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ECONOMIA BRASILEIRA AULA 4 Prof. Roberto Luiz Remonato CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos estudar o desenvolvimento e o planejamento econômico com base em discussões que ocorreram, sobretudo, entre as décadas de 1930 e 1980. Não por acaso, esse intervalo temporal compreende o início e o esgotamento das propostas e aplicações do modelo desenvolvimentista. Iniciaremos com a delimitação do conceito de desenvolvimento e sua diferença em termos de amplitude com o processo de crescimento econômico. Em seguida, vamos discutir algumas teorias que fundamentam hipóteses com relação a uma suposta tendência à estagnação, verificada nos países subdesenvolvidos. A seção subsequente procura delinear os principais elementos do debate de Roberto Simonsen versus Eugênio Gudin. A partir daí, vamos realizar uma análise das correntes teóricas de pensamento econômico presentes no Brasil entre 1930 e 1964 para, na sequência, verificar, de forma sucinta, o conjunto dos elementos apresentados, com vistas a delinear os contornos do que veio a ser considerado o auge e o declínio do desenvolvimentismo no Brasil. Após essa aula, estará capacitado a distinguir os conceitos de desenvolvimento e crescimento econômico; a avaliar o debate em torno do papel do Estado nas economias subdesenvolvidas; a explicar as principais correntes econômicas, no Brasil, entre 1930 e 1964; a compreender o conceito de planejamento governamental e sua história no Brasil; e a analisar a influência do pensamento desenvolvimentista na formação política. TEMA 1 – ENTENDENDO O DESENVOLVIMENTO Primeiramente, podemos afirmar que o desenvolvimento é, em síntese, o conceito que representa o processo de melhoria da qualidade de vida das pessoas. Dessa forma, devemos diferenciar crescimento econômico de desenvolvimento. O primeiro diz respeito ao aumento da renda nacional. Um país cresce economicamente quando há um aumento no seu Produto Interno Bruto (PIB) – o somatório dos bens e serviços finais produzidos em uma economia, durante determinado período de tempo, e com base em unidades monetárias. Portanto, o crescimento econômico é um processo quantitativo, que pode ser medido por variações do PIB. 3 Já o segundo conceito é algo muito mais amplo. O desenvolvimento de uma nação envolve a melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos. Podemos afirmar que a qualidade de vida de uma população envolve diversos fatores, entre eles uma boa capacidade econômica por parte dos indivíduos; boas condições de saúde; educação de qualidade; preservação do meio ambiente; mobilidade urbana; segurança pública; liberdade; entre outros. Para que um país subdesenvolvido se torne desenvolvido, o crescimento econômico é necessário, mas não suficiente. Mais do que crescer, uma nação subdesenvolvida precisa aumentar a distribuição de renda e a aplicação de recursos em áreas que promovam maior qualidade de vida na sociedade como um todo. Portanto, o desenvolvimento é um processo qualitativo, que pode ser medido pela análise de uma série de indicadores. Dentre deles, podemos citar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), calculado pela ONU. TEMA 2 – A TENDÊNCIA PARA A ESTAGNAÇÃO DOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS O século XX foi marcado por mudanças bruscas no entendimento do papel do governo e pela questão de até que ponto ele deveria intervir na economia, em busca de crescimento e desenvolvimento. Analisaremos algumas teorias que não encontraram explicações satisfatórias para a persistente estagnação de crescimento dos países latinos. A primeira linha de estudos que destacaremos é aquela que marcou todo um novo processo de entendimento latino: a teoria cepalina de desenvolvimento; posteriormente, demonstraremos a contribuição da teoria da estagnação e, por fim, o entendimento do processo pela teoria do capitalismo tardio. Nos anos 1950, visando entender o processo de industrialização que teve início tardiamente na América Latina, intelectuais formaram, em Santiago do Chile, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que, em sua essência, fundamentava a participação ativa do Estado na industrialização. O motor da formação desse centro de estudos foi o contexto social e político, que ensejou a interpretação do subdesenvolvimento local como uma falha na adoção do sistema liberal, que induziu os países latinos a uma produção periférica de bens, principalmente primários – alimentos e produtos de baixo valor agregado. Durante a década de 1950, a situação que se via era de um contínuo processo de industrialização nos chamados países centrais (Estados Unidos e 4 Europa pós-guerra), com reflexos nos salários. Na outra ponta, os denominados países periféricos continuavam a vender bens de pequeno valor agregado, sem obterem aumentos salariais e ganhos na balança comercial. Daí resultava a tese de que havia uma tendência de estagnação nos países subdesenvolvidos. Desse modo, a formulação teórica cepalina propunha que o caminho para o crescimento passaria por dois pilares: o nacionalismo e a indução da industrialização. No final dos anos de 1960, surgiu outra corrente de pensamento, que não estava satisfeita com as explicações cepalinas de estagnação. Apesar do relativo sucesso que o Plano de Metas obteve durante o governo Juscelino Kubitschek, os movimentos mais à esquerda criticavam esse crescimento, sem redistribuição de renda e sem participação popular. O trabalho que marcou o início dessa corrente foi Desenvolvimento e Dependência da América Latina, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, publicado inicialmente em 1967. A proposta do livro era ir além da visão puramente econômica, e aplicar um entendimento mais sociológico, entendendo a dinâmica das classes e evitando a solução revolucionária proposta pela linha marxista. Um dos pontos principais desse trabalho era a crítica à interpretação imperialista ou à relação centro-periferia descrita anteriormente. Para Cardoso e Faletto, o crescimento dos países subdesenvolvidos não era resultado do imperialismo. A estagnação seria vista como carência nas relações entre as nações e suas classes dominantes. Por sua vez, o modelo de solução de crescimento proposto pela Cepal, via substituição de importações, não foi viável, pela ausência de poupança, tanto interna como externa, e pela escassez de demanda. O capitalismo tardio, também denominado industrialização retardatária, surgiu como uma crítica ao pensamento cepalino. A teoria tentou abraçar as críticas ao modelo cepalino e elucidar todas as novas relações existentes na economia brasileira das décadas de 1960 e 1970. O nascimento do processo de industrialização brasileiro seria buscado dentro da economia colonial exportadora. Predominava, desse modo, a hipótese de que as atividades capitalistas internas cresceram subordinadas à dinâmica agroexportadora, principalmente do setor cafeeiro. Com os excedentes criados no setor exportador, surgia a demanda por produtos industrializados, que, em um primeiro momento, eram importados, e subsequentemente fornecidos pela 5 indústria nacional. Em resumo, a teoria considera que foram os interesses da burguesia cafeeira que permitiram o início do processo de industrialização, mas somente de bens de consumo final; a industrialização pesada só viria posteriormente, com a participação do Estado e do capital estrangeiro. Como cita João Manoel Cardoso de Melo (2009, p. 80): Não basta, no entanto, admitir que a industrialização latino-americana é capitalista. É necessário, também, convir que a industrialização capitalista na América Latina é específica e que sua especificidade está duplamente determinada: por seu ponto de partida, as economias exportadoras capitalistas nacionais, e por seu momento, o momento em que o capitalismo monopolista se tornadominante em escala mundial, isto é, em que a economia mundial, isto é, em que a economia mundial capitalista já está constituída. É a esta industrialização capitalista que chamamos de retardatária. TEMA 3 –DEBATE ENTRE ROBERTO SIMONSEN E EUGÊNIO GUDIN E ESCOLAS DE PENSAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL DO PÓS-GUERRA Roberto Simonsen (1889-1948) e Eugênio Gudin (1886-1986) foram dois importantes economistas brasileiros. Em comum, os dois tinham a formação em Engenharia e o interesse pela economia. Simonsen foi um defensor do desenvolvimentismo, enquanto Gudin pregava o liberalismo econômico. O debate entre esses dois personagens se deu durante a década de 1940. Contextualizando tal debate: era 1942 e Getúlio Vargas, presidente da República, solicitou ao Conselho Nacional de Políticas Industriais e Comerciais (CNPIC) – órgão subordinado ao Ministério do Trabalho – um relatório a respeito de possíveis políticas industriais e comerciais para o Brasil. Roberto Simonsen integrava esse conselho, e foi designado relator do expediente. Após a elaboração, o estudo foi encaminhado à então Comissão de Planejamento (subordinada ao Conselho de Segurança Nacional CSN), cujo relator era Eugênio Gudin. Daí em diante os dois economistas travaram diversas batalhas intelectuais por meio de documentos que visavam defender suas respectivas posições no que se refere às suas diferentes visões de política econômica. Todo o embate entre Simonsen e Gudin teve como pano de fundo as discussões sobre o papel do Estado em uma economia que precisava se desenvolver. Simonsen defendia um Estado presente e intervencionista, enquanto Gudin acreditava que um Estado muito robusto tenderia a enfraquecer a iniciativa privada – a única força capaz de tirar o país do subdesenvolvimento. Mais do que isso, o liberal Gudin via no papel preponderante do Estado, por meio 6 da planificação econômica, uma ameaça às liberdades individuais, o que poderia resultar em um regime totalitário. No documento, Simonsen propôs a utilização de técnicas de planejamento governamental, aplicadas à economia brasileira, com a finalidade de quadruplicar a renda nacional. O planejamento proposto compreendia uma ampliação do nível de investimentos públicos em industrialização e uma política comercial protecionista. Para ele, a livre atuação das forças de mercado não levaria o país ao caminho do desenvolvimento. A posição de Gudin foi extremamente crítica a esse parecer, com a ressalva de que havia concordância a respeito dos objetivos desejados (elevação da renda nacional). A discordância do economista baseava-se na alegada inconsistência do estudo apresentado por Simonsen e nos meios propostos para atingir os fins desejáveis. As críticas de Gudin tinham três pontos fundamentais: 1) Erros na metodologia de cálculo presentes no relatório; 2) A suposição de Simonsen sobre a falta de capacidade do setor privado em promover a expansão da renda nacional; e 3) Exemplos internacionais fracassados de planificação econômica. O debate entre esses dois pensadores ocorreu há mais de setenta anos, mas continua atual. O papel do Estado e a necessidade (ou não) de industrialização seguem na pauta das discussões entre economistas, e não são raras as referências ao debate entre Simonsen e Gudin. Como veremos no tema seguinte, esses dois economistas tiveram grande destaque no embate entre as correntes teóricas de pensamento econômico brasileiro no período de 1930 a 1964, em especial no pós-guerra. TEMA 4 – HISTÓRICO DO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL NO BRASIL No Brasil, o período do pós-guerra foi marcado por intensas discussões sobre os rumos do país. Superadas as preocupações de curto prazo relativas à Grande Guerra, era necessário voltar os esforços para a superação do subdesenvolvimento. Economistas e especialistas discutiam diferentes projetos de país, principalmente como deveria ser o caminho para o almejado desenvolvimento. Comentaremos as seguintes correntes de pensamento: 1) liberal; 2) desenvolvimentista nacionalista do setor público; 3) desenvolvimentista do setor privado; e 4) desenvolvimentista não nacionalista do setor público. 7 Eugênio Gudin capitaneava uma escola de pensamento econômico que buscava aplicar os princípios da teoria liberal clássica às peculiaridades da economia brasileira. Ele reconhecia alguns pontos do diagnóstico de seus pares desenvolvimentistas, como o problema da variabilidade intrínseca dos preços dos produtos primários e alguns dos riscos da dependência de capitais estrangeiros para o desenvolvimento. Todavia, ele acreditava que a simples produção artificial do fenômeno da industrialização por meio do voluntarismo estatal não seria uma saída para os problemas do país – pelo contrário, essa escolha acarretaria prováveis ineficiências. Para ele, o Brasil deveria aglutinar esforços para produzir aqueles bens que conseguimos elaborar com maior eficiência. Nesse sentido, o melhor seria aproveitar a vocação agrícola do Brasil. Gudin argumentava que os desenvolvimentistas advogavam por um projeto de país em que se produziria todos os bens de que se precisa. Sendo assim, produziríamos tudo de forma inadequada, e isso apenas contribuiria para a manutenção do subdesenvolvimento. Os desenvolvimentistas nacionalistas do setor público viam a industrialização como solução e consideravam o planejamento minucioso uma ferramenta para combater os problemas que caracterizavam o subdesenvolvimento brasileiro. Dessa forma, o desenvolvimento industrial faria com que o Brasil superasse o atraso econômico e se equiparasse aos países desenvolvidos. Nesse intuito, os desenvolvimentistas nacionalistas do setor público, liderados por Celso Furtado, defendiam o investimento estatal em setores considerados estratégicos para esse processo. Entre esses setores, destacam-se a mineração, a energia, os transportes, a metalurgia e as telecomunicações. O que diferencia o grupo dos desenvolvimentistas nacionalistas do setor público das demais linhas de pensadores desenvolvimentistas é sua posição claramente contrária a políticas de utilização de capital estrangeiro para projetos industrializantes estratégicos. Todavia, o capital era bem-vindo nos outros setores. A história da corrente dos desenvolvimentistas do setor privado remonta ao período posterior à crise de 1929, momento em que alguns empresários do setor industrial passaram a reunir esforços com o intuito de defender os interesses do capital industrial nacional. Liderados por Roberto Simonsen, os pensadores desenvolvimentistas do setor privado se posicionavam claramente 8 contra as propostas dos economistas ligados ao liberalismo econômico. É importante salientar que os economistas liberais, capitaneados por Eugênio Gudin, pregavam a tese do aproveitamento das vantagens comparativas, ou seja, de que o Brasil deveria concentrar esforços na produção daqueles bens em que fosse mais produtivo – caso dos produtos primários (extrativismo, mineração, agricultura e pecuária). Do lado oposto a essa visão, estavam os desenvolvimentistas do setor privado, que defendiam a industrialização do país por meio da capitalização do setor industrial nacional. Roberto Simonsen e seus colegas viam na industrialização a rota de fuga da situação de pobreza que caracterizava grande parte da população brasileira. Além disso, consideravam de extrema importância o estabelecimento de barreiras e tarifas que dificultassem a importação de produtos industriais que pudessem representar uma ameaça à indústria nacional. O surgimento do grupo dos desenvolvimentistas não nacionalistas do setor público se deu anos mais tarde, em comparação aos outros dois grupos, nos anos de 1950. A figura central dentre os economistas dessa corrente foi Roberto de Oliveira Campos (1917-2001), um dos mais ferrenhos críticos dos cepalinos.Ele e os demais pensadores da corrente dos desenvolvimentistas não nacionalistas do setor público defendiam a industrialização viabilizada por meio do planejamento governamental. Todavia, sua posição era diferente dos demais desenvolvimentistas em dois aspectos principais: 1) preferência por soluções privadas; 2) apoio a medidas de estabilização econômica. Os desenvolvimentistas não nacionalistas do setor público, apesar de destacarem a importância do governo por meio do planejamento de esforços para a industrialização, acreditavam que o Estado não deveria atuar em áreas em que existia a possibilidade de atuação da iniciativa privada, isso porque esta atuaria com muito mais eficiência – ou seja, conseguiria fazer mais com menos. Além da preferência pelo capital estatal, pensadores liderados por Roberto de Oliveira Campos eram favoráveis a políticas de estabilização monetária. Para esses economistas, o governo não poderia tolerar uma inflação elevada, porque gera-se efeitos negativos significativos sobre a economia e compromete-se o desenvolvimento do país – fim de toda a discussão macroeconômica. 9 TEMA 5 – AUGE E DECLÍNIO DO DESENVOLVIMENTISMO Entre os diversos planos de estímulo à industrialização colocados em prática, ocorreram alguns momentos de ajuste, também guiados por meio do planejamento, sendo o PAEG – Programa de Ação Econômica do Governo, o de maior visibilidade e sucesso. A construção e aplicação das teses desenvolvimentistas no Brasil repousaram sobre uma consistente base teórica, a partir de correntes de pensamento comandadas por economistas de renome, como Roberto Simonsen, Celso Furtado e Roberto Campos. Todos eles, de alguma maneira, participaram ativamente da prática de desenvolvimentismo no Brasil. O auge do projeto desenvolvimentista deu-se no período imediatamente anterior à sua derrocada, durante o II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento. Esse plano representou a imposição do ajuste estrutural por meio de uma ousada aposta na tomada de recursos no exterior para financiamento de um plano de superação dos pontos de estrangulamento da economia brasileira, visando dar sobrevida ao projeto industrializante e, portanto, ao sonho desenvolvimentista. Grande parte da infraestrutura brasileira atual deve-se à ousadia desse plano: a Usina Hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, foi uma herança, sobretudo, desse plano. A derrocada do desenvolvimentismo teve início com o segundo choque do petróleo, em 1979. Novamente, os maiores produtores mundiais decidiram restringir a oferta e, assim, aumentar o preço do produto. Na esteira da majoração do preço do petróleo, a instabilidade da economia internacional aumentou. Os Estados Unidos, grandes importadores de petróleo, decidiram elevar sua taxa básica de juros, porque o aumento do preço do óleo estava exercendo grande pressão sobre a inflação. Essa iniciativa, por sua vez, impactou os juros cobrados pelo financiamento da dívida externa dos países latino-americanos. Subiram os juros que incidiam sobre a dívida brasileira, e o impacto desse evento foi devastador, uma vez que, desde o Plano de Metas (1956-1961) até o II PND (1974-1979), o Brasil investia pesadamente, com base na captação de financiamentos obtidos no exterior. O aumento do serviço (juros) da dívida agravou a situação do balanço de pagamentos brasileiro (fluxo de entrada e saída de recursos), que ficou preocupantemente negativo. A situação ficou ainda mais complicada quando o México decretou a moratória da sua dívida em 1982, isso é, interrompeu o 10 pagamento dos juros da sua dívida externa. Esse fato fez aumentar o grau de desconfiança com relação aos demais países da América Latina, se de fato honrariam suas respectivas dívidas. Assim, além do aumento da saída de recursos para pagamento de juros, diminuíram as entradas, pela dificuldade de obtenção de novos empréstimos. Nesse contexto, o ajuste conjuntural recessivo se impôs. Para frear as importações e barrar a saída de recursos do país, o governo precisou conter o ritmo da atividade econômica. Assim, diminuiria a demanda por bens importados e, consequentemente, as importações. O PIB ficou estagnado e a agenda econômica brasileira passou a ser de curto prazo, com preocupações focadas no balanço de pagamentos e na inflação. Desse modo, o desenvolvimentismo perdeu a centraIidade no debate econômico brasileiro, uma vez que o Estado já não tinha mais condições de capitanear o processo de coordenação dos esforços com vistas à industrialização. A partir de meados da década de 1980, o balanço de pagamentos passou a ter maior equilíbrio. Por outro lado, a inflação disparou e assumiu o centro dos debates sobre economia brasileira, situação que perduraria nos dez anos seguintes – até o lançamento do Plano Real. NA PRÁTICA No Tema 3, desta aula, relatamos o pensamento de Eugênio Gudin a respeito das políticas de governo voltadas a beneficiar preferencialmente alguns setores específicos da economia. Na sua visão, esse tipo de política é utilizado nos dias de hoje? Justifique. FINALIZANDO Nesta aula, procuramos demonstrar que o desenvolvimentismo esteve no centro do debate sobre a economia brasileira ao longo de boa parte do século XX. Percebemos que não se pode falar em desenvolvimentismo como uma linha de pensamento uniforme, uma vez que existiam diferentes correntes teóricas, que divergiam em alguns aspectos. Um mapa conceitual do pensamento econômico brasileiro no período de 1945 a 1964, adaptado de Bielschowsky (2000), é mostrado a seguir (Anexo 1). A organização da exposição foi feita com base no conceito de 11 desenvolvimentismo, definido como um projeto de industrialização com planejamento e suporte estatal. A coluna “Projeto econômico básico” é a chave para o entendimento do quadro, já que a categoria organizadora da exposição (o desenvolvimentismo) é definidora do referido projeto. O autor também faz constar do mapa seguinte, para efeito de contraste, as características básicas do pensamento independente de Ignácio Rangel. Também imos nesta aula que os teóricos desenvolvimentistas, das variadas vertentes citadas, participaram de diversos governos e sempre buscaram influenciar as ações do estado brasileiro de modo a realizar um projeto industrializante de grande magnitude que traria, segundo eles, o desenvolvimento ao brasil. Além disso, tratamos da relação entre desenvolvimentismo e planejamento econômico; com diversas experiências de planejamento levadas a cabo no Brasil, entre elas o II PND, que representou o auge e o esgotamento do modelo desenvolvimentista. De tal modo, verificamos que, no final do processo, o país industrializou-se, mas não superou o subdesenvolvimento. Anexo 1 – Finalizando Fonte: Elaborado com base em Bielschowsky, 2000. I. Rangel Smith, Keynes, Materialismo histórico Industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimen tos estatais Tese da dualidade básica Substituições de importações (anos 50) e crise de realização (anos 60) Estruturação do sistema financeiro Com controle, mas não desfavorável, exceto em mineração e serviços públicos e exceto capital de empréstimo Enfaticamente favorável Enfaticamente favorável (modalidade própria de planejamento parcial, via comércio externo) Favorável Desiquilíbrio gerado por falta de controles pelo Estado. A favor do monopólio estatal do comércio exterior Estrutura oligopolista/olig opsonista da comercialização de alimentos como foco gerador de inflação. Hipótese da existência de amplos recursos ociosos Elevação de salário como forma de estimular a ocupação da capacidade ociosa Conforme tesa da dualidade InflaçãoCorrentes Orientação teórica Projeto econômico básico Tesesbásicas Interpretação do processo de crescimento Apoio financeiro interno a investimento Contrária Salário, lucro e distribuição de renda Reforma Agrária N eo lib er al Teorias clássicas e neoclássicas (liberalismo) Crescimento equilibrado via forças de mercado No Brasil não há desemprego, apenas baixa produtividade Crescimento desiquilibrado e ineficiente, por erros de política econômica Estruturação do Sistema Financeiro Por estímulos Enfaticamente contrária Capital estrangeiro Empresa estatal Planejamento Protecionismo Déficit Externo Entre contrário e tolerante a ensaios de planejamento parcial A favor de fortes reduções de tarifas Visão da inflação como causa básica Visão de que o pleno emprego é a causa básica. A favor de políticas de estabilização. Argumento neoclássico da produtividade marginal. De se nv ol vi m en tis ta Se to r p úb lic o (N ão n ac io na lis ta ) Ecletismo pós- keynesiano Industrialização em ritmo compatível com equilíbrio, com intensa participação do capital estrangeiro e com planejamento parcial Tese dos pontos de estrangulamento/ pontos de crescimento Visão de plena capacidade como causa básica. A favor de políticas de estabilização Redistribuição de renda reduz crescimento Omissa Se to r p riv ad o Ecletismo pós- keynesiano Prebish Industrialização com proteção estatal ao capital industrial nacional Crédito à produção como instrumento de crescimento Substituições de importações Incentivos a reinversão de lucros Favorável, mas com controles Tributação Por estímulos Tolerante, quando capital privado (nacional e estrangeiro) não manifesta interesse Favorável a planejamento parcial Favorável Possível sem inflação, mas, em geral, causado por ela Por reforma limitada Se to r p úb lic o (n ac io na lis ta ) Industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimen tos estatais Teses cepalinas (desenvolvimento para dentro, estruturalista, etc.) Substituições de importações, existências de desequilíbrios estruturais, confirmados por ausência de planejamento e corrigíveis apenas no longo prazo Tributação Favorável, desde que com controles e desde que em setores outros que não os de serviços públicos e mineração Enfaticamente favorável Enfaticamente favorável a planejamento geral e regional Favorável Moderadamen te favorável Favorável Enfaticamente favorável Estruturalista Ênfase na utilidade de expansão creditícia Defesa do lucro (argumentar do reinvestimento) Principais economistas R. Simonsen, J. Magalhães e N. Figueiredo R. Simonsen, C. Furdado, R. Almeida, A. Oliveira e E.Lima Ecletismo pós- keynesiano Prebish Enfaticamente contrária (exceto capital de empréstimo) Materialismo histórico Viabilizar o desenvolviment o capitalista para preparar a passagem ao socialismo. Industrialização planificado em bases estritamente nacionais e reforma agrária. Tese da etapa antifeudal e anti- imperialista Duas contradições obstruem o crescimento econômico: monopólio da terra e imperialismo Tributação Existência de tendências a desequilíbrios, não corrigidas (confirmadas) por erros de política econômica C.Prado Jr, N. Sodré, A. Guimarães e A. Moura Pela distribuição de renda (argumento do mercado interno) via reforma agrária e luta sindical Enfaticamente favorável O p en sa m en to d e Ig ná cio R an ge l E. Gudin, O. Bulhões, D. Nogueira e D. Carvalho R. Campos, A. Torres, L. Lopes e G. Paiva Enfaticamente favorável Enfaticamente favorável Favorável Ênfase na falta de controles pelo Estado (especialment e sobre remessa de lucros) Imprecisão interpretativa. Ênfase na defesa do salário real Estruturalista Estruturalista Concentração de renda obstrui crescimento Favorável So ci al is ta REFERÊNCIAS BIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. MARIANO, J. Introdução à Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005 MELLO, J. M C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Ed. Unesp, 2009. PIRES, M. C. Economia Brasileira: Da Colônia ao Governo Lula. São Paulo: Saraiva, 2010. REGO, J. M. et al. Economia brasileira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. SILVA, E. Formação Econômica do Brasil. Curitiba: InterSaberes, 2016.
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