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GUERRA-DOS-CANUDOS-2

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1 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 
2 A REGIÃO DE CANUDOS: ANÁLISE ESPACIAL DA ÁREA DE 
INFLUÊNCIA E DIFUSÃO DE UMA INOVAÇÃO ........................................................ 3 
2.1 Análises sobre a formação da Região de Canudos ............................. 5 
2.2 A paisagem de Canudos ...................................................................... 7 
2.3 Principais causas da Guerra dos Canudos .......................................... 9 
2.4 Estopim da Guerra dos Canudos ....................................................... 11 
2.5 Participantes do movimento ............................................................... 11 
3 UM BRASIL DE MUITOS BRASIS NO SÉCULO XIX ............................... 13 
4 ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL - O CONSELHEIRO .................. 16 
5 CATOLICISMO TRADICIONAL E REFORMADO ..................................... 20 
6 O SENTIDO SOCIAL E O CONTEXTO POLÍTICO DA GUERRA DE 
CANUDOS ................................................................................................................ 23 
6.1 O contexto político na República ........................................................ 25 
7 CANUDOS: UMA GUERRA, MUITAS MULHERES ................................. 25 
8 CANUDOS E O SERTÃO NORDESTINO NA LITERATURA BRASILEIRA
 28 
9 CANUDOS 1897: O MASSACRE FAZ CEM ANOS ................................. 34 
9.1 Enfrentando mistificações .................................................................. 37 
9.2 Canudos: guerras de memória ........................................................... 38 
10 NOMES DE GUERRA............................................................................... 44 
10.1 Nem tão heróicos ............................................................................ 46 
10.2 O fim de Canudos ........................................................................... 49 
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 51 
12 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 52 
 
 
 
 
 
 
2 
1 INTRODUÇÃO 
 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante 
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um 
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma 
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é 
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas 
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em 
tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que 
lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
3 
2 A REGIÃO DE CANUDOS: ANÁLISE ESPACIAL DA ÁREA DE INFLUÊNCIA E 
DIFUSÃO DE UMA INOVAÇÃO 
A Guerra de Canudos, cidade localizada no semi-árido baiano, durou 
aproximadamente um ano (novembro de 1896 a outubro de 1897) e mobilizou mais 
de dez mil soldados, oriundos de 17 estados brasileiros e separados em quatro 
expedições militares. Durante todo esse confronto, o que se deduz e que tenham 
morrido pelo menos vinte e cinco mil pessoas. (NOGUEIRA, 2005) 
 
 
Fonte: ensinarhistoriajoelza.com.br 
Para NOGUEIRA, 2005, o cenário deste conflito conforma-se através da 
tentativa de inserção da ordem pública por uma República recém-formada contra uma 
comunidade fundada por um líder religioso, Antônio Conselheiro, que defendia o 
regime monarquista. 
Conforme estudos realizados por NOGUEIRA, 2005: 
O Arraial que ocupou uma velha fazenda abandonada foi nomeado de Belo 
Monte pelo líder Conselheiro e dados oficiais datam a sua fundação de junho 
de 1893. 
Este evento tem na história nacional uma relevância significativa não só pelos 
números apresentados acima, mas também pelas controvérsias e especulações que 
 
4 
até hoje são desenvolvidas em mais de dez mil trabalhos publicados sobre o assunto. 
(NOGUEIRA, 2005) 
De acordo com NOGUEIRA, 2005, a discussão aqui colocada tem como 
objetivo, primordialmente, considerar a estrutura de relações que formou o evento da 
Guerra e a espacialização de sua influência através dos ideais do indivíduo Antônio 
Conselheiro. 
O evento é caracterizado como a interação entre homem – indivíduo e corpo, 
meio – espaço físico e de associações multidirecionais, e tempo – seqüências e 
tempos definidos. (NOGUEIRA, 2005) 
Para NOGUEIRA, 2005, 
O processo de formação da região, como “área cultural” em todas as suas 
manifestações e como superfície espacial é ponto relevante e imprescindível 
dentro da interface de Análises Regionais abordadas. 
O reflexo espacial do evento dá-se a legimitidade pelas relações do indivíduo 
com o mesmo (sejam elas sociedade-natureza ou sociedade-lugar) ou dos homens 
entre si. (NOGUEIRA, 2005) 
Segundo NOGUEIRA, 2005, a colocação destas relações estruturadas 
promove uma superação do episódio somente como uma trama política, policial e 
militar; estavam em jogo conteúdos, imagens, representações e formas de expressão 
traduzidas no oral e no escrito, manifestadas em gestos, posturas e comportamentos. 
Ainda de acordo com NOGUEIRA, 2005, estas manifestações, difundidas como 
inovação representada por Antônio Conselheiro formalizaram a Região de Canudos; 
foram criados limites geográficos que colaboram para demonstrar a relevância e o 
quilate deste evento em todos os sentidos. 
Como base para deste estudo, teve-se a preocupação de buscar na Geografia 
Humana, na Geografia Histórica e na Geografia Cultural as possibilidades e meios 
para o seu desenvolvimento. 
A Região de Canudos pode ser considerada uma “área cultural”; o estudo das 
áreas culturais se encontra na Geografia Histórica. A compreensão destas 
áreas depende da análise de suas origens e do processo de formação das 
mesmas; daí o estudo do ideal Antônio Conselheiro, sua origem; e a relação 
com as manifestações dos conselheiristas; processo de construção em 
sequências temporais. (NOGUEIRA, 2005) 
A difusão que levou a formação de uma “área cultural” se coloca dentro da 
receptividade cultural e da “marcha cultural”. (NOGUEIRA, 2005) 
 
5 
Relatos de NOGUEIRA, 2005, definem que ambas colaboram para o estudo 
mais profundo da aceitação dos indivíduos de um grupo de um tipo de inovação e da 
distribuição de energia dentro de uma “área cultural”. 
Enfim, um grupo em crescimento tem fronteiras ativas, sobre as quais se 
agrupam as energias do povo, do poder e da riqueza. Esta fronteira dá-se início com 
a expansão, mas a energia de uma cultura, uma vez localizada nesta fronteira, pode 
sequenciar se manifestando no espaço de formas variadas, até muito depois desta 
expansão ter finalizado; define NOGUEIRA, 2005 em suas palavras. 
Para NOGUEIRA, 2005, a riqueza da cultura canudense é Antônio Conselheiro, 
a energia vem do sertanejo – jagunço forte e o poder é da difusão que ocupou espaço 
geográfico de uma cidade. Os sinais desta manifestação e as fronteiras continuam em 
expansão, o espaço geográfico já não mais existe, mas o patrimônio hoje se torna 
monumento a ser estudado em todas as suas formas. 
2.1 Análises sobre a formação da Região de Canudos 
Conforme NOGUEIRA, 2005: 
Alguns aspectos são considerados fundamentais na teoria do Movimento no 
Espaço ao longo do tempo: Difusão, de Torsten Hägerstrand, utilizada como 
base para esta análise regional. 
 
Os fatores-chave apontados na teoriasão tempo e mudança. Na formação da 
“área cultural” que delimita a Região de Canudos o tempo é conotado pela janela de 
espaço tempo na qual o Arraial se forma (1893 a 1897); esta consideração não se 
desvincula dos contextos gerais que envolvem este intervalo. (NOGUEIRA, 2005) 
Conforme relata NOGUEIRA, 2005; a mudança se desdobra em espacial, 
percebida pela formação de uma cidade de porte médio no semiárido baiano. A 
modificação da paisagem (considerando aqui o sentido amplo e perceptivo do 
espaço), toma como prerrogativas até mesmo a modificação de hábitos, das práxis, 
dos ritos cotidianos e consequentemente do chamado gênero de vida. 
Outro fator relevante, considerado pela teoria base, é o movimento de novas 
idéias e pessoas em uma área, abordando vários períodos de tempo. O ideal Antônio 
Conselheiro pode ser configurado como a inovação. (NOGUEIRA, 2005) 
 
6 
Seu movimento se deu principalmente nos sertões sergipanos e baianos, até a 
escolha do arraial que se tornou Bello Monte (denominação dada a área pelo 
Conselheiro) a partir de sua fixação naquela localidade geográfica. (NOGUEIRA, 2005 
Para NOGUEIRA, 2005, a partir de então os períodos de tempo a serem 
considerados neste estudo estão diretamente relacionados ao movimento de 
influências, ou ideais personificados por Conselheiro e não em um deslocamento 
físico propriamente dito. A inovação não mais se deslocava. O grupo de atores que 
concretiza o processo é formado pelos conselheiristas (representantes do séquito de 
Antônio Conselheiro). 
Parafraseando NOGUEIRA, 2005, a catalogação documental desta 
movimentação da inovação foi feita por Euclides da Cunha, ator desvinculado do 
grupo de “seguidores”, mas imerso no contexto devido ao contato com os 
conselheiristas. A definição do tempo se deu através deste contato. 
A locomoção de Euclides da Cunha até o arraial, acompanhando a quarta 
expedição do exército republicano, durou 103 dias e rendeu 25 artigos para o jornal 
Folha de São Paulo, do qual era correspondente. (NOGUEIRA, 2005) 
 
Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br 
 
Sequenciando os estudos de NOGUEIRA, 2005, tanto conselheiristas quanto 
soldados entendem a existência de diferenças entre ideologias vigentes e as 
propostas por Antônio Conselheiro. A aprendizagem consiste em considerá-las 
“sagradas” ou “profanas”, dentro do contexto ideológico do qual fazem parte. A 
 
7 
aceitação por parte dos conselheiristas se dá, principalmente, pelo fato da 
proximidade do homem como (corpo) sertanejo e do meio - fazem da inovação uma 
espécie igual. Os militares não chegam a este ponto do processo, não existe 
aceitação, somente a decisão de não aceitação. 
Quanto ao processo de decisão, o grupo de séquitos de Antônio Conselheiro 
se decide pela difusão em massa das idéias e defesa sem limites ou divisas da 
inovação e do reflexo espacial desta. (NOGUEIRA, 2005). 
Ainda segundo NOGUEIRA, 2005: 
 A natureza das mudanças é essencialmente político-social, a partir do 
momento em que as propostas inovadoras promovem uma modificação dos 
moldes vigentes e consequentemente um recorte espacial necessário à 
concretização das mesmas. Parte-se aqui da necessidade basilar do ser 
humano em promover organizações espaciais que ditem as diretrizes do 
comportamento social do grupo do qual faz parte. 
Para NOGUEIRA, 2005, a introdução com êxito de idéias no sistema, a Região 
de Canudos, deve considerar os conceitos de estruturalismo e sistema, essenciais 
para o entendimento da formação desta área. 
Esta região só se configurou espacialmente a partir do momento que se 
conforma estruturalmente e permite a difusão de forma sistêmica da inovação. Um 
sistema desestruturado não consegue organização suficiente para que ideais sejam 
difundidos em todos os estratos dos quais é formado (NOGUEIRA, 2005). 
NOGUEIRA, 2005, relata que o inovador inicial em todos os grupos é Antônio 
Conselheiro que se coloca não só como indivíduo, mas como verdadeiro ideal - a 
personificação que consegue formalizar uma região. Já os condutores inicialmente 
são os militares que, vindos do sertão, noticiam casos e manifestações de forma 
sistemática e muitas vezes impressionista. 
2.2 A paisagem de Canudos 
A paisagem sertaneja é para observadores eventuais de desolação e morte. O 
amarelo- pardo da vegetação ressequida predomina ao longo dos percursos surgindo 
como inanição de um elemento vivo (NOGUEIRA, 2005). 
 
8 
 
Fonte:mundoeducacao.bol.uol.com.br 
Na descrição de Euclides da Cunha (1939 apud NOGUEIRA, 2005) “... entre 
um chão inteiramente seco e uma atmosfera cuja umidade é insignificante, a 
vegetação reflete singularmente a inclemência do meio”. 
Ao mesmo tempo em que pode ser configurada como monótona e árida a 
região sertaneja é considerada caótica. A vegetação retorcida e espinhosa se coloca 
como em meio a uma luta pela sobrevivência e adaptação. (NOGUEIRA, 2005) 
A conservação individual e da espécie adquire neste meio-físico uma 
capacidade de resistência prodigiosa – que pode ser relacionada também ao 
sertanejo. (NOGUEIRA, 2005) 
NOGUEIRA, 2005, relata que as relações sociais deste indivíduo com o seu 
espaço geográfico também denotam uma especificidade localizada. As relações de 
classe restringiam-se entre o latifundiário, proprietário de grandes extensões de terras, 
e o homem sem-terra, que correspondia a grande maioria da população. 
Conforme relata em NOGUEIRA, 2005: 
Canudos, apesar da mimese com o espaço geográfico no qual estava 
inserida acaba por configurar um recorte representado pelo ideal encarnado 
por Antônio Conselheiro. Este ideal, a inovação, ia muito além do simples fato 
de não pagar impostos; colocava nos fatos e no espaço a expressão da 
dignidade sertaneja. 
 
 
9 
Apesar da pobreza, a população canudense tinha o suficiente para viver 
dignamente. O conselheiro não fazia exigências, nem pedia nada a seu séquito, daí a 
possibilidade de manutenção de um espaço sem a cobrança de impostos, sem 
receitas públicas – o cooperativismo. (NOGUEIRA, 2005) 
Segundo estudos de NOGUEIRA, 2005, os cidadãos não sofriam nenhum tipo 
de discriminação – nem de raça, nem de classe. As leis e as autoridades eram 
consagradas pela comunidade em consonância com os valores emanados da visão 
místico-religiosa adotada por Antônio Conselheiro, o líder espiritual. NOGUEIRA, 
(2005) 
Diante da formação espacial de uma região que redimia o sertanejo de sua 
“sina” – destino irrefutável de sofredor e perdedor – cresce o Arraial de Canudos. 
Em ritmo vertiginoso, o arraial torna-se densamente povoado e delineia sua 
região de influência muito além de sua sede altamente ocupada – a Região 
de Canudos. (NOGUEIRA, 2005) 
2.3 Principais causas da Guerra dos Canudos 
Segundo NOGUEIRA, 2005; existem, pelo menos, duas grandes vertentes que 
tentaram, e ainda tentam explicar o que foi a Guerra de Canudos. 
 
Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br 
Baseada na monumental obra Os sertões, de Euclides da Cunha, publicada em 
1902 após o autor acompanhar a “última expedição” a Canudos, a vertente 
 
10 
“euclidiana” faz uso de leituras sociológicas características do final do século XIX. Por 
exemplo: o positivismo, de Hippolyte Taine, que buscava compreender as relações 
sociais com base em determinismos raciais, geográficos e históricos; e também o 
darwinismo social, de Herbert Spencer, opondo categorias dicotômicas, como 
“civilização” e “barbárie”. (NOGUEIRA, 2005) 
De acordo com palavras relatadas por NOGUEIRA, 2005: 
Outros autores importantes da época e que também foram influências para 
Euclides da Cunha são: Karl Marx, Émile Durkheim, Auguste Comte, entre 
outros que foram fundamentais para o desenvolvimento da sociologia. 
 
Para NOGUEIRA, 2005, uma das teses propagandeadas pelo governo 
republicano, com a qual Euclides da Cunha partiu rumo a Canudos, refere-se ao 
conflito como um embate entre um foco derestauração monárquica, representado por 
Antônio Conselheiro e seus seguidores, e o Exército brasileiro, incumbido de combater 
os revoltosos. 
Contudo, após voltar da guerra, Euclides da Cunha deu lugar a questões 
sociológicas complexas, com base nas referências teóricas do período, destacando 
um “raro caso de atavismo” em Antônio Conselheiro e diagnosticando — no ambiente, 
na miséria ali encontrada e na mestiçagem daquela população vítima do massacre — 
explicações para aquela situação. (NOGUEIRA, 2005) 
Existia também uma dicotomia entre o litoral brasileiro, desenvolvido e 
“civilizado”, e o interior do Brasil, onde a “barbárie” reinava. Com base em suas 
observações, Euclides da Cunha questiona esses modelos defendendo a barbárie 
como elemento comum a ambas localidades, porém com características diferentes, 
afirma NOGUEIRA, 2005. 
No final dos anos de 1950, uma outra tese surge a partir dos artigos publicados 
de Rui Facó, reunidos no livro Cangaceiros e fanáticos. De perspectiva marxista, as 
teses de Facó buscavam uma interpretação definitiva de Canudos, associando a 
Guerra de Canudos à luta pela abolição dos latifúndios, pelo direito à terra e contra a 
opressão (representada pelos militares e a elite cafeeira da época). (NOGUEIRA, 
2005) 
Para NOGUEIRA, 2005: 
O movimento de Canudos passa a ser visto, portanto, sob aspectos positivos, 
uma vez que representa um capítulo importante na história da luta pela terra 
 
11 
no Brasil. Essas teses são mencionadas em algumas bibliografias como 
“progressistas” e antagonizam com as teses “euclidianas”. 
 
Contudo, nos anos de 1990, a historiografia brasileira começou a revisitar o 
conflito na tentativa de buscar subsídios que pudessem corroborar ou não com essas 
teses apresentadas sobre Canudos. (NOGUEIRA, 2005) 
Ainda de acordo com NOGUEIRA, 2005, com a dificuldade de encontrar fontes 
confiáveis e elementos que pudessem sustentar tais assertivas, o conflito acabou 
ganhando contornos menos idealizados sem, ao mesmo tempo, deixar de destacar os 
absurdos cometidos contra a população que vivia no arraial. 
Esse momento, inclusive, é considerado um dos maiores massacres já 
cometidos pelo Exército brasileiro em território nacional na história do Brasil. 
(NOGUEIRA, 2005) 
2.4 Estopim da Guerra dos Canudos 
Do ponto de vista de NOGUEIRA, 2005, já no final do ano de 1895, o próprio 
Antônio Conselheiro comprou uma certa quantidade de madeira em Juazeiro para o 
término da construção de uma nova e maior igreja no arraial. No entanto, apesar de 
terem recebido o dinheiro da compra, os comerciantes locais não entregaram a 
encomenda conforme planejado. Isso teria provocado a ira dos moradores do arraial, 
que, por sua vez, teriam ameaçado “assaltar” Juazeiro. 
Conforme NOGUEIRA, 2005, vale ressaltar que, conforme a historiadora 
Jacqueline Hermann aponta em seus trabalhos sobre o tema, não existem 
documentações seguras que possam sustentar o que de fato ocorreu. Não obstante, 
esse tom de ameaça, provavelmente, deu início às campanhas militares contra o 
arraial de Canudos, as quais começaram em novembro de 1896. 
2.5 Participantes do movimento 
Como caracteriza NOGUEIRA, 2005, para compreender o movimento de 
Canudos, é importante situá-lo dentro do fenômeno dos movimentos messiânicos, 
sobretudo do sebastianismo e sua influência no Brasil. Em 1578, o rei de Portugal D. 
Sebastião teria desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir, no norte do Marrocos. 
 
12 
A sua volta transformou-se em uma crença messiânica, em que o rei voltaria e 
libertaria os portugueses da difícil situação que estavam passando naquele momento. 
Antônio Conselheiro chegou a citar o rei D. Sebastião em seus discursos, mostrando 
a força que a crença em seu retorno despertava no imaginário luso-brasileiro, 
NOGUEIRA, 2005 explicita seus pressupostos 
No final do século XIX, o interior do Brasil era marcado pelo alto grau de 
abandono, sobretudo onde a seca atingia populações inteiras. Vale lembrar 
que a escravidão foi abolida em 1889, ou seja, não se havia completado cinco 
anos quando, em 1893, Antônio Conselheiro e seus seguidores instalaram-
se em uma estéril e abandonada fazenda conhecida como Belo Monte.( 
NOGUEIRA, 2005) 
 
Fonte: sistemacpv.com.br 
Como descrito por NOGUEIRA, 2005, as primeiras notícias do beato 
Conselheiro datam de 1874, no jornal O rabudo, de Sergipe, onde era referido como 
Antônio dos Mares. Ele vagava pelos sertões construindo cemitérios, igrejas e 
capelas, proferindo profecias e descontentamentos com questões políticas em 
discussão naquele período, como o casamento civil, além de conselhos. Dessa última 
prática viria a alcunha que lhe tornaria conhecido. Além disso, seus discursos sempre 
eram marcados pelo forte teor religioso. 
Com isso, atraiu uma multidão de admiradores desvalidos que passaram a 
segui-lo até o arraial de Canudos, formando a comunidade que foi praticamente 
dizimada anos depois pelo Exército brasileiro (CÂMARA e CÂMARA 2015). 
 
13 
3 UM BRASIL DE MUITOS BRASIS NO SÉCULO XIX 
O idioma ia ser nordestinense, a bandeira de renda cearense, "Asa Branca" 
Era o hino nacional. O folheto era o símbolo oficial; a moeda, o tostão de 
antigamente; Conselheiro seria o inconfidente; Lampião, o herói inesquecido. 
Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente... (Ivanildo Vila 
Nova e Bráulio Tavares). 
 
Conforme CÂMARA e CÂMARA 2015, em sua obra Brasil, a sexta potência 
econômica mundial; país de dimensões continentais, habitáculo de riqueza mineral e 
hídrica, de fauna e flora profusas, ainda que marcado pela égide da extrema 
desigualdade social que nos caracteriza como um país terceiromundista. 
A História de nosso povo está, em muito, permeada pela questão agrária e a 
luta camponesa é uma constante no panorama histórico nacional devido à 
concentração latifundiária em poucas e parcas mãos. Segundo Barreto (1990, apud 
CÂMARA e CÂMARA 2015), a exploração do homem do campo é histórica, na mesma 
proporção em que também é histórica a violência nas relações sociais que 
determinam esta exploração: 
 "Nesta guerra subterrânea, no entanto, o camponês nunca se acovardou, e 
somente à custa de seu sangue tem mantido e conquistado algum espaço 
que lhe assegure o mínimo de dignidade para a sobrevivência e a 
continuidade da própria luta" (BARRETO, 1990, p. 24, apud CÂMARA e 
CÂMARA 2015,). 
 Conforme CÂMARA e CÂMARA 2015, em função desta realidade, muitos são 
os problemas ligados a esta problemática como o não aproveitamento a contento dos 
recursos naturais disponíveis, a utilização desproporcional das melhores terras para 
a monocultura de exportação, assim como a migração de populações rurais para os 
aglomerados urbanos. 
A bem da verdade, a segunda metade do século XIX trouxe consigo um surto 
de desenvolvimento aliado a um intenso processo de mudanças sócio econômicas. 
(CÂMARA e CÂMARA 2015) 
Para CÂMARA e CÂMARA 2015, com o crescimento das cidades, surgiu 
também a necessidade premente da implementação de companhias de navegação, 
transporte, iluminação a gás e comunicação, entre outros aspectos básicos de 
infraestrutura para um país em vias de desenvolvimento. 
 
14 
Na visão de CÂMARA e CÂMARA 2015, o advento da República em 1889 
estava inserido no contexto do poder oligárquico, clientelista e coronelista, atendendo 
com prontidão aos interesses de elites rurais em detrimento da massa desprovida de 
recursos financeiros. 
Do ponto de vista de CÂMARA e CÂMARA 2015: 
 A estrutura da economia brasileira naquele momento histórico estava 
fundamentada primordialmente no latifúndio, com predominância da 
monocultura. 
No que se refere ao âmbito econômico nacional, precisamente no sudeste do 
país, o café provocava profundas alterações, entre as quais, a introdução de mão de 
obra assalariada imigrante na lavoura, investimentos no comércio e nos serviços 
portuários quando afirmaCÂMARA e CÂMARA 2015. 
Como descrito por CÂMARA e CÂMARA 2015, a modernização da agricultura 
tendo por base as usinas e a concentração da terra nas mãos de poucos faziam com 
que os sertanejos necessitassem trabalhar nas terras dos oligarcas para sobreviver, 
tendo que submeter-se à exploração de sua força de trabalho e à total falta de respeito 
para com seus direitos trabalhistas ainda inexistentes. 
 
 
Fonte:algosobre.com.br 
De acordo com estudos de CÂMARA e CÂMARA 2015, em termos de nordeste, 
a implantação do sistema republicano pouco ou nada alterou a expectativa de 
https://www.algosobre.com.br/historia/guerra-de-canudos.html
 
15 
melhoria das condições de vida do povo sertanejo. A economia nordestina estava 
fundamentada essencialmente na agricultura e na pecuária. 
Esta região, no entanto, perdeu muito de sua importância econômica devido ao 
infortúnio de secas devastadoras e consecutivas, em especial a grande seca de 1877 
a 1879. Sendo assim, o Nordeste, massacrado pela miséria ocasionada pelos grandes 
períodos de estiagem e pela inescrupulosidade de uma minoria que detinha o poder, 
acabou se tornando um importante celeiro de manifestações nem sempre pacíficas 
CÂMARA e CÂMARA 2015 explicita seus pressupostos. 
Resumidamente, podemos afirmar que existiam dois “brasis” dentro de nosso 
país àquela época: o Brasil litorâneo (avançado em termos de civilidade e cultura, 
refinado) e o Brasil sertanejo (atrasado culturalmente, tosco e pobre). Conforme Iser 
(2008, p. 15, apud CÂMARA e CÂMARA 2015): 
O Brasil do século dezenove procurava se inserir no admirável 
mundo novo da técnica e do individualismo como valor político e 
social. Mas, como é sabido, movia-se com dificuldade, preso por 
amarras estruturais, enquanto a sociedade saída do regime 
monárquico, agrário-exportadora e escravista. 
Era em si própria uma sociedade "entre" a modernidade anunciada 
e trazida pelas máquinas e pelo liberalismo, mas também 
definitivamente refém do relativo isolamento colonial e do mundo 
das hierarquias fixas. 
Para CÂMARA e CÂMARA 2015, diferenças de toda ordem entre os "coronéis" 
e as grandes massas rurais que já perduravam desde o Império eclodiram em revoltas 
que marcaram o primeiro decênio do período republicano. 
Quanto à questão religiosa, a Igreja estava passando por um momento 
bastante crítico desde que a Maçonaria, o Marxismo, o Positivismo e o Liberalismo 
começaram a ameaçar subtrair-lhe poder político, a partir de justificativas racionais 
para explicar o dogmático sobre a fé. Foi neste contexto que algumas decisões 
peremptórias foram tomadas para que este poder não escorregasse para “mãos 
inaptas”, conceitua CÂMARA e CÂMARA 2015. 
 
 
 
 
16 
4 ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL - O CONSELHEIRO 
 
 
Fonte: cparq.ufba.br 
A busca da gênese da personagem Antônio Conselheiro passa, 
necessariamente, pelo resgate da origem social de sua família (SILVA, 2001, pág. 37, 
apud CÂMARA e CÂMARA 2015). 
Vagueando pelos sertões do Ceará (Cariri), Pernambuco, Alagoas, Sergipe e 
Bahia, após haver flagrado a esposa em adultério com um sargento de polícia, Antônio 
Conselheiro, que desde criança sentia uma verdadeira vocação pela vida monárquica 
(incentivada pelos pais com o fim prático de ascender-lhe socialmente), fixa residência 
à margem norte do rio Vaza-Barris, em um vilarejo no sertão da Bahia por ele 
rebatizado de Belo Monte, em 1893. O episódio traumático que o catapultou para a 
vida errante de “peregrino”, como ele se autointitulava, é assim narrado: 
Brasilina, a prazenteira, ignora completamente o que se passa na alma 
daquele marido inquieto e torturado de melancolia. Está amando às 
escondidas, um furriel. Deita-se com seu sargento em horas quentes de 
amor, aproveitando a ausência de Antônio Vicente. É cálida e impetuosa. 
Pouco se lhe dá que o aventurado se torne corno. E continua amorosa, tenra, 
nos braços do furriel de Ipu, enquanto os filhos choramingam e se enlameiam 
pelos cantos do quintal. Cunha (MACEDO, 1969, p. 121 apud ISER, 2008, p. 
30, apud CÂMARA e CÂMARA, 2015 ). 
 
17 
Ao que Cunha 1984: 109 apud Iser, 2008: 34, CÂMARA e CÂMARA, 2015) 
complementa ao afirmar que: 
O plano inclinado daquela vida em declive termina, de golpe, em queda 
formidável [...] foi o desfecho. Fulminado de vergonha, o infeliz procura o 
recesso dos sertões, paragens desconhecidas, onde lhe não sabiam o nome: 
o abrigo da absoluta obscuridade. 
Desiludido emocionalmente, decidido a esquecer este infortúnio, Antônio 
Vicente transforma-se em Antônio Conselheiro, fundador e mentor ideológico do 
arraial de Canudos (este nome foi dado ao lugarejo pelos que de fora apenas focavam 
a atenção nos bambus que ali cresciam, negando o carisma de seu verdadeiro nome). 
Sua plêiade era formada por jagunços, fanáticos e beatos, segundo (Guerra (2012) 
apud CÂMARA e CÂMARA, 2015) que nada mais eram que camponeses sem 
trabalho, flagelados arruinados pela Grande Seca de 1877, assim como índios e 
negros recém libertos, que viam naquele pregador embrutecido um enviado de Deus, 
ataviado com sua indefectível túnica azul que lhe cobria o corpo imundo. 
Os cabelos longos e piolhentos completavam a imagem do homem tido pelas 
autoridades como louco e perigoso. Uma descrição sua pode ser apreciada abaixo, 
onde a parcialidade do narrador é observada também: 
Ali, a sua fisionomia estranha: face morta, rígida como uma máscara, sem 
olhar e sem risos; pálpebras descidas dentro de órbitas profundas; e o seu 
entrajar singularíssimo; e o seu aspecto repugnante, de desenterrado, dentro 
do camisolão comprido, feito uma mortalha preta; e os longos cabelos 
corredios e poentos caindo pelos ombros, emaranhando-se nos pelos duros 
da barba descuidada, que descia até a cintura – aferroram a curiosidade geral 
CUNHA, 1984, p. 112 apud ISER, 2008, p. 40, CÂMARA e CÂMARA, 2015 ). 
A partir destas características físicas, de seu carisma e do teor apocalíptico de 
seu discurso, podemos entendê-lo como uma figura messiânica e salvacionista. 
(CÂMARA e CÂMARA, 2015) 
Apropriando-se do Catolicismo rústico anteriormente mencionado, o 
Conselheiro busca atender às demandas de toda ordem destes desafortunados que 
o buscavam. Suas prédicas acaloradas embeveciam os jagunços e são descritas 
assim por (Cunha 1984, p.110 apud Iser, 2008, p. 38-39, apud CÂMARA e CÂMARA, 
2015): 
Ele ali subia e pregava, afirmam testemunhas existentes. (...) uma oratória 
bárbara e arrepiadora, feita de excertos truncados das Horas Marianas, 
desconexa, abstrusa, agravada, às vezes, pela ousadia extrema das citações 
 
18 
latinas; transcorrendo em frases sacudidas; misto inextricável e confuso de 
conselhos dogmáticos, preceitos vulgares da moral cristã e de profecias 
esdrúxulas (...) Ninguém ousava contemplá-lo. A multidão sucumbida 
abaixava, por sua vez, as vistas, fascinada, sob o estranho hipnotismo 
daquela insânia formidável”. Era traunesco e era pavoroso. Imagine-se um 
bufão arrebatado numa visão do Apocalipse. 
 
Segundo CÂMARA e CÂMARA, 2015, em Belo Monte não havia roubo nem 
opressão, impostos não eram pagos; todos eram iguais e tinham os mesmos direitos 
e deveres. Qualquer um era bem-vindo e bastava uma indicação do Conselheiro para 
se erigir uma moradia; o casamento não era obrigatório e as mães solteiras eram 
acolhidas sem preconceito. 
 Para CÂMARA e CÂMARA, 2015, apesar de seu crescimento até certo ponto 
caótico e desordenado como comunidade, o que realmente lhes importava era o fato 
de que ali se trabalhava e se rezava. As decisões eram tomadas entre todos, à noite, 
no retordo da lida. 
Havia duas escolas e duas igrejas, o que implicitamente formava um tripé com 
o trabalho em si e que representava o crescimento em todos os níveis, como descrito 
por CÂMARA e CÂMARA, 2015. 
As tarefas laborais na lavoura e na pecuária de caprinos assim como os frutos 
delas advindos eram divididos entre todos, numa prática muitopróxima ao Socialismo, 
como nos lembram (Oliveira et al. 1994, p. 189, apud CÂMARA e CÂMARA, 2015): 
"(...) todos trabalhavam e repartiam o fruto desse trabalho igualitariamente. O trabalho 
continuava duro, mas agora acalentavam esperança. (...) O misticismo mantinha-os 
unidos. Eram irmãos na fé e na enxada". 
 
19 
 
Fonte: sistemacpv.com.br 
Em resumo: Canudos era um oásis de prosperidade sem ganância na aridez 
do sertão de fome e penúria, a prova cabal de que a vida digna poderia ser atingida 
ainda neste “vale de lágrimas”, mas sem a necessidade do vil metal, que mais divide 
que agrega, nem das promessas infundadas que os padres apregoavam, que se 
atinham à teoria de uma prática numa vida plena somente após a morte, conforme 
relata CÂMARA e CÂMARA, 2015. 
Conforme CÂMARA e CÂMARA, 2015, a grosso modo: 
Canudos era toda uma ameaça aos capitalistas e à Igreja. Não poderia seguir 
existindo. Para piorar, a ligação dos conselheiristas com o cangaço foi-se 
estreitando paulatinamente, uma vez que os cangaceiros se prestavam a 
proteger o arraial. 
 
A combinação de ideias salvacionistas difundidas por um líder messiânico 
congregador, uma grande comunidade de excluídos que atraía ainda mais excluídos 
e que vivenciava os valores do cristianismo incipiente já era por demais perturbadora 
para o momento frágil pelo qual a República, implantada há apenas quatro anos, 
estava passando, como afirmou CÂMARA e CÂMARA, 2015. 
De acordo com CÂMARA e CÂMARA, 2015, o medo de que a Monarquia 
estivesse por detrás desta insurreição comedida aterrorizava os detentores do poder 
secular e religioso, que iniciaram uma articulação para exterminar o arraial de 
Canudos, que havia se tornado nacionalmente conhecido no governo do Presidente 
 
20 
Prudente de Morais, o primeiro civil à frente da Presidência da República Federativa 
do Brasil, representante dos cafeicultores. 
Em CÂMARA e CÂMARA, 2015 vamos encontrar o seguinte esclarecimento: A 
conjuntura era de intensa agitação política com a pendência do governo anterior em 
debelar a luta entre federalistas e castilhistas no estado do Rio Grande do Sul. Forte 
foi a oposição ao novo presidente por parte dos adeptos do “florianismo” radical. No 
entanto, o maior obstáculo enfrentado por Prudente de Morais foi, sem sombra de 
dúvidas, a Guerra de Canudos, que ocupou considerável parte do final de seu 
mandato. 
5 CATOLICISMO TRADICIONAL E REFORMADO 
Conforme WANDERLEI, 2011; definida a estrutura social geral, recorrente e 
própria da esfera religiosa, se impõe analisar o caráter do catolicismo que constituía 
o universo religioso de Antônio Conselheiro e de seus seguidores. 
Poderemos assim alcançar com maior clareza os predominantes aspectos 
congregacionais desta religiosidade e suas relações com o domínio eclesiástico. 
(WANDERLEI, 2011) 
Para tanto fazemos uso de noções ligadas ao estudo da história da religião 
católica no Brasil que apontam para a existência de certa dualidade, traduzida e 
sintetizada nas expressões “catolicismo tradicional” e “catolicismo 
reformado/romanizado. ” 
Segundo WANDERLEI, 2011: 
Na primeira categoria é descrita uma religiosidade marcadamente devocional 
e leiga – cujo centro de produção é as irmandades, os ermitões, os romeiros, 
os beatos, etc. Na segunda, está presente um modelo de catolicismo baseado 
nas práticas sacramentais, na primazia do clero e na centralidade do governo 
da Cúria Romana. 
 
Para WANDERLEI, 2011; pode-se afirmar que estas modalidades efetivamente 
distintas correspondem a dois períodos históricos; respectivamente, ao colonial e a 
fase que tem início a partir da implantação do Império. 
No entanto, tal periodização, é preciso tomar cuidado, representa apenas uma 
divisão geral e não um marco preciso (WANDERLEI, 2011). 
 
21 
Para WANDERLEI, 2011, além do mais, a dualidade referida não significa a 
existência de duas essências no catolicismo que se constituiu no Brasil, justifica-se 
apenas no sentido de apontar tendências que predominam. 
Herdeiro do secular legado do catolicismo tradicional – com certas variações 
de sentido também denominado de popular, rústico, místico– o conselheirismo se 
encontra situado num momento – finais do século XIX – particularmente intenso do 
movimento de transição em direção ao modelo romano, conforme WANDERLEI, 2011. 
Movimento este que tem sua força principal na ação sistemática e persistente 
dos bispos reformadores que, sobretudo a partir do advento da República, e com o 
auxílio de ordens religiosas estrangeiras, buscaram redefinir o lugar do clero frente à 
sociedade brasileira em geral e ao Estado em particular, relatado por WANDERLEI, 
2011. 
Para WANDERLEI, 2011, é precisamente nesta transformação lenta e 
conflituosa da religião católica no Brasil, que se torna clara as tensões entre a 
religiosidade congregacional e o exercício do sacerdócio. 
Cabe identificar, segundo WANDERLEI, 2011, com especial cuidado, a posição 
social e religiosa de Antônio Conselheiro no interior do catolicismo brasileiro. 
Este esforço se justifica devido à importância fundamental desta personalidade 
na reprodução congregacional da religiosidade presente no conselheirismo. A sua 
trajetória, em grande medida, se confunde com os caminhos do catolicismo 
tradicional, paulatinamente expropriado das populações rurais pela ação intransigente 
dos bispos romanizados, quando afirma WANDERLEI, 2011. 
Para WANDERLEI, 2011, uma interpretação consistente sobre Antônio 
Conselheiro permitirá melhor analisar as múltiplas visões que lhe atribuem identidades 
religiosas diversas – operações, muitas vezes, de grande alcance ideológico. 
Conforme WANDERLEI, 2011: 
Existe nos estudos acadêmicos certa tradição – fundada por Euclides da 
Cunha – de conceber Antônio Conselheiro como profeta popular; como figura 
central de um movimento messiânico que aparece como resposta política 
possível diante de uma crise econômica generalizada e de processos de 
secularização e modernização da sociedade sertaneja. 
 
De acordo com WANDERLEI, 2011, apesar de sua insuficiência documental 
esta interpretação exerce grande influência sobre parte considerável da historiografia 
 
22 
de Canudos. Resulta desta visão uma perspectiva na qual se encontram subordinadas 
às disputas ligadas ao terreno das idéias religiosas as relações de dominação 
produzidas pelo clero contra o conselheirismo – o que parece ser uma inversão de 
fatores. 
Também durante muito tempo Antônio Conselheiro foi considerado pelo 
pensamento letrado – leigo e eclesiástico – um fanático recalcitrante, afirma 
WANDERLEI, 2011. 
Opinião que se consolida no início do século XX e permeia com variados 
matizes a maior parte dos estudos sobre o tema – inclusive os trabalhos de orientação 
marxista, na visão de WANDERLEI, 2011. 
Conforme WANDERLEI, 2011, esta visão repousa, quando não 
deliberadamente produzida com a finalidade de combater o conselheirismo, numa 
absoluta incompreensão acerca do caráter de devoção e penitência das tradições do 
catolicismo sertanejo. 
De acordo estudos de WANDERLEI, 2011; 
Ao analisar os escritos de Antônio Conselheiro é possível percebe com 
clareza o quanto esta interpretação, a despeito de sua insistência e por sua 
imprecisão, embaraça o reconhecimento do significado social e religioso do 
conselheirismo. 
 
Como caracteriza WANDERLEI, 2011: para dissipar essa e outras deformações 
é forçoso reconhecer, primeiramente, que o líder sertanejo não incorpora na sua 
atuação religiosa produções de profecias. O profeta é um agente religioso que anuncia 
o caminho da salvação por meio de uma revelação pessoal. Ora, não é encontrado 
nos escritos de Antônio Conselheiro a menor reivindicação de ser ele portador de uma 
doutrina nova ou mandamentos revelados. 
Como descrito por WANDERLEI, 2011: 
Do ponto de vista de muito pelo contrário, suas prédicas reafirmam 
enfaticamenteas concepções tradicionais da fé católica – o valor da 
penitência, da caridade, da castidade, da devoção a Virgem Maria, etc. 
Não é de pouco interesse essa questão, de seu desenvolvimento depende a 
tese que classifica a religião conselheirista de messiânica. Hoje tema 
controvertido nos estudos de Canudos. 
Também não é possível aplicar a Antônio Conselheiro a qualificação de 
mistagogo. Este produz bens de salvação por meio da distribuição de sacramentos, 
se distingue do mago por formar uma comunidade em torno de si, não se confunde 
 
23 
com o sacerdote por atuar numa dimensão exclusivamente mágica de acordo com 
WANDERLEI, 2011. 
WANDERLEI, 2011 já afirmou que mesmo os mais aguerridos detratores de 
Antônio Conselheiro não apresentam acusações de que suas atividades se 
relacionam com as práticas sacramentais – esfera de competência reconhecidamente 
sacerdotal e de importância secundária no catolicismo tradicional, especialmente das 
áreas rurais. 
6 O SENTIDO SOCIAL E O CONTEXTO POLÍTICO DA GUERRA DE CANUDOS 
No dizer de BANDEIRA, 2005, as tensões sociais, que a estagnação 
econômica gerava e a adversidade da natureza - clima e solo - engravescia, 
acumularam-se durante três séculos de colonização, nos sertões da Bahia, como em 
todo o nordeste do Brasil. De um lado, poucas famílias ricas e poderosas, dominavam 
uma vastidão de terras, latifúndios improdutivos, e se digladiavam entre si, a 
disputarem o poder político, por modo a assegurar e expandir suas propriedades. 
 De outro, uma população de caboclos, sertanejos, na sua maioria índios 
mestiçados com brancos ou negros - mamelucos e cafuzos - que perderam 
ou jamais possuíram alguma terra e nada tinham, nem mesmo a possibilidade 
de vender sua força de trabalho e a esperança de alcançar uma vida melhor 
(BANDEIRA, 2005). 
Como descrito por BANDEIRA, 2005, a alguns não restava senão o 
descaminho do cangaço, fora da lei, se lei havia, e bandoleiros se tornavam. Outros, 
para sobreviverem, passavam a servir como jagunços, capangas dos senhores de 
terra, os coronéis, assim denominados porque recebiam do governo imperial a patente 
da Guarda Nacional, com a faculdade de organizar batalhões, quando necessário, 
para defender a ordem e o Estado. 
 
24 
 
Fonte: sistemacpv.com.br 
 
Para BANDEIRA, 2005, em tais condições de atraso social e político, aquela 
massa de oprimidos, pobres e miseráveis, quase completamente isolada dos centros 
urbanos do litoral, devido à carência de transportes e de outros meios de 
comunicação, só encontrava esperança na religião, através da fé no “Bom Jesus”, que 
pelos menos lhe abriria as portas do céu, a perspectiva de salvação e recompensa 
por tantos sofrimentos. 
Segundo BANDEIRA, 2005: 
A religião, naqueles sertões do Nordeste , podia ser, como no conceito de 
Karl Marx, a “expressão da miséria real”. 
Como caracteriza BANDEIRA, 2005; podia ser o “suspiro da criatura aflita”, a 
“alma de um mundo desalmado” e até mesmo o “Opium des Volks”. Mas o 
cristianismo, naquelas circunstâncias históricas, constituía o máximo de consciência 
possível, como utopia, e desvelava um sentido revolucionário, na medida em que o 
nível de atraso econômico, social e cultural do sertão fazia-o regredir à sua pureza 
original, como na Palestina, ao tempo do domínio de Roma. 
O ambiente de religiosidade e misticismo favorecia o surgimento de beatos e 
messias, cujas ações reais, modeladas por uma ética de provação, tendiam a chocar-
se contra a estrutura de classes da sociedade, tal como aconteceu com Thomas 
Münzer, que tentou organizar, na Alemanha do século XVI, uma completa comunidade 
de bens e igualdade total, a antecipar sobre a terra o reino de Deus. Por volta de 1877, 
ano da grande seca no Nordeste, Antônio Vicente Mendes Maciel, que como Antônio 
 
25 
Conselheiro se notabilizaria, já peregrinava pelos sertões, a fazer e a arrastar fiéis por 
onde passava, como descrito por BANDEIRA, 2005. 
 Segundo BANDEIRA, 2005, apud Euclides da Cunha, em toda a região, cidade 
ou povoado não havia onde ele aparecido não tivesse, e sua entrada 
6.1 O contexto político na República 
Para BANDEIRA, 2005, os militares estavam isolados da nação e a tropa do 
Exército, que desfilou pelas ruas do Rio de Janeiro, após o golpe de Estado de 15 de 
novembro, deparou-se com uma cidade aparentemente vazia, as ruas desertas, o 
comércio fechado. Apesar da grave crise econômica e social, que fermentava o 
descontentamento em vastas camadas das classes dirigentes, a Monarquia era ainda 
popular. 
As adesões ao novo regime, entre as quais a dos antigos partidos 
monárquicos de São Paulo, orientaram-se pelo pressuposto da 
inevitabilidade da República e tiveram como objetivo, em larga medida, 
restabelecer a normalidade política e evitar possíveis reações populares, 
consideradas inúteis e que poderiam comprometer a própria integridade 
territorial do Brasil.( BANDEIRA, 2005) 
Estudos de BANDEIRA, 2005 afirmam que a possibilidade de desintegração do 
Brasil em duas ou mais Repúblicas, com a separação do Rio Grande do Sul, era aliás 
prevista, desde 1880, pelo presidente do Uruguai. 
7 CANUDOS: UMA GUERRA, MUITAS MULHERES 
Para BRAGA, 2011, a História de Canudos ainda hoje desperta a atenção de 
historiadores, pesquisadores e cientistas de diversas áreas, dado a dimensão e a 
complexidade daquele arraial messiânico, liderado por Antônio Conselheiro, que se 
estabeleceu no semiárido baiano no final do século XIX. 
Para lá segue uma multidão de pessoas: Trabalhadores, sem-terra, execra-vos, 
velhos, mulheres e crianças que com ele chega a Canudos e lá se estabelecem. Quem 
eram estas mulheres? Qual o papel delas naquela comunidade? Porque buscavam o 
caminho de Canudos? Trabalhava na criação de animais, no plantio? Que outras 
 
26 
funções desenvolviam? A vasta literatura existente sobre Canudos ignora estas 
mulheres, conforme BRAGA, 2011. 
Para BRAGA, 2011, faz-se necessário voltar a este acontecimento histórico 
para estudá-las e conhecer, não apenas as mulheres sobreviventes, mas aquelas que 
abriram mão de suas casas, famílias, trabalho ou de nada, e buscaram o Belo Monte 
para lá encontrar alento para sua vida. 
A História de Canudos ainda hoje desperta a atenção de historiadores, 
pesquisadores e cientistas de diversas áreas, dado a dimensão e a 
complexidade daquele arraial messiânico, que se estabeleceu no semiárido 
baiano no final do século XIX. (BRAGA, 2011) 
Canudos se constitui motivo de pesquisas e de publicações acadêmicas, por 
que ainda não se esgotaram os assuntos que envolvem aquela epopéia humana, que 
conseguiu colocar-se à margem da lei republicana recém implantada, concentrando 
em seus limites cerca de vinte e seis mil pessoas chamadas de conselheristas, como 
também as novas abordagens historiográficas permitem a ampliação do tema para 
além da epopeia da guerra. 
Antônio Conselheiro peregrinou pelo sertão, construindo igrejas e cemitérios, 
ensinou a palavra de Deus e o caminho para o céu, e se transformou em uma 
esperança para “o sertanejo” pobre, ignorado, oprimido e marginalizado. 
Começa a ser seguido por uma multidão, composta por trabalhadores rurais, 
sem posses, ex-escravos, velhos, mulheres e crianças. (NETO, 2007, apud 
BRAGA, 2011) 
O sertão significou muito mais do que o espaço e a região dos acontecimentos 
que compreende o Ciclo do Bom Conselheiro. É deste sertão, desta terra inculta e 
árida, deste sertão seco, embrutecido e inóspito, que milhares de pessoas em busca 
de alento para suas dores, desilusões, alimentando esperanças singulares, 
começaram a segui-lo. Antônio Conselheiro não chamava os seus fies, eles 
chegavam: 
“Espontâneos, felizes por atravessarem com ele os mesmos dias de 
provações e miséria. Eram no geral, gente ínfima e suspeita, avessa ao 
trabalho, farândola de vencidos da vida, vezada à mandria e a rapina. Um 
dos adeptos carregavam o templo único, entãoda religião minúscula e 
nascente...Entravam com ele, triunfalmente erguido, pelos vilarejos e 
povoados, num coro de ladainhas” (CUNHA,2000, p. 167, apud BRAGA, 
2011). 
Andando pelos sertões, O Bom Conselheiro liga-se a Joana Imaginária, 
escultora de imagens em barro e madeira com quem tem um filho e os deixa em 
 
27 
1865(NETO, 2007, apud BRAGA, 2011), dando continuidade a sua peregrinação. Viu 
a República e se declara contra as novas leis. 
Em certa ocasião estava em Bom Conselho, onde reuniu o povo em dia de feira 
e, entre gritos sediciosos e estrepitar de foguetes, mandou queimar as tábuas com as 
leis da República numa fogueira. Começava então a sua trajetória política, pois 
dispersara uma patrulha de soldados republicanos que tenta prendê-lo pelo ocorrido 
em Bom Conselho. A partir deste momento será sempre perseguido como um perigo 
social, como caracteriza BRAGA, 2011. 
 
Fonte: alegriaeabundancia.blogspot.com 
O arraial de Canudos surpreendia por causa do seu crescimento. 
Estudos de BRAGA, 2011, apontam que, após iniciada a guerra, em três 
semanas este aumentara de modo extraordinário. Como nos primeiros tempos da 
fundação a todo o momento apontavam grupos de peregrinos em demanda de 
paragens lendárias. 
Dentre os que o seguiam para Canudos em busca do alento das prédicas do 
Bom Conselheiro, registrava um grande número de mulheres. “O mulherio 
constituía então, a parte mais numerosa do pessoal fanático, podendo ser 
calculado em dois terços do bando que acompanhava o Conselheiro...” 
(DANTAS, 1922, p.146, apud BRAGA, 2011). 
Quem eram as mulheres que fizeram parte deste movimento histórico, de 
repercussão mundial, ainda hoje é objeto de interesse de vários segmentos da 
sociedade científica? 
 
28 
...Ali estavam, gafadas de pecados velhos, serodiamente penitenciados, as 
beatas - êmulas das bruxas das igrejas – revestidas da capona preta 
lembrando a holandilha fúnebre da Inquisição; as solteiras, termo que nos 
sertões tem o pior dos significados, desenvoltas e desejadas, soltas na 
gandaíce sem freios; as moças donzelas ou moças damas recatadas e 
tímidas; e honestas mães de famílias; nivelando-se pelas mesmas rezas... 
Faces murchas de velhas... rostos austeros de matronas simples; fisionomia 
ingênuas de raparigas crédulas...Grenhas maltratadas de crioulas retintas... 
(CUNHA, 2000, p.165, BRAGA, 2011) 
Segundo José Calasans, Euclides da Cunha, em sua clássica obra “Os 
Sertões”, costuma referir-se as estas mulheres de forma duramente estigmatizada. 
Diz que as mulheres eram repugnantes (CALASANS, 2001, p.3, apud BRAGA, 2011), 
praticamente negando assim a presença feminina em seu livro. As poucas referências 
que faz, trata de mostrar a sua feiúra e as mazelas que carregavam sobre si. 
8 CANUDOS E O SERTÃO NORDESTINO NA LITERATURA BRASILEIRA 
Ainda segundo estudos realizados por BRAGA, 2011; algumas são as obras 
impregnadas de impressões parciais e tendenciosas de seus autores que discordam 
quanto à importância de Antônio Conselheiro e Canudos, uns exaltando-os, outros os 
denegrindo. Dentre elas, O Rei dos Jagunços (1899), de Manoel Benício, um ex 
correspondente do Jornal do Commercio; outra é Cangaceiros e Fanáticos (1963), de 
autoria do advogado beberibense Rui Facó. 
Duas mais recentes, ambas de 1995, provam que o tema Canudos segue igual 
de interessante para pesquisadores e estudiosos da área: uma do doutor em História 
Social pela USP, Marco Antônio Villa, que se intitula Canudos, o povo da terra e outra 
do historiador americano Robert M. Levine, falecido em 2003, O sertão prometido: o 
massacre de Canudos. Uma explicação plausível para a divergência de opiniões 
acerca deste líder religioso nos é dada por (Silva, 2001, p. 249, apud BRAGA, 2011): 
 [...] A personagem histórica Antônio Conselheiro - e sua ação social - ganhou 
dimensão suficiente para abalar conceitos científicos da época. Por isso, os 
equívocos cometidos pelos autores, testemunhas oculares daqueles 
acontecimentos, ao escreverem sobre Canudos, podem ser entendidos como 
fruto do espanto da descoberta de um mundo pouco explorado (o sertão), 
causando um forte impacto em suas mentes. 
Contudo, indubitavelmente, a obra literária brasileira por excelência que trata 
da Guerra de Canudos, de Antônio Conselheiro e seus jagunços é Os Sertões, de 
 
29 
Euclides da Cunha que, como correspondente de guerra para o jornal O Estado de 
S.Paulo, reuniu material suficiente in loco que cinco anos depois lhe serviria para tecer 
sua obra célebre. João Guimarães Rosa caracterizava o sertão como uma área 
escassamente habitada; já Euclides via o sertão como a representação do atraso, 
habitado por uma “raça mestiça” ou pior, uma “sub-raça”. Segundo Iser (2008, p. 19 
20, apud BRAGA, 2011), 
 
 
Fonte: Pre-Modernismo Euclides da Cunha 
Para BRAGA, 2011, na introdução do seu livro, Euclides da Cunha deixa claras 
as ideias evolucionistas que lhe orientam a escrita. Referindo-se às sub-raças 
encontradas no sertão do Brasil, sentencia: “Retardários hoje, amanhã se extinguirão 
de todo”. 
 Conforme estudos de BRAGA, 2011; 
Mais do que apenas registrar a Guerra de Canudos, sua tarefa original de 
jornalista, o autor propõe realizar um estudo de toda a realidade física e 
geográfica que a abarcava. 
Assim, Euclides da Cunha empreende uma exaustiva descrição geológica, 
geográfica e climática do sertão, seguida por uma descrição antropológica do 
sertanejo no capítulo “o homem”, na qual examina aspectos diversos da vida deste 
como trabalho, religião e costumes como descrito por BRAGA, 2011. 
 
30 
Segundo estudos de BRAGA, 2011, o arcabouço teórico empregado por 
Euclides da Cunha mistura as teorias raciais surgidas na Europa na segunda metade 
do século XIX: o espírito científico da época que unia ao positivismo de Comte o 
evolucionismo de Darwin e de Spencer. 
Para BRAGA, 2011, Euclides da Cunha acreditava, como era de praxe na 
época, na teoria do embranquecimento, que evitaria assim a miscigenação dos 
brancos com "raças inferiores", a fim de que se pudesse manter uma certa 
"estabilidade" e uma definição melhor sistematizada da "raça brasileira". 
A obra Os Sertões se baseia no tripé que Taine estabeleceu, e que hoje se 
encontra desacreditado, ao conceber o homem como o fruto de três fatores principais: 
a raça, o momento histórico e o meio ambiente. 
 
Os mestiços seriam portadores de uma constituição mórbida ao mesmo 
tempo que paranóica e seus seguidores idem, “gente ínfima e suspeita, 
avessa ao trabalho, uns vencidos” (Cunha, 1984, p. 110 apud Iser, 2008, p. 
21, apud BRAGA, 2011). 
 
Ele constrói um relato psicológico do sertanejo fundamentado basicamente em 
contrastes superficiais: forte, mas descerebrado; corajoso, mas supersticioso, 
levemente lúcido ainda que fanático. O Conselheiro seria a somatória de todos estes 
aspectos: 
A vida de Antônio Vicente Mendes Maciel e a história do arraial formavam 
para Euclides peças de um só conjunto, enquanto expressões da 
religiosidade sertaneja. O Conselheiro, cuja biografia até Canudos poderia 
ser apenas de um infeliz mas vulgar foragido da lei, ou a de um louco perdido 
em seus delírios proféticos, assume, a partir da fundação do arraial em pleno 
sertão, o papel de homem-síntese de uma realidade social e religiosa, a 
condição do sertanejo pobre (BOSI, 2002 , p. 211, apud BRAGA, 2011). 
 
31 
 
Fonte editoraluzeiro.com.br 
Apesar da campanha coletiva contra esta figura controvertida, comprovou-se, 
após sua morte e decapitação, que ele “(...) não apresentava nenhuma 
anomalia que denunciasse traços de degenerescência: é um crânio de 
mestiço onde se associam caracteres antropológicos de raças diferentes” (, 
RODRIGUES, 2006, p. 89, apud BRAGA, 2011). 
No dizer de BRAGA, 2011; este foi um dado essencial para o início do resgate 
de sua imagem nas décadas que se seguiriam, onde o tempo e a Ciência provariam 
que Nina Rodrigues,suas teorias e a de outros afins foram ademais de injustas, 
infundas para com Antônio Conselheiro e seus seguidores. 
BRAGA, 2011 alega que independentemente do ponto de vista de Euclides da 
Cunha sobre os sertões e os sertanejos em si, podemos afirmar que Os Sertões 
perpassa os campos da prosa literária e da prosa científica; pertence, ao mesmo 
tempo, ao domínio da História, da Sociologia e da Geografia; é uma obra que instaurou 
um antes e um depois quanto ao tema e que deixou um legado respeitável ao mesmo 
tempo que opositores ferrenhos. 
Fazendo nossas as palavras de (Silva 2001, p. 247-248, apud BRAGA, 2011): 
As faces de Conselheiro, em décadas de estudos, caminhou entre a vida de 
um santo e a de um revolucionário. 
Prática historiográfica comum, pois uma personagem histórica ganha 
diferentes faces a cada geração de pesquisadores. 
 
32 
Entretanto, o que diferencia Antônio Conselheiro é que sua imagem, descrita 
por Euclides, teve um impacto cultural que refletiria durante longo tempo. No caminhar 
do século XX, essa postura começa a ser lentamente transformada (BRAGA, 2011). 
Para BRAGA, 2011, esse outro, ou bárbaro, que até então surgia como uma 
imagem que a elite letrada não queria para si, torna-se gradualmente algo que poderia 
ser culturalmente valorizado. 
Conforme BRAGA, 2011, em sua obra, curiosamente, essa valorização deu-se 
via Europa. Muitos foram e são os autores e obras que trataram e tratam de nossas 
raízes culturais nordestinas com a parcialidade necessária para defender nosso valor 
frente a uma constante tentativa de massificação da cultura nacional focada no eixo 
Rio-São Paulo e que, definitivamente, não nos representa. 
Para BRAGA, 2011, dentre estes autores, a título de ilustração, podemos citar 
alguns: Raquel de Queiroz, José de Alencar, Franklin Távora, Graciliano Ramos, 
Jorge Amado e José Lins do Rego. 
Nos estudos de BRAGA, 2011: 
O romance regionalista, especialmente característico dos anos 30 do 
passado século, teve como meta mostrar os conflitos e as contradições de 
um Brasil que se queria moderno e industrializado, mas que devido aos 
inúmeros “brasis” que o formavam (e ainda formam), guardava traços 
arcaicos de uma sociedade agrária, patriarcal e, até certo ponto primitiva e 
decadente. 
De acordo com estudos realizados por BRAGA, 2011, havia nestes escritores 
uma preocupação sociológica e documental, que os distinguia dos modernistas com 
seu experimentalismo estético e, muitas vezes, vazio de sentido. Norteando esta 
plêiade de artistas da palavra que se dedicaram a desnudar o Nordeste literariamente, 
destacam-se a figura e a obra de Ariano Suassuna, um dos mais obstinados 
defensores das manifestações culturais de nosso povo. 
Para BRAGA, 2011, O sertão foi a seara de onde muitas de suas personagens 
surgiram, ainda que ele não tivesse especial predileção pelo tema da Guerra de 
Canudos. 
Ainda segundo BRAGA, 2011, uma de suas obras mais amplamente 
conhecidas em âmbitos nacional e internacional, O auto da Compadecida, tem o seu 
cenário cravado no sertão pernambucano, onde deslizam personagens caricatas que 
 
33 
transpiram o bom humor e a leveza do nordestino para lidar com suas agruras 
quotidianas, muitas vezes provenientes de seu próprio habitat inóspito. 
 
 
Fonte: brasildefato.com.br 
Conforme estudos de BRAGA, 2011: 
O Movimento Armorial, idealizado com sucesso por Suassuna, tencionava 
criar uma cultura erudita a partir de elementos comuns da cultura popular e, 
por extensão, sertaneja. Nele, todas as formas de expressão artística foram 
contempladas: a música, a tapeçaria, o teatro, a dança, a cerâmica, a pintura, 
o cinema, a literatura e claro, a literatura, que o representa mais aos olhos do 
povo. 
 
Seu maior mérito como difusor entusiasta da cultura nordestina foi a tentativa 
vitoriosa de trazê-la para o centro do cenário cultural de nosso país (que acabou 
extravasando e rendendo-lhe o merecido reconhecimento internacional), revestindo-a 
de um trato respeitoso para com suas peculiaridades que a fazem diferente das 
culturas sulista, nortista e do centro-oeste e tão importante quanto, segundo BRAGA, 
2011. 
 
34 
9 CANUDOS 1897: O MASSACRE FAZ CEM ANOS 
Como caracteriza BRAGA, 2011, a história da guerra ou do movimento de 
Canudos tem sido incansavelmente contada ao longo dos últimos cem anos. 
Analisada em várias de suas possíveis dimensões, este episódio ensejou diversas 
interpretações e marcou tragicamente o processo de transição política que deu origem 
ao regime republicano brasileiro. 
Para BRAGA, 201, a busca de explicações para a necessidade do extermínio 
de uma população que chegou a se estimar em 25.000 sertanejos miseráveis e mal 
armados produziu inúmeros trabalhos, dos quais, certamente, o clássico de Euclides 
da Cunha foi o que mais contribuiu para que a saga conselheirista fosse conhecida e 
discutida dentro e fora do Brasil. 
 
Fonte: historiailustrada.com.br 
Considerado um livro definitivo no processo de formação do pensamento 
sociológico brasileiro, os sertões, mais que construir uma história que 
acabaria se tornando uma espécie de matriz referencial para a interpretação 
do sentido de Canudos, manteve-se como um testemunho privilegiado dos 
questionamentos que dominaram os debates intelectuais no final do século 
passado. (HERMANN, 1996) 
 
De acordo com BRAGA, 2011, ao refletir sobre uma guerra fratricida que 
opunha o litoral do país considerado avançado e civilizado ao interior de um Brasil 
 
35 
que ainda conservava uma parte significativa de seu povo mergulhado no mais 
profundo atraso, Euclides da Cunha expôs de forma contundente uma fratura quase 
irremediável para o projeto nacional pensado pelos intelectuais que aderiram e 
defenderam com afinco a causa republicana. 
Conforme estudos de BRAGA, 2011, dividido entre a compaixão e a 
reprovação, embora este último aspecto tenha dado o tom de sua análise sobre 
Antônio Conselheiro, os sertões foi obra que imortalizou e vulgarizou boa parte das 
discussões que permeavam os principais centros da intelectualidade brasileira na 
passagem do século XIX para o XX. 
Vale lembrar a marca indiscutível das teorias do médico baiano Raimundo 
Nina Rodrigues na determinação da “doença grave” do líder sertanejo, 
“documento raro de atavismo”, nas palavras de Euclides da Cunha, 
considerado por alguns especialistas como um dos mais fiéis discípulos do 
autor de A loucura epidêmica de Canudos. (BRAGA, 2011) 
Do ponto de vista de BRAGA, 2011,herdeiros de um conjunto de teorias que se 
estruturavam na Europa e que gradativamente, desde a primeira metade do século 
XIX, caminhavam para a reprovação social, cultural e moral dos grupamentos 
humanos oriundos da mistura de raças, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha tiveram 
no impressionante caso dos sertanejos de Canudos um laboratório privilegiado para 
o teste “definitivo” do efeito deletério e nefasto provocado pela miscigenação de que 
resultara esta espécie considerada então racialmente incompleta o sertanejo . 
Na visão de HERMANN, 1996, se a busca de explicações “científicas” deu 
ensejo a elaborações que deixaram Canudos “sitiado pela razão”, do ponto de vista 
político, e no calor dos acontecimentos, a ousadia sertaneja chegou ao seu ápice com 
a morte do coronel Moreira César, líder da terceira expedição ao arraial e a primeira 
que incluía forças e comando federais, em março de 1897. 
Mas, indo além do evidente peso desse episódio para o desenrolar dos 
acontecimentos que levaram ao extermínio definitivo dos conselheiristas, uma 
observação mais atenta das lutas políticas que marcaram esse momento delicado da 
recém-inaugurada República pode desvendar um conjunto de questões que jamais 
tiveram na resistência sertaneja seu foco privilegiado de tensão. 
Ao assinalar em suas palavras; HERMANN, 1996; refere-se, especificamente: 
Ao tortuoso quadro políticoque marcou a passagem da liderança militar para 
o grupo político que, tendo à frente os cafeicultores paulistas, deu início ao 
primeiro governo civil do novo regime, em 1894. 
 
36 
Para HERMANN, 1996, este momento só tornava ainda mais explícitas as 
disputas em torno da legitimidade da liderança militar que proclamara a República, 
alvo de acirradas e continuadas críticas desde o primeiro momento da constituição do 
governo de Deodoro da Fonseca. 
A ação militar da proclamação e a falta de um reconhecimento mais amplo 
da legitimidade desse grupo político, além das dissenções internas do próprio 
Exército, tornaram extremamente frágil a adoção de um governo militar para 
a República brasileira. (HERMANN, 1996) 
Conforme HERMANN, 1996; se na luta contra a monarquia e todos os seus 
pressupostos o conjunto dos republicanos parecia unido, depois da proclamação o 
embate entre diferentes projetos políticos e institucionais opôs de forma definitiva pelo 
menos dois grandes grupos: militares e civis. 
 
Fonte: historiailustrada.com.br 
 
De acordo com estudos de HERMANN, 1996, quando Moreira César foi morto 
no sertão baiano, o primeiro governo civil e paulista da república, encabeçado por 
Prudente de Morais, já estava no seu terceiro ano. Nesse período, a oposição política 
do grupo militar que deixara o poder só fizera crescer e encontrara agora, na morte 
de um de seus mais ilustres representantes, um fortíssimo argumento para questionar 
a legitimidade dos verdadeiros princípios de um governo que não conseguia proteger 
suas instituições contra os defensores da restauração monárquica, forma como 
passaram a ser identificados os conselheiristas. 
 
37 
Segundo HERMANN, 1996; a partir destas questões, a intenção é analisar 
como alguns discursos veiculados por uma parte da imprensa do Rio de Janeiro, então 
capital federal, procuraram justificar a necessidade da repressão ao grupo liderado 
por Antônio Conselheiro e, enfocando a conjuntura política que produziu e alimentou 
esses discursos, discutir a hipótese de que a magnitude e a ferocidade do combate 
ao arraial de Canudos resultaram não do efetivo perigo restaurador representado 
pelos miseráveis sertanejos, mas de um cenário político específico que fez da 
destruição de Canudos a prova necessária e urgente para a confirmação do 
compromisso assumido com os princípios de um governo verdadeiramente 
republicano. 
A questão é ressaltar a importância e a envergadura do debate político que 
opôs civis e militares e levou à supervalorização dos conselheiristas como poderosos 
inimigos da nação, aspecto que só ganhou contornos grandiosos depois da morte de 
Moreira César. 
O objetivo é fornecer elementos para que a reflexão sobre a guerra de 
Canudos passe a considerar mais cuidadosamente o contexto político que 
transformou famintos sertanejos em inimigos nacionais, processo que 
legitimou a construção de uma identidade, de um lado, e a necessidade da 
exclusão física do opositor, de outro.( HERMANN, 1996) 
 
Como caracteriza HERMANN, 1996, esta mesma linha de raciocínio pode ser 
empregada para os argumentos que embasaram o discurso cientificista que, opondo 
civilização e barbárie, pregou a necessidade científica, social e moral da eliminação 
de brasileiros considerados híbridos e defeituosos, “naturalmente” avessos à ordem e 
ao progresso. 
Nessa perspectiva, voltar a discutir o extermínio de Canudos, cem anos depois, 
a partir do binômio identidade e exclusão, parece tão contemporâneo quanto falar do 
enorme fosso que ainda separa o discurso da prática efetiva do exercício pleno da 
cidadania no Brasil neste final de século e de milênio, enfatiza HERMANN, 1996. 
9.1 Enfrentando mistificações 
Para HERMANN, 1996; poucos foram os trabalhos produzidos sobre a guerra 
ou o movimento de Canudos que se detiveram com maior cuidado sobre o gravíssimo 
 
38 
momento político que antecedeu à decisão político-militar de exterminar os seguidores 
de um beato errante que se estabelecera na Fazenda Belo Monte lá pelos idos de 
1893. 
 Do ponto de vista de HERMANN, 1996, os autores que se debruçaram sobre 
o tema apenas tangenciaram uma questão crucial, que continua sem resposta. 
Afinal, por que só quatro anos depois de instalados numa área extremamente 
seca e infértil, no sertão de um estado que perdera gradativamente sua importância 
econômica, os conselheiristas se tornaram um problema que punha em risco a 
manutenção da ordem republicana? Enfatiza HERMANN, 1996. 
Como caracteriza HERMANN, 1996, Euclides da Cunha, por exemplo, contou 
a história da campanha de Canudos a partir de suas inquietações sobre a formação 
da nação brasileira e dos entraves que impediam a concretização dos pressupostos 
positivistas que aliavam ordem e progresso. Canudos era a representação do 
paroxismo a que o atraso poderia levar o país, caso o Brasil não assumisse o claro 
compromisso de se unir ao mundo civilizado. 
9.2 Canudos: guerras de memória 
Nas palavras de MONTEIRO, 2009: 
Canudos foi resultado de vinte anos de peregrinação de Antônio Vicente 
Mendes Maciel, que passou a ser conhecido como Antônio Conselheiro. 
A aldeia denominada de Belo Monte foi fundada em 1893. 
MONTEIRO, 2009 relata que, o lugar escolhido era uma fazenda abandonada, 
que ficava às margens do rio Vaza-Barris. O nome Canudos, que acabou por se 
popularizar, é referência uma planta da região, de haste oca como um Canudo, 
utilizada por antigos para fazer canudos de pitos para fumar. 
Segundo estudos de MONTEIRO, 2009, os números não são precisos e há 
muita controvérsia sobre o número de habitantes de Belo Monte. De modo geral, fala-
se em algo em torno de 10 mil a 35 mil habitantes. 
Como descrito por MONTEIRO, 2009, o fato é que famílias inteiras 
abandonavam seu trabalho nas fazendas para seguir o Conselheiro. Em três anos de 
existência Canudos teria se tornado a segunda cidade da Bahia em número de 
 
39 
habitantes o que provoca uma escassez de mão de obra nas fazendas para 
descontentamento de muitos coronéis da região. 
O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por inúmeras 
mudanças, não só políticas com a abolição da escravatura e a proclamação 
da república no Brasil. (MONTEIRO, 2009) 
Era a chamada segunda Revolução Industrial, ou Revolução Científico-
Tecnológica, trazia inúmeras novidades como carros, as locomotivas, os 
transatlânticos, a descoberta da penicilina, da vacina. 
A luz elétrica, também o rádio, o gramofone, o telégrafo, os elevadores, o 
fogão a gás, a fotografia. Tantas transformações trazem uma sensação de 
aceleração do tempo e conquista do espaço uma sensação vertiginosa que 
Nicolau Sevcenko tão bem caracterizou com a imagem da montanha-russa, 
a vertigem das mudanças de toda ordem lembrava o brinquedo do parque de 
diversões, ele mesmo, uma invenção da época (SEVCENKO,2001, apud 
MONTEIRO, 2009). 
 
O lema inscrito na bandeira republicana Ordem e Progresso espelha bem esta 
perspectiva. 
O progresso era visto como a solução de todos os problemas. Só o progresso 
seria capaz de saldar a dívida do atraso de países periféricos como o Brasil. 
Era preciso caminhar rumo a civilização, as luzes. 
É a concepção de um tempo histórico linear que tem como ponto de partida 
a barbárie e como thelos a civilização. 
Há uma fé no progresso que se transforma numa espécie de nova religião 
(NEVES,1986, apud MONTEIRO, 2009) 
 
Para MONTEIRO, 2009, é neste momento de profundas transformações que 
tem início a Guerra de Canudos onde a República recém proclamada enfrentará 
sucessivas derrotas de uma comunidade de sertanejos que, no sertão da Bahia 
fundara sua aldeia, suas próprias leis e sua própria ordem. 
Em Belo Monte a polícia não entrava não se pagavam impostos e a palavra do 
Conselheiro bastava para estabelecer a ordem e as regras de convivência, conforme 
relatos de MONTEIRO, 2009. 
Conforme MONTEIRO,2009, em sua obra, era um território que não estava 
submetido a lógica instituída pela República. Por isso mesmo, uma ameaça. A 
comunidade é identificada pelos homens da República como local de desordem, de 
 
40 
atavismo, um atraso que era preciso combater. A compra de um lote de madeira para 
a construção da igreja nova do arraial de Canudos foi o pretexto utilizado para o início 
do conflito em 1896 que se estenderia por quase um ano. 
De acordo com MONTEIRO, 2009, 
Um grupo de conselheristas seguia para Juazeiro para buscar a encomenda, 
mas, rumores de uma invasão se alastraram e iniciou-se o conflito. Tinha 
início a guerra que só terminaria com a destruição completa do arraial em 
outubro de 1897. A nova ordem instituída em 15 de novembro de 1889 tinha 
que abranger todo o país. 
Para MONTEIRO, 2009; foram necessárias quatro expedições militares para 
derrotar os homens de Antônio Conselheiro. O número de soldados crescia a cada 
expedição derrotada. 
Como descrito por MONTEIRO, 2009, a morte do general Moreira César na 
terceira expedição militar comoveu e assombrou os republicanos. Foi uma guerra com 
poucos prisioneiros, o número aproximado de mortes é de vinte e cinco mil pessoas, 
entre elas mulheres e crianças. A maior parte dos conselheristas capturados foi 
submetida a prática da “gravata vermelha”, como também ficou conhecida a degola. 
Nos últimos dias de conflito ela já era praticada a luz do dia. 
 
Fonte: anovademocracia.com.br 
Ainda conforme MONTEIRO, 2009, no final da guerra, há uma preocupação 
evidente por parte das autoridades em atestar a vitória da República e varrer Canudos, 
e tudo que ele representava, do mapa. O arraial é incendiado, Antônio Conselheiro é 
 
41 
desenterrado, seu cadáver é decapitado, a cabeça exibida para populações pelo 
caminho e em Salvador. 
São medidas profiláticas para que outras experiências desafiadoras da ordem 
não seguissem aquele exemplo. 
A preocupação dos generais era não deixar uma parede em meio, uma viga 
intacta. Quiseram que ali se plantasse a solidão e a morte. (, 1997:17, apud 
MONTEIRO, 2009) 
A República, em seus primeiros anos, tentou empreender em Canudos uma 
prática análoga à da damnatio memoraie, ou danação da memória, que era imputada 
aos heróis romanos quando estes caíam em desgraça e tinham sua memória apagada 
e seus nomes eram retirados dos monumentos públicos (NEVES, 1994, apud 
MONTEIRO, 2009). 
 Não bastava acabar fisicamente com a Aldeia Sagrada, era também preciso 
apagar Canudos da memória, ou melhor, propagar uma determinada versão da 
história 
Era preciso desenraizar, desagregar a memória do que havia sido vivido e 
transformá-la em História. Desalojar a lembrança do vivido no solo sagrado 
da memória e construir uma representação de Canudos associada à barbárie 
e ao atraso no imaginário coletivo, e reconstruir, assim, aquilo que já não era. 
(NORA, 1993, apud MONTEIRO, 2009) 
O que implica sempre na adesão a uma determinada visão de mundo, a 
determinada versão dos fatos. 
Para MONTEIRO, 2009, em 1969 as águas cobrem o local do antigo vilarejo 
de Conselheiro. Ali onde os conselheristas fundaram Belo Monte, o governo construiu 
um açude, o açude do Cocorobó. Exatamente cem anos após o Conselheiro ter 
iniciado suas pregações. Canudos acabou duas vezes: uma no incêndio ao final da 
guerra e depois coberto pelas águas. 
Pollack em seu trabalho Memória, Esquecimento e Silêncio afirma que o 
silêncio parece se impor a todos aqueles que querem evitar culpar as vítimas 
(POLLACK, 1989:4, apud MONTEIRO, 2009). 
Conselheiro e seus seguidores, de certa forma, foram responsabilizados pelo 
fim trágico de Canudos. Até hoje, em Nova Canudos uma parte da população acredita 
que Conselheiro trouxe uma espécie de maldição para o lugar, como caracteriza 
MONTEIRO, 2009. 
 
42 
Outros julgam que ele não deveria ter resistido para poupar a população. O 
centenário da guerra e posteriormente o centenário da publicação dos Sertões abrem 
espaço para uma grande quantidade de novas publicações e debates que procuram 
analisar Canudos por vários prismas. Percebe-se uma de ênfase interdisciplinar e o 
diálogo entre áreas do conhecimento como a antropologia, a linguística, a psicologia, 
a cultura como descrito por MONTEIRO, 2009. 
Para MONTEIRO, 2009, na mitologia grega, ao morrer o homem encontrava no 
Hades duas fontes: Léthes e Mnemosyne. 
Ao beber da primeira, esquecia tudo da sua vida humana, entrando no 
domínio da noite. 
Já a água da segunda fonte conferia a capacidade de guardar a memória de 
tudo o que havia visto e ouvido no mundo dos vivos. Vernant, por essa razão, 
afirma que o Esquecimento é, pois, uma água de morte (...) ao contrário, a 
memória aparece como uma fonte de imortalidade (VERNANT, 1993:144, 
apud MONTEIRO, 2009). 
Com o passar do tempo a memória foi sendo desacralizada e acabou 
convertendo-se em uma capacidade humana. Apesar do desaparecimento físico do 
arraial, a morte de Canudos na perspectiva grega não ocorreu. Uma vez que para os 
gregos, a morte era o esquecimento. Canudos permaneceu viva. Na memória dos 
sobreviventes e de seus descendentes, MONTEIRO, 2009 explicita seus 
pressupostos 
Para MONTEIRO, 2009, a história oral, as relações familiares e a transmissão 
através de gerações garantiram a sobrevivência, mesmo que silenciosa, da história 
daqueles que viveram seus dias no Belo Monte. 
De acordo com estudos de MONTEIRO, 2009, a aldeia conselherista continuou 
a representar a delimitação de uma fronteira, um pertencimento, foi um amálgama que 
unificou uma comunidade formada por afinidade eletiva e lhe deu identidade é algo 
muito perto da noção que Paul Ricoeur denominou de próximos, ou seja, é a mediação 
dos próximos: igreja, família, escola, comunidades, entre outra que solda a memória 
individual na memória coletiva. Em última instância é um lembrar construído de 
memórias alheias. 
Nas palavras de Beatriz Sarlo: 
A lembrança em abismo: lembro que meu pai lembrava (SARLO, 2007: 90, 
apud MONTEIRO, 2009). 
 
 
43 
Para MONTEIRO, 2009, no século XX, a crença no progresso e no bem-estar 
que ele traria se perdeu. O ponto nevrálgico, o momento de virada, o fator detonadores 
da perda da esperança no futuro e no progresso que marcaram fortemente o final do 
século XIX teria sido a experiência do horror do holocausto. 
Segundo MONTEIRO, 2009, o extermínio em massa, sem precedentes na 
história da humanidade, os campos de concentração abalaram de forma irreversível 
a crença otimista no futuro. O futuro já não imprime uma visão primordialmente solar. 
Segundo alguns autores, como Andréas Huyssen, se a Belle Époque foi a 
época de futuros presentes, a virada do século XX é marcada por passados presentes. 
Dentro deste contexto a memória adquire um status de objeto de desejo. O presente 
traria o passado com medo de perdê-lo, enfatiza MONTEIRO, 2009. 
Como descrito por MONTEIRO, 2009, o presente é paradoxal, é quase como 
se não existisse, a velocidade das mudanças esvazia o presente e a memória torna-
se uma forma de ancoramento frente a velocidade do momento presente e também 
frente ao futuro incerto. Antônio Conselheiro não morreu pelas mãos de nenhum 
soldado republicano, mas de morte natural. 
Morreu em vinte e dois de setembro, antes do desfecho da guerra. Conselheiro 
é um personagem polêmico, desenhado por contrastes, marcado por visões que o 
desenham de forma antagônica, conclui MONTEIRO, 2009. 
 
 
Fonte: historiailustrada.com.br 
 
 
44 
Dentre aqueles que conheceram e conviveram com o peregrino no arraial de 
Belo Monte tem uma visão parecida que exalta as qualidades de seu líder e guia. 
Maria Avelina da Silva assim o descreve: 
O Bom Jesus foi um santo homem que somente aconselhava para o bem. 
Nunca fez mal a ninguém. E Francisca Guilhermina dos Santos, que tinha 15 
anos quando o conflito começou reforça as palavras de Francisca:

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