verbo para que te quero”, Emilia inicia a aula dizendo que Eulália não respeita as conjugações verbais quando fala. Irene para lhe explicar melhor o fenômeno, parte de suas observações como linguista indicando que há uma tendência de reduzir as formas do verbo conjugado em todo o pais, comparando a conjugação do verbo amar em PNP e PP.“- Os pesquisadores que estudam os falares regionais e não-padrão têm verificado que de Norte a Sul do Brasil existe uma tendência generalizada a reduzir as seis formas do verbo conjugado a apenas duas.”. (BAGNO, 1997, p.65.)
A lingüista rememora que o PNP evita redundâncias, comparando a conjugação verbal com o uso dos plurais, onde a marca indicadora de plural fica limitado a primeira palavra, no caso dos verbos a indicação fica explicita no pronome sujeito. Emilia levanta uma duvida quanto à explicação de Irene, o porquê de haver uma forma de conjugação diferente para o pronome pessoal eu. Irene busca na psicologia, juntamente com Silvia, refletindo a necessidade de que o ser humano tem em ser único, distinto do coletivo. “- Porque, nesse caso, o que existe talvez seja um motivo de natureza psicológica. Aliás, você já tinha falado disso no nosso primeiro bate-papo, quando disse que a questão do outros, do diferente parece ser o grande problema do ser humano”. (BAGNO, 1997, p.67.)
No subtítulo seguinte, Irene fala da surpresa que o esquema do PNP proporciona com a sua redução de seis formas para duas formas de conjugação verbal. A linguista expõe um quadro de conjugação latina e um em português e através destes expõe que a língua portuguesa (brasileira) não corresponde à realidade, mas ao português clássico literário e que a estrutura do português PNP é realizada de forma bem mais simplificada, porém efetiva.
· Como é fácil verificar – retoma ela -, as seis formas do PP literário foram reduzidas a três, exatamente a metade, no PP coloquial. O português não-padrão, ao simplificar de seis para duas formas, só levou um pouco mais adiante o mesmo
processo de “enxugamento da máquina” que a gente observa também no PP. (BAGNO, 1997, p.69.)
Em “Passado, presente futuro”, as estudantes questionam o uso das formas conjugadas tu e vós, que não são mais usadas na língua portuguesa atual. Irene também questiona a forma como é ensinada as conjugações verbais nas escolas, fazendo com que o aluno decore sem refletir sobre a importância daquilo que lhe é ensinado. Vera, Silvia e Emilia atentam-se para o uso do pronome de tratamento você e do uso do presente do futuro. A linguista lhes explica que o pronome você assume a posição de uma 2° pessoa do discurso - pronome do caso reto. Partindo disso, Irene fala da necessidade de se reverem conceitos sobre as definições verbais.
· Eu acho importante que a gente apresente essas formas verbais aos alunos - diz Irene em seguida -, para que eles as reconheçam quando tiverem de ler um texto clássico, por exemplo. Mas querer que eles decorem tudo para fazer prova e ainda tirar ponto por não terem acertado, considero um verdadeiro crime contra os direitos humanos do educando! (BAGNO, 1997, p.70.)
No subtítulo “Quem não sabe português?”, Irene fala do ensino de gramática como algo distante e complicado, devido a manutenção do ensino tradicional no ambiente escolar. Emília conclui a aula dizendo que para mudar esse conceito de língua enrijecida é necessário modificar a maneira de encarar o PNP tratando-o não mais com preconceitos, mas sim como um novo uso autêntico da língua.
Na nossa prática de ensino, muitas vezes insistimos em fatos que não correspondem à realidade da língua viva e simplesmente deixamos de lado outros aspectos muito mais interessantes, dinâmicos, e que dizem respeito a fenômenos muito mais próximos de nós e de nossos alunos. Pensem nisso [...]. (BAGNO, 1997, p.72.)
Em “E agora com vocês a assimilação – transformação nd em n e de mb em m”, começa-se o dia seguinte, domingo, e todas saem para um passeio na região de Atibaia. Eulália vai para a casa de Ângelo seu filho. As estudantes e Irene caminham em uma calçada que contorna um rio. Emília enquanto caminha fala que sua mãe lhe deu o nome em homenagem ao escritor Monteiro Lobato. Logo em seguida pergunta a Irene o porquê da ocorrência na fala popular de se usar a terminação “no” ao invés de se utilizar o gerúndio. Irene explica que ocorre um fenômeno chamado assimilação, sons parecidos que se tornam semelhantes, um processo que produz uma continua mudança na língua. Após essa explicação, todas se dirigem para um restaurante de comida italiana. (BAGNO, 1997, p.74, 75.)
No restaurante, Irene fala da insistência dos livros didáticos em insistir que palavras como roupa são ditongos, fenômenoque não acontecem em ambas as variedade PNP e PP,
que pronunciam apenas a primeira vogal. Cita um exemplo da gramática histórica, da troca do ditongo “au” por “o”, o chamado processo de assimilação. (BAGNO, 1997, p.82)
O diálogo segue e Irene cita que língua, não só o português, é mais ligada à oralidade do que a ortografia. Fala também que o PNP respeita a transformação do ditongo “au” em “o” mesmo quando em PP as palavras se apresentam com o ditongo, obedece, pois a regra natural da língua. A linguista expressa que a escrita, apesar de ser um registro permanente de conhecimentos não deve ser usado como instrumento de tortura. (BAGNO, 1997, p.84)
No Título, ou capítulo, “Beijo rima com desejo – redução do ditongo EI em E”, dá-se andamento a mais aulas, segunda à noite, agora, atentando-se para o processo de monontogação que ocorre nas palavras que possuem o ditongo “EI” que passaram na linguagem falada a ser pronunciadas “E”, ou seja, a pronúncia de dois sons se transformando em um.
· Com o ditongo EI ocorreu o mesmo que vimos com o ditongo OU: uma monotongação, quer dizer, dois sons que se transformaram num só. Mas existe uma diferença entre os dois casos: o que é escrito é pronunciado O em todas as situações e contextos, tanto no PP quanto no PNP. O que se escreve EI, porém, só se transforma em algumas situações. (BAGNO, 1997, p.88.)
Prosseguindo a obra de Bagno (1997, p.90), a professora Irene, após a apresentação e discussão do quadro de palavras, vai até a lousa e escreve alguns símbolos e depois os explica, enfatizando que os ditongos embora formados de uma vogal mais uma semivogal podem ser pronunciados de uma maneira diferente apresentando apenas um som. A lingüista explica as estudantes a diferença entre vogais e consoantes, enfocando que as vogais podem ser pronunciadas sozinhas diferentemente das consoantes que precisam das vogais para serem pronunciadas. Irene também explica a função das semivogais e das semiconsoantes, citando exemplos na gramática histórica das transformações de semiconsoantes que se tornaram consoantes, nascendo então os sons de consoantes com J e V que não existiam na língua latina clássica.
No título “Música maestro! Redução do E e O átonos pretônicos”, Irene também explica o que são silabas átonas e pretônicas, enfatizando que na língua portuguesa as vogais “E” e “O” quando postônicas são pronunciadas de forma mais fraca com outro som, de “i” e de “u”. (BAGNO, 1997, p.96)
Irene fala que existem palavras que possuem o átono pretônico sem apresentarem o “I” e o “O”, palavras que tem o “b” e o “m”, consoantes bilabiais que ao serem pronunciadas fazem com que o som da vogal pretônica torna-se ”u”, citando o exemplo das palavras: moeda- mueda, bolacha – bulacha. (BAGNO, 1997, p.100)
As estudantes a partir do que for ensinado por Irene, levantam hipóteses percebendo que essas variações não acontecem da mesma forma de lugar para lugar, partindo da observação do falar paulistano a pronúncia de palavras paranaenses.
Irene para explicar esse tipo de ocorrência fala sobre uma hipótese que criara para essa diversidade, indicando que essa diferença de pronuncia se deu através do processo de colonização que mais especificamente em São Paulo foi realizada pelos italianos, que em sua língua não apresenta essas reduções de E em “I”, “O” em “U”, pronunciando as palavras como elas são escritas.
· São Paulo sofreu uma grande colonização de origem italiana, e muita gente diz que São Paulo é uma das maiores “cidades italianas” do mundo. A presença cultural italiana é marcante, e um de seus pontos fortes é a deliciosa arte culinária, exercida nas casas das famílias e nas inúmeras cantinas espalhadas por todos os bairros da cidade. (BAGNO, 1997, p.101)
No subtítulo “Falar do jeito que se escreve não significa falar mais certo”, a lingüista fala da tendência na escola de obrigar o aluno a pronunciar a língua como se escreve tendência errônea e artificial. Irene fala da necessidade de se promover o uso dos modos da fala sem estigmatizar as variações da língua, porém já direcionada ao campo da escrita prescreve a necessidade de explicar ao aluno que ter um bom domínio da linguagem escrita permite uma melhor compreensão para aqueles que lêem a mensagem dando ênfase à necessidade de se seguir uma única regra ortográfica.
· Prestem atenção ao tipo de correção que vocês estão fazendo – sugere Irene. – Corrijam o que está inadequado, o que está ambíguo ou confuso: corrijam a escrita, mas não corrijam o que é espontâneo, natural, harmonioso e saboroso na fala... .
(BAGNO, 1997, p.106)
Irene continuando o curso intensivo e faz a apresentação de um novo assunto às estudantes, a contração de palavras proparoxítonas em paroxítonas. Tece comentários sobre as transformações das palavras em PNP, que necessitaram se adaptar para caberem no ritmo dinâmico da língua. A lingüista explica que o fenômeno de contração das palavras não é algo exclusivo do PNP e seu ritmo dinâmico, mas é um fenômeno que se apresenta na historia de formação das línguas latinas. (BAGNO, 1997, p.107 e 108)
No título “Quem era o Home que eu vi onte na garage? Desnasalização das vogais postônicas”, Vera pergunta a Irene porque é comum as pessoas não pronunciarem os “Ms” finais das palavras. Devido à pergunta de Vera, Irene põe-se a rabiscar no papel ideias que surgiram com as duvidas de Vera, pois era um assunto que ela não havia incluído na sua pesquisa. Assim, a partir da duvida apresentada pela sobrinha, Irene inicia a aula com o assunto da desnasalização das vogais postônicas na língua portuguesa.
Para explicar o processo, Irene se utiliza das palavras em latim: abdômen, lúmen, volumen entre outras. A partir da apresentação das palavras, Irene explica o desaparecimento do N final, a tendência na língua portuguesa de se eliminar a nasalidade das vogais postônicas.Explicita que algumas palavras possuem uma dupla grafia como no exemplo abdômen que pode ser usada de formas. A dupla grafia, Irene explica que se deve ao PP conservar o M das palavras e do PNP de eliminá-lo. Irene demonstra também o fenômeno abrangendo as palavras terminadas em ÃO tônico, citando como exemplo os nomes Cristóvão que no PNP se pronuncia Cristovo e de verbos que terminam em AM como a conjugação verbal “eles cantaram” torna-se “eles cântaro”. Conclui então que o PNP é mais obediente às regras de mudanças lingüísticas, pois generalizou a regra a todas as palavras. (BAGNO, 1997,
p.115 e 116)
No próximo título, “Quem não se alembra de Camões?”, a linguista monta um quadro com vários verbos que hoje fazem parte do rol das palavras usadas no PNP. Ela faz uma análise de trechos de um poema escrito por Camões e constata que o que hoje é considerado como um modo de falar errado, na verdade se trata de arcaísmo da língua.
· o que quero mostrar é muito simples. Quero mostrar que muita coisa que a gente pensa que está “errada”, que é fala de “gente ignorante”, na verdade não é nada disso. De fato, esses supostos “erros” são heranças muito antigas, vestígios de outros tempos, verdadeiros “fósseis” linguísticos. Eles recebem o nome técnico de arcaísmos. (BAGNO, 1997, p.119)
Irene aprensena arcaísmos da língua portuguêsa, formas que se aproximam do latim como escuitar, que se assemelham ao espanhol como entonce que são consideradas formas errôneas pelos portugueses. A linguistica demonstra transformações das palavras em latim ascultare e multo que geraram em PNP escuitar e muito, além dos usos de preposição regendo verbos de movimento, do verbo chamar e do gerúndio que seu uso em Portugal é inexistente. Irene conclui que deve se atentar ao fato de as formas do PNP não são erros, mas heranças antigas da língua.
No título “Aceita-se roupas novas: função da partícula SE como verdadeiro sujeito da oração”, A lingüista aponta que a função do se no PP e no PNP são diversas, partindo das frases “vendem-se casas” e “vende-se casas” para explicar. Irene fala da insistência de os gramáticos em considerar a forma verbal “vendem-se casas” como correta e a segunda forma “vende-secasas” como incorreta. Ela demonstra através de uma frase simples “Nessa padaria se come uns docinhos ótimos” o que fundamenta a teoria tradicional de gramática, explicitando que de acordo com a gramática a construção frasal estaria incorreta, pois o verbo deve concordar com o sujeito. Emília a partir dos comentários de Irene passa a expor o que
pesquisara. Ela aponta que cada frase tem uma organização. Expõe que na língua portuguesa, assim como em outras línguas, seguem a ordem canônica: Sujeito+verbo+objeto, mas que na frase considerada como incoerente há uma inversão do sujeito. Emilia aponta que a frase seria analisada pela maioria dos brasileiros como sendo o sujeito o SE, ou “sujeitíssimo”, o que é um grande problema para os gramáticos. Fala disso como grande problema, pois do latim se origina o português e não era admitido o uso do SE como sujeito, mas apenas objeto.
· No português do Brasil, como a Emília acabou de demonstrar melhor do que eu seria capaz, esta palavrinha se em enunciados como o que estamos estudando ocupa o lugar do sujeito na ordem canônica da língua e exerce plenamente esta função. Ele corresponde a outros sujeitos “neutros” ou “indeterminados” que existem em tantas outras línguas [...]. (BAGNO, 1997, p.119)
Em um outro dia, Irene começa a aula explicando que não existem apenas as variedades PP e PNP, mas muitas outras. Aponta que para organizar as variedades da língua é necessário, pois, definir normas para constituir a norma padrão, porque ela é a representante legal da língua. A partir disso se chega à definição de norma padrão e norma não padrão as categorias lingüísticas. A lingüista fala da não existência de um modelo padrão que é obedecido rigidamente, mas há um modelo de língua que se transforma a todo tempo, apontando que a norma padrão é um ideal de língua, uma abstração. As estudantes tecem comparações sobre a língua padrão ser um molde para fazer o vestido que é a língua de uso real.
Irene fala da existência de uma norma ideal que é o padrão, modelo inatingível e da linguagem social, de uso real, contendo múltiplas variedades. Aponta que ambas as variedades não se encontram isoladas e não estão prontas. A linguista explica que para se definir uma variedade e o falante, se é utilizado o critério do nível de escolaridade, assim definindo as variedades mais cultas e menos cultas. Ela também define o falante culto segundo o critério de pesquisadores, como o individuo que tem curso superior completo.
Fala também o exemplo dos EUA, que o critério da cor de pele define a classificação de uma variedade linguistica; do Japão, que a diferença de uso se dá entre homem e mulher e da Inglaterra que é definida pela classe social, critério político.
Irene expõe que o critério para determinar a classificação das variedades é o da escolarização, apontando que o acesso a educação acompanha a má distribuição de riqueza nacional e que embora o Brasil seja a 10° maior economia do planeta, é o 7° colocado entre os paises com o maior numero de analfabetos, sendo a média de escolaridade de quatro anos e meio.
A lingüista continua a discorrer dizendo que até mesmo o falante considerado culto não respeita a norma padrão todo o tempo, pois este recebe influências externas e internas.
Irene conclui dizendo que é necessário haver na escola o acesso à educação formal para que o indivíduo saiba se utilizar das variedades do português, adaptando-as em situações diversas.
Baseados nos conceitos de Bagno, através de sua novela sócio linguística, faz-se necessário apontar a necessidade de um ensino crítico da língua que faça com que a variedade PNP não seja mais estigmatizada, mas entendida, mudando, pois a realidade de uma língua e o seu modo de ser vista e usada por um povo.
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística, São Paulo:
Contexto, 1997.

Outros materiais