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desenvolvimento social 4

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SUMÁRIO 
 
UNIDADE 1 - A SAÚDE ENQUANTO ASPECTO DO DESENVOLVIMENTO 
SOCIAL ....................................................................................................................... 2 
UNIDADE 2 - A SAÚDE NO CENÁRIO GLOBALIZADO: TRANSFORMAÇÕES 
ECONÔMICAS E OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS....................................... 10 
UNIDADE 3 - O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO CONTEXTO ATUAL: AVANÇOS 
E PERCALÇOS ........................................................................................................ 21 
UNIDADE 4 - GESTÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: 
PREVENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE AÇÕES LOCAIS ................................. 38 
UNIDADE 5 - CAPITALISMO E SAÚDE PRIVADA: AS AÇÕES EM SAÚDE NO 
SISTEMA PRODUTIVO ............................................................................................ 53 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65 
 
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direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios 
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UNIDADE 1 - A SAÚDE ENQUANTO ASPECTO DO 
DESENVOLVIMENTO SOCIAL 
 
O entendimento das Políticas de Saúde implementadas pelo Governo em 
resposta às demandas da sociedade, pressupõe uma cuidadosa reflexão sobre o 
caráter social do processo saúde e doença e do conceito desse binômio. Essa 
reflexão é importante porque, se a relação entre saúde e doença for apontada 
apenas sobre o ponto de vista biológico causal e não de uma maneira sistêmica, que 
considere a relação dos processos de saúde/doença com o contexto no qual se 
inserem, teremos uma visão parcial e, portanto, limitada do fenômeno. Em 
consequência, não se poderá abranger todos os fatores explicativos para as 
condições que determinam as formas individuais e coletivas de adoecer e morrer. 
Tais condições são criadas e transformadas no espaço social, gerando tanto os 
meios de vida quanto as demandas por ações de saúde. Fatores como as condições 
de saneamento básico e higiene são os aspectos mais evidentes dessa relação, 
assim como os fatores relacionados as condições de emprego, renda, segurança 
urbana, nível educacional e acesso à informação, também exercem grande 
influência sobre as condições de saúde e os processos de doença de uma 
população. Dessa maneira, as reflexões e linhas de ação implementadas, tanto no 
contexto amplo da gestão em saúde representado pelos organismos internacionais e 
pelas ações de governo, quanto no âmbito das organizações e redes de saúde 
privadas devem considerar sua inserção num determinado meio social. 
Tradicionalmente, a conceituação da doença tem tido como base uma 
referência biológica individual. Essa acepção está apoiada sobre um modelo 
científico que procura isolar um aspecto estudado de seu objeto, investigando 
relações de causa e efeito. Tal perspectiva gera um modelo médico-clínico e um 
discurso sobre a saúde pública, predominante até os dias atuais, que opera com 
base em dados estatísticos, cuja análise desconsidera a história do indivíduo e da 
sociedade a que este pertence. Assim, tal modelo torna-se insuficiente para explicar 
os perfis epidemiológicos de diferentes países e classes sociais. No caso brasileiro, 
por exemplo, os dados estatísticos sobre a saúde pública não se mostram 
explicativos por si mesmos, mas se articulam profundamente com o quadro de 
desigualdade social presente em nosso país. 
 
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Além disso, ao se considerar apenas dados estatísticos e reduzir o fenômeno 
da doença a uma relação causal determinada biologicamente, desconsiderando a 
história do indivíduo e seu meio social, corre-se o risco de imputar unicamente ao 
indivíduo a responsabilidade por problemas de saúde, cuja ocorrência muitas vezes 
opera com grande influência das condições sociais, culturais, econômicas e 
ecológicas de vida. Contrariamente, os processos de saúde e doença contemplados, 
a partir do contexto social em que se inserem, levam em conta que a sociedade 
comporta diversos aspectos em interação e, desse modo, uma perturbação por 
vezes considerada pequena pode gerar graves efeitos. Isso ocorreu, por exemplo, 
com a situação do mercado imobiliário americano, de caráter local, que acabou por 
gerar uma crise econômica mundial de grandes proporções a partir de 2008. 
Neste caso, tal como em outros fenômenos sociais, o modelo matemático, 
embora legítimo, pode não ser suficiente para analisar de maneira profunda os 
conflitos e correlações, enfim, a dinâmica de um sistema. Nesse sentido, é preciso 
considerar não apenas o conhecimento científico tradicional sobre um tema, mas as 
realidades, forças, relações, tensões e direcionamentos dos grupos sociais 
envolvidos no desenrolar de um dado fenômeno social. A resolução de problemas e 
tomada de decisões, nesta perspectiva, considera componentes desses dois 
aspectos distintos, além dos interesses comerciais ou corporativos que muitas vezes 
interferem nos resultados das decisões ou os avaliam, buscando construir uma 
análise mais ampla dos problemas. 
No campo da saúde, podemos encontrar um exemplo na situação da 
tuberculose. Como aponta Vendramini: 
 
A análise da situação da tuberculose em nível mundial revela que a doença 
está ligada à pobreza, à má distribuição de renda e à urbanização acelerada 
e necessita de medidas urgentes de controle. A epidemia da síndrome da 
imunodeficiência adquirida e a emergência de focos de tuberculose 
multirresistente têm mobilizado o mundo para a questão da tuberculose e 
alertado as autoridades de saúde para a necessidade de revitalização de 
seu controle, com o emprego de medidas enérgicas, eficazes e 
suficientes.(VENDRAMINI, 2005, p.238) 
 
Por meio desse exemplo, é possível observar como fatores, como acesso ao 
sistema de saúde, grau de informação, compreensão do problema e adesão ao 
tratamento, influenciam as condições de saúde. Por sua vez, as relações de uma 
 
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população com as ações de saúde está vinculada com as condições 
socioeconômicas de vida, tais como ocupação e nível de escolaridade. No entanto, 
segundo Vendramini (2005), os índices de avaliação de condições de vida podem 
variar entre si conforme os fatores que consideram, gerando quadros, até certo 
ponto, diversos sobre as reais condições de vida da população e certos instrumentos 
podem ser construídos de modo a se observar taxas maiores de desenvolvimento 
nos níveis socioeconômicos mais baixos em comparação com outros índices. 
No que concerne à saúde no Brasil, um exemplo da necessidade de 
correlação de dados epidemiológicos aos contextos sociais, nos quais ocorrem, 
pode ser encontrado no perfil epidemiológico brasileiro, em que doenças 
relacionadas à pobreza convivem com aquelas típicas das sociedades 
industrializadas e desenvolvidas. Entre as primeiras, pode-se citar as chamadas 
doenças tropicais, associadas às condições de higiene, infraestrutura e controle 
ambiental, tais como esquistossomose,malária, dengue, doença de Chagas, febre 
amarela, verminoses, bem como aquelas cujo controle é relacionado à 
implementação de políticas sociais e de saúde pública (campanhas informativas e 
de vacinação, por exemplo), como sarampo e hanseníase. Todas essas doenças, 
bem como a fome/desnutrição e as doenças delas decorrentes, dependem de ações 
em políticas públicas, voltadas à melhoria do contexto social e da qualidade de vida 
da população para que sua frequencia endêmica seja diminuída ou erradicada. Entre 
as doenças relacionadas ao desenvolvimento econômico, encontram-se aquelas de 
forte influência cultural do capitalismo tardio, como obesidade, AIDS, doenças 
profissionais, psicoses, neuroses, acidentes de trânsito, doenças cardiovasculares, 
ou problemas de saúde decorrentes da violência urbana. 
Esse perfil epidemiológico diversificado, ao mesmo tempo em que revela as 
condições de desigualdade presentes no contexto social, demonstra a grande 
influência de fatores econômicos, ecológicos, culturais, educacionais, de hábitos 
sociais, de distribuição de renda, entre outros, construindo uma rede complexa de 
interações. Um exemplo dessa mútua influência pode ser encontrado em estudos 
sobre a vulnerabilidade (risco de infecção) ao HIV. Além da vulnerabilidade 
biológica, há uma importante realidade epidemiológica relacionada às 
ações/comportamentos adotados pelos indivíduos que possuem caráter 
 
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determinante do risco de infecção pelo HIV. Tais comportamentos estão 
fundamentalmente inseridos numa rede social: neste contexto, exercem grande 
influência fatores como o acesso às informações sobre a contaminação, a 
percepção do risco por parte do indivíduo, a acessibilidade do indivíduo a serviços, 
suprimentos e equipamentos necessários à prevenção e controle do risco (tais como 
exames, preservativos, seringas, etc.), e a segurança social do indivíduo nas 
diferentes situações de risco para assumir comportamentos seguros. Assim, 
cenários sociais relacionados ao sentimento individual de degradação (como a 
ausência de moradia), à humilhação social (como a prostituição) ou à dificuldade de 
percepção de risco (como no uso de drogas) podem dificultar para o indivíduo a 
assunção de comportamentos seguros. 
Neste contexto, pode-se ainda articular a ocorrência de muitas demandas em 
saúde mental na infância e na adolescência à convivência em ambientes 
extremamente inóspitos (favelas, cortiços, rua, etc.), dificuldades econômicas 
(desemprego, falta de dinheiro para medicação regular), alcoolismo, drogadicção e 
problemas e sofrimentos relativos aos demais membros da família, ausência de 
perspectiva de vida, de infraestrutura de lazer e de acesso a atividades 
profissionalizantes ou de reabilitação, atendimento médico, social e psicológico nos 
ambulatórios, Hospitais e Centros de Convivência que contemplem as necessidades 
dessa população. Assim, a ação terapêutica deve também voltar-se para a 
assistência no tocante aos direitos constitucionais, aos serviços públicos de 
promoção do bem-estar da população, e aos momentos nos quais se deflagra a 
necessidade de seguridade social, tais como falecimento, adoecimento, etc. Além 
disso, é preciso atentar para a educação em saúde, considerando que são 
frequentes, no atendimento, situações de desinformação e dificuldades referentes ao 
acesso a direitos e recursos públicos. 
As aparentes contradições nos quadros expostos – a combinação de doenças 
do atraso e do desenvolvimento no perfil epidemiológico brasileiro, o panorama de 
infecção pelo HIV e o cenário da saúde mental na infância – podem ser analisadas 
de modo mais amplo e aprofundado por meio do entendimento dos processos de 
saúde e doença como historicamente determinados. Pires e Demo (2006) ilustram a 
vinculação dessas condições à concepção adotada sobre as políticas sociais. 
 
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Ressaltando a relação entre essas políticas e a dinâmica econômica, os autores 
afirmam que: 
 
as contradições inerentes ao conflito entre capital e trabalho, as múltiplas 
correlações de forças e as determinações estruturais que permeiam a luta 
política constituem elementos centrais para a análise das políticas sociais. 
Este é um campo onde se torna necessário considerar a conjuntura em que 
são produzidas as relações sociais produtivas, tendo em vista sua intrínseca 
dinamicidade. Longe do extremismo recorrente em considerar as políticas 
sociais como expedientes da acumulação capitalista, ou como direito 
redistributivo conquistado pelos trabalhadores, cabe reafirmar que é na 
totalidade desses processos que as realidades sociais e econômicas se 
fundem. As políticas sociais sintetizam a contradição entre modo e relações 
de produção nas sociedades capitalistas, conformando-se historicamente a 
partir das correlações de forças estabelecidas na arena política. 
 
Considerando as ações em saúde, enquanto políticas sociais, podemos 
inseri-las no contexto do processo político pelo qual tais programas e ações são 
produzidos. Assim, o panorama social não apenas influi nos processos de 
saúde/doença, mas também na formulação de ações promotoras de saúde na forma 
de políticas sociais. Desse modo, a vulnerabilidade em saúde se relaciona, em 
geral, à própria vulnerabilidade social de indivíduos, grupos sociais e países. Como 
apontam Palma e Matos (2001, p. 577): 
 
uma rede de interações entre pobreza, saúde e educação se inter-
relacionam de tal modo que os baixos salários, a má educação, a dieta 
pobre, a habitação e as condições de higiene insalubres e o vestuário 
inadequado se influenciam mutuamente. 
 
As ideias de vulnerabilidade em saúde e vulnerabilidade social se encontram, 
desse modo, relacionadas à noção de “exclusão social”. Embora essa noção esteja 
fortemente vinculada à ideia de exclusão econômica e pobreza, e as condições 
econômicas sejam um fator de grande influência no fenômeno da exclusão social, 
destaca-se o aspecto político e social do problema, marcado pela perda do senso de 
pertencimento e das condições mínimas de cidadania, que possibilitam até mesmo 
reivindicar melhores condições de vida. Arendt (1998) denomina essa perda das 
condições de cidadania como perda do “direito a ter direitos”, denotando a 
incapacidade do indivíduo para reagir em tais condições, demonstrando que a perda 
de legitimidade política e social ocorre nesse processo. Essa perda de legitimidade 
pode ocorrer tanto pela exclusão à cidadania (no caso, por exemplo, de refugiados 
 
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que assumem a condição de expatriados, fato comum no Oriente Médio nas últimas 
décadas), quanto pela degradação da imagem e do espaço social de determinados 
grupos (como ocorre, por exemplo, na criminalização de certos movimentos sociais 
que, ao serem considerados ilegítimos, perdem o direito de reivindicar), além de 
outros meios de deslegitimação de grupos sociais.Assim, como apontam Palma e 
Mattos (2001, p.574) “O cerne da questão passa pela precariedade da cidadania (...) 
os ‘excluídos’ são tratados como estranhos, aos quais foram negados os recursos 
de contrução da identidade e, por conseguinte, os instrumentos da cidadania”. 
Abordando a relação entre cidadania e exclusão no contexto contemporâneo, 
Bauman (2001) aborda as transformações estruturais do capitalismo tardio ou 
capitalismo financeiro, comparando-as com o capitalismo industrial anterior à década 
de 80. Enquanto a preocupação desse período era com o desemprego, que 
denotava, portanto, uma situação transitória, a crescente preocupação com os 
excluídos já desvela uma dificuldade estrutural do sistema capitalista atual em 
abranger todos os grupos sociais na condição de cidadania. 
Dessa maneira, as alterações ocorridas na economia internacional nas 
últimas décadas, que aumentaram os índices de desemprego estrutural, estão 
fortemente associadas aos atuais processos de exclusão social. Parece haver certo 
consenso na literatura que o Estado de bem-estar social instalou-se nos países de 
capitalismo central após a Segunda Guerra Mundial. O Estado de bem-estar não se 
tratava de assistência individual, mas de direitos de cidadania que constituíam uma 
forma de “seguro coletivo”, que se articulava ao poder econômico do chamado 
“capitalismo fordista”, baseado na produção industrial em fábricas e empresas 
associadas a determinados territórios. 
A partir, principalmente, da década de 80, uma nova organização do 
capitalismo, que pode ser denominada, conforme Harvey (1992), de “acumulação 
flexível” ou, segundo Bauman (2001), “modernidade líquida”, passa a se organizar a 
partir de uma diretriz neoliberal, que considera o Estado e suas intervenções como 
obstáculo à economia e ao desenvolvimento social. Para os autores, citados 
anteriormente, essa nova organização do capitalismo reestrutura os processos de 
produção, de informação e de consumo e cria novos setores e serviços financeiros, 
tornando o jogo econômico cada vez mais rápido, intensificando a inovação 
 
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tecnológica e desestabilizando os antigos regimes e contratos de trabalho que se 
tornam mais instáveis, trazendo menos garantias aos cidadãos quanto a seu futuro. 
É no contexto dessas transformações, no regime de acumulação capitalista, 
que se insere o processo de globalização, marcado pela desregulação dos 
mercados financeiros, pelo aumento do fluxo de comércio internacional, pela 
diminuição do poder do Estado e das barreiras protecionistas, pelo deslocamento da 
produção, pelas empresas transnacionais para locais onde haja maiores vantagens 
comparativas e por rápidas transformações nos valores socioculturais. 
De acordo com Bauman (2001) e Dupas (1999), o processo de globalização 
vem sendo apontado como importante condutor da maior vulnerabilidade dos grupos 
desprivilegiados, pois funciona como agente de concentração do poder econômico. 
Além disso, é um agente de influência para o descomprometimento do Estado com o 
bem-estar social, já que reorienta a função do Estado para a regulamentação do 
mercado e diminui seu poder de ação em nível local, visto que, os Estados muitas 
vezes fazem concessões em relação aos aspectos sociais para conservar as 
unidades de empresas transnacionais em seus territórios. 
Diante disso, as situações de exclusão e vulnerabilidade estão articuladas à 
dependência crescente dos indivíduos em relação ao poder econômico, com poucas 
garantias em relação à estabilidade futura. Tais situações não podem ser 
solucionadas apenas pelo fornecimento de meios econômicos ou de implementação 
de políticas de “tolerância” que permitem o convívio temporário, mas não legitimam 
as reivindicações, necessidades e posições dos grupos excluídos no espaço social. 
Como afirmam Palma e Mattos (2001), “Tolerar significa expressar que o outro está 
em desacordo, equivocado, mas permite aceitá-lo por um determinado tempo”. 
Destarte, a intervenção nas atuais situações de exclusão deve considerá-las a 
partir do processo social no qual foi gerada, permitindo a conscientização, pelos 
grupos excluídos, de que sua situação foi gerada num processo de injustiça social. 
Desse modo, a diminuição da vulnerabilidade e a possibilidade de emancipação dos 
excluídos não passa apenas pelo caminho da política e da economia, mas está 
inserida no jogo de tensões, alianças e articulações entre grupos sociais, perfazendo 
um caminho que é também individual, social e cultural. A vulnerabilidade se 
relaciona, nesse contexto, tanto com as chances de ocorrência de um evento, 
 
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quanto inversamente, com a capacidade de informação, comunicação e reação de 
um grupo social. 
A partir dessa nova perspectiva, o papel da saúde pública e dos profissionais 
de saúde também necessita ser ampliado, abrangendo as funções histórico-políticas 
de resgatar os processos de construção social da saúde, de promover a educação 
em saúde pela produção e transmissão de conhecimento científico-tecnológico e 
ainda de favorecer as ações de luta pela cidadania entre os grupos sociais em que 
atuam. A utilização do conhecimento como instrumento de denúncia articula a 
promoção da saúde ao exercício da cidadania, promovendo a mobilização social 
para a transformação das condições de vida em direção à saúde. Assim, a 
incorporação da sociedade na pauta das discussões sobre saúde pública, a 
implementação de políticas de equidade e a superação do discurso exclusivamente 
biológico em favor de uma compreensão biopsicossocial dos processos de saúde e 
doença configuram os aspectos de destaque para a gestão em saúde. 
Por outro lado, as ideias de saúde e doença também devem ser consideradas 
a partir do processo histórico, social e cultural no qual estão inseridas. Nesse 
sentido, as representações sociais e percepções sobre saúde e doença se 
transformam de acordo com o contexto histórico e social, estando vinculadas aos 
valores, aos diferentes grupos sociais, às ideias dominantes e ao modo de 
organização de uma sociedade em uma determinada época. No panorama atual, as 
transformações ocorridas com a globalização geraram, na esfera internacional, uma 
série de mudanças nas organizações e agências internacionais de saúde. 
Considerar esse pano de fundo é fundamental para uma análise abrangente do 
contexto da saúde no Brasil. 
 
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UNIDADE 2 - A SAÚDE NO CENÁRIO GLOBALIZADO: 
TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS E OS ORGANISMOS 
INTERNACIONAIS 
 
A partir da compreensão da relação entre saúde e sociedade, têm sido 
desenvolvidas as linhas estratégicas de ação de saúde, desde a formulação do 
Estado de bem-estar social, na Europa no período do pós-guerra, até o 
estabelecimento de parâmetros internacionais de saúde em nossos dias. A 
reorganização econômica, no setor da saúde, foi ainda influenciadapor três fatores 
estruturais. Em primeiro lugar, as mudanças demográficas demonstravam um 
envelhecimento da população e perspectiva de diminuição da população 
economicamente ativa, demandando o aumento da utilização dos serviços de saúde 
e do seguro social. Nesse aspecto, mesmo nos países como o Brasil, em que a 
população passa a se inserir na faixa adulta, e não idosa, ocorre um aumento de 
gastos médicos, já que o aumento do desemprego e subemprego e das condições 
de trabalho insalubres impostas pela flexibilidade e instabilidade das vagas 
oferecidas com a reestruturação capitalista tendem a piorar a saúde física e mental 
da população. 
Em segundo lugar, os ajustes financeiros macroeconômicos gerados pela 
fase pós-industrial do capitalismo vêm determinando cortes no financiamento e a 
redução da capacidade de intervenção estatal, diminuindo a oferta de condições de 
vida para a população, principalmente em países do capitalismo periférico, de 
acordo com Silva: 
 
submetidas a um passado inflacionário desastroso que, a despeito de terem 
obtido condições de estabilidade da moeda, o fizeram através de 
estratégias macroeconômicas antagônicas à viabilização de etapas 
posteriores de desenvolvimento econômico sustentado, dificultando as 
condições de ajuste do setor público e com custos sociais elevados. (SILVA, 
2003) 
 
Finalmente, o desenvolvimento de novas tecnologias para a saúde tem 
disponibilizados novos cuidados na área, porém tem também aumentado 
significativamente seu custo. 
 
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As transformações decorrentes dessa nova ordem econômico-social podem 
ser observadas nas diretrizes de ação da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 
que se observa um processo de “globalização da saúde pública”, no qual as ações 
em saúde também passam por transformações oriundas do processo de 
globalização. Ao analisar os termos “saúde internacional”, utilizado 
preferencialmente pela OMS, até meados da década de 80, e “saúde global”, que 
vem ganhando espaço crescente desde os anos 90, Brown, Cueto e Fee (2006, 
p.624) afirmam que: 
 
Saúde 'internacional' era um termo usado com considerável frequência já no 
final do século XIX e no início do século XX, e referia-se especialmente a 
um foco no controle de epidemias ultrapassando fronteiras entre nações, ou 
seja, 'internacionalmente'. 'Intergovernamental' se refere às relações entre 
governos de nações soberanas, neste caso, com relação às políticas e 
práticas de saúde pública. Saúde 'global', em geral, indica a consideração 
das necessidades de saúde da população de todo o planeta, acima dos 
interesses de nações em particular. O termo 'global' também é associado à 
crescente importância de atores para além de agências e organizações 
governamentais e intergovernamentais – por exemplo, a mídia, fundações 
influentes internacionalmente, corporações transnacionais. 
 
Desse modo, pode-se perceber uma reformulação do conceito de saúde e do 
próprio papel da Organização Mundial de Saúde por meio de uma redefinição da 
inserção da saúde frente a um novo contexto social, no qual o Estado deixa de ser o 
agente hegemônico do controle e cuidado social dos processos de saúde e passa a 
sofrer maior influência de instituições e organizações transnacionais, como 
organismos de mídia, empresas multinacionais de medicamentos, rápida divulgação 
de descobertas científicas, entre outros, além de haver maior interdependência em 
relação a outros países, por exemplo, com a disseminação mundial facilitada de 
doenças infecciosas. 
Considerando a saúde como “responsabilidade compartilhada que pressupõe 
um acesso equitativo aos cuidados essenciais e a defesa coletiva contra as 
ameaças transnacionais”, a Organização Mundial de Saúde estabelece um 
programa que considera o desenvolvimento, a infraestrutura – por meio da 
segurança sanitária – e a informação como pontos essenciais para a promoção da 
saúde nos diferentes contextos sociais. Tal abordagem expressa a relação entre 
saúde, dinâmica econômica e desenvolvimento social em um contexto capitalista, 
 
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como é o caso de nossa sociedade. Ao considerar o desenvolvimento econômico 
como força motriz das ações sociais, inclusive das ações em saúde, esta diretriz 
privilegia a ação e a organização econômica, procurando se alinhar às 
transformações estruturais de diretriz neoliberal que ocorreram no sistema social, 
principalmente, a partir de meados da década de 80. Tais transformações 
assinalaram um papel cada vez maior do Banco Mundial para o financiamento de 
Ações Internacionais em Saúde, o que significou uma dispersão dos recursos em 
áreas de interesse dos grupos financiadores (países doadores de recursos, 
empresas multinacionais em saúde, entre outros) em detrimento de áreas de 
interesse social ou áreas mais necessitadas. 
Compreender a conjuntura dos processos de gestão ocorridos no interior da 
Organização Mundial de Saúde, é importante para aprofundar o entendimento da 
gestão em saúde brasileira, já que esse panorama nos oferece tanto as diretrizes de 
influência sobre o cenário brasileiro quanto o pano de fundo socioeconômico sobre o 
qual as ações em saúde foram forjadas, tanto em nível local quanto em nível global. 
Nesse contexto, é importante ressaltar que o processo de globalização, já analisado 
anteriormente, representou também um realinhamento das agendas de ação dos 
estados em nível global. Desse modo, as ações dos Estados seguem cada vez mais 
uma mesma diretriz, marcada pelo capital internacional, de privatização de todos os 
serviços, no qual o Estado não garante direitos essenciais à população, mas apenas 
regula relações privadas de interesse econômico. As transformações na agenda dos 
organismos internacionais, notadamente, da Organização Mundial de saúde, nos 
servirá como parâmetro para a compreensão dessas mudanças globais. 
Nesse resgate histórico, observa-se que, segundo Bhagwait (1977) e 
Rothstein (1979), durante as décadas de 1960 e 1970, as ações da OMS foram 
bastante influenciadas por um contexto político, no qual as nações africanas recém-
descolonizadas, a disseminação de movimentos nacionalistas e socialistas e as 
teorias de desenvolvimento pressionavam por um direcionamento das intervenções 
voltado à equidade social, enfatizando o crescimento socioeconômico integral de 
longo prazo em detrimento da intervenção tecnológica de curto prazo. Essas 
pressões ocorreram por meio de organizações, tais como o Movimento dos Países 
Não-Alinhados e a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o 
 
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Desenvolvimento – Unctad, e mobilizavam-se para a adoção de condições mais 
justas no comércio e por financiamentos mais generosos para o desenvolvimento. 
Conforme relatam Brown, Cueto e Fee (2006, p. 628): 
 
(...) Esse contexto político em transformação refletiu-se em mudanças 
correspondentes no interiorda OMS. Nos anos 60, a OMS reconheceu que 
a criação e a melhoria na infra-estrutura de saúde, especialmente no 
campo, era pré-requisito para o sucesso dos programas de controle da 
malária, especialmente na África. 
 
Essa visão da saúde voltada a uma atenção integral e articulada às condições 
de desenvolvimento social, em geral, perdurou até o final da década de 70, 
estabelecendo alguns dos parâmetros relativos à articulação saúde-sociedade, 
como o conceito de atenção primária em saúde, que buscava privilegiar a 
prevenção, a educação, e o favorecimento de condições mínimas de higiene, 
infraestrutura e desenvolvimento social, como formas de promoção de saúde, bem 
como as noções de desenvolvimento intersetorial e “tecnologia apropriada” que 
buscavam articular uma abordagem transdisciplinar voltada para a universalização 
das ações em saúde. Conforme Brown, Cueto e Fee (2006, p.629): 
 
A "Declaração de Atenção Primária à Saúde" e a meta "Saúde para todos 
no ano 2000" defendiam uma abordagem "intersetorial" e multidimensional 
para a saúde e o desenvolvimento socioeconômico, enfatizavam o uso de 
"tecnologia apropriada", quer dizer, não custosa e adaptada ao meio social 
onde seria implementada, e instavam pela ativa participação comunitária no 
atendimento à saúde e na educação de saúde em todos os níveis. 
 
De acordo com o World Bank (1987), é a partir da década de 1980, que a 
crescente influência do Banco Mundial passa a interferir nas diretrizes e ações da 
OMS. Essa instituição criada, em 1946, para apoiar a reconstrução da Europa, 
posteriormente, expandiu seu mandato para oferecer empréstimos, subvenções e 
assistência técnica a países em desenvolvimento. O Banco favorecia mercados 
livres e minimizava o papel dos governos nacionais. Tal abordagem do Banco 
mundial, alinhada com uma concepção neoliberal de desenvolvimento, que 
desprivilegiava a equidade social, passou a direcionar diversas ações no âmbito da 
saúde internacional, baseadas em empréstimos oferecidos de forma direta aos 
países e instituições. Assim, o Banco Mundial promovia ações em saúde de modo 
 
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14 
disperso e local, desprivilegiando uma visão articulada e integral, voltada à justiça 
social e à igualdade de acesso. 
Conforme World Bank (1987), na medida em que o Banco Mundial começou a 
fazer empréstimos diretos para serviços de saúde, fez também exigências em 
relação ao uso eficaz dos recursos disponíveis. Com suas requisições, o Banco 
Mundial acabou por levar parâmetros empresariais de funcionamento aos serviços 
financiados e levantou a discussão sobre o papel dos setores público e privado no 
financiamento do atendimento à saúde. O Banco Mundial buscava, assim, responder 
à nova política econômica internacional estruturada em torno de abordagens 
neoliberais quanto à economia, comércio e política, o que significava uma maior 
abertura ao capital e aos interesses privados, desprivilegiando da ação do Estado na 
promoção de direitos básicos de cidadania. Nessa perspectiva, o Banco Mundial 
argumentava que os sistemas de saúde existentes, frequentemente, causavam 
desperdício de recursos financeiros e humanos, eram ineficientes e ineficazes. Em 
nome desta suposta ineficiência do Estado, o Banco defendia uma maior presença 
do setor privado na provisão de atenção à saúde, com a redução do envolvimento 
público no oferecimento de serviços de saúde, privilegiando assim aqueles que 
poderiam pagar pelos serviços prestados. 
Com as subvenções do Banco Mundial realizadas diretamente a serviços de 
saúde, essa instituição passou a ser um grande ator das ações em saúde no cenário 
internacional. Por outro lado, uma mudança estrutural semelhante acabou ocorrendo 
na Organização Mundial de Saúde, na década de 80. O orçamento da organização 
era composto por dois fundos: o fundo regular – obtido da contribuição dos Estados 
membros, baseada em tamanho da população e PIB – e os fundos 
extraorçamentários – resultantes de doações de agências multilaterais ou países 
'doadores' para programas específicos. Nessa época, o orçamento passou a 
depender cada vez mais do segundo tipo de recursos, que vinha crescendo 
significativamente, fragmentando a ação da OMS. Como observam Walt (1993), 
 
Em 1986 e 1987, fundos extra-orçamentários de 437 milhões de dólares 
quase haviam atingido o montante do orçamento regular, de 543 milhões de 
dólares. No início da década de 1990, fundos extra-orçamentários haviam 
ultrapassado em 21 milhões de dólares o orçamento regular, contribuindo 
assim com 54 por cento do orçamento total da OMS. Imensos problemas 
surgiram para a Organização em virtude dessa mudança orçamentária. 
 
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15 
Prioridades e políticas eram pretensamente definidas pela Assembléia 
Mundial da Saúde, composta por todos os países membros, mas esta, 
então numericamente dominada por países pobres e em desenvolvimento, 
tinha autoridade somente sobre o orçamento regular, congelado desde o 
início dos anos 80. Países doadores ricos e agências multilaterais, como o 
Banco Mundial, podiam ter amplo controle sobre o uso dos fundos extra-
orçamentários com os quais contribuíam. Assim, com efeito, estes últimos 
criaram vários programas 'verticais' mais ou menos independentes do 
restante dos programas da OMS e da estrutura de tomada de decisões. 
 
Desse modo, os fundos extra-orçamentários, embora ampliassem o 
orçamento da OMS, não permitiam uma ação coordenada e conjunta, provocando 
uma submissão dos projetos da organização Mundial de Saúde a organismos e 
países que possuíam seus próprios interesses. Como analisou Walt (1993, p. 129) 
sobre esses fundos: "eles aumentam as dificuldades de coordenação e 
continuidade, causam imprevisibilidade financeira, e uma grande dependência da 
satisfação de doadores específicos". 
Nesse contexto, segundo Stenson & Sterky (1994, p. 242), a OMS começou a 
remodelar-se na coordenação, no planejamento estratégico e na liderança de 
iniciativas de 'saúde global'. No início de 1992, a Assembléia Mundial da Saúde 
decidiu nomear um "grupo de trabalho" com o objetivo de sugerir estratégias para 
que a OMS fosse mais eficaz no trabalho de saúde internacional à luz da "mudança 
global" que rapidamente tomava conta do mundo. O relatório foi finalizado em 1993, 
e recomendou algumas estratégias centrais: 1) que a OMS reformulasse sua gestão 
dos programas global, regional e por país, fragmentária até então; 2) que a 
Organização diminuísse a competição entre programas do orçamento regular e 
extra-orçamentários; 3) principalmente, que a OMS, aumentasse a ênfase nos temas 
de saúde global e no papel da OMS de coordenador nesse âmbito. 
No período anterior à confecção do relatório de 1993, havia poucas 
utilizações da expressão 'saúde global'. Ainda assim, essa expressão ocorria mais 
em meios exteriores à OMS e se relacionava ao ambiente acadêmico, 
principalmente de orientação política esquerdista. Por exemplo, alguns artigos 
científicos, do início da década de 90, apresentaram o tema da saúde global. Em 
1990, G. A. Gellert abordava em seu artigo a interdependência global em saúde e 
Milton e Ruth Roemer apud Brow, Cueto e Fee (2006) defendiam em seu artigo a 
expansão de serviços em saúde para a conquistade avanços na “saúde global”. 
 
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16 
Além disso, a expressão “saúde global” vinha sendo disseminada pelo movimento 
ambientalista, que correlacionava a degradação ambiental mundial e o aquecimento 
global a diversos problemas de saúde, como a epidemia pelo vírus Ebola e os casos 
de tuberculose ressurgente e resistente aos medicamentos tradicionais, 
argumentando sobre a existência de uma ameaça concreta de doença global. 
Segundo Brow, Cueto e Fee (2006), a partir desse redirecionamento que 
buscava ampliar a influência da OMS e reposicionar seu papel como protagonista 
das decisões e do monitoramento de ações no panorama global, houve também a 
mudança de gestão da OMS, em 1998, buscando “restaurar a credibilidade da 
organização e trazer-lhe uma nova visão”. Nessa gestão, algumas medidas 
transformaram profundamente a ação da OMS. Entre elas, figurou a criação da 
Comissão sobre Macroeconomia e Saúde, que incluía, de acordo com os mesmos 
autores, “ex-ministros de finanças e funcionários do Banco Mundial, Fundo 
Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio e Programa das Nações 
Unidas para o Desenvolvimento, assim como lideranças da saúde pública”, que 
publicou um relatório, argumentando ser essencial a melhoria da saúde para o 
crescimento econômico dos países em desenvolvimento e identificando um conjunto 
de prioridades relativas a doenças que requeriam intervenção específica. Essa 
articulação entre saúde e desenvolvimento econômico marca mudanças na 
compreensão das relações entre saúde e contexto social. Se nos anos 60 este 
vínculo havia sido abordado com ênfase na igualdade social e garantia coletiva de 
condições mínimas de vida, a OMS agora privilegiava cada vez mais o aspecto 
econômico da estrutura social, com uma ênfase maior no montante de recursos do 
que em sua distribuição. Essa ênfase, que permanece até hoje, tende a diminuir a 
importância dos aspectos políticos para atrelar todas as ações às decisões 
econômicas, desprivilegiando os argumentos e prioridades dos países menos 
desenvolvidos. 
Outra importante mudança de gestão se referiu à organização financeira da 
OMS. Por meio do estabelecimento de parcerias em projetos específicos que 
reuniam ‘cotistas’ (doadores privados, governos e agências nacionais e 
internacionais), a OMS buscou ampliar os fundos com os quais atuava. Se, por um 
lado, esta ação representou um aumento substancial do montante financeiro gerido 
 
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17 
pela OMS, ela também representou a legitimação de ações fragmentadas e 
desvinculadas de um projeto integrado e igualitário de saúde. Em poucos anos, 
foram criadas por volta de 70 ‘parcerias de saúde global’ e essa solução foi adotada 
amplamente no mundo, inclusive no Brasil. Tais parcerias, segundo Brow, Cueto e 
Fee (2006, 629), “eram programas semi-autônomos, aportando fundos externos 
substanciais, frequentemente na forma de parcerias público-privadas”. Assim, os 
autores complementam que: 
 
(...) os críticos das parcerias público-privadas argumentavam que as 
colaborações com o setor comercial poderiam subordinar os valores e a 
missão da OMS, modificar as prioridades organizacionais, recriar programas 
verticais desarticulados entre si em meio a sistemas de saúde fragmentados 
e afastar-se da abordagem compreensiva dos serviços de saúde, 
caminhando para um foco mais restrito em "doenças prioritárias" (...). Outra 
crítica à proliferação das parcerias público-privadas era que elas tendiam a 
fragmentar a estrutura financeira e de governança da saúde internacional, 
criando duplicação em determinadas áreas e nenhuma atenção em outras. 
(BROW, CUETO e FEE, 2006, p. 630). 
 
No atual programa de ação da Organização Mundial de Saúde, pode-se 
observar o direcionamento das políticas a partir desse contexto de transformação 
das forças socioeconômicas do cenário internacional. Assim, o programa ressalta a 
ação da OMS “em um contexto cada vez mais complexo e em rápida 
transformação". Por um lado, a OMS reconhece a organização sistêmica das 
questões de saúde, relacionando-as a outros setores da sociedade, que teriam “uma 
incidência sobre as possibilidades e os resultados sanitários”. Por outro lado, o 
programa em seis pontos formulado pela instituição ressalta a promoção do 
desenvolvimento econômico como agente de melhoria da saúde. Segundo a OMS, 
os seis pontos do programa se referem “a dois objetivos sanitários, duas 
necessidades estratégicas e duas abordagens operacionais” sendo eles: promover o 
desenvolvimento, favorecer a segurança sanitária, reforçar os sistemas de saúde, 
explorar a pesquisa, a informação e os dados factuais, reforçar as parcerias e 
melhorar o desempenho. 
Além da promoção do desenvolvimento figurar como primeiro item do 
programa da OMS, tanto a priorização das parcerias com “organizações 
internacionais, doadores, a sociedade civil e o setor privado” quanto “o 
aprimoramento do desempenho, no qual a OMS prevê seu orçamento e suas 
 
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atividades no contexto de uma gestão fundada nos resultados”, demonstram o 
direcionamento da organização para uma lógica econômico-empresarial. Assim, a 
OMS descreve suas relações com as parcerias através da oferta de ideias, na qual 
os dados factuais são utilizados para o apoio dos “parceiros” na elaboração e 
execução de projetos no interior dos países, ressaltando o aspecto técnico das 
intervenções em detrimento do aspecto político, embora considere também “as 
prioridades estabelecidas pelos países”. 
Esse destaque ao desenvolvimento econômico, em detrimento das ideias 
anteriores de justiça social, está alinhado com as influências do Banco Mundial e 
das pressões econômicas sofridas pela agência. Embora a OMS ressalte a 
promoção da saúde da mulher e da saúde na África como suas prioridades, os 
modos de organização das políticas descrevem uma compreensão da relação entre 
saúde e sociedade, na qual preponderam os fatores de ordem econômica, com a 
influência cada vez maior do setor privado e dos países de maior poder econômico 
no direcionamento das políticas públicas em nível mundial. Por outro lado, a 
formulação das políticas centra-se nos dados gerados em pesquisas, a partir das 
quais instituições como a OMS e o Banco Mundial realizam prescrições de ordem 
generalizante sobre as políticas de saúde em diferentes países, por vezes 
desconsiderando os contextos locais e frequentemente condicionando o 
financiamento à adoção do modelo prescrito. Nessa conjuntura, é preciso analisar 
com Sá (2001) que: 
 
(...) sem desconhecer a importância do instrumental teórico-metodológico 
disponível no campo da saúde pública, o que é preciso reconhecer é a 
insuficiência das propostas prescritivas que costumam ser formuladas com 
o objetivo de mudar a realidade de nossos serviços de saúde, calcadas 
exclusivamente na racionalidade técnico-científica da epidemiologiae das 
teorias sistêmico-estratégicas de planejamento e gestão. Nenhuma dessas 
abordagens é suficiente, isoladamente, para fazer face, por exemplo, ao 
cinismo generalizado contido no tratamento do outro como um evento 
estatístico ou burocrático e no predomínio da racionalidade instrumental na 
relação entre os sujeitos no interior dos serviços de saúde. 
 
Desse modo, o contexto socioeconômico mais amplo de desregulamentação 
do mercado, de privatizações em nível mundial e da absoluta falta de estabilidade 
econômica e social decorrentes desses processos, se reflete, na saúde, pelo 
direcionamento das ações de agências internacionais como a OMS e o Banco 
 
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19 
Mundial para uma lógica do mercado privado em saúde. Essa mesma lógica 
influencia as ações públicas dos países, tanto pelos processos sociais de 
enfraquecimento da dimensão política e fortalecimento dos grandes agentes 
econômicos quanto pela ação dessas próprias agências, que muitas vezes 
condicionam empréstimos e programas nos países à adoção de uma política pública 
alinhada com o pensamento neoliberal. 
No caso do Brasil, esse projeto voltado à privatização da saúde contradiz em 
muitos aspectos aos princípios do SUS, estabelecidos na constituição de 1988, com 
base em uma ampla discussão da sociedade no contexto do processo de 
redemocratização do país. Tais princípios, que se norteiam pela ideia de que a 
saúde é “direito de todos e dever do estado”, colocam o Estado, e não agências 
privadas ou pequenos núcleos da sociedade civil, como ator central das ações de 
saúde, cuja regulamentação caberia à sociedade por meio dos Conselhos de Saúde, 
do qual participariam representantes das comunidades locais. Em contrapartida, o 
modelo de gestão destacado internacionalmente pela OMS e pelo Banco Mundial 
coloca a saúde a cargo da iniciativa privada, delegando ao Estado apenas as áreas 
em que os tratamentos não seriam rentáveis. Nesse modelo de gestão, o Estado 
assumiria o papel de regulamentação e a sociedade não participaria de forma direta, 
mas por meio dos agentes de Estado eleitos (prefeitos, governadores, presidentes, 
vereadores, deputados, etc). 
Frente às diferenças entre esses dois modelos, o Estado Brasileiro acaba por 
situar-se em uma posição ambígua: por um lado, não pode distanciar-se de um 
modelo estabelecido em sua constituição. Por outro lado, não pode ignorar as 
pressões e influências do capital internacional e das agências internacionais. Assim, 
ao mesmo tempo em que impõe, sobre as organizações públicas, um projeto de 
reforma administrativa cujos eixos centrais são a privatização e a modernização 
gerencial, o Estado acaba por não garantir as condições suficientes de 
financiamento e operação para as suas organizações. Assim, de acordo com Sá: 
 
(...) nossas organizações públicas vivem processos de angústia e 
sofrimento derivados da alta incerteza quanto às suas possibilidades de 
sobrevivência. Ao lado de questões de ordem política e social mais ampla - 
como a inegável contradição entre os princípios da reforma sanitária e o 
avanço do projeto neoliberal no dia-a-dia das ações governamentais - 
colocam-se limites de ordem teórico-técnica, como a insuficiência dos 
 
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20 
conhecimentos acumulados sobre o planejamento e a gestão em saúde 
para dar conta das múltiplas dimensões e contradições determinantes da 
atual situação dos serviços de saúde no país. (SÁ, 2001, p.) 
 
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21 
UNIDADE 3 - O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO CONTEXTO 
ATUAL: AVANÇOS E PERCALÇOS 
 
Como abordado anteriormente, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, 
as políticas sociais foram tomadas como síntese do conflito entre capital e trabalho 
nos países centrais, em especial na Europa, e se operacionalizam a partir das ideias 
e práticas do capitalismo monopolista de Estado. Como apontam Pires & Demo 
(2006), isso significava a adoção das chamadas políticas keynesianas, que se 
pautavam pela intervenção do Estado na produção e reprodução das relações 
sociais capitalistas em prol da cidadania, ou seja, o controle e regulação da 
economia, das leis trabalhistas, das garantias sociais de direitos e a ação estatal 
dominante nas áreas sociais, tais como saúde, educação, habitação, previdência, 
etc. Essas ações promoveram a implantação do Estado de Bem-Estar Social, que se 
estendeu até a década de 70. 
De acordo com Behring (2002), fatores como a crise do petróleo, a 
reestruturação e maquinização da produção de modo a diminuir a necessidade de 
trabalhadores, a transnacionalização dos mercados e desregulamentação das 
garantias sociais esgotaram o Estado de Bem-Estar Social e conduziram à fase 
atual do capitalismo, denominado avançado, financeiro ou tardio. Assim, segundo 
Pires e Demo (2006), “para entender a discussão sobre crise do Estado de Bem-
Estar, cabe um aprofundamento sobre a conformação das políticas sociais no 
estado capitalista, tendo como palco privilegiado a arena política do Estado, tensa 
em disputas entre o mercado e a sociedade organizada (cidadania)”. 
É no contexto de transformações nas relações econômicas, políticas e 
institucionais, nacionais e internacionais, ocorridas a partir do final da década de 80, 
rumo ao enfraquecimento do Estado de Bem-Estar Social, que devemos situar as 
ações do governo brasileiro na gestão das políticas públicas, inclusive no setor de 
saúde. Nesse sentido, a compreensão dos temas que dizem respeito aos problemas 
e desafios atuais do SUS e aos avanços conceituais e metodológicos na área passa 
pelo conhecimento histórico-social da formulação das políticas de saúde brasileiras 
e da constituição do SUS. No que se refere a esse tema, cabe ressaltar que, apesar 
dos esforços galgados no sentido da democratização da saúde, o Estado Brasileiro 
tem privilegiado intervenções marcadas pela o modelo médico-clínico com medidas 
 
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22 
puramente assistenciais, mostrando um direcionamento político atrelado à 
compreensão do processo saúde-doença como determinado hegemonicamente por 
aspectos biológicos que devem ser abordados sob uma ótica curativa. 
Tal acepção, que desprivilegia a prevenção e desconsidera a importância de 
fatores do desenvolvimento social (tais como habitação, educação e saneamento), 
tem estado presente como política de saúde desde a criação das caixas de 
Aposentadorias e Pensão, em 1923, mantidas por empresas a seus funcionários, 
passando pela criação dos I.A.P.S. (Institutos de Aposentadorias de Pensão), na 
década de 30, até constituição do M.P.A.S. ,em1974, e a unificação dos serviços de 
seguridade social através do INPS (Instituto Nacional da Previdência social), em 
1967. Na década de 70, essa tendência se intensificou e se agregaram a ela 
diretrizes de articulação das ações públicas com o setor privado, que se evidenciam 
pelas novas características no perfil das Políticas de Saúde dominantes até os anos 
80. Nesse período, a criação do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica 
da Previdência Social), em 1978, privilegiou políticas como a compra de serviços e a 
reserva de ações não lucrativas ao setor público, como as de cunho preventivo, 
concorreram para uma organização dos serviços que fortaleceu o setor privado. 
O INAMPS era marcado pela centralização das ações na esfera federal, que 
privilegiava ações hospitalares em detrimento de ações integradas, inseridas no 
contexto social e que considerassem aspectos como a prevenção, educação e 
promoção da saúde. A organização do sistema de saúde era fragmentada, não 
havendo integração das intervenções promovidas por federação, estados e 
municípios, ou das assistências prestadas pelo governo e por instituições privadas 
ou filantrópicas conveniadas ao sistema público, configurando dimensões de 
assistência sem comunicação entre si. Não havia mecanismos de controle social e 
de participação da população no financiamento, gestão e controle de qualidade do 
sistema, tampouco preocupação com a regionalização do sistema e a consideração 
das condições locais. 
Além disso, a assistência ocorria de forma desigual, pois o atendimento 
prestado pelo INAMPS destinava-se aos trabalhadores com vínculo empregatício 
formal, não abrangendo a totalidade da população e os serviços concentravam-se 
em certas regiões (grandes cidades, Sul e Sudeste do país), com baixa ou nenhuma 
 
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23 
oferta em outras (pequenas e médias cidades, Norte e Nordeste). Por fim, a 
assistência ocorria de forma fragmentada entre vários sub-setores e instituições, o 
que impedia o funcionamento em rede do sistema, o que impedia um bom 
aproveitamento, tanto dos recursos financeiros, quanto das ofertas de assistência do 
próprio sistema. Em consequência desse quadro, uma crise generalizada no setor 
de saúde caracterizou no final dos anos 70, intensificada pela crise política e 
econômica gerada pela ditadura militar (1964-1985). Essa crise, que ocorria tanto no 
aspecto financeiro dos altos custos no setor, quanto na falta de eficácia do sistema, 
que não contemplava grande parte dos problemas de saúde da população, gerou 
iniciativas de reforma no sistema. 
Primeiramente, surge a proposta do PIASS (Programa de Interiorização das 
Ações de Saúde e Saneamento), a qual formulou como diretrizes a hierarquização, 
regionalização, integração dos serviços e participação comunitária. Esse projeto não 
avançou, pois, entre outras razões, possuía um caráter verticalizante e abrigava 
contradições entre a proposta de regionalização e a persistência da centralização, 
além de conceber a participação comunitária como elemento meramente formal. 
Porém, no interior do PIASS, e paralelo a este, inicia-se um movimento de oposição 
que defende um projeto voltado para a efetiva descentralização dos serviços e a 
inclusão dos usuários na definição das políticas, buscando combater a 
mercantilização pelo fortalecimento do setor público e por meio de ações vinculadas 
às reais necessidades da população. Esse movimento se dissemina na área de 
saúde e lança as bases precursoras do SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado 
de Saúde). 
O SUDS não promoveu a efetiva descentralização administrativa para os 
municípios e desconsiderou a questão da participação popular, elemento 
imprescindível para o sucesso das reformas propostas. Porém, ainda que não 
provocasse mudanças radicais de serviços, nem no modelo assistencial, em razão 
da conjuntura em que foi constituído e dos entraves políticos, burocráticos e 
financeiros de governo, o SUDS já incorporava o pensamento do Projeto da 
Reforma Sanitária, elaborado na VIII Conferência Nacional de Saúde de Brasília, em 
1986, que apontava para um Sistema Único de Saúde e foi um importante passo 
para a construção do SUS. Isso porque o movimento social gerado na luta pela 
 
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24 
Reforma Sanitária influenciou a aprovação do capítulo da saúde na Nova 
Constituição, na qual se introduz um conceito ampliado de saúde garantido por 
Políticas Sociais e Econômicas e se contemplam os princípios defendidos na VIII 
Conferência de Saúde para a construção de um Sistema Único, regionalizado, e 
hierarquizado com acesso universal igualitário, organizado de acordo com as 
diretrizes de descentralização com direção em cada esfera de governo, atendimento 
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços 
assistenciais e participação da comunidade. 
Superaram-se, assim, no plano jurídico, os principais entraves ao 
enfrentamento dos problemas de saúde de uma forma abrangente, contemplando 
ações preventivas, curativas e de promoção de saúde, garantindo a participação de 
representantes dos usuários na elaboração das políticas de saúde. Esses pontos 
foram detalhados na Lei Orgânica da Saúde 8.080 de 10/9/90 e Lei N° 8.149 de 
28/12/90 que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS. A 
participação social ocorreria através das Conferências Nacionais de Saúde, que 
congrega os diversos setores (governos, profissionais e sociedade civil) e dos 
Conselhos Nacionais de Saúde, instâncias colegiadas que fariam a avaliação da 
situação de saúde e a proposição das diretrizes para formulação de políticas de 
saúde É neste contexto jurídico-político que acontece a IX Conferência Nacional de 
Saúde, no momento em que o processo de municipalização se debate com 
inúmeros obstáculos. A questão do financiamento do SUS que exige melhor 
definição e direcionamento e a participação popular é dificultada pela crise 
econômico-financeira. Essa participação é mais do que nunca necessária para 
garantir a concretização dos avanços inscritos na lei e no plano do discurso teórico e 
da vontade do chamado Partido Sanitário. Segundo Macedo (2005), no início dos 
anos 90, proliferaram-se Conselhos de Saúde no país, sendo criados dois mil, entre 
1991 e 1993. Pela avaliação da descentralização do SUS, a IX Conferência Nacional 
de Saúde, de 1992, buscou ampliar a descentralização para além do repasse de 
verbas pela gestão municipal da saúde, visando a participação social e o respeito a 
diferenças regionais. 
A reforma do sistema público e a constituição do SUS, formulada nesse 
contexto, estruturou-se por eixos alinhados com as concepções democráticas 
 
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25 
presentes nesses movimentos sociais, configurados nos princípios de universalidade 
no atendimento, descentralização, participação da sociedade, equidade no custeio e 
uniformidadede benefícios. No entanto, sua implementação vem enfrentando 
diversos dilemas e obstáculos. Em primeiro lugar, há as dificuldades provenientes 
das transformações rumo ao capitalismo financeiro, que orienta as ações sociais 
para o mercado e não se mostra favorável à democratização e fortalecimento 
público do sistema de saúde. Em seguida, ocorrem dificuldades provenientes do 
próprio processo histórico e cultural das políticas brasileiras, no qual práticas como o 
clientelismo e o autoritarismo continuam presentes em diversas regiões. Como 
apontam Pires e Demo: 
 
o cenário econômico mundial transnacionalizado, com a consequente 
exigência de flexibilização das garantias sociais que o capital financeiro vem 
impondo aos Estados-nações, traz sérias repercussões estruturais para 
países em desenvolvimento ou periféricos, como o Brasil, pondo em risco a 
implementação dos princípios e diretrizes do SUS. (PIRES e DEMO, 2006). 
 
Por outro lado, as condições político-sociais próprias do país também são 
determinantes na má qualidade de vida e de saúde da população, já que o 
panorama da saúde se vincula aos modos de organização social, incluindo fatores 
como depende a forma de produção e distribuição da riqueza, as condições 
desenvolvimento social e as condições de vida. É importante destacar que os 
determinantes sociais têm forte inter-relação, uma vez que são produto da estrutura 
social e nela se reforçam, mantém as relações de propriedade, garantem a 
acumulação e produzem a desigualdade. Assim, a compreensão das especificidades 
da sociedade brasileira amplia a compreensão sobre a pertinência e a organização 
das ações em saúde no país. No Brasil, fatores como os diferentes níveis de 
desenvolvimento regional, o confisco salarial das classes trabalhadoras e a 
concentração de terra, uma das mais aviltantes entre países de potencialidade e 
tradição agrícolas da população, interferem negativamente nas condições de saúde. 
No contexto do quadro epidemiológico brasileiro, analisamos anteriormente a 
complexidade das ações de saúde num contexto que articula doenças relacionadas 
à pobreza e falta de condições mínimas para a qualidade de vida da população e 
doenças relacionadas ao desenvolvimento econômico-industrial. Este cenário gera 
uma demanda diversificada junto aos serviços de saúde, que se volta para a 
 
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prevenção, tratamento e recuperação tanto de problemas de saúde como 
parasitoses e desnutrição quanto obesidade e diabetes. 
A concentração da terra em grandes latifúndios e a escassez de incentivos 
agrícolas aos pequenos produtores acaba por provocar o êxodo rural, com o 
consequente crescimento desordenado da cidade e a instalação de condições 
precárias de habitação para grande parte da população. A ausência de saneamento, 
educação, infraestrutura nas residências, acesso à água potável, entre outros, gera 
uma perda da qualidade de vida, comprometendo as condições de saúde. Por outro 
lado, os migrantes encontram nas cidades a forte presença do desemprego 
estrutural, em que a oferta de mão-de-obra é muito superior à oferta de empregos. 
Além disso, há uma grande parcela de subempregos, em que os baixos salários e as 
precárias condições de trabalho podem muitas vezes contribuir para o agravamento 
das condições de saúde. Mesmo para aqueles que conseguem empregos no 
mercado formal, o arrocho salarial, ou seja, o aumento dos salários frequentemente 
inferior a inflação, que acaba reduzindo o poder de compra dos trabalhadores no 
longo prazo, pode impedir ou limitar o acesso a muitos bens essenciais ou a 
melhorias concretas nas condições de vida. 
Nas regiões Norte e Nordeste, muitas vezes, esses problemas se agravam, 
pois a maior desigualdade social num quadro de menor desenvolvimento econômico 
eleva ainda mais o nível de corrosão salarial e subemprego, e dificulta ainda mais o 
acesso a direitos sociais mínimos, tais como saneamento e educação. Tais fatores 
levam a piores condições de saúde, o que pode ser demonstrado pelos indicadores 
dessas regiões: no Norte e no Nordeste, os índices de desnutrição e de mortalidade 
infantil são em média, duas vezes maiores do que os índices verificados no Sul e no 
Sudeste do país. Em algumas localidades das regiões Norte e Nordeste, a 
esperança de vida ao nascer pode chegar a ser trinta anos inferior àquela 
encontrada em certos locais do Sul e do Sudeste. 
Assim, a conjuntura brasileira em saúde guarda contradições, tanto em sua 
epidemiologia, decorrente de um processo social desigual, que combina alta 
tecnologia em determinados setores e escassez de recursos em outros, quanto em 
sua conjuntura político-econômica de gestão, na qual diretrizes democratizantes 
galgadas pelos movimentos sociais e estabelecidas na formulação do SUS, desde o 
 
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final dos anos 70 até o final da década de 80, têm convivido com direcionamentos 
voltados para os interesses do poder econômico e do setor privado, principalmente a 
partir da década de 90, influenciados tanto por agentes internacionais quanto por 
agentes nacionais de grande poder econômico. Essas contradições do próprio país, 
aliadas às contradições nos rumos das políticas de saúde, ajudam a compreender 
os obstáculos e insucessos das políticas de saúde implantadas no Brasil. 
Assim, por um lado, os temas que vêm sendo abordados nas nas 
Conferências Nacionais de Saúde, realizadas durante os últimos 10 anos (1992, 
1996 e 2000), demonstram um prosseguimento das discussões caras à 
implementação do SUS, no sentido de buscar uma prática de saúde que se 
configure como “direito de todos e dever do Estado”. Alguns desses temas 
demonstram a preocupação com a transparência e o controle social do sistema, bem 
como com a manutenção de uma organização participativa e socialmente vinculada: 
a descentralização da gestão do SUS e redefinição das competências de cada 
esfera de governo; o financiamento, as fontes de recursos e mecanismos de 
transferências intergovernamentais; a mudança dos modelos de atenção à saúde, 
visando à consolidação de modelos de gestão alternativos aos hegemônicos; a 
implantação de sistemas de auditoria, controle e avaliação dos serviços de saúde; 
os mecanismos de controle social sobre a gestão do sistema de saúde; o 
gerenciamento de sistemas de informação como suporte ao processo de tomada de 
decisões em saúde e como garantia do acesso público às informações referentes à 
gestão e ao financiamento do sistema. 
Na perspectiva de desenvolver os princípios de universalidade e participação 
social, diversos programas de atenção à saúde, especialmente os programas cujo 
foco é a atenção primária, ou seja, as ações de prevenção e promoção da saúde, 
buscam vincular suas práticas e políticas ao contexto social mais amplo. Assim, as 
ações são desenvolvidas a partir de uma participação dos agentes no cotidiano da 
população, de modo integrar as ações nas dinâmicas de relações de uma família ou 
comunidade e a transformar as práticas de saúde em práticas sociais. No plano da 
gestão, esse direcionamento das políticas se evidencia pelo Piso de Atenção Básica 
(PAB), criado em 1998. Esse piso tem dois objetivos: em primeiro lugar, garantir um 
mínimo de recursosdestinados à promoção e prevenção em saúde; em segundo 
 
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lugar, garantir a equidade, já que a transferência de recursos aos municípios passa 
a ser proporcional à população municipal, permitindo mais estabilidade na 
elaboração das ações locais de saúde e fortalecendo a vinculação dos programas às 
especificidades de vida de cada cenário social. 
Porém, mesmo articulando a descentralização do sistema de saúde aos eixos 
de integração social, foco na atenção básica e participação da população, os 
processos de descentralização ocorreram de modo desigual e paulatino. Isso porque 
tais processos dependeram de negociações e da adesão dos municípios, gerando 
níveis de gestão heterogêneos. Para que essas negociações ocorressem, cabe 
destacar o papel das Comissões Ingestores Tripartites e Bipartites, das quais 
participavam representantes de esferas de governo diversas (municipais, estaduais 
e federais), permitindo um diálogo e o estabelecimento de acordos no financiamento 
e gestão do sistema. O processo de descentralização apenas se dinamizou com o 
final da década de 90, com a X Conferência Nacional de Saúde, na qual a busca de 
negociações para os conflitos nos vários níveis de gestão possibilitou que, em 2000, 
98% dos municípios participassem da gestão descentralizada. Nesse processo, 
diversos programas passaram a vincular-se aos municípios, acompanhando as 
mudanças na transferência de recursos. Entre esses programas, observa-se uma 
ênfase na atenção primária e na saúde integrada, caso dos programas de vigilância 
sanitária e epidemiológica, de controle de doenças transmissíveis e de ações como 
o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários 
(PACS). Esses programas visam também redirecionar o modelo de saúde, saindo do 
modelo biomédico e assistencialista, centrado na intervenção mecânica para um 
modelo focado na atenção biopsicossocial, de modo a integrar ações preventivas na 
relação cotidiana entre agentes de saúde e população. 
Todavia, segundo Gerschman (2004), esse sistema ainda enfrenta enormes 
dificuldades no tocante à participação democrática da população, já que os 
Conselhos de Saúde, órgãos destinados a congregar representantes da população 
na gestão e controle do financiamento e qualidade de serviços, não possuem 
orçamento próprio e, em muitas localidades, acabam possuindo um caráter 
meramente figurativo ou mesmo politicamente influenciado por governantes e 
representantes do Estado. Além disso, de acordo com Ribeiro (1997), alguns 
 
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municípios formularam leis que retiram o caráter deliberativo dos conselhos de 
saúde formados pela população, transformando-os em órgãos consultivos ou 
formais e esvaziando sua capacidade decisória. Como apontam Coelho e Paim: 
 
No caso do setor saúde, constata-se uma participação maior do capital 
financeiro ao tempo em que a descentralização dos serviços permite aos 
municípios movimentarem fundos e negociarem esquemas com os 
produtores privados. (...) Dessa maneira, a sociedade perderia a 
capacidade de influir na definição das políticas de saúde, pois as 
privatizações ofereceriam uma "livre escolha" condicionada pela oferta e 
pela capacidade econômica de cada usuário. Parte da negociação torna-se 
assim, limitada, uma vez que é difícil estabelecer um pacto que inclua a 
participação dos usuários na tomada de decisões e na gestão de 
estabelecimentos privados.(COELHO e PAIM, 2005, p.1374). 
 
Em meio a essas contradições, a prática de gestão do Sistema Único de 
Saúde, em qualquer nível do sistema (federal, estadual ou municipal), coloca aos 
seus participantes a problemática de identificar e selecionar conhecimentos, 
métodos e instrumentos tecnicamente adequados para a implementação de 
programas e ações de saúde e ao mesmo tempo analisar a conjuntura político-social 
para o direcionamento das políticas, de modo a considerar as transformações de 
longo prazo no campo da saúde, que dependem da vinculação das ações ao 
conjunto mais amplo das relações e práticas sociais. 
O enfrentamento dessas dificuldades exige, no processo de gestão, um 
esforço de articulação entre as informações tecnicamente relevantes e a análise do 
cenário social no qual serão utilizadas para o desenvolvimento de ações ao mesmo 
tempo eficazes e pertinentes ao contexto social nas instituições, órgãos e programas 
em que se efetivam as políticas de saúde. No aperfeiçoamento do processo de 
planejamento e gestão do sistema, em todos os níveis, é necessário não apenas, 
segundo Teixeira e Vilasboas (2004), “o acesso a informações de natureza técnico-
científica e político-institucional que contribuam para a incorporação de 
conhecimentos e tecnologias de formulação, implementação e avaliação de 
políticas, planos, programas, projetos, destinados a intervir sobre o estado de saúde 
da população e sobre o próprio sistema de serviços de saúde”, como também a 
compreensão sistêmica no emprego dessas informações, de modo a construir uma 
visão articulada das diferentes esferas de atuação das ações de saúde, dos 
diferentes campos com os quais a saúde está articulada – tais como educação, 
 
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habitação, saneamento e condições de vida, meio ambiente, organização urbana, 
entre outros – e dos diversos entrecruzamentos que tornam os programas e ações 
de governo capazes de promover transformações a longo prazo. Essa perspectiva 
sistêmica só é possível mediante uma articulação de governo e de uma 
compreensão histórico-social não apenas dos processos de saúde e doença, mas 
também do próprio processo de gestão e articulação dos sistemas de saúde. 
Nesse contexto, os diversos temas de planejamento e gestão são geralmente 
apresentados como de ordem teórico-metodológica. Embora as informações 
técnicas sejam relevantes, a perspectiva exclusivamente metodológica possui 
importantes desdobramentos sociais e políticos que podem incidir negativamente 
sobre as práticas e programas de saúde, bem como sobre a possibilidade ou não de 
participação social nas ações de saúde. Assim, alguns temas de gestão serão 
apresentados e discutidos, visando a compreensão da articulação política e social 
dos processos de gestão. 
Em primeiro lugar, a discussão sobre as metodologias para a formulação de 
ações e programas em saúde pode ser bastante diversificada e está diretamente 
relacionada à concepção de saúde e ao enfoque dado às políticas. Algumas 
metodologias empregadas no Brasil focalizaram, por exemplo, o uso eficiente e 
normativo de recursos (caso do método CENDES), a gestão estratégica de 
planejamento em saúde, a gestão hospitalar integral, a ideia de planejamento 
adaptativo (caso do método elaborado pelo CPPS). Tais técnicas de descrição dos 
perfis epidemiológicos e identificação de necessidades em saúde privilegiam, 
frequentemente, determinados aspectos dos processos de

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