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-Independentemente da causa da cirrose, as características patológicas consistem no desenvolvimento de fibrose até o ponto em que se observa distorção arquitetônica com formação de nódulos regenerativos. Isso resulta na diminuição da massa hepatocelular e, portanto, em sua função, assim como em alteração do fluxo sanguíneo. A indução da fibrose ocorre com a ativação de células estreladas hepáticas, resultando na formação de maior quantidade de colágeno e outros componentes da matriz extracelular. -As manifestações clínicas da cirrose são o resultado das alterações patológicas e refletem a gravidade da doença hepática subjacente. -A fibrose avançada geralmente inclui fibrose confluente com formação de nódulos, que é designada como estágio 3, enquanto a cirrose é referida como estágio 4. Os pacientes cirróticos têm graus variáveis de função hepática compensada. Os pacientes que desenvolveram complicações de sua hepatopatia e se tornaram descompensados devem ser avaliados quanto à possibilidade de transplante de fígado. -Muitas das complicações da cirrose exigem tratamento específico. A hipertensão portal é um fator agravante significativo da cirrose descompensada e é responsável pelo desenvolvimento de ascite e sangramento de varizes esofágicas – duas complicações que indicam a existência de cirrose descompensada. A perda da função hepatocelular resulta em icterícia, distúrbios da coagulação e hipoalbuminemia, e contribui para as causas de encefalopatia portossistêmica. -As complicações da cirrose são essencialmente as mesmas, independentemente da etiologia. -Os pacientes podem ser classificados nos seguintes grupos gerais: cirrose alcoólica; cirrose decorrente de hepatite viral crônica; cirrose biliar; e outras causas menos comuns, como cirrose cardíaca, cirrose criptogênica e outras etiologias CirroseCirrose M a r i n a A l b u q u e r q u eM a r i n a A l b u q u e r q u e IntroduçãoIntrodução L H 5 L H 5 L H Cirrose alcoólicaCirrose alcoólica -A ingestão excessiva e prolongada de álcool pode causar vários tipos diferentes de hepatopatia crônica, incluindo esteatose hepática alcoólica, hepatite alcoólica e cirrose alcoólica. Além disso, a ingestão de quantidades excessivas de álcool pode contribuir para os danos hepáticos observados em pacientes com outras hepatopatias como hepatite C, hemocromatose e esteatose hepática relacionada com obesidade. A ingestão crônica de álcool pode causar fibrose na ausência de inflamação e/ou necrose concomitante. A fibrose pode ser centrolobular, pericelular ou periportal. Quando a fibrose alcança determinado grau, ocorre desorganização da arquitetura normal do fígado e substituição das células hepáticas por nódulos regenerativos. Com a cirrose alcoólica, os nódulos geralmente têm diâmetro < 3 mm; esse tipo de cirrose recebe a designação de micronodular. Com a cessação do uso de álcool, podem formar-se nódulos maiores, resultando em cirrose micro e macronodular mista. -Patogênese: O etanol é absorvido principalmente pelo intestino delgado e, em menor grau, pelo estômago. A álcool- desidrogenase (ADH) gástrica inicia o metabolismo do álcool. 3 sistemas enzimáticos são responsáveis pelo metabolismo do álcool no fígado, incluindo a ADH do citosol, o sistema microssomal de oxidação de etanol (MEOS, de microsomal ethanol oxidizing system) e a catalase dos peroxissomos. A maior parte da oxidação do etanol acontece via ADH para formar acetaldeído, que é uma molécula altamente reativa capaz de induzir múltiplos efeitos. Por fim, o acetaldeído é metabolizado em acetato pela aldeído-desidrogenase (ALDH). A ingestão de etanol acarreta maior acúmulo intracelular de triglicerídeos, porque aumenta a captação de ácidos graxos e reduz sua oxidação, assim como a secreção de lipoproteínas. A síntese, a glicosilação e a secreção de proteínas são prejudicadas. A lesão oxidativa às membranas dos hepatócitos ocorre em razão da formação de espécies reativas do oxigênio; o acetaldeído é uma molécula altamente reativa que se combina com proteínas para formar adutos de proteína- acetaldeído. Esses adutos podem interferir na atividade de enzimas específicas, incluindo a formação microtubular e a movimentação (trânsito) das proteínas hepáticas. Com o dano dos hepatócitos mediado pelo acetaldeído, algumas espécies reativas do oxigênio podem resultar na ativação das células de Kupffer. Consequentemente, são produzidas citocinas pró-fibrogênicas que desencadeiam e perpetuam a ativação das células estreladas, resultando na formação de quantidades excessivas de colágeno e matriz extracelular. O tecido conectivo acumula-se nas zonas periportais e pericentrais e, por fim, conecta as tríades portais com as veias centrais, formando nódulos regenerativos. Ocorre perda de hepatócitos e, com a produção e deposição cada vez maiores de colágeno aliada à destruição contínua de hepatócitos, o fígado contrai e diminui de tamanho. Em geral, esse processo leva anos a décadas para acontecer e requer estímulos deletérios repetidos. -Manifestações clínicas: Os pacientes com doença hepática alcoólica podem apresentar- se com sintomas inespecíficos como dor abdominal difusa no quadrante superior direito, febre, náuseas e vômitos, diarreia, anorexia e mal-estar. Alternativamente, podem apresentar- se com complicações mais específicas da hepatopatia crônica, incluindo ascite, edema ou hemorragia gastrintestinal (GI) alta. Muitos casos são reconhecidos casualmente por ocasião da necrópsia ou de uma cirurgia eletiva. Outras manifestações clínicas incluem o desenvolvimento de icterícia ou encefalopatia. Ao exame físico, o fígado e o baço podem estar aumentados de volume com borda hepática firme e nodular. Outros sinais frequentes são icterícia das escleras, eritema palmar, angiomas aracneiformes, aumento de volume das parótidas, baqueteamento digital, atrofia muscular ou acumulação de edema e ascite. Os homens podem ter redução dos pelos corporais e ginecomastia, assim como atrofia testicular, que pode ser consequência de anormalidades hormonais ou um efeito tóxico direto do álcool sobre os testículos. Nas mulheres com cirrose alcoólica em fase avançada, costumam ocorrer irregularidades menstruais e algumas delas podem ter amenorreia. Essas alterações comumente são revertidas com a cessação da ingestão de álcool. Imagem: Eritema palmar por cirrose alcoólica Imagem: Aranhas vasculares -Exames de laboratório: podem ser completamente normais nos pacientes com cirrose alcoólica inicial compensada. Por outro lado, nos casos de hepatopatia avançada, geralmente há algumas anormalidades. Os pacientes podem estar anêmicos, seja em razão de perda sanguínea crônica por meio do trato GI, deficiências nutricionais ou hiperesplenismo relacionado com a hipertensão portal, ou como efeito supressivo direto do álcool na medula óssea. Uma forma singular de anemia hemolítica (com hemácias espiculadas e acantócitos) denominada síndrome de Zieve pode ocorrer nos pacientes com hepatite alcoólica grave. Com frequência, as contagens de plaquetas estão reduzidas no início da doença como um reflexo da hipertensão portal com hiperesplenismo. A bilirrubina sérica total pode estar normal ou elevada na doença avançada. Em muitos casos, há ligeira elevação da bilirrubina direta dos pacientes com bilirrubina total normal, porém essa anormalidade progride com o agravamento da doença. Os tempos de protrombina frequentemente estão prolongados e, em geral, não melhoram com a administração de vitamina K parenteral. Os níveis séricos de sódio costumam estar normais, a não ser quando os pacientes apresentam ascite e, nesses casos, podem estar reduzidos, essencialmente em função da ingestão de quantidades excessivas de água livre. A alanina-aminotransferase (ALT) e a aspartato-aminotransferase (AST) estão elevadas no soro, sobretudo em pacientes que continuam a beber, mas os níveis de AST são mais altos que os da ALT, geralmente a uma razão de 2:1. -Diagnóstico: Os pacientes que têm qualquer uma das manifestações clínicas, sinais aoexame físico ou anormalidades dos exames de laboratório mencionados devem ser considerados como portadores de doença hepática alcoólica. Entretanto, o diagnóstico depende da confirmação definitiva de que o paciente continua ingerindo álcool de forma abusiva. Além disso, outras formas de doença hepática crônica (p. ex., hepatite viral crônica ou doenças hepáticas metabólicas ou autoimunes) devem ser consideradas ou excluídas ou, quando estão presentes, deve-se fazer uma estimativa da causalidade relativa, juntamente com o uso de álcool. A biópsia do fígado pode ser útil para confirmar o diagnóstico, porém, quando os pacientes se apresentam com hepatite alcoólica e ainda estão bebendo, a biópsia hepática geralmente é protelada até que a abstinência tenha sido mantida durante pelo menos 6 meses para determinar se há doença irreversível residual. Nos pacientes que tiveram complicações da cirrose e que continuam bebendo, o índice de sobrevivência em 5 anos é < 50%. Em contrapartida, nos pacientes que conseguem manter a abstinência, o prognóstico é significativamente melhor. Nos pacientes com hepatopatia em fase avançada, o prognóstico continua sendo reservado; contudo, nos indivíduos que conseguem manter-se em abstinência, o transplante de fígado constitui uma opção viável. -Tratamento: A abstinência é fundamental ao tratamento dos pacientes com doença hepática alcoólica. Além disso, os pacientes necessitam de boa nutrição e supervisão médica de longo prazo para controlar as complicações subjacentes que possam surgir. Complicações como ascite e edema, hemorragia varicosa ou encefalopatia portossistêmica exigem controle e tratamento específicos. Os glicocorticoides são usados ocasionalmente nos pacientes com hepatite alcoólica grave na ausência de infecção. Outro tratamento utilizado é pentoxifilina oral, que reduz a produção do fator de necrose tumoral α (TNF-α, de tumor necrosis factor α) e de outras citocinas pró- inflamatórias. Ao contrário dos glicocor- ticoides, com os quais podem ocorrer complicações, a pentoxifilina é relativamente fácil de administrar e tem pouco ou nenhum efeito colateral. Várias intervenções nutricionais terapêuticas parenterais ou enterais foram experimentadas, mas não está claro se essas modalidades aumentam significativamente o índice de sobrevivência. Os pacientes podem usar outros fármacos necessários, mesmo na presença de cirrose. A utilização de paracetamol frequentemente é desaconselhável nos pacientes com hepatopatia; entretanto, desde que não sejam consumidos mais de 2 g de paracetamol por dia, em geral não há problemas. Cirrose por hepatite viralCirrose por hepatite viral -O HCV é um vírus não citopático e, provavelmente, o dano hepático é mediado por mecanismos imunes. A progressão da doença hepática devida à hepatite C crônica caracteriza-se por fibrose portal com fibrose confluente e desenvolvimento de nódulos que, por fim, culminam em cirrose. Na cirrose devida à hepatite C crônica, o fígado é pequeno e contraído, com elementos característicos de cirrose micro e macronodular mista observados na biópsia do fígado. Além da fibrose aumentada observada na cirrose devida à hepatite C, observa-se infiltrado inflamatório nas áreas portais com hepatite de interface e, ocasionalmente, alguma lesão e inflamação hepatocelular lobular. Nos pacientes com o genótipo 3 do HCV, é frequente a ocorrência de esteatose. -Anormalidades semelhantes são observadas nos pacientes com cirrose devida à hepatite B crônica. As colorações especiais para o antígeno do core da hepatite B (HBc) e o antígeno de superfície da hepatite B (HBs) são positivas, e podem ser detectados hepatócitos com aspecto de “vidro fosco” indicativos da presença do HBsAg. -Manifestações clínicas e diagnóstico: Os pacientes com cirrose decorrente das hepatites C e B podem apresentar-se com sintomas e sinais habituais de hepatopatia crônica. Fadiga, mal-estar, dor difusa no quadrante superior direito e anormalidades laboratoriais são manifestações frequentes à apresentação. Para estabelecer o diagnóstico, é necessária uma avaliação laboratorial abrangente que inclua testes quantitativos para RNA do HCV e análise do genótipo do HCV, ou testes sorológicos para hepatite B que incluam HBsAg, anti-HBs, antígeno e da hepatite B, anti-HBe e níveis quantitativos do DNA do HBV. -Tratamento: O tratamento das complicações da cirrose gira em torno das medidas terapêuticas específicas para quaisquer complicações que possam ocorrer (p. ex., hemorragia varicosa esofágica, ascite e edema, ou encefalopatia). Nos pacientes com hepatite B crônica, vários estudos evidenciaram efeitos benéficos do tratamento antiviral, que é eficaz para suprimir os vírus, conforme evidenciado pelas reduções dos níveis de aminotransferase e de DNA do HBV, assim como pela melhora da histologia por meio da redução da inflamação e da fibrose. Vários ensaios clínicos e séries de casos demonstraram que os pacientes com doença hepática descompensada podem tornar-se compensados com o uso do tratamento antiviral dirigido contra hepatite B. Hoje, o tratamento disponível inclui lamivudina, adefovir, telbivudina, entecavir e tenofovir. A α- interferona pode ser usada no tratamento da hepatite B, mas não deve ser utilizada em cirróticos. A maioria dos pacientes em tratamento para hepatite B usa entecavir ou tenofovir. O tratamento dos pacientes com cirrose secundária à hepatite C geralmente é mais difícil, porque os efeitos colaterais dapeginterferona e da ribavirina são mais difíceis de controlar. Ao longo dos últimos anos, os esquemas à base de interferona foram substituídos pelos protocolos com antivirais de ação direta, que são altamente eficazes (índice de cura > 95%) e bem tolerados no tratamento de curta duração (8 a 12 semanas), embora a um custo alto. Esses fármacos de fato revolucionaram o tratamento da hepatite C Cirrose autoimune e gordurosaCirrose autoimune e gordurosa -Outras causas de cirrose pós-hepatite são hepatite autoimune e cirrose devido à esteato- hepatite não alcoólica. Muitos pacientes com hepatite autoimune (HAI) apresentam-se com cirrose já estabelecida. Esses pacientes não melhoram com tratamento imunossupressor com glicocorticoides ou azatioprina, visto que a HAI já foi “extinta”. Nesses casos, a biópsia do fígado não mostra infiltrado inflamatório significativo, de modo que o diagnóstico deve basear-se em marcadores autoimunes como fator antinuclear (FAN) ou anticorpo antimúsculo liso (AML). Quando os pacientes com HAI têm cirrose e inflamação ativa acompanhada de enzimas hepáticas elevadas, o tratamento imunossupressor pode proporcionar benefício considerável. -Tem sido constatado com frequência cada vez maior que pacientes com esteato-hepatite não alcoólica progridem para cirrose. Com a epidemia de obesidade que continua nos países ocidentais, cada vez mais pacientes são diagnosticados com doença hepática gordurosa não alcoólica. Destes, uma subpopulação significativa apresenta esteato- hepatite não alcoólica e pode progredir para aumento da fibrose e cirrose. Nos últimos anos, tem sido reconhecido com frequência crescente que muitos pacientes considerados portadores de cirrose idiopática têm, na verdade, esteato- hepatite não alcoólica. À medida que a cirrose progride, esses indivíduos tornam-se catabólicos e, a seguir, perdem os sinais reveladores de esteatose observados à biópsia. O tratamento das complicações da cirrose por HAI ou por esteatose não alcoólica é semelhante ao recomendado para as outras formas de cirrose. -A cirrose biliar tem características patológicas que a difere da cirrose alcoólica e da cirrose pós-hepatite, apesar de as manifestações de hepatopatia em estágio terminal serem as mesmas. A doença hepática colestática pode resultar de lesões necroinflamatórias, processos congênitos ou metabólicos ou compressão externa dos ductos biliares. Desse modo, duas categorias gerais refletem a localização anatômica da retenção anormal da bile: intra- hepática e extra-hepática. Essa distinção é importantepor motivos terapêuticos óbvios. A obstrução extra-hepática pode melhorar com descompressão cirúrgica ou endoscópica do trato biliar, enquanto os processos colestáticos intra-hepáticos não são solucionados com esse tipo de intervenção e requerem uma abordagem diferente. -As principais causas das síndromes colestáticas crônicas são cirrose biliar primária (CBP), colangite autoimune (CAI), colangite esclerosante primária (CEP) e ductopenia idiopática dos adultos. Em geral, essas síndromes podem ser clinicamente diferenciadas umas das outras por testes para anticorpos, anormalidades evidenciadas à colangiografia e apresentação clínica. Entretanto, todas compartilham as características histopatológicas de colestase crônica, como estase de colato, deposição de cobre, transformação xantomatosa dos hepatócitos e a chamada fibrose biliar irregular. Além disso, pode haver inflamação portal crônica, atividade na interface e inflamação lobular crônica. A ductopenia resulta dessa doença progressiva e instala-se à medida que os pacientes desenvolvem cirrose. -Colangite biliar primária: A causa da CBP é desconhecida; a doença caracteriza-se por inflamação portal e necrose dos colangiócitos dos ductos biliares de dimensões pequenas e médias. As características colestáticas prevalecem e a cirrose biliar caracteriza-se por nível elevado de bilirrubina e insuficiência hepática progressiva. O transplante de fígado é o tratamento preferível para os pacientes com cirrose descompensada decorrente de CBP. Vários tratamentos foram recomendados, porém o ácido ursodesoxicólico (AUDC) é o único tratamento aprovado que demonstra certo grau de eficácia por retardar o ritmo de progressão da doença. Em 2016, o ácido obeticólico foi aprovado para tratar pacientes com CBP que não respondem satisfatoriamente ao AUDC. Anticorpos antimitocondriais (AAMs) estão presentes em cerca de 90% dos pacientes com CBP. Esses autoanticorpos reconhecem as proteínas das membranas intermitocondriais, que são enzimas do complexo da piruvato- desidrogenase (PDC), complexo desidrogenase dos 2-oxoácidos de cadeia ramificada e complexo desidrogenase do 2-oxogluterato. A maioria está relacionada com a piruvato- desidrogenase. Esses autoanticorpos não são patogênicos; ao contrário, são marcadores úteis que permitem fazer o diagnóstico de CBP. *Patologia: As análises histopatológicas das biópsias do fígado de pacientes com CBP resultaram na identificação de quatro estágios distintos da doença ao longo de sua progressão. A lesão mais precoce é denominada colangite destrutiva não supurativa crônica e é um processo inflamatório necrosante dos tratos portais. Os ductos biliares de pequeno e médio calibres são infiltrados por linfócitos e destruídos. Pode haver fibrose leve e, algumas vezes, estase biliar. Com a progressão, o infiltrado inflamatório torna-se menos proeminente, porém o número de ductos biliares é reduzido e observa-se proliferação de dúctulos biliares menores. A seguir, a fibrose aumenta com a expansão da fibrose periportal para fibrose coalescente (em ponte). Por fim, instala-se um quadro de cirrose, que pode ser micro ou macronodular. *Manifestações clínicas: Atualmente, a maioria dos pacientes com CBP é diagnosticada muito antes do aparecimento das manifestações terminais da doença e, assim sendo, a maioria dos pacientes é assintomática. Quando existem sintomas, o mais proeminente é um grau significativo de fadiga desproporcional ao que poderia ser esperado com base na gravidade da doença hepática ou na idade do paciente. Prurido é observado em cerca de 50% dos pacientes por ocasião do diagnóstico e pode ser debilitante. Esse sintoma pode ser intermitente e, em geral, é mais incômodo ao anoitecer. Em algumas pacientes, o prurido pode manifestar-se no final da gestação e há exemplos de pacientes que foram diagnosticadas com colestase da gravidez, em vez de CBP. O prurido que se manifesta antes do surgimento de icterícia indica doença grave Cirrose biliarCirrose biliar e prognóstico desfavorável. *Exame físico: pode haver icterícia e outras complicações da hepatopatia crônica como hepatomegalia, esplenomegalia, ascite e edema. Características que são exclusivas da CBP incluem hiperpigmentação, xantelasma e xantomas, que estão relacionados com o metabolismo alterado do colesterol observado nessa doença. A hiperpigmentação é evidente no tronco e nos braços e pode ser observada em áreas de esfoliação e liquenificação associadas a arranhaduras progressivas relacionadas com o prurido. A dor óssea que resulta da osteopenia ou osteoporose é observada ocasionalmente no momento do dx. *Anormalidades laboratoriais: As anormali- dades laboratoriais da CBP consistem em alterações colestáticas das enzimas hepáticas com elevações da gama-glutamiltranspeptidase e fosfatase alcalina (ALP), bem com elevações leves das aminotransferases (ALT e AST). As imunoglobulinas, particularmente a IgM, estão aumentadas. A hiperbilirrubinemia costuma ser observada depois do desenvolvimento de cirrose. Trombocitopenia, leucopenia e anemia podem ser observadas nos pacientes com hipertensão portal e hiperesplenismo. A biópsia hepática mostra os aspectos característicos descritos. Até 10% dos pacientes com CBP típica também têm elementos de HAI e são definidos como portadores da síndrome “sobreposta”. Esses pacientes são tratados como portadores de CBP e podem evoluir para cirrose com a mesma frequência que os pacientes com CBP típica. Alguns pacientes também precisam usar fármacos imunossupressores. *Diagnóstico: A CBP deve ser considerada nos pacientes com anormalidades colestáticas crônicas das enzimas hepáticas. Essa doença é encontrada mais comumente nas mulheres de meia-idade. Os testes para AAM podem resultar negativos e deve-se ter em mente que até 10% dos pacientes com CBP podem ser AAM- negativos. A biópsia do fígado é extremamente importante nessas circunstâncias de CBP AAM- negativa. Nos pacientes AAM-negativos com enzimas hepáticas colestáticas, a CEP deve ser excluída por uma colangiografia. *Tratamento: O tratamento das manifestações típicas da cirrose associada à CBP não é diferente do recomendado para outras formas de cirrose. Estudos mostraram que o AUDC produz melhora das anormalidades bioquímicas e histológicas da doença. A melhora é mais acentuada quando o tratamento é iniciado precocemente; a probabilidade de melhora significativa com AUDC é pequena nos pacientes com CBP que apresentam manifestações de cirrose. O AUDC é administrado em doses de 13 a 15 mg/kg/dia; em geral, esse fármaco é bem tolerado, embora alguns pacientes tenham agravamento do prurido depois de iniciar o tratamento. Alguns pacientes podem ter diarreia ou cefaleia como efeito colateral do fármaco. O AUDC desacelera o ritmo de progressão da CBP, porém sem conseguir reverter nem curar a doença. Em alguns casos, pode ser necessário considerar transplante de fígado se houver descompensação da hepatopatia. Os principais sintomas da CBP são fadiga e prurido, cujo controle sintomático é importante. Vários tratamentos foram experimentados para atenuar a fadiga, porém nenhum se revelou bem-sucedido; cochilos frequentes devem ser recomendados. O prurido é tratado com anti- histamínicos, antagonistas dos receptores narcóticos (naltrexona) e rifampicina. A colestiramina – um fármaco sequestrador de sais biliares – tem sido útil em alguns pacientes, porém sua administração é bastante cansativa e difícil. A plasmaférese foi realizada em raras ocasiões em pacientes com prurido refratário e intenso. Há incidência mais alta de osteopenia e osteoporose nos pacientes com hepatopatia colestática, razão pela qual devem ser realizados testes para determinar a densidade óssea. O tratamento com um bisfosfonato deve ser instituído depois do diagnóstico da doença óssea. -Colangite esclerosante primária: A CEP é uma síndrome colestática crônica que se caracteriza por inflamação e fibrose difusas que acometem toda a árvore biliar e causam colestase crônica. Por fim, esse processo patológico resultaem obstrução dos canais biliares intra-hepáticos e extra-hepáticos, com consequente cirrose biliar, hipertensão portal e insuficiência hepática. A causa da CEP ainda é desconhecida, mas pesquisas sugeriram que diversos mecanismos relacionados com infecções bacterianas e virais, toxinas, predisposição genética e distúrbios imunes contribuem para a patogênese e progressão dessa síndrome. As alterações patológicas que e podem ocorrer na CEP mostram proliferação dos ductos biliares, assim como ductopenia e colangite fibrosa (pericolangite). Com frequência, as alterações evidenciadas pela biópsia do fígado na CEP não são patognomônicas e a confirmação de seu diagnóstico deve incluir exames de imagem da árvore biliar. Fibrose periductal é observada ocasionalmente nas amostras de biópsia e pode ser muito útil ao diagnóstico. À medida que a doença progride, cirrose biliar é a manifestação terminal final da CEP. *Manifestações clínicas: As manifestações clínicas comuns da CEP são as mesmas observadas na hepatopatia colestática, inclusive fadiga, prurido, esteatorreia, deficiências de vitaminas lipossolúveis e suas consequências associadas. Como acontece com a CBP, a fadiga é grave e inespecífica. Com frequência, o prurido pode ser debilitante e está relacionado com a colestase. A intensidade do prurido não se correlaciona com a gravidade da doença. A doença óssea metabólica pode ocorrer com CEP e deve ser tratada. *Anormalidades laboratoriais: Os pacientes com CEP são diagnosticados durante uma avaliação das enzimas hepáticas anormais. A maioria dos pacientes tem aumento de pelo menos duas vezes no nível da ALP, e também pode ter aminotransferases elevadas. Os níveis de albumina podem estar reduzidos e os tempos de protrombina estão prolongados em grande parte dos pacientes por ocasião do diagnóstico. Os autoanticorpos são frequentemente positivos nos pacientes com síndrome sobreposta, porém são negativos nos pacientes que têm apenas CEP. Um autoanticorpo, o anticorpo anticitoplasma de neutrófilo perinuclear (p-ANCA), é positivo em cerca de 65% dos pacientes com CEP. Mais de 50% dos pacientes com CEP também sofrem de retocolite ulcerativa (RCU); consequentemente, uma vez estabelecido o diagnóstico de CEP, deve-se realizar uma colonoscopia em busca de possíveis evidências de RCU. *Diagnóstico: O diagnóstico definitivo de CEP torna necessário exame de imagem colangiográfico. Ao longo dos últimos anos, a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) foi usada como técnica de imagem de escolha para a avaliação inicial. Os achados colangiográficos típicos da CEP consistem em estreitamentos multifocais e numerosas projeções arredondadas (contas de um rosário) que acometem a árvore biliar tanto intra-hepática quanto extra-hepática. Entretanto, apesar de o acometimento poder er apenas dos ductos biliares intra-hepáticos ou apenas dos ductos biliares extra-hepáticos, é mais comum o acometimento de ambos. Esses estreitamentos são curtos e com segmentos interpostos de ductos biliares normais ou ligeiramente dilatados que se distribuem difusamente, produzindo o aspecto clássico de contas de um rosário. Os pacientes com estreitamentos difusos de alto grau dos ductos biliares intra-hepáticos têm um prognóstico global ruim. Gradualmente, instala-se uma cirrose biliar e os pacientes progredirão para hepatopatia descompensada com todas as manifestações de ascite, hemorragia por ruptura de varizes esofágicas e encefalopatia. *Tratamento: Não há tratamento específico omprovado para a CEP. A dilatação endoscópica dos estreitamentos dominantes pode ser útil, mas o tratamento definitivo é o transplante de fígado. Uma complicação temida da CEP é o surgimento de um colangiocarcinoma, que constitui uma contraindicação relativa para o transplante de fígado. As queixas de prurido são comuns e a abordagem é a mesma mencionada antes para tratar esse problema nos pacientes com CBP. Referências: Medicina Interna de Harrison, 20º edição, 2020. Capítulo 337